Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
407/08.5TTMTS.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 05/23/2012
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DR, I SÉRIE, Nº 121, 25 DE JUNHO DE 2012, P. 3197
BTE, Nº 25, VOL.79, 8 DE JULHO DE 2012.P.2372-2387
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: UNIFORMIZAÇÃO DE JURSIPRUDÊNCIA
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - PRESTAÇÃO DO TRABALHO/ TRABALHO SUPLEMENTAR
Legislação Nacional: CÓDIGO DO TRABALHO/ 2003: - ARTIGOS 197.º, N.º4 ALÍNEA A), 200º, Nº 1, ALÍNEAS A) A C).
DL N.º 409/71, DE 27-9: - ARTIGO 17.º, N.º1, ALÍNEA A).
DL N.º 421/83, DE 2-12: - ARTIGO 5.º, N.º1 ALÍNEAS A) E B).
Sumário :

Ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não é devido o pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17º, nº 1, alínea a), do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, e 197º, nº 4, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, mesmo que ultrapasse os limites legais diários ou anuais estabelecidos nos artigos 5º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 421/83 de 2 de Dezembro, e 200º, nº 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho/2003, após a entrada em vigor deste diploma.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA, intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

BB – Produtos Alimentares, Sociedade Unipessoal, Ldª, pedindo:

A.- A condenação da Ré no pagamento de créditos laborais no valor de € 148.892,74, acrescido do valor de € 19.081,81 a título de juros de mora vencidos;

B.- A declaração de que o Autor foi ilicitamente discriminado em termos salariais face a CC, DD, EE, FF e GG com a mesma categoria profissional de Supervisor, que auferiam rendimentos superiores e que a R seja condenada a pagar-lhe o diferencial face ao que os ditos colegas auferiam;

C.- A condenação da Ré no pagamento ao Autor de créditos laborais revistos em conformidade com o decidido no ponto  B;

D.- A condenação da Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 14.815,97, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

E.- A condenação da Ré no pagamento de juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas, desde a data do seu vencimento até efectivo pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que:

A Ré dedica-se à produção, comercialização e distribuição de produtos de panificação.

Entre Autor e Ré subsistiu um contrato de trabalho, sem termo, tendo cessado através de um processo de despedimento colectivo, em 31 de Maio de 2007.

O local de trabalho habitual do Autor aquando da cessação do referido contrato, era nas instalações da Ré, sitas na Zona Industrial ....

A categoria profissional do Autor que constava dos seus recibos de vencimento à data da cessação do contrato de trabalho era a de Supervisor.

O horário de trabalho em vigor no estabelecimento onde o Autor prestava trabalho aquando da cessação do contrato de trabalho era o seguinte:

a) De 2.ª a 6.ª Feira, das 7h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00, tendo intervalo para almoço das 12h00 às 14h00;

b) Aos sábados, das 7h00 às 11h00;

c) Sendo o domingo o dia de descanso semanal obrigatório;

d) Num total estipulado de 44 horas semanais.

O horário de trabalho estipulado foi o referido, prestando no entanto o A. o seu trabalho em regime de isenção de horário de trabalho (IHT), na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.

A remuneração mensal acordada entre Autor e Ré é composta por uma parte fixa e outra variável, indexada a objectivos de vendas.

Em 1997, o Autor foi promovido à categoria profissional de Monitor de Vendas.

Enquanto deteve a categoria de Monitor de Vendas, o Autor também prestava trabalho fora do estabelecimento da Ré, na medida do cumprimento das suas funções de substituição e/ou acompanhamento.

Em Abril de 1999, o Autor foi promovido à categoria profissional de Supervisor de Vendas, continuando a prestar a sua actividade profissional nos moldes anteriores.

A Ré calculou a remuneração por IHT com base num mês de 22 dias e apenas com base na remuneração fixa, não considerando a variável.

Assim sendo, o Autor reclama da ré o pagamento dos seguintes valores:

- A título de diferenças de pagamento de IHT a quantia de 20.986,92 euros, acrescida de juros.

- A título de IHT nas férias, subsídio de férias e de Natal, a quantia de 5.510,55 euros, acrescida de juros.

- A título de pagamento de trabalho suplementar e descanso compensatório, a quantia de 77.323,80 euros, acrescida de juros.

- A título de pagamento da média mensal do trabalho suplementar nas férias, subsídio de férias e de Natal, a quantia de 21.488,95 euros, acrescida de juros.

- Pela prestação de trabalho suplementar aos sábados (meio dia de descanso semanal complementar) e respectivo descanso compensatório não conferido, a quantia de 3.843,84 euros, acrescida de juros.

- A título de pagamento das médias do trabalho suplementar e de descanso compensatório, pelo trabalho aos sábados, nas férias, subsídios de férias e de Natal a quantia de 5.765,76 euros, acrescida de juros.

- A título de ressarcimento pelo acréscimo de despesas resultante da alteração do local de trabalho do Autor, a quantia de 13.972,92 euros, alegando, a este propósito, que, em Agosto de 1999, o seu local de trabalho passou da Maia para Vila do Conde, em consequência do que, quando anteriormente fazia um percurso de ida e volta de 20 Km, passou a ter de fazer um percurso de 46Km de ida e volta.

A R. contestou, pugnando pela total improcedência da acção e alegando em síntese que:

O A. aceitou prestar a sua actividade em regime de isenção de horário de trabalho, na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, se a Ré nisso tivesse interesse, cabendo a esta requerer ao Ministério do Emprego e Segurança Social autorização necessária para esse efeito, o que fez e foi deferido pela Inspecção Geral do Trabalho.

O referido acordo nunca foi denunciado por qualquer uma das partes.

Desde que foi contratado pela R. o A. sempre auferiu uma retribuição especial pela isenção de horário de trabalho, correspondente a 25% da sua remuneração base.

Ao trabalhar para a R. em regime de isenção de horário de trabalho, na modalidade de isenção de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho o A. nunca esteve sujeito a qualquer horário de trabalho.

Por esse motivo não faz sentido a invocação da pretensa realização de trabalho suplementar em dia normal de trabalho (de Segunda a Sábado).

Assim, e durante todo o período normal de trabalho a que o A. está obrigado perante a R. (de Segunda a Sábado desde 2 de Novembro de 1996 e enquanto vigorar o contrato de trabalho) o A. não prestou qualquer trabalho suplementar para esta.

A maioria das funções do A. ao serviço da R. são efectuadas fora do estabelecimento desta e, por isso, fora do controlo imediato da hierarquia, pelo que a R. sempre esteve impossibilitada de controlar diariamente o tempo de serviço que o A. dedica à mesma.

Com efeito, estando o A. ausente das instalações da R. e, por isso, fora do controlo da hierarquia, a R. não podia, nem pode saber, nem controlar, a cada momento, o tempo efectivo de trabalho do A. para a mesma.

A R. não deve ao A. qualquer quantia, a título de diferenças salariais respeitantes à remuneração especial por isenção de horário de trabalho, nem, tão pouco, quaisquer juros.

O cálculo da remuneração por trabalho suplementar é efectuado com base na remuneração fixa, e não com base na remuneração variável.

A R. sempre pagou ao A. a título de remuneração especial por isenção de horário de trabalho 25% da respectiva remuneração base mensal.

Por outro lado, ao pagar mensalmente ao A. 25% do salário base a título de remuneração pela isenção de horário a R. teve em conta 30 dias do mês e não os 22 dias por ele referidos.

Não deve, por isso, quaisquer importâncias a título de remuneração especial por isenção de horário de trabalho nem, tão pouco, de qualquer média de pagamento de IHT nas prestações acessórias de férias, subsídios de férias e de Natal.

O A. não suportou qualquer tipo de despesas em consequência do transporte para o local de trabalho, pois a Ré nunca se obrigou a pagar quaisquer despesas de transporte em veículo próprio de casa para o trabalho e vice-versa. Além disso, a Ré sempre lhe pagou subsídio de transporte, não invocando o A. que este não correspondesse às despesas em transporte público, subsídio esse que satisfazia tais despesas.

O A. apresentou resposta à contestação, concluindo pela improcedência das excepções arguidas pela Ré.

Foi realizada audiência preliminar, conforme consta de fls. 365 a 367, na qual as partes acordaram quanto aos seguintes pontos:

1 - O autor prescindiu:

a - Dos créditos laborais peticionados desde o período de 30/6/1994 a 1/11/1996, por referência ao período de vigência do contrato com a Sucursal em Portugal da Sociedade Espanhola BB, S.A.

b - Dos créditos peticionados quanto à alegada discriminação salarial alegado nos artigos 119º a 134º da petição inicial.

c - Dos créditos peticionados nos artigos 110º e 383º da petição inicial, no tocante às diferenças a título de remuneração de IHT e diferenças a título de custos de deslocação que se vencerem na pendência dos presentes autos e até ao respectivo trânsito em julgado, limitando-os aos valores concretamente peticionados.

d - Da alegação dos artigos 203º a 345º da petição inicial quanto aos danos morais alegadamente sofridos pelo autor, relativamente à alegada pressão para influir negativamente nas condições de trabalho e remuneratórias dos seus companheiros Vendedores, Merchandisers e Distribuidores.

2 - A ré não deduziu oposição e aceitou a renúncia factual e/ou dos créditos supra referida pelo autor.

A referida delimitação do objecto do litígio foi considerada válida e legal.

Elaborou-se despacho saneador, com selecção da matéria de facto, consignando--se a assente e organizando-se base instrutória, tendo o A. apresentado reclamação, que foi parcialmente deferida por despacho de fls. 400 a 402.

Realizada a audiência de julgamento com gravação da prova pessoal nela prestada, e decidida a matéria de facto, de que não foram apresentadas reclamações, foi proferida sentença que:

(a) Julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.233,21 referente a créditos salariais, acrescida de juros de mora, às taxas legais, a partir da data do vencimento das obrigações e até integral pagamento, nos termos supra referidos;

(b) Julgando a acção parcialmente improcedente, quanto ao mais peticionado, absolveu a Ré nessa parte do pedido.

Inconformado, recorreu o A, mas a Relação do Porto negou provimento ao recurso, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Novamente irresignado, trouxe-nos o A a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) O douto acórdão recorrido encontra-se em contradição com outro, já transitado em julgado que, no domínio da mesma legislação, decidiu diferentemente sobre a mesma questão fundamental de direito, face à matéria de facto considerada provada.

B) O douto acórdão recorrido está em flagrante contradição com o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, elaborado em 24 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.° 401/08.6TTVFX.L1.S1 (revista) - 4.ª secção.

C) A questão fundamental de direito em contradição incide sobre se, ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, são ou não aplicáveis os limites legais de duração, diária, e anual, do trabalho suplementar previstos no artigo 5°, n°1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 421/83, de 2 de Dezembro, e, após a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n°99/2003, de 27 de Agosto, no artigo 200°, n°1, alíneas b) e c) do mesmo, bem como o direito dos trabalhadores isentos aos dias de descanso semanal complementar.

D) Ambas as decisões foram proferidas ao abrigo da mesma legislação pois que, em ambos os doutos acórdãos, a legislação aplicável era até à entrada em vigor do Código do Trabalho, regia, quanto ao trabalho suplementar, o disposto no Decreto-Lei n°421/83, de 2 de Dezembro, e quanto ao regime de isenção de horário de trabalho, o disposto no Decreto-Lei n°409/71, de 27 de Setembro - artigos 13° a 15°; e, após a entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n°99/2003, de 27 de Agosto, passou este diploma legal a reger a disciplina relativa à isenção de horário de trabalho - entre outros, artigos 177° e 178°; e ao trabalho suplementar - entre outros, artigos 197° e seguintes.

E) Compulsado o, alias douto, acórdão recorrido, não se vislumbrou que no mesmo se tivesse retirado as devidas consequências na aplicação do direito face à matéria de facto considerada provada.

F) De facto, tendo resultado no ponto 57 da matéria de facto considerada provada, que "desde 20 de Maio de 2003, o autor laborou todos os dias da prestação de trabalho para a ré, em média, das 6h30 às 18h30, com período de almoço, quando prestava as suas funções na delegação, das 12h30 às 14h00, e, quando as prestava fora, com período de almoço que não se logrou apurar; e das 6h30 às 12h30 aos sábados'';

G) E que, dos pontos 58 e 59 da matéria de facto considerada provada, "a prática do referido horário pelo autor resultou do modo como a ré organizou a sua prestação de trabalho" e que "a ré sabia dessa prestação e nunca se opôs à mesma", resulta claro que o ora recorrente, pese embora a decisão de não apuramento do horário de almoço fora da delegação, mas entendendo que tal horário seria sempre a média prestada pelo ora recorrente, até porque, na sua maioria, prestava trabalho na delegação, trabalhava, em média, 10h30 por dia e 58h30 por semana (incluindo sábados) ao serviço da ré, resulta clara a desproporção entre o trabalho efectivamente prestado e a contrapartida auferida pela isenção de horário de trabalho, que não deverá permitir mais de 50 horas semanais.

 H) Assim, considerando o horário de trabalho provado, e aplicando a decisão de direito constante do douto acórdão - fundamento, o recorrente prestou trabalho suplementar sem que lhe fosse conferido o respectivo descanso compensatório pelo que é credor da quantia de € 22.504,27, a título de trabalho suplementar prestado, e da quantia de € 5.626,07, a título de descanso compensatório, todos desde 20 de Maio de 2003, e com base na remuneração base.

I) Também tendo em conta a decisão de direito constante do douto acórdão - fundamento, a recorrida, a título de média do trabalho suplementar prestado pelo recorrente e o respectivo descanso compensatório nas férias e nos subsídios de férias, deverá ser condenada a pagar ao recorrente a quantia de € 5.315,76.

J) Bem como a quantia de € 14.770,56, a título de trabalho prestado pelo recorrente ao sábado, que sempre seria trabalho prestado em dia de descanso semanal complementar, e a média desse valor nas férias e no subsídio de férias, num total de € 2.830,24.

K) Pelo que, aplicando a jurisprudência do douto acórdão - fundamento à factualidade dada como provada, a recorrida deverá ser condenada a pagar ao recorrente, a título de trabalho suplementar prestado durante os dias úteis e aos sábados, e respectivo descanso compensatório, bem como das médias desse trabalho nas férias e subsídios de férias, a quantia total de € 51.046,90, que resulta da soma das parcelas acima referidas, acrescida de juros vencidos desde a data do respectivo vencimento e dos que se vierem, entretanto a vencer, revogando o douto acórdão ora em crise.

L) Considerando que a factualidade relativa à hora de almoço não foi possível de apurar em determinados dias, e considerando que o autor estaria sempre três dias úteis na delegação, por semana, deverão as quantias acima referidas serem revistas em conformidade.

Pede-se assim, a revogação do acórdão recorrido, devendo a douta decisão recorrida ser substituída por outra que considere que o recorrente prestou trabalho suplementar, tendo direito ao respectivo descanso compensatório e, bem assim, que os montantes devidos a título de trabalho suplementar devem integrar a retribuição devida nas férias e subsídio de férias, nos termos peticionados, tudo de acordo com a jurisprudência constante do acórdão - fundamento.

           

            A R também alegou, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- Nas suas alegações e respectivas conclusões o recorrente omite integralmente a indicação dos motivos da necessidade de apreciação da questão com vista à melhor aplicação do direito.

2- Nas suas alegações e respectivas conclusões o recorrente omite integralmente a indicação dos motivos da particular relevância social dos interesses em causa.

3- A questão a apreciar não tem particular relevância jurídica que justifique a admissibilidade do presente recurso de revista excepcional com vista á melhor aplicação do direito.

4- Nos presentes autos discute-se o valor de remunerações e de indemnização a pagar pela recorrida ao recorrente.

5- Os interesses em causa nos presentes autos são particulares, isto é, os interesses da recorrida e do recorrente, que não constituem interesses de particular relevância jurídica.

6- Não se verificam os pressupostos da admissibilidade do presente recurso de revista excepcional

7- Deve proferir-se Acórdão em que se decida pela rejeição do presente recurso de revista excepcional,

8- Não assiste ao recorrente qualquer direito ao pagamento de trabalho suplementar prestado aos dias úteis e aos sábados, atenta a isenção de horário de trabalho ajustada entres as partes.

9- A inexistência de qualquer dívida respeitante ao cálculo da remuneração especial por isenção de horário de trabalho e de qualquer dívida respeitante a trabalho suplementar prestado pelo recorrente implica a inexistência de qualquer dívida com referência à remuneração de férias, subsídio de férias e subsidio de Natal.

10- No acórdão recorrido, ao decidir-se pela confirmação da sentença proferida em 1ª instância não se violou o disposto nos artigos, 13°,14°, n°2, e 15° do Decreto-Lei n°409/71, de 27 de Setembro, 2º, n°1, 5º, n°1, 7º, 9º e 11° do Decreto-Lei n°421/83, de 2 de Dezembro, 177°, 178°, n°1, alínea a), 197°, 200°, n°1, alíneas b) e c), todos do Código do Trabalho.

Pede-se assim que se não admita o recurso de revista excepcional, confirmando-‑se e mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.

 

Subidos os autos a este Tribunal foi proferida decisão a admitir a revista excepcional por contradição de acórdãos sobre a mesma questão de direito.

A Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer a que se refere o artigo 87º, nº 3 do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso, e que notificado às partes não mereceu qualquer resposta.

Inscrito o processo em tabela de julgamento, ordenou-se que fosse retirado da mesma, pois, atenta a contradição de acórdãos sobre a questão de saber se o trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não está abrangido pela prestação de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17º, nº 1, alínea a), do DL nº 409/71 de 29/7 e 197º, nº 4, alínea a) do Código do Trabalho de 2003, achou-se conveniente a prolação de acórdão de uniformização, pelo que foi determinado pelo Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que o julgamento do recurso se fizesse com intervenção do plenário da Secção Social.

Foram por isso os autos com vista ao Ministério Público, em obediência ao disposto no nº 1 do artigo 732º-B do CPC[1], tendo a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta concluído que ocorre jurisprudência contraditória deste Supremo Tribunal sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, emitindo parecer no sentido do conflito jurisprudencial suscitado ser solucionado mediante a prolação de acórdão uniformizador de jurisprudência nos seguintes termos:

“O trabalhador sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho, na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, nos termos conjugados do artigo 15º da LDT e 2º, nº 2, alínea a) do DL nº 421/83 de 2/12 e 178º, nº 1, alínea a), nº 3 e 197º, nº 4, alínea a) do CT/2003, deve ser remunerado a título de trabalho suplementar, pelas horas prestadas para além do período normal de trabalho prestado em dias úteis, quando seja excedido o período legal máximo estabelecido para o trabalho suplementar previsto no artigo 5º, nº 1, al. a) e b), do DL nº 421/83 de 2/12 e 200º, nº 1, alínea c) do CT/2003”.             

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

2----

Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto:

 

1. A Ré dedica-se à produção, comercialização e distribuição de produtos de panificação - cfr. al. A) dos factos admitidos por acordo;

2. À data da dedução da contestação a Ré tinha um quadro de pessoal de 111 trabalhadores - cfr. al. B) dos factos admitidos por acordo;

3. Entre Autor e Ré subsistiu um contrato de trabalho, sem termo, tendo cessado através de um processo de despedimento colectivo, em 31 de Maio de 2007 - cfr. al. C) dos factos admitidos por acordo;

4. A categoria profissional do Autor que constava dos seus recibos de vencimento à data da cessação do contrato de trabalho era a de Supervisor, conforme documento constante de fls. 301 e 302 - cfr. al. D) dos factos admitidos por acordo;

5. O Autor prestava trabalho para a Ré em regime de isenção de horário de trabalho (IHT), na modalidade de isenção de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho - cfr. al. E) dos factos admitidos por acordo;

6. Nos termos do n.º 2 da cláusula 4ª do contrato mencionado nas als. C) e AA), o A. aceitou prestar a sua actividade em regime de isenção de horário de trabalho, se a Ré nisso tivesse interesse, cabendo a esta requerer ao Ministério do Emprego e Segurança Social a autorização necessária para esse efeito, conforme documento constante de fls. 248 a 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. F) dos factos admitidos por acordo;

7. No dia 2 de Novembro de 1996, a R. requereu à Inspecção-geral do Trabalho, Delegação do Porto, a isenção de horário de trabalho para o A, conforme documento constante de fls. 251 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. G) dos factos admitidos por acordo;

8. Fundamentou tal requerimento no facto do A. exercer a sua actividade ao serviço da R. fora do estabelecimento desta e sem controlo imediato da hierarquia, conforme documento constante de fls. 251 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. H) dos factos admitidos por acordo;

9. O referido requerimento da R. de isenção de horário de trabalho para o A. foi deferido por um ano pela Delegação do Porto em 22 de Janeiro de 1997, conforme documento constante de fls. 251 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. I) dos factos admitidos por acordo;

10. Em 26/09/2001, a A. apresentou no IDICT – Delegação do Porto, requerimento de isenção de horário de trabalho do A., conforme documento constante de fls. 252 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. J) dos factos admitidos por acordo;

11. O pedido de isenção do horário de trabalho fundamentou-se no A. exercer a sua actividade fora do estabelecimento da R. e sem controlo imediato da hierarquia e ainda na concordância do A., conforme documentos constantes de fls. 252 e 253 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. L) dos factos admitidos por acordo;

12. O referido pedido foi deferido em 01/10/2001 sem qualquer prazo, conforme documento constante de fls. 252 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. M) dos factos admitidos por acordo;

13. A R. apresentou no IDICT – Delegação do Porto em 08/06/2002 requerimento de isenção de horário de trabalho para o R, conforme documento constante de fls. 254 a 256 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. N) dos factos admitidos por acordo;

14. O pedido de isenção de horário de trabalho fundamentou-se no A. exercer a sua actividade fora do estabelecimento da R. e sem controlo imediato da hierarquia e ainda no acordo do A. constante da declaração anexa emitida em 07/05/2002, conforme documentos constantes de fls. 254 a 257 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. O) dos factos admitidos por acordo;

15. A R. apresentou em 19/11/2002, no IDICT – Delegação do Porto, pedido de isenção de horário de trabalho para o A., conforme documento constante de fls. 258 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. P) dos factos admitidos por acordo;

16. O referido pedido de isenção de horário de trabalho foi deferido em 19/12/2002 sem qualquer limite temporal, conforme documento constante de fls. 258 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. Q) dos factos admitidos por acordo;

17. Em 31/08/2006, foi celebrado entre a A e o R acordo sobre isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 259 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. R) dos factos admitidos por acordo;

18. A R. remeteu à Inspecção-geral do Trabalho, Delegação de Lisboa, o acordo sobre isenção de horário de trabalho celebrado com o A. em 31 de Agosto de 2006 - cfr. al. S) dos factos admitidos por acordo;

19. O referido acordo, assinado pelo A, vigorava por um período de 12 meses renovável por igual período ou até que uma das partes o denunciasse, conforme documento constante de fls. 259 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. T) dos factos admitidos por acordo;

20. O referido acordo nunca foi denunciado por qualquer uma das partes - cfr. al. U) dos factos admitidos por acordo;

21. Desde que foi contratado pela R. o A. sempre auferiu uma retribuição especial pela isenção de horário de trabalho correspondente a 25% da sua remuneração base - cfr. al. V) dos factos admitidos por acordo;

22. Com efeitos reportados a 31 de Outubro de 1996, o Autor e a sucursal em Portugal da Sociedade Espanhola BB, S.A., assinaram um acordo de revogação de contrato de trabalho, conforme documento constante de fls. 247 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. X) dos factos admitidos por acordo;

23. Consta da cláusula terceira do referido acordo de revogação de contrato de trabalho celebrado entre o A. e a Sucursal em Portugal da Sociedade Espanhola BB, S.A., que, com o recebimento das quantias aí referidas, aquele nada mais tem a receber desta, conforme documento constante de fls. 247 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. Z) dos factos admitidos por acordo;

24. Por instrumento contratual datado de 2 de Novembro de 1996, entre Autor e Ré foi firmado um documento intitulado “Contrato de Trabalho”, conforme documento constante de fls. 248 a 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. AA) dos factos admitidos por acordo;

25. Do dito contrato consta uma cláusula (cláusula 13.ª) através da qual a Ré se responsabiliza pelo pagamento de 2 (dois) ordenados mensais ao Autor caso um eventual despedimento movido pela mesma venha a ser declarado ilícito, conforme documento constante de fls. 248 a 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. BB) dos factos admitidos por acordo;

26. O Autor foi formalmente contratado pela Ré com a categoria profissional de Vendedor 2.º Grau – Caixeiro-Viajante, conforme documento constante de fls. 248 a 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. CC) dos factos admitidos por acordo;

27. O local de trabalho acordado com a Ré situou-se na Rua ..., aceitando o A. a possibilidade de ser transferido para qualquer outro local de trabalho daquela, bem como todas as deslocações em serviço impostas pelas conveniências da actividade da Ré, conforme documento constante de fls. 248 a 250 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. DD) dos factos admitidos por acordo;

28. A remuneração mensal acordada entre Autor e Ré é composta por uma parte fixa e outra variável, indexada a objectivos de vendas - cfr. al. EE) dos factos admitidos por acordo;

29. Enquanto deteve a categoria de Monitor de Vendas, o Autor também prestava trabalho fora do estabelecimento da Ré, na medida do cumprimento das suas funções de substituição e/ou acompanhamento - cfr. al. FF) dos factos admitidos por acordo;

30. Enquanto deteve a categoria profissional de Monitor de Vendas, o Autor, salvo as suas funções de substituição/supervisão fora do estabelecimento da Ré e em rota de distribuição/comercial, presta trabalho sujeito ao controlo imediato do seu superior hierárquico - cfr. al. GG) dos factos admitidos por acordo;

31. No ano de 1996, a remuneração mensal base do A. ascendia a Esc.: 80.000$00, mais Esc.: 21.250$00 de subsídio de alimentação, mais Esc.: 20.500$00 da isenção de horário de trabalho, mais Esc.11.250$00 de subsídio de transporte, conforme documento constante de fls. 272 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. HH) dos factos admitidos por acordo;

32. No ano de 1997, a remuneração base do A. manteve-se em Esc.: 80.000$00 nos meses de Janeiro e Fevereiro mantendo-se também as restantes quantias recebidas pelo A., tendo o A. a partir de Março de 1997, passado a auferir a remuneração base de Esc.82.500$00 e passado a receber isenção de horário de trabalho no valor de 20.625$00, conforme documento constante de fls. 273 a 276 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. II) dos factos admitidos por acordo;

33. A partir de Agosto de 1997, o A. passou a auferir a remuneração base de Esc. 132.000$00, mais Esc. 35.000$00 de compensação pela isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 273 a 276 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. JJ) dos factos admitidos por acordo;

34. A partir do mês de Março de 1998, o A. passou a auferir a remuneração mensal base de Esc.: 135.300$00, mais Esc.: 35.875$00 de compensação pela isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 277 a 279 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. LL) dos factos admitidos por acordo;

35. A partir de Abril de 1999, o A. passou a auferir a remuneração mensal base de Esc.: 203.975$00, mais Esc.: 50.994$00 de isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 280 a 282, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. MM) dos factos admitidos por acordo;

36. A partir de Março de 2000, o A. passou a auferir a remuneração mensal base de Esc.: 207.035$00, mais Esc.: 51.759$00 de isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 283 a 285 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. NN) dos factos admitidos por acordo;

37. A partir de Março de 2001, o A. passou a auferir a remuneração mensal base de Esc.: 214.257$00, mais Esc.: 53.564$00 de isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 286 a 288 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. OO) dos factos admitidos por acordo;

38. A partir de Janeiro de 2002, o A. passou a auferir a remuneração mensal base de 1.068,71 €, mais 267,18 € de compensação pela isenção do horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 289 a 291 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. PP) dos factos admitidos por acordo;

39. A partir de Setembro de 2003, a remuneração mensal base do A. passou a ascender a 1.095,43 €, mais 273,86 € de compensação pela isenção do horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 292 a 294 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. QQ) dos factos admitidos por acordo;

40. A partir de Outubro de 2004, a remuneração mensal base do A. passou a ascender a 1.117,34 €, mais 279,33 € de compensação pela isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 295 a 297 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. RR) dos factos admitidos por acordo;

41. A partir de Outubro de 2005, a remuneração mensal base do A passou a ascender a 1.139,69 €, mais 284,92 € de compensação pela isenção de horário de trabalho, conforme documento constante de fls. 298 a 300 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. SS) dos factos admitidos por acordo;

42. Na data da cessação da relação laboral estabelecida entre a R. e o A., a remuneração mensal base do A. mantinha-se em 1.139,69 € e a compensação pela isenção de horário de trabalho mantinha-se em 284,92 €, conforme documento constante de fls. 301 e 302 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. TT) dos factos admitidos por acordo;

43. No ano de 1998, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

- Esc.: 64.338$00 no mês de Janeiro;

- Esc.: 90.293$00 no mês de Fevereiro;

- Esc.: 82.921$00 no mês de Março;

- Esc.: 62.315$00 no mês de Abril;

- Esc.: 59.785$00 no mês de Maio;

- Esc.: 55.651$00 no mês de Junho;

- Esc.: 75.408$00 no mês de Julho;

- Esc.: 79.786$00 no mês de Agosto;

- Esc.: 82.836$00 no mês de Setembro;

- Esc.: 113.328$00 no mês de Outubro;

- Esc.: 64.995$00 no mês de Novembro;

- Esc.: 74.254$00 no mês de Dezembro, conforme documento constante de fls. 277 a 279 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. UU) dos factos admitidos por acordo;

44. No ano de 1999, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            42.892,00 PTE

Fevereiro         59.808,00 PTE

Março             75,808,00 PTE

Abril               51.346,00 PTE

Maio               66.222,00 PTE

Junho              86.937,00 PTE

Julho               70.606,00 PTE

Agosto            67.032,00 PTE

Setembro        69.503,00 PTE

Outubro          96.036,00 PTE

Novembro       87.332,00 PTE

Dezembro       83.724,00 PTE,

conforme documento constante de fls. 280 a 282 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. VV) dos factos admitidos por acordo;

45. No ano de 2000, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            63.628,00 PTE

Fevereiro         76.155,00 PTE

Março             50.000,00 PTE

Abril               50.000,00 PTE

Maio               170.000,00 PTE

Junho              80.000,00 PTE

Julho               50.000,00 PTE

Agosto            200.000,00 PTE

Setembro        50.000,00 PTE

Outubro          50.000,00 PTE

Novembro       150.000,00 PTE

Dezembro       100.000,00 PTE,

conforme documento constante de fls. 283 a 285 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. XX) dos factos admitidos por acordo;

46. No ano de 2001, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            50.000,00 PTE

Fevereiro         50.000,00 PTE

Março             120.000,00 PTE

Abril               50.000,00 PTE

Maio               80.000,00 PTE

Junho              50.000,00 PTE

Julho               50.000,00 PTE

Agosto            140.000,00 PTE

Setembro        50.000,00 PTE

Outubro          50.000,00 PTE

Novembro       95.000,00 PTE

Dezembro       50.000,00 PTE,

conforme documento constante de fls. 286 a 288 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. ZZ) dos factos admitidos por acordo;

47. No ano de 2002, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         698,32 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               698,32 €

Junho              249,40 €

Julho               249,40 €

Agosto            847,96 €

Setembro        249,40 €

Outubro          249,40 €

Novembro       997,60 €

Dezembro       249,40 €,

conforme documento constante de fls. 289 a 291 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. AAA) dos factos admitidos por acordo;

48. No ano de 2003, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         847,96 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               399,04 €

Junho              249,40 €

Julho               249,40 €

Agosto            249,40 €

Setembro        249,40 €

Outubro          249,40 €

Novembro       399,04 €

Dezembro       249,40 €,

conforme documento constante de fls. 292 a 293 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. BBB) dos factos admitidos por acordo;

49. No ano de 2004, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         399,04 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               249,40 €

Junho              249,40 €

Julho               249,40 €

Agosto            399,04 €

Setembro        249,04 €

Outubro          249,04 €

Novembro       399,04 €

Dezembro       249,04 €,

conforme documento constante de fls. 295 a 297 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. CCC) dos factos admitidos por acordo;

50. No ano de 2005, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         399,04 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               698,32 €

Junho              249,40 €

Julho               249,40 €

Agosto            698,32 €

Setembro        249,40 €

Outubro          249,40 €

Novembro       847,96 €

Dezembro       249,40 €,

conforme documento constante de fls. 298 a 300 cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - cfr. al. DDD) dos factos admitidos por acordo;

51. No ano de 2006, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         847,96 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               997,60 €

Junho              249,40 €

Julho               249,40 €

Agosto            698,32 €

Setembro        249,40 €

Outubro          249,40 €

Novembro       847,96 €

Dezembro       249,40 €

- cfr. al. EEE) dos factos admitidos por acordo;

52. No ano de 2007, a parte variável das remunerações mensais auferidas pelo A. ascendeu a:

Mês                 Rem Var

Janeiro            249,40 €

Fevereiro         997,60 €

Março             249,40 €

Abril               249,40 €

Maio               997,60 €

- cfr. al. FFF) dos factos admitidos por acordo;

53. Quem dirige a Ré é HH, seu Director Geral - cfr. al. GGG) dos factos admitidos por acordo;

54. A R. nunca manteve ou organizou livro de registo de trabalho suplementar no que respeita ao A., por o mesmo se encontrar submetido ao regime de isenção de horário de trabalho - cfr. al. HHH) dos factos admitidos por acordo;

55. Aquando da cessação do contrato, o Autor estava afecto ao estabelecimento da Ré sito na Zona Industrial ... - cfr. resp. ao ques. 1 da base instrutória;

56. O referido estabelecimento estava aberto 24 horas por dia, de Segunda-feira a  Domingo, inclusive - cfr. resp. ao ques. 2 da base instrutória;

57 - Desde 20 de Maio de 2003, o Autor laborou todos os dias da prestação de trabalho para a Ré, em média: durante os dias úteis, das 6h30 às 18h30, com período de almoço, quando prestava as suas funções na delegação, das 12h30 às 14h00 e, quando as prestava fora, com período de almoço que não se logrou apurar; e das 6h30 às 12h30 aos sábados (alterado pela Relação);

58. A prática do referido horário pelo A. resultou do modo como a ré organizou a sua prestação de trabalho - cfr. resp. ao ques. 4-A da base instrutória;

59. A ré sabia dessa prestação e nunca se opôs à mesma - cfr. resp. ao ques. 4-B da base instrutória;

60. Por resultar do modo como o seu trabalho é organizado, desde 20 de Maio de 2003, o Autor chegou a prestar mais de 5 horas de trabalho consecutivas - cfr. resp. ao ques. 5 da base instrutória;

61. O Autor não tinha poder de decisão autónomo no modo de prestação de trabalho em termos de horários, porquanto o início e o fim da jornada estão indexados à necessidade de supervisão, no início e no final do dia, da actividade dos prestadores de serviços de vendas e distribuição, actividade esta fixada pela Ré - cfr. resp. ao ques. 6 da base instrutória;

62. E mesmo quando em substituição de colegas nas rotas de distribuição/vendas, ou em serviço de supervisão nas mesmas, o início e o fim da jornada do A. estão indexados ao percurso a fazer em dada rota, aos clientes a visitar, às reposições a fazer, à mercadoria a distribuir e ao fecho administrativo/burocrático do dia - cfr. resp. ao ques. 7 da base instrutória;

63. A Ré nunca conferiu descanso compensatório ao Autor - cfr. resp. ao ques. 8 da base instrutória;

64. Nem sugeriu, instou ou intimou o Autor para gozar descanso compensatório - cfr. resp. ao ques. 9 da base instrutória;

65. Quando o A. ficava a trabalhar na delegação da Ré, programava e geria a respectiva hora de almoço - cfr. resp. ao ques. 12 da base instrutória;

66. Nalguns dias da semana, o A. passava parte do dia fora do estabelecimento da R no exercício das suas funções de supervisor - cfr. resp. ao ques. 14 da base instrutória;

67. No exercício das suas funções de supervisor, o A. visitava clientes fora das instalações da R. em conformidade com o plano semanal elaborado com conhecimento do chefe da delegação, Paulo Teixeira - cfr. resp. ao ques. 15 da base instrutória;

68. Como supervisor de vendas, o Autor tinha como funções, determinadas pela Ré, para além de estar no armazém a verificar as encomendas e o encaminhamento do produto a ser colocado nos clientes pelos distribuidores, acompanhar os distribuidores da Ré e supervisionar se os produtos destinados a determinados clientes tinham lá sido colocados pelos distribuidores em devidas condições e, quando necessário, substituir distribuidores, por dois ou três dias, que rescindiam o contrato com a Ré e fazer a sua rota - cfr. resp. ao ques. 20 da base instrutória;

69. No ano de 2003, num período de tempo concretamente não determinado, o Autor esteve a fazer a rota de Coimbra - cfr. resp. ao ques. 11 da base instrutória;

70. Em Agosto de 1999, o local de trabalho do Autor passou da Maia para o estabelecimento da Ré sito na Vila do Conde - cfr. resp. ao ques. 16 da base instrutória;

71. Antes de Agosto de 1999, o Autor fazia todos os dias um percurso de ida e volta de casa para o trabalho de 20 quilómetros - cfr. resp. ao ques. 17 da base instrutória;

72. A R. sempre pagou ao A. subsídio de transporte - cfr. resp. ao ques. 19 da base instrutória.

3---

Sendo pelas conclusões do recorrente que se determina o objecto do recurso, conforme resulta do disposto nos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC, preceitos aplicáveis ex vi do disposto no artigo 1º, nº 2, al. a), do CPT (na versão anterior à introduzida pelo DL 295/2009, de 13/10), constatamos que se colocam as seguintes questões:

A primeira consiste em decidir se ao A, que estava sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho, é devida a prestação de trabalho suplementar em dias úteis e sábados de manhã e respectivos descansos compensatórios;

Procedendo o pedido anterior, temos também que decidir se a média dos montantes devidos pelo trabalho suplementar e pelo descanso compensatório deve integrar a retribuição devida nas férias e nos subsídios de férias.

Por outro lado, pretende ainda o recorrente que o trabalho realizado ao sábado seja considerado como prestado em dia de descanso semanal complementar, devendo por isso ser pago como tal e a média desse valor integrada nas férias e no subsídio de férias.

Sendo estas as questões, vejamos então como decidir.

3.1---

Sustenta o recorrente que ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, são aplicáveis os limites legais de duração diária, e anual, do trabalho suplementar previstos no artigo 5°, n°1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n° 421/83, de 2 de Dezembro, e, após a entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela lei n°99/2003, de 27 de Agosto, no artigo 200°, n°1, alíneas b) e c) do mesmo. E sustenta ainda que os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito aos dias de descanso semanal complementar, pelo que tendo trabalhado todos os sábados, deve tal trabalho ser retribuído como trabalho suplementar.

Trata-se de questões que têm de ser apreciadas tendo em conta o regime jurídico da época em que se passaram os factos.

Assim, tendo estes ocorrido entre Maio de 2003 e Maio de 2007, temos de as apreciar tendo em conta que, até 1 de Dezembro de 2003, se aplica ao caso o regime do DL nº 409/71 de 27/9, diploma também conhecido por Lei da Duração do Trabalho (LDT).

E a partir de 1 de Dezembro de 2003, aplicar-se-á o regime consagrado pelo Código do Trabalho de 2003.

Ora, conforme resulta do artigo 11°, nº 1 da LDT, compete à entidade patronal estabelecer o "horário de trabalho", que consiste na determinação das horas do início e do termo do período normal trabalho diário e bem assim dos intervalos de descanso (nº 2).

De qualquer forma, estas não podiam fixar um horário de trabalho superior a oito horas de trabalho diário e 48 horas semanais, conforme prescrevia  o artigo 5º, nº 1,  com excepção dos empregados de escritório, cuja duração tinha que ser fixada em sete horas diárias e 42 semanais (nº 2), limites diários que podiam ser ultrapassados em uma hora para permitir a adopção da chamada “semana inglesa” ou “semana americana”, conforme permitiam os nºs 4 e 5 deste preceito.                

A questão dum limite máximo da jornada de trabalho está associada a muitos dos avanços registados no domínio do direito laboral, tendo-se tornado um problema nuclear em consequência da revolução industrial.

Efectivamernte, perdidas as regras das antigas corporações de artes e ofícios, a autonomia privada, as condições do mercado e a abundância de mão de obra conduziram a um desmesurado alongamento do dia de trabalho.

Por isso, muitos dos passos iniciais do Direito do Trabalho destinaram-se a regular o tempo de trabalho, tal era a premência social desta questão.

Assim, a Lei de 23 de Março de 1891 veio fixar em oito horas o período diário de trabalho para os manipuladores de tabaco, mas apenas para estes trabalhadores.

Por outro lado, o Decreto de 14 de Abril de 1891 veio estabelecer a idade mínima de 12 anos para admissão de menores nos estabelecimentos indústriais particulares (que em casos especiais poderia ser antecipada para os 10 anos) e fixar a duração do trabalho dos  trabalhadores menores deste tipo de actividade em dez horas por dia, pois a cobiça natural das empresas deseja ao seu serviço um menor, por ser um instrumento dócil e e barato (conforme reconhecia o legislador no preâmbulo da lei).

Além disso, já se impunha àquelas empresas que se seguisse um período de descanso, nunca inferior a uma hora, após cinco horas consecutivas de trabalho (artigo 3º).

Por outro lado, não podiam os menores trabalhar ao domingo (artigo 4º), mesmo em trabalhos de mera limpeza dos estabelecimentos, conquista importante quando ainda não estava consagrado o direito ao descanso semanal a nível geral.

Efectivamente, foram  precisos mais 16 anos para tal direito constituir uma conquista para todos os trabalhadores, o que veio a acontecer pelo Decreto de 3 de Agosto de 1907.

O passo seguinte ocorreu com o Decreto nº 5516 de 7 de Maio de 1919, que fixou a jornada de trabalho diário em 8 horas e em 48 semanais (artigo 1º).

Em 24 de Agosto de 1934 surgiu o DL nº 24 402, diploma que sistematizando vários aspectos ligados à duração do trabalho antecedeu a vigência do DL nº 409/71 de 27 de Setembro, e que vigorou até ao advento do CT/2003.

Aqueles dois primeiros diplomas legais continuaram a fixar em 8 horas diárias e 48 semanais a duração do trabalho dos trabalhadores subordinados, com excepção dos empregados de escritório, cuja duração foi fixada em sete horas diárias e 42 semanais.

                

A redução dos tempos de trabalho passou a ser uma preocupação social das últimas décadas do século XX, na sequências da Conferência Internacional do Trabalho que, em 1962, adoptou a recomendação nº 116, em que se preconizava a redução progressiva da duração normal do trabalho de modo a fixar-se em 40 horas por semana, sem diminuição da retribuição.

Este percurso da redução da duração semanal do trabalho foi iniciado em Portugal com a Lei 2/91 de 17 de Janeiro, diploma  que fixou o limite máximo do trabalho normal semanal em 44 horas, que foi introduzido com a alteração do artigo 5º da LDT operada pelo DL nº 398/91 de 16 de Outubro, mantendo-se no entanto, as oito horas de trabalho diário.

E foi com a Lei 21/96, de 23 de Julho, que aquele desiderato das 40 horas semanais foi alcançado, embora este diploma tenha sido rodeado duma grande polémica pois só contava para o efeito o trabalho efectivo realizado pelo trabalhador.

De qualquer maneira e regressando ao DL nº 409/71, admitiu o legislador que os trabalhadores  que exerciam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização, podiam ficar isentos de horário de trabalho, desde que as entidades patronais o solicitassem ao INTP, requerimentos que tinham de ser acompanhados duma declaração de concordância do trabalhador, conforme resultava do artigo 13º, nºs 1 e 2.

No entanto, conferia-se-lhes uma remuneração especial, a fixar nos instrumentos de regulamentação colectiva, mas que nunca poderia ser inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinátio por dia (artigo 14º).

Quanto aos efeitos desta isenção, prescrevia o artigo 15º que estes trabalhadores não ficavam sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, embora não ficassem prejudicados os direitos aos dias de descanso semanal, aos feriados e aos dias ou meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva aplicável, ou resultantes dos contratos individuais.

Nesta linha, embora se considerasse como trabalho extraordinário o que fosse prestado fora do período normal de trabalho (artigo 16º/1), não se comprendia na noção de trabalho extraordinário o trabalho prestado pelos trabalhadores isentos de horário de trabalho, conforme prescrevia o artigo 17º, nº 1, alínea a).         

O DL nº 421/83 de 2/12, que veio regulamentar a prestação de trabalho suplementar, designação que veio substituir o anterior trabalho extraordinário, passou a regular tal matéria a partir de 1 de Janeiro de 1984, conforme resultava do seu artigo 15º.

De qualquer forma, mesmo mantendo-se como trabalho suplementar o que fosse prestado fora do período de trabalho (artigo 2º/1), não se comprendia nesta noção o trabalho prestado pelos trabalhadores isentos de horário de trabalho, conforme resultava do nº 2, alínea a) do referido preceito, mantendo-se desta forma o regime que já advinha do artigo 17º, nº 1, alínea a) da LDT.

Transitando para o Código do Trabalho de 2003, aplicável a partir de 1 de Dezembro de 2003, temos de atender desde logo ao disposto no artigo 158°, preceito que define o "período normal de trabalho", considerando como tal o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana.

Por outro lado, resulta do artigo 159º que:

"1 - Entende-se por horário de trabalho a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso.

2 - O horário de trabalho delimita o período de trabalho diário e semanal".

Por seu turno, e de acordo com a noção dada pelo art. 197º:

“1. Considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho.

2 - Nos casos em que tenha sido limitada a isenção de horário de trabalho a um determinado número de horas de trabalho, diário ou semanal, considera-se trabalho suplementar o que seja prestado fora desse período.

3 - Quando tenha sido estipulado que a isenção de horário de trabalho não prejudica o período normal de trabalho diário ou semanal considera-se trabalho suplementar aquele que exceda a duração do período normal de trabalho diário ou semanal.

4 - Não se compreende na noção de trabalho suplementar:

a) O trabalho prestado por trabalhador isento de horário de trabalho em dia normal de trabalho, sem prejuízo do previsto no número anterior;.

…”

Donde resulta que, em regra, todo o trabalho prestado fora do horário (entendendo-se este termo com o sentido que lhe atribui o referido artigo 159º, nº 1 do CT - as horas do início e do terrno do período normal de trabalho diário, bem como dos intervalos de descanso),  é havido como suplementar, quer aconteça antes do seu início, quer após este ou durante os seus intervalos.

As excepções à regra estão contempladas nos números 2 e 3 do preceito, o que nos trasporta à questão das modalidades de isenção de horário de trabalho reconhecidas nas  várias alíneas do n.° 1 do art. 178° do CT, donde se colhe que:

«1 - Nos termos do que for acordado, a isenção de horário pode compreender as seguintes modalidades:

a) Não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho;

b) Possibilidade de alargamento da prestação a um determinado número de horas, por dia ou por semana;

c) Observância dos períodos normais de trabalho acordados.

2 - Na falta de estipulação das partes o regime de isenção de horário segue o disposto na alínea a) do número anterior.

3 - A isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, nem ao descanso diário a que se refere o nº 1 do artigo 176º excepto nos casos previstos no nº 2 desse artigo.

4 - Nos casos previstos no nº 2 do artigo 176.º deve ser observado um período de descanso que permita a recuperação do trabalhador entre dois períodos diários de trabalho consecutivos».

Donde concluirmos que a isenção de horário, que no domínio da LDT apenas abrangia a modalidade dos trabalhadores não ficarem sujeitos aos limites máximos dos períodos normais, salvaguardando sempre o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso, pode agora corresponder a uma das seguintes modalidades, conforme refere com acerto a sentença da 1ª instância:

Isenção total - quando o trabalhador deixe de estar sujeito aos limites do período normal de trabalho diário e semanal [al. a)], podendo por isso o trabalhador passar a ter de prestar mais do que 8 horas de trabalho diário e 40 horas de trabalho semanal e que corresponde ao regime supletivo, nos termos do n.o 2 da mesma norma.

Isenção parcial - quando o trabalhador veja a sua disponibilidade para o trabalho alargada a um determinado número de horas por dia ou por semana, prevendo-se assim a possibilidade dum alargamento pré-determinado do período diário ou semanal de trabalho[al. b)];

Isenção modelada - quando o trabalhador se sujeita aos períodos normais de trabalho acordados, mas não a um horário de trabalho [al. c)]. Assim, integram-se nesta modalidade as situações vulgarmente designadas de horários flexíveis, em que o trabalhador se obriga a cumprir o número de horas que corresponde ao seu período normal de trabalho diário, mas escolhe o modo como as distribui ao longo do dia.

Atentas estas novas modalidades de isenção de horário de trabalho, os seus efeitos quanto à prestação de trabalho suplementar são diversos.

Assim, quando estamos perante uma isenção parcial, em que o trabalhador vê a sua disponibilidade para o trabalho alargada a um determinado número de horas por dia ou por semana, [al. b)], obviamente que constituirá trabalho suplementar o que ultrapassa o limite acordado (nº 2 do artigo 197º).

E o mesmo se passa na isenção modelada, modalidade em que o trabalhador tendo um horário flexível, tem no entanto de prestar um determinado número de horas diárias ou semanais, escolhendo, apenas o modo como as distribui ao longo do dia. Por isso se compreende que ultrapassado esse número de horas diárias ou semanais a que está obrigado, estejamos perante a prestação de trabalho suplementar (nº 3 do artigo 197º).

Já quanto à isenção total, resulta da sua própria natureza que o trabalhador não está sujeito aos limites do período normal de trabalho diário e semanal, entendido como o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana, conforme resulta do artigo 158º/1.

Assim, o trabalhador pode ter de prestar mais do que as 8 horas de trabalho diário e ou mais do que 40 horas de trabalho semanal.

Por isso e conforme resulta do nº 4, alínea a)  do artigo 197º, não se compreende na noção de trabalho suplementar o trabalho prestado por este trabalhador com isenção de horário de trabalho em dia normal de trabalho.

Efectivamente, embora a lei ressalve as situações do artigo 197º, nº3, este preceito refere-se àqueles casos em que a isenção de horário não prejudica o período normal de trabalho diário, estando, consequentemente, o legislador a ressalvar os casos de isenção parcial ou modelada acima referidos, e em que o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar não é afectado, medido este no número de horas por dia e por semana, conforme advém do artigo 158º/1. 

 

De qualquer modo, mesmo com isenção total, a prestação de trabalho não é ilimitada, pois sempre decorrerá uma limitação temporal do disposto no n.° 1 do art. 176º, por força do qual mesmo o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a descansar onze horas seguidas entre dois períodos diários consecutivos de trabalho (eram doze no regime anterior, conforme resultava do artigo 3º, n° 5, da Lei n.º 21/96 de 23/07).

Por outro lado, além dos limites de descanso mínimos estabelecidos neste preceito, o trabalhador mantém o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, conforme determina o art. 178°, n° 3 do CT, doutrina que também resultava do art. 15° da LDT.

Em termos retributivos, o trabalhador isento de horário de trabalho tem direito a uma retribuição especial, que visa compensá-lo pela incomodidade resultante de uma maior disponibilidade por o trabalho ser prestado sem sujeição a um horário de trabalho; e destina-se também a compensar a penosidade resultante de uma menor auto-disponibilidade, pois o trabalhador em questão, ao contrário do que sucede com os trabalhadores com horário de trabalho, não beneficia da regra da previsibilidade da duração e distribuição do tempo de trabalho, nem dos limites máximos dos períodos normais de actividade (nos casos de isenção total em que não está sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho).

A LDT como só previa esta modalidade de isenção, também só previa um tipo de remuneração – artigo 14º- que não podia ser inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia.

Já assim não sucede com o CT/2003, que reflectindo as diversas modalidades de isenção de horário de trabalho por si admitidas, também fixa complementos remuneratórios diferentes.

Por isso, e consoante a maior ou menor penosidade e incomodidade que a situação de isenção traz ao trabalhador, para a isenção total mantém o artigo 256°, n.° 2, uma retribuição especial que não pode ser inferior à que correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia, salvo se a contratação colectiva previr outra.

No entanto, para as situações de isenção em que os períodos normais de trabalho se mantêm, essa retribuição especial não deverá ser inferior à que corresponde a duas horas de trabalho suplementar por semana, (nº 3), salvo se a contratação colectiva previr outra.

Compreende-se perfeitamente esta diferenciação, dada a maior penosidade que advém para o trabalhador sujeito a isenção total de horário de trabalho, que fica à margem do sistema de pré-determinação das horas de entrada, de saída e dos intervalos de descanso, e por isso, fora do âmbito das normas que consagram os limites da duração diária e semanal do trabalho, embora lhe fique salvaguardado o direito ao repouso diário e semanal.

3.1----

            No caso em apreciação, terá o recorrente direito ao pagamento de trabalho suplementar, tendo beneficiado do regime de isenção total de horário e recebido o respectivo suplemento remuneratório?

Efectivamente, decorre da factualidade apurada que, desde 20 de Maio de 2003, o Autor trabalhou para a R uma média de  10 horas e 30 minutos nos dias úteis - das 6h30 às 12h30 e das 14h00 às 18h30 - e 6 horas aos sábados - das 6h30 às 12h30.

Ora, colhe-se da sentença da 1ª instância, reproduzida nesta parte no acórdão recorrido que “…é nosso entendimento que, estando o A. sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho, na modalidade de isenção de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, nos termos conjugados dos arts. 15° da LDT e 2°, no. 2, al. a) do Decreto-Lei n.° 421/83, de 2/12, e arts. 177º n.° 1, al. c), 178º n.° 1, al. a), n.° 3 e 197°, n.° 4, al. a), do CT/2003, carece de fundamento a invocação da pretensa realização de trabalho suplementar em dia normal de trabalho de segunda a sexta-feira.

Isto porque o trabalho prestado pelo trabalhador nos limites da modalidade de isenção de horário de trabalho é qualificado como trabalho normal.

Com efeito, por força da sujeição ao regime de isenção de horário de trabalho na modalidade supra referida, apenas se considerava e considera trabalho suplementar aquele que é prestado fora do dia normal de trabalho (art. 2°, no. 2, al. a) do Decreto-Lei n.° 421/83, e o art. 197°, no. 4, al. a) do Código do Trabalho), ou seja, o prestado nos dias de descanso semanal obrigatório, nos feriados obrigatórios e nos dias e meios dias de descanso complementar, ou no período de descanso diário referido n.° 1 do art. 176° [cfr. citados art.ºs 1780, nº3, e 15º].

Por outro lado, não se compreende na noção de trabalho suplementar o trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho (artigo 2º n°. 2, alínea a) do Decreto Lei 421/83 de 2 de Dezembro), salvo quando tenha sido estipulado que a isenção de horário de trabalho não prejudica o período normal de trabalho diário ou semanal - o que não é a situação versada nos autos, como já vimos -, caso em que se considera trabalho suplementar aquele que exceda a duração do período normal de trabalho diário ou semanal (art. 197°, no. 4, al. a) conjugado com o no. 3 do mesmo normativo).

Assim, o trabalho efectuado pelo Autor de segunda a sexta-feira, relativamente aos chamados "dias úteis", dentro daquele número de horas (superior ao limites máximos dos períodos normais de trabalho - art. 5º do Dec. Lei n.° 409/71, de 27/09, conjugado com o art. 1° da Lei n.º 21/96, de 23/06, e art. 163º n.° 1, do CT/2003), tem de se considerar como abrangido no âmbito da isenção de horário de trabalho e, por isso, não tem o mesmo direito ao pagamento de horas suplementares, mas sim ao pagamento da respectiva retribuição especial por isenção de horário de trabalho (como a Ré o fez). E isto porque a modalidade de isenção acordada entre o Autor e a Ré foi precisamente a da não sujeição aos períodos normais de trabalho diário e semanal.

Por outro lado, considerando que o regime de isenção de horário de trabalho e a correspectiva retribuição especial só são devidas se e enquanto o trabalhador desfrutar dele, o acréscimo retributivo representa, assim, a compensação pelo facto de o trabalhador não ter jus ao aumento de retribuição pelo trabalho suplementar prestado fora do horário de trabalho.

Logo, usufruindo o autor de isenção de horário de trabalho, nos termos e modos supra referidos, não tem o mesmo direito a ser pago a título de trabalho suplementar pelo trabalho prestado nesses dias normais de trabalho, também apelidados "dias úteis", qualquer que fosse o período de laboração desenvolvida, dada a observância dos períodos mínimos de descanso entre dois períodos de trabalho consecutivo.

E, quanto ao trabalho prestado aos sábados, será que é devido ao Autor o pagamento de trabalho suplementar ?

Como tivemos já oportunidade de explicitar, em conformidade com o estatuído no art. 178°, n.° 1, alínea a) do Cód. do Trabalho/2003 e, antes da sua vigência, do art° 15° do Decreto-Lei n.° 409/71, de 27 de Setembro, a isenção de horário de trabalho deixa intactos não só o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, mas também aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar.

Assim, não obstante o trabalhador gozar de isenção de horário de trabalho, dir-se-ia ser-lhe devido o pagamento pelo desempenho do trabalho prestado aos sábados, com conhecimento e sem oposição do empregador.

Sucede que o Autor acaba por reconhecer, no seu articulado inicial, que o descanso semanal obrigatório correspondia ao domingo e o descanso complementar a meio dia do sábado. Para sermos rigorosos, alega o Autor que o horário de trabalho estipulado compreendia, também, os sábados, das 7h00 às 11h00, pelo que - advoga - todo o trabalho prestado aos sábados para além das 11h00 constitui trabalho suplementar (cfr. arts. 62° e 152° da p.i.).

Deste modo, relativamente aos sábados ter-se-á de aferir se o A. prestou trabalho no meio dia de descanso complementar, pois que o trabalho prestado no sábado de manhã ainda se considera compreendido no período normal de trabalho e, nessa medida, não é havido como trabalho suplementar.

E, nesse concreto ponto, somos levados a concluir que o Autor não logrou provar tal pressuposto fáctico constitutivo do direito de que se arroga, pois resulta apenas provado que aos sábados laborou, em média, das 6h30 às 12h30 (cfr. resp. ao ques. 4 da base instrutória).

Ou seja, o período de laboração em causa não prejudicou o meio dia de descanso complementar aos Sábados [cfr. art.° 178º n.o 1, alínea a) do Cód. do Trabalho/ 2003 e, antes da sua vigência, o art. 15° do Decreto-Lei n.° 409/71, de 27 de Setembro].

Em suma, usufruindo o Autor de isenção de horário de trabalho nos termos e modos supra referidos, e mostrando-se respeitado o meio dia de descanso complementar aos sábados, não tem o mesmo direito a ser pago pelo trabalho prestado na manhã dos sábados.

Nesta conformidade, julgo totalmente inviável a pretensão em apreço”, posição que mereceu o aplauso da Relação.

Reage o A contra este entendimento da Relação, argumentando basicamente que ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, são aplicáveis os limites legais de duração diária e anual do trabalho suplementar previstos no artigo 5.°, n.°1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n°421/83, de 2 de Dezembro, e após a entrada em vigor do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n° 99/2003, de 27 de Agosto, no artigo 200°, n°1, alíneas b) e c).

Em abono da sua pretensão invoca a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente o acórdão de 24/2/2010, recurso nº 401/08.6VFX.L1.S1-4ª secção, www.dgsi.pt , posição secundada também pela doutrina.

Diremos antes de mais que a questão é controvertida.

Efectivamente, a jurisprudência do STA, quando tinha competência em matéria laboral, entendia que os trabalhadores isentos de horário de trabalho não tinham direito ao pagamento de trabalho suplementar, podendo apontar-se neste sentido os acórdãos de 17/10/61, Est. Soc. e Corp. nº 1, pgª 97; e de 12/3/68 e 4/2/64, Acórdãos Doutrinais nºs 77/712 e 29/649.

E também neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal, podendo citar-se os acórdãos de 13 de Março de 1991, BMJ 405/335 e de 30/5/1995, BMJ, 447/324 e mais recentemente o acórdão de 16/12/2010, recurso nº 1806/07.5TTPRT.P1.S1-4ª secção, disponível em www.dgsi.pt.

No entanto, trata-se duma questão debatida também ao nível deste Tribunal, pois pronunciaram-se em sentido diverso os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12/3/2003, revista nº 2238/02-4ª, disponível em www.dgsi.pt; de 22/9/2004, CJS 258/3 e de 24/2/2010, recurso nº 401/08.6VFX.L1.S1-4ª secção, já referido e onde se sustenta  que as horas prestadas para além do período normal semanal pelo trabalhador isento de horário de trabalho, quando excedam o limite legal de prestação de trabalho suplementar devem ser pagas com os acréscimos legais que a estas corresponde.

A doutrina também reflecte estas hesitações.

Assim, Menezes Cordeiro, Isenção de Horário, Almedina 2000, pgª 89 e 90, sustenta que “o que caracteriza a isenção de horário não é a não sujeição aos limites máximos normais – que de resto não poderá ser total e absoluta. Antes será a ausência de horas predeterminadas para a tomada do trabalho, para os instervalos do descanso e para a saída”.

Temos de notar que esta posição tem em conta o regime da LDT, que entretanto foi ultrapassado face ao disposto no artigo 178º do CT/2003, que prevê três tipos de isenção de horário e não apenas um como a LDT.

De qualquer modo, sustenta ainda quea não sujeição aos limites máximos dos períodos normais não implica, como é evidente, que os trabalhadores isentos devam trabalhar indefinidamente. Ser-lhe-ão aplicáveis os limites convencionados, ou não havendo nenhum, os limites legais sobre trabalho suplementar”  

 

Por seu turno Liberal Fernandes, Comentário às leis da duração do trabalho e do trabalho suplementar, pgª 76, em anotação ao artigo 15º da LDT, sustenta que “o facto de no regime de isenção não serem observados os limites máximos da semana de trabalho não significa que a entidade patronal possa exigir períodos de laboração muito superiores à média normal, sem qualquer contrapartida. Na verdade, aquele regime não pode transformar-se num meio fraudulento de contornar as regras relativas ao trabalho suplementar e ao limite máximo, nem numa forma de prestação de trabalho gratuito”.

E termina concluindo que, quando existe uma desproporção entre o subsídio auferido e a duração média do tempo de trabalho efectivamente prestado, sendo exigidos ao trabalhador períodos demasiado longos, deve o trabalhador ser retribuido de acordo com o valor da hora normal pelo tempo de trabalho que ultrapasse o limite razoável.

 Romano Martinez, Direito do Trabalho 2010, pgª 574, e que se refere porque o Código/2009 não inovou nesta matéria em relação ao CT anterior, sustenta que na situação paradigmática da isenção de horário (artigo 219º, nº 1 alínea a) do CT/2009 e que corresponde ao nº 1 do artigo 178º do CT/2003) o trabalhador não está sujeito ao limite máximo do período normal de trabalho. Inclui-se no âmbito da previsão resultante desta isenção de horário as horas prestadas para além do período normal de outros trabalhadores da empresa; por isso, não é trabalho suplementar aquele que um trabalhador em regime deste tipo de isenção realiza fora do horário normal praticado pelos outros trabalhadores da empresa.

Apesar desta primeira posição clara e inequívoca refere a seguir que a não sujeição ao limite máximo do período normal de trabalho tem de ser interpretada criteriosamente, não se admitindo que, por via deste regime, o trabalhador fique obrigado a trabalhar ininterruptamente, nem sequer que constitua regra desempenhar a sua actividade 12 ou 14 horas por dia.  

Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12ª edição, 2004, pgª 366, sustenta que a isenção, implicando por parte do trabalhador uma renúncia à compensação pelo trabalho extraordinário, confere-lhe o direito a receber uma retribuição especial.

De qualquer maneira, a isenção deixa intactos não só o direito ao descanso semanal obrigatório e complementar e o direito de paragem nos feriados, mas também o direito ao desacnso diário mínimo de 11 horas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos (obra citada, pgª 368).

Também Maria do Rosário Ramalho, Direito do Trabalho, parte II, situações laborais individuais, Almedina 2006, pgª 462, refere que na conjugação entre o regime de isenção de horário e o regime do trabalho suplementar a doutrina e jurisprudência têm chamado a atenção para a necessidade de conter o tempo de trabalho prestado pelo trabalhador isento dentro de limites razoáveis para impedir que esta figura se transforme numa forma de defraudar os limites do trabalho suplementar, citando em abono da sua tese Liberal Fernandes, obra referida supra, pgª 76.    

Como se constata, a questão é debatida, sendo de destacar quatro posições possíveis:

a) Uma que sustenta a não existência de trabalho suplementar quando os trabalhadores gozam de isenção total de horário de trabalho, independentemente do número de horas diárias ou semanais que prestem;

b) Outra que defende que as horas prestadas para além do período normal semanal pelo trabalhador isento de horário de trabalho, quando excedam o limite legal de prestação de trabalho suplementar, devem ser pagas com os acréscimos legais que a este corresponde.

c) Uma terceira que advoga aplicar o regime do trabalho suplementar quando o trabalhador presta horas para além do razoável.

d) Por último, a posição dos que entendem que existindo uma desproporção entre o subsídio auferido e a duração média do tempo de trabalho efectivamente prestado e sendo exigidos ao trabalhador períodos demasiado longos, deve a empresa retribuir o trabalhador de acordo com o valor da hora normal pelo tempo de trabalho que ultrapasse o limite razoável. 

O acórdão recorrido sustenta a não existência de trabalho suplementar quando os trabalhadores gozam de isenção total de horário de trabalho, independentemente do número de horas diárias ou semanais que prestem, fundamentando a sua posição com a a seguinte argumentação e que vamos reproduzir:

“Com efeito, e no que se reporta agora aos dias úteis, estabelecendo embora a lei limites à prestação de trabalho suplementar (200 horas por ano e 2 horas por dia normal de trabalho, nos termos do art. 5º, nº 1, als. a) e b) do DL 421/83 e 150 horas por ano e 2 horas por dia normal de trabalho, nos termos do art. 200º, nº 1, als. b) e c), do CT/2003), a verdade é que a lei expressamente excluiu do conceito de trabalho suplementar aquele que é prestado  por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho. Assim o dizia o art. 2º, nº 2, do citado DL 421/83 e assim o diz o art. 197º, nº 4, al. a), do CT/2003 no que se reporta a uma das modalidades possíveis da  isenção de horário de trabalho, qual seja a da “não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, prevista no art. 178º, nº 1, al. a), do CT/2003 (isenção total).

 Não ignorando o legislador a existência das três modalidades possíveis de isenção de horário de trabalho previstas nesse art. 178º , nº1, als. a), b) e c) [isenção total, isenção parcial e isenção modelada], certamente que, se essa tivesse sido a sua intenção, teria, no art. 197º:

- ou contemplado como trabalho suplementar, na modalidade de isenção total [art. 178º, nº 1, al. a)], aquele que ultrapassasse o limite legal previsto no art. 200º (150 horas por ano e 2 horas por dia normal de trabalho),

-  ou, no nº 4 desse art. 197º, não teria excluído da noção de trabalho suplementar o que fosse praticado com tal excesso.

 Porém, não o fez. O que fez foi, no caso de isenção total de horário de trabalho em dia normal, referir expressamente que o trabalho pelo mesmo prestado não se compreende no conceito de trabalho suplmentar. E não se integrando em tal conceito, não lhe são aplicáveis as limitações previstas no art. 200º, que se reportam ao trabalho suplementar.

O mesmo se diga relativamente ao pretérito DL 421/83 que, no seu art. 2º, nº 2, al. a), exclui, sem qualquer limitação, da noção de trabalho suplementar o trabalho que é prestado por trabalhador isento de horário de trabalho, sendo que as limitações decorrentes do seu art. 5º são aplicáveis ao trabalho suplementar.

Por outro lado, o art. 178º do CT/2003, que dispõe sobre os efeitos da isenção de horário de trabalho e que, como se disse, nas suas als. a), b) e c), prevê as modalidades de isenção total, parcial e modelada, prevê, expressamente, no seu nº 3, que “A isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, nem ao descanso diário a que se refere o nº 1 do artigo 176º, (…)” [sublinhado nosso], preceito este que, por sua vez, dispõe sobre o período mínimo de descanso entre jornadas de trabalho e que determina que “É garantido ao trabalhador um período mínimo de descanso de onze horas seguidas entre dois períodos de trabalho consecutivos.”.

Ou seja, se tivesse o legislador pretendido consagrar qualquer outra limitação à isenção total de horário de trabalho, designadamente a limitação prevista no art. 200º ou qualquer outra semelhante, certamente que o teria dito. Mas não o fez, consagrando apenas e tão só as restrições constantes do nº 4 do art. 178º, entre as quais a observância de um repouso mínimo entre jornadas de trabalho. E, realça-se, esta restrição não decorre da mera aplicação do art. 176º, nº 1, mas sim da própria previsão normativa que dispõe sobre isenção de horário de trabalho e suas limitações, que remete para esse preceito.

E o mesmo se diga em relação à legislação pretérita ao CT/2003, sendo certo que nem o art. 15º do DL 409/71, nem o DL 421/83, estipulam qualquer limitação, a qual apenas existe no que se reporta ao intervalo mínimo entre jornadas de trabalho, de 12 horas, que foi introduzida pela Lei 21/96. E, como se diz na sentença recorrida, foi  “precisamente para evitar potenciais abusos em relação ao trabalho exigível aos trabalhadores isentos de horário de trabalho, é que a Lei n.° 21/96, de 23/07, no seu art. 3º, n.° 5, veio estabelecer o princípio do intervalo mínimo entre jornadas de trabalho de 12 horas, posteriormente alterado para 11 horas (cfr. art.º 176°, n° 1).

Ou seja, e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que nem a letra, nem o espírito da lei consentem a aplicação, ao caso de prestação de trabalho em regime de isenção total de horário de trabalho (como era o caso do A.), dos limites legais de 200 horas (até 1.12.2003) e de 150 horas (a partir de 01.12.2003) de trabalho suplementar e/ou de duas horas de trabalho suplementar por dia normal de trabalho. Como se disse, se essa tivesse sido a intenção do legislador, certamente que não teria o mesmo deixado de o dizer, tal como o disse em relação às situações que, em seu entender, não poderiam ser afectadas pela isenção de horário de trabalho (dias de descanso obrigatório, dias ou meios dias de descanso complementar, feriados e descanso mínimo entre jornadas de trabalho). Foram estes os mínimos que o legislador, de forma imperativa, entendeu ser de salvaguardar, deixando, no mais, margem contratual às partes para, no âmbito do princípio da liberdade contratual, fixarem o regime de isenção de horário de trabalho que entendam, e sendo certo que esta, isenção, não pode ser imposta ao trabalhador, antes devendo resultar de acordo das partes (art. 177º, nº 1, do CT/2003 e 13º, nº 2, do DL 409/71).

Acresce referir que a limitação das 200 ou 150 horas anuais de trabalho suplementar teria como consequência que, no período de um ano (excluíndo um mês de férias, ou seja em 48 semanas) o trabalhador isento de horário de trabalho, para além do  período normal de trabalho semanal de 40 horas, apenas poderia prestar, semanalmente,  mais cerca 4 horas (200 horas : 48 semanas, até 30.11.2003) e 3 horas (150 horas : 48 semanas, a partir de 1.12.2003). Ou seja,  não obstante o regime de isenção total,  nem seria possível, em cada semana, a prestação de mais uma hora de trabalho por dia. Não nos parece, para além do que acima se disse, que tenha sido esse o desiderato da consagração da isenção (total) de horário de trabalho.

No caso, o A. prestava trabalho em regime de isenção total de horário de trabalho e dessa prestação não decorre que tenham sido violados os períodos mínimos de descanso entre jornadas de trabalho. Assim, pelo que se disse e  demais constante da sentença recorrida, acompanhamos o entendimento que nesta foi perfilhado e, em consequência, o que nela foi decidido.

No que se reporta ao sábado, decorre do que acima se disse que a isenção de horário de trabalho não pode prejudicar o dia ou o meio dia de descanso semanal complementar. No caso, e como se diz na sentença recorrida, o A. tinha direito a meio dia de descanso complementar (sábado à tarde), não violando o trabalho prestado ao sábado o direito a esse meio dia de descanso complementar”.

Acompanhamos a posição do Tribunal recorrido neste seu entendimento.

Efectivamente o legislador, conhecendo os limites semanais e anuais ao trabalho suplementar, não contemplou quaisquer limites no regime da isenção total de horário de trabalho, quando foi tão meticuloso quanto à salvaguarda do direito ao descanso semanal, obrigatório ou complementar e em relação ao respeito pelo descanso obrigatório entre jornadas diárias consecutivas, conforme resulta do nº 3 do artigo 178º do CT/2003.

Por outro lado, previu expressamente as situações de isenção de horário que, apesar de o serem, originam a existência de trabalho suplementar, conforme se colhe do artigo 197º, nº s 2 e 3.

Por isso, não deixa de impressionar que não tenha previsto idêntica possibilidade para a modalidade de isenção de horário total, quando o legislador bem sabia que nela não está o trabalhador sujeita aos limites máximos do período normal de trabalho e que por isso, mais se justificava que estabelecesse máximos diários ou anuais a partir dos quais se estaria perante trabalho suplementar, como fez para as outras modalidades de isenção .

Temos de concluir assim que foi conscientemente que o fez, deixando às partes a determinação da contrapartida condigna e adaptada a cada situação, tanto mais que subjaz a este regime a existência dum acordo escrito das partes, pressupondo o legislador que com a sua celebração ficarão devidamente salvaguardados os interesses dos contraentes (nº 1 do artigo 177º do CT).

Entendemos portanto, que no regime de isenção total de horário de trabalho não se compreenderá no conceito de trabalho suplementar qualquer excesso de trabalho em relação ao período normal de trabalho dos outros trabalhadores da empresa, tal como se decidiu.

É certo que podem surgir situações em que as exigências patronais de prestação de elevado número de horas de trabalho, diárias ou semanais, face à contrapartida acordada, possam exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé.

No entanto, a sua solução terá que passar pelo recurso a outras figuras, tal como o abuso do direito, e não pelo recurso ao instituto do trabalho suplementar que o legisalador expressamente quis afastar, conforme resulta inequivocamente dos artigos 197º, nº 4 do CT/2003 e 17º, nº 1, alínea a) da LDT.

  Improcedem portanto as conclusões do recorrente quanto a esta questão.

            E não se tendo concluido pela existência de trabalho suplementar, fica prejudicada a questão do descanso compensatório correspondente.

 

3.2----

Quanto ao trabalho prestado aos sábados:

Como se argumenta na sentença da 1ª instância, cuja fundamentação colheu a adesão da Relação, o Autor acabou por reconhecer no seu articulado inicial, que o descanso semanal obrigatório correspondia ao domingo e o descanso complementar a meio dia do sábado, pois alegou que o horário de trabalho estipulado compreendia, também, os sábados, de manhã.

Deste modo, relativamente ao trabalho prestado nestes dias ainda estamos em período normal de trabalho, não sendo por isso de qualificar como trabalho suplementar.

Por outro lado, assumindo o próprio A que só a tarde de sábado era de descanso complementar, não foi violado o seu direito a tal descanso, pois acabava a sua jornada de trabalho às 12 horas e 30 minutos, conforme se apurou.

Pelo exposto, improcede também esta questão.

3.3----

Pretende também o recorrente que a média dos montantes devidos pelo trabalho suplementar e pelo descanso compensatório integre a retribuição devida nas férias e nos subsídios de férias.

E pretende ainda que a média do trabalho suplementar prestado aos sábados integre também tal retribuição.

Ora, estando estas questões dependentes do êxito das duas precedentes, obviamente que tendo estas improcedido, ficaram tais matérias prejudicadas.

Assim sendo, e pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.

4----

Termos em que se acorda em:

A) Negar a revista;

B) E em uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

Ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não é devido o pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17º, nº 1, alínea a), do DL nº 409/71, de 27 de Setembro, e 197º, nº 4, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, mesmo que ultrapasse os limites legais diários ou anuais estabelecidos nos artigos 5º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 421/83 de 2 de Dezembro, e 200º, nº 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho/2003, após a entrada em vigor deste diploma.

Custas a cargo do A.

Transitado, dê-se cumprimento ao disposto no nº 5 do artigo 732º-B do CPC.

 

Lisboa, 23 de Maio de 2012

Gonçalves Rocha (relator);

Sampaio Gomes

Leones Dantas

Pinto Hespanhol ( Voto o acórdão, com a declaração de que revi a posição assumida no acórdão de 24 de Fevereiro de 2010, Processo nº 401/08.6VFX.L1.S1, da 4ª Secção, quanto à temática agora objecto de uniformização de jurisprudência).

Fernandes da Silva

         

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[1] Na versão que lhe foi conferida pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto, visto o processo ter sido ajuizado depois de 1 de Janeiro de 2008, versão a que nos referiremos salvo menção expressa em contrário.