Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
479/21.7T8LRA-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CÚMULO JURÍDICO
NOVOS FACTOS
MEDIDA DA PENA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Nos termos do disposto no art. 449.º, n.º 3, do CPP, “com fundamento na al. d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada”.

II - Condenado numa pena única de 2 anos e 8 meses de prisão, o recorrente pretende com este recurso de revisão reduzir a pena única a medida não superior a 2 anos de prisão e, subsequentemente, o cumprimento da mesma em regime de permanência na habitação.

III - Estas são questões a colocar em sede de recurso ordinário, não no âmbito de um recurso extraordinário de revisão.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


  I. No Proc. 479/21... do Juízo central criminal de ... (J...), que teve origem no Proc. 74/19... do Juízo local criminal de ..., ao qual foi apenso o Processo nº 230/19...., foi efectuado, em 22 de Abril de 2021, o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, com os demais sinais dos autos, neste processo e no Proc. 134/20... do Juízo local criminal de ..., tendo o mesmo sido condenado numa pena única de pena única de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão e na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses.

     Essa decisão transitou em julgado em 24 de Maio de 2021.

           

    II. E o arguido interpõe, agora, recurso extraordinário de revisão daquele acórdão cumulatório, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, transcritas:

«a) A 22-04-2021 foi proferido acórdão nos presentes autos, onde o recorrente foi condenado em processo de cúmulo jurídico a uma pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses e na proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 1 (um) ano e 3 (três) meses, Cfr. Fotocópia certificada da sentença e do seu trânsito em julgado que aqui se junta como Doc. 1 e que se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos efeitos legais.

b) A decisão do processo supramencionado transitou em julgado.

c) Pelo relatório social efetuado e que acompanhou o douto Acórdão, transparece o problema de alcoolismo de que o ora Recorrente padece.

d) Sendo certo, que a esta parte, tal problema nunca foi concretizado como uma adição e subsequentemente como a doença que é na realidade.

e) O ora Recorrente logrou a certo momento ter uma vida estável, tentando ter um trabalho fixo, constituir família, tendo sido casado e em consequência ser hoje pai de dois filhos, tendo o casamento acabado devido à sua adição patológica.

f) O Recorrente foi titular do título de condução válido, tendo frequentado a escola de condução e adquirido o mesmo após submissão a exame.

g) O ora Recorrente encontra-se empregado, Cfr. Doc. 2, (contrato de trabalho a termo certo), que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.

h) Este à data encontra-se em regime de permanência na habitação, estando sujeito a medidas de controlo eletrónico à distância com fiscalização, donde, apenas se pode ausentar para exercer a sua atividade profissional.

i) Encontra-se ainda a efetuar a frequência de consultas de alcoologia do ... desde …. de 2021, Cfr. Doc. 3, (Atestado de Doença), que ora se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.

j) No processo de cúmulo jurídico foi ponderada a exigência de prevenção geral, considerando-a elevada, devido à sinistralidade rodoviária que tais condutas praticadas pelo Recorrente têm tendência a provocar.

k) Digna ainda o douto Acórdão, que o grau de ilicitude refletido no facto e no desvio de valores impostos pela ordem jurídica são elevados.

l) Afirma o douto Acórdão que a intensidade do dolo é elevada, revestindo a culpa do Arguido a modalidade mais gravosa do dolo, concluindo pela elevada exigência de prevenção especial subsumida ao caso concreto.

m) A montante, e sendo-nos permitido o contraditório, refuta-se tal concretização, primeiro porque se as condutas anteriormente praticadas pelo Arguido na veste de Agente do crime seriam lesivas da prevenção geral da sociedade, verdade também é que com as medidas aplicadas anteriormente que este se encontra a cumprir, serão mais sadias para a concretização da finalidade do Direito Penal, do que a sua conversão em pena de prisão efetiva, uma vez que se encontra sob medida de permanência na habitação sob vigilância eletrónica.

n) Assim, prima facie, andou bem o douto tribunal ao decidir como decidiu, ao implementar a medida de permanência na habitação com medida de vigilância eletrónica, bem como submeter o Recorrente a consultas e acompanhamento médico a fim de solucionar a sua adição.

o) Por outra banda, se andou bem ao decidir como decidiu, menos bem andou quando em processo de cúmulo jurídico vem condenar o Recorrente em pena de prisão efetiva, frustrando assim o fim último da Ratio do axioma penal, e logrando pela aplicação da última et extrema ratio, sem atender aos critérios da necessidade e proporcionalidade, que aliás colhem abrigo em sede constitucional, mormente nos termos do Disposto no Artigo 18º da Lex Mater, do Estado Português (Constituição da República Portuguesa).

p) Quanto à elevada ilicitude que os factos praticados pelo Recorrente revestem, da mesma, e à luz do conceito do Homem médio não se alcança qualquer dúvida, pese embora e no caso deste, se tenha frustrado o Tribunal a quo de avaliar a circunstância de o Recorrente padecer de uma Patologia, donde, a consciência da prática do facto não poderia certamente ser igual à do cidadão comum, não obstante, tal facto não prevê a exclusão da ilicitude, mas parece-nos a esta parte, que a medida anterior já aplicada de permanência na habitação a par dos tratamentos do alcoolismo seria a medida ideal e adequada ao caso concreto.

q) No tocante à matéria do dolo, grosso modo e no mero exercício do contraditório esta é de difícil concretização, o Recorrente no momento da prática dos factos encontrava-se sob o efeito de uma dependência tendo que se distinguir que este não se colocou sob o efeito do álcool para praticar os factos, praticou-os sim, por estar sob o efeito do álcool, circunstância que como se sabe, em sede de imputação subjetiva fará toda a diferença.

r) Assim, parece questionável o grau de dolo que é imputado ao Recorrente, uma vez que, para que se haja sob a forma de dolo Direto, previsto nos termos do n.º 1 do Artigo 14º do Código Penal, o Agente tem de conhecer e querer praticar a conduta que preenche um tipo de crime.

s) Pese embora o exposto, o que aqui se recorre não é de todo dos factos imputados ao Agente, uma vez que o próprio não os vem refutar, recorre-se sim, da dosimetria e tipo de pena aplicada ao caso concreto.

t) Lembrando o saudoso mestre Cesare Beccaria, “para qualquer delito deve o juiz construir um silogismo perfeito: a premissa maior deve ser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não à lei; a conclusão a liberdade ou a pena.

u) No que toca ao silogismo parece pois este ter sido acolhido pelo Tribunal a quo, pese embora a medida da pena bem como o tipo, tenham extravasado a necessidade que a Ratio Legis impunha.

v) No caso Concreto, o Recorrente encontra-se a cumprir Regime de permanência na habitação, como já referimos, sujeito a medida de controlo eletrónico, bem como a consultas e tratamentos regulares da adição de que padece.

w) No âmbito do processo de cúmulo jurídico, esta pena veio a ser convolada em pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

x) Prevê o Artigo 43º, mormente no seu n.º 1, Al, b), que quando por este meio se realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são efetuadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios eletrónicos de controlo à distância, quando a pena de prisão efetiva não for superior a dois anos, resultante do desconto previsto nos termos dos Artigos 80º a 82º do Código Penal, que no caso se aplicam, pois o Recorrente já se encontra a cumprir tal regime há cerca de 9 (nove) meses, que quando subsumidos na pena aplicada, preenchem o pressuposto citado.

y) Assim, o Tribunal a quo ao proferir tal Acórdão, veio aplicar a crimes menos gravosos a pena de crimes considerados de primeiro grau, dando primazia à pena de prisão efetiva, quando o Direito não só não o aconselhava, mas impunha que optasse pela outra via, se não, vide os termos do Artigo 70º do Código Penal, que no caso de se poder optar por uma e outra, este deva optar pela pena não privativa da liberdade.

z) É previsível, que o Estado furte apenas a cada individuo o mínimo indispensável de Direitos, Liberdades e Garantias para assegurar os Direitos de outros e da comunidade, conforme os termos já invocados do Artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, repudiando, as doutrinas da retribuição revestindo estas um carácter social-negativo.

aa) O ora Recorrente, atualmente e como ficou já expresso, encontra-se empregado e a prestar os seus serviços de forma reiterada e comparecendo assiduamente no emprego, bem como nas consultas de alcoolismo, com a finalidade de se ressocializar, poder acompanhar o crescimento dos seus filhos, de quem foi afastado devido à sua condição de doença, sendo a condenação em prisão efetiva, além de descontextualizada exagerada e desproporcional, em prejuízo da medida de permanência na habitação com vigilância eletrónica, uma vez que cumpre os requisitos.

bb) O único meio de reação possível quanto ao douto Acórdão é o Recurso de Revisão, nos termos do Artigo 449º, al, d) e s.s do código de Processo Penal, a fim de sanar tal injustiça Existente.

cc) Grosso modo parece-nos que no âmbito do processo de cúmulo jurídico não foram apreciados os factos supervenientes, como sejam, primeiro o de o Recorrente se encontrar com um emprego fixo.

dd) Depois, encontra-se a frequentar consultas de alcoolismo, a fim de tratar da patologia de que padece há vários anos.

ee) Reiteramos que as medidas actuais parecem ser as mais adequadas, primeiro porque o Recorrente se encontra no seu cumprimento há cerca de 9 (nove) meses e não houve qualquer desvio comportamental, segundo porque os anseios reportados pelo tribunal estão assegurados com a medida atual.

ff) Note-se que o Acórdão em crise afirma que a necessidade de prevenção especial se apresenta acima da média em termos de efeito intimidatório da pena sobre o comportamento futuro do Recorrente.

gg) Ora no caso a pena já decretada cumpre com a prevenção de tais receios, uma vez que o Recorrente se encontra sob vigilância eletrónica deixando espaço para que se perceba que tal decisão em cúmulo deriva do facto de o Tribunal não conhecer as novas circunstâncias supervenientes.

hh) In fine, se por um lado o douto Tribunal ao decidir como decidiu invoca ainda o facto de não se conseguir preencher o pressuposto material para que se aplique a suspensão da execução da pena nos termos do Artigo 50º do código Penal, por outro extravasa completamente a linha de raciocínio que apresentava, estando primeiramente a considerar a aplicação de uma suspensão de execução da pena e passando diretamente para a pena de prisão efetiva, desconsiderando a medida de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

ii) Circunstância que como afirmámos só se compreende pelo desconhecimento dos factos supervenientes por parte do Tribunal a quo, e que dão fundamento ao presente Recurso de Revisão.

jj) Assim, Requerer-se nestes termos e com os fundamentos apresentados, dada a injustiça da pena e a existência de factos novos que demostram a possibilidade de seguir o caminho até agora feito, nos termos do Artigo 449º, n.º 1, al. d), que seja admitido o presente Recurso de Revisão, remetido para o Supremo Tribunal de Justiça, para que seja autorizada a revisão e realizado novo julgamento onde o Recorrente possa produzir a prova por si arrolada a fim de lhe ser revista a pena aplicada, por não se compadecer com os princípios gerais de Direito, nem com os fins da aplicação da lei penal».


   Respondeu o Digno Magistrado do MºPº na 1ª instância, pugnando pelo não provimento do recurso:

«(…)

Estabelece o artigo 449.º, nº 1, al. d), do Código de Processo Penal que «Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».

“(…) Resulta da literalidade da citada al. d), do n.º 1, do art. 449.º, que, ao abrigo de tal segmento normativo, a revisão (extraordinária) só pode ser concedida se e quando se demonstre que, posteriormente à decisão revidenda, se descobriram factos ou meios de prova novos, vale dizer outros, que aquela decisão tenha deixado por apreciar. IV - O fundamento de revisão previsto na citada al. d), do n.º 1, do art. 449.º, importa a verificação cumulativa de dois pressupostos: por um lado, a descoberta de novos factos ou meios de prova e, por outro, que tais novos factos ou meios de prova suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação, não podendo ter como único fim a correcção da medida concreta da sanção aplicada (n.º 3 do mesmo preceito). Tem-se entendido que se deve interpretar a expressão “factos ou meios de prova novos” no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão. Com efeito, só esta interpretação observa a natureza excepcional do recurso de revisão e os princípios constitucionais da segurança jurídica, da lealdade processual e da proteção do caso julgado. A “dúvida relevante” para a revisão tem de ser “qualificada”; há-de elevar-se do patamar da mera existência, para atingir a vertente da “gravidade” que baste, tendo os novos factos e/ou provas de assumir qualificativo correlativo da “gravidade” da dúvida: isto é, que, na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, tendo em conta o critério de livre apreciação (art. 125.º, do CPP) e, sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação. Os novos factos ou meios de prova têm que suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, mas, nesse caso, desde que suscitem possibilidade de absolvição e já não de mera correcção da medida concreta da sanção aplicada; tudo terá de decorrer sob a égide da alternativa condenação/absolvição, que afinal plasma e condensa o binómio condenação justa (a manter-se) condenação injusta (a rever-se) (…)” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Novembro de 202, proferido no Processo n.º 198/16.6PGAMD-A.S1).

Da mera leitura das conclusões do recorrente, depressa temos de concluir que os referidos pressupostos não estão verificados.

É o próprio arguido quem o afirma.

Na data em que o acórdão de cúmulo foi proferido já o mesmo se encontrava a ser acompanhado em consultas de alcoologia.

Mais, a referência aos problemas de alcoolismo já eram referidos em sede de relatório social e foram considerados no acórdão de cúmulo.

Na verdade, resulta dos autos (aliás condição óbvia e essencial para o presente recurso) que o acórdão de cúmulo jurídico de penas transitou em julgado.

O arguido não o contestou.

Este recurso nada mais é que a tentativa de reagir contra a pena já transitada em julgado e que a ser alterada teria de necessariamente ser inferior.

O agora alegado pelo recorrente não configura um novo meio de prova, ou sequer um meio de prova que não estivesse à sua disposição juntar aos autos na data em que o acórdão de cúmulo foi proferido.

“Em suma, o requerente socorre-se do recurso de revisão, sem atender à sua natureza excepcional e a pretexto de razões que não conformam nenhum dos fundamentos de revisão de sentença transitada em julgado, com vista a obter um novo julgamento, um melhor julgamento” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-01-2012), ou dizemos nós, uma pena de prisão igual ou inferior a dois anos, executada em regime de permanência na habitação.

Em resumo, o presente recurso não poderá ser provido, na medida em que os pressupostos legais do mesmo não estão verificados».


  A Mª juíza do Juízo central criminal de ... prestou a informação a que se refere o artº 454º do CPP, nos seguintes termos:

«Informação a que alude o art.º 454º do Código de Processo Penal.

Vem o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 449.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Penal interpor recurso extraordinário de revisão, alegado em síntese que a pena de dois anos e oito meses de prisão que lhe foi aplicada em sede de acórdão de cúmulo jurídico de penas é injusta e que a pena aplicada não tomou em consideração o facto de o arguido padecer de uma doença, alcoolismo, cujo conhecimento só agora foi trazido aos autos; pugna pela substituição por outra pena que permita que o arguido a possa cumprir no regime de permanência na habitação.

Cumpre elaborar informação sobre o mérito do pedido nos termos do artº 454º do CPP.

Com efeito, nada de novo, o arguido carreia para os autos, uma vez que na data em que o acórdão cumulatório foi proferido já os problemas de alcoolismo referidos em sede de relatório social foram considerados.

Pelo exposto, não se verifica o fundamento previsto no art.º 449.º, nº 1, alínea d), do CPP para admissibilidade da revisão.

É, pois, nosso entendimento que o presente pedido de revisão não pode ter qualquer procedência».


   III. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal entende, também, que o recurso deve improceder:

«1. O arguido AA veio interpor recurso de revisão, invocando o disposto no art.º 449º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Penal.

2. A tal recurso respondeu o Exmo. Sr. Procurador da República em 1ª instância, pugnando pela respectiva improcedência.

3. O Exmo. Sr. Juiz de Direito prestou a informação prevista pelo art.º 454º do CPP, pronunciando-se, igualmente, pelo indeferimento da requerida revisão.

4. A exaustividade e pertinência de ambas as peças processuais dispensam-nos de maiores comentários.

Cremos, com efeito, que, in casu, se não verifica qualquer dos pressupostos dos quais depende a admissão de um recurso extraordinário desta natureza.

Na verdade, ao referenciar os seus problemas de alcoolismo, o arguido não veio aos autos indicar novos elementos de prova que, de per si ou conjugados com outros já apreciados em sede de julgamento, fossem susceptíveis de gerar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação.

De facto, tais problemas são referenciados, por mais de uma vez, no douto acórdão que cumulou as diversas penas parcelares em que foi condenado; e, bem assim, na parte final do cap. 33 (Do relatório social do arguido), nos seguintes termos:

“Do percurso de vida de AA, salienta-se a problemática relacionada com a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, com consequências tanto ao nível laboral como no envolvimento em diversos processos judiciais.”

Não pode, pois, o arguido alegar “desconhecimento dos factos supervenientes por parte do Tribunal a quo” como fundamento do seu recurso de revisão, já que a situação era perfeitamente conhecida dos diversos tribunais que o condenaram, sendo igualmente sopesada pelo Tribunal que elaborou a decisão de cúmulo jurídico.

5. Em suma, a fundamentação do arguido não parece ser bastante para suscitar graves dúvidas sobre a justiça da sua condenação, sendo certo que se não funda em quaisquer factos novos que o Tribunal recorrido não conhecesse e não tivesse sopesado; pelo que, em conformidade, nos parece dever ser denegada a requerida revisão».


  Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou qualquer resposta.


       IV. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência:

     O recorrente estriba a sua pretensão na al. d) do nº 1 do artº 449º do CPP [1], que admite a revisão de sentença transitada em julgado quando “se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

       A revisão de sentença, com consagração constitucional (artº 29º, nº 6 da CRP), tem natureza excepcional, na pura e exacta medida em que constitui uma restrição evidente ao princípio da segurança jurídica. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do CPP”, 1206, «só circunstâncias “substantivas e imperiosas” (…) devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que este recurso extraordinário se não transforme em uma “apelação disfarçada”».

     Entre essas excepções, a lei consagrou a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só ou conjugados com os apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

  Não é pacífico na doutrina e na jurisprudência o que há-de ser entendido como “novos factos ou meios de prova”: para uns, essa expressão não significa que tais factos não fossem conhecidos pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar, mas apenas que tais factos ou meios de prova não foram valorados no julgamento, porque então desconhecidos do tribunal – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 388: “A novidade dos factos ou dos elementos de prova deve sê-lo para o julgador; novos são os factos ou elementos de prova que não foram apreciados no processo, embora o arguido os não ignorasse no momento do julgamento”; ainda neste sentido, Ac. STJ de 17/10/2019, Proc. 29/14.1JALRA-C.S1, da 5ª secção. Para outros, é necessário que não só para o tribunal como, também, para o arguido, tais factos ou meios de prova fossem ignorados ao tempo do julgamento – neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, op. cit, 1208, para quem «só esta interpretação é conforme com o conceito de “factos ou meios de prova novos” do direito internacional dos direitos humanos e, nomeadamente, do artigo 3º do protocolo nº 7 da CEDH, segundo o qual o direito a indemnização em caso de erro judiciário é afastado quando se prove que “a não revelação em tempo útil de facto desconhecido lhe é imputável no todo ou em parte” (…)»; ainda neste sentido, Ac. STJ de 11/9/2019, Proc. 355/14.0GBCHV-E.S1 da 3ª secção.

    Opte-se por um ou outro entendimento, os “novos factos” invocados pelo recorrente, de novo nada têm.

    Com efeito, no que diz respeito ao “problema de alcoolismo de que o ora recorrente padece” (al. c) das conclusões do recurso), o mesmo era, à data da realização da audiência tendo em vista a realização do cúmulo jurídico, do natural conhecimento do recorrente, como o era, manifestamente, do tribunal recorrido que, no acórdão cumulatório, assim o consignou:

«A sua trajetória de trabalho foi condicionada pela falta de assiduidade, na sequência de acidentes de trabalho e de viação de que foi vítima, assim como, dos hábitos de ingestão de bebidas alcoólicas.

A sua dependência alcoólica levou a que, no ano de 2007, se submetesse a uma desintoxicação em regime de internamento hospitalar e posteriormente em regime de ambulatório, no entanto, esta dependência mantém-se como um fator de risco, tendo retomado o acompanhamento terapêutico no Centro de Respostas Integradas das ....

(…)

Do percurso de vida de AA, salienta-se a problemática relacionada com a ingestão abusiva de bebidas alcoólicas, com consequências tanto ao nível laboral como no envolvimento em diversos processos judiciais. Realça-se positivamente, a adesão a um processo terapêutico no âmbito da sua dependência e o apoio familiar, garantido pelo seu progenitor».

      E é neste concreto ponto que o recorrente faz recair o essencial da sua argumentação, porquanto, apesar de referir a sua actual situação de alegada estabilidade profissional, dela não retira qualquer consequência em termos de (in)justiça da condenação.

     Não se verifica, portanto e no caso vertente, a novidade dos factos que é pressuposto essencial do recurso extraordinário de revisão.

   Mas, para além disso e fundamentalmente, este recurso de revisão nunca poderia proceder, por uma outra razão que se nos afigura manifesta.

   É que, nos termos do disposto no artº 449º, nº 3 do CPP, “com fundamento na alínea d) do nº 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada”.

    Trata-se, como é sabido, de um pressuposto negativo do recurso de revisão.

      Mas é precisamente isso que o recorrente aqui pretende:

    Na al. s) das conclusões que apresentou, refere expressamente:

“(…) o que aqui se recorre não é de todo dos factos imputados ao Agente, uma vez que o próprio não os vem refutar, recorre-se sim, da dosimetria e tipo de pena aplicada ao caso concreto” (subl. e neg. nossos).

   E, no final, concluiu pedindo que “seja autorizada a revisão e realizado novo julgamento onde o Recorrente possa produzir a prova por si arrolada, e ver revista a pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses que lhe foi aplicada em sede de processo de cúmulo jurídico, para que seja considerada uma pena de permanência na habitação com vigilância eletrónica” (subl. nosso).

  Não desconhecemos a existência de jurisprudência que admite o recurso de revisão quando em causa não está a determinação do quantum da pena, mas a escolha da mesma.

Assim, no Ac. STJ de 26/4/2012, 614/09.3TDLSB-A.S1, considerou-se que a lei “não veda a revisão que se funda em dúvida grave sobre a escolha da pena, por exemplo, a aplicação de uma pena de substituição de uma pena de prisão. (…) Será, pois, de concluir que se impõe a concessão da revisão pela subsistência de dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido no que se refere à possibilidade de aplicação de uma pena de substituição, nomeadamente a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sendo certo que cumprir uma pena em liberdade não é equivalente a ter de a cumprir na prisão”.

   Tal acórdão conta com um elucidativo voto de vencido do Exmº Conselheiro Arménio Sottomayor: “Reconheço o esforço que é feito no acórdão no sentido de autorizar a revisão (…). Entendo, todavia, que a situação, tal como é apresentada pelo requerente e ponderada na decisão, não preenche a previsão da al. d) do art. 449.º do Código de Processo Penal. Com efeito, sendo desde logo duvidoso que se trate de um facto novo, ainda mais duvidoso se me afigura que respeite a limitação do n.º 3 do referido artigo, norma que não permite a revisão com fundamento na al. d) do n.º 1, com o único fim de corrigir a medida concreta da pena, parecendo-me um tanto artificioso fazer a distinção para este efeito entre espécie e medida de pena”.

      No entanto, como bem se refere no Ac. deste Supremo Tribunal de 4/11/2015, Pr. 1052/05.2TAVRL-D.S1, «o instituto de revisão de sentença, constitucionalmente consagrado, tem por fundamento a injustiça da condenação. Com efeito, segundo estabelece o n.º 6 do artigo 29º da Constituição da República: ‘Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições em que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos’. Sendo a razão de ser do instituto de revisão de sentença a injustiça da condenação é mister concluir que o que nele está em causa é o juízo condenatório, de culpabilidade, e não o juízo sobre a pena imposta. (…) Uma coisa é a justiça da condenação, outra a justiça da pena. Aliás, a lei adjectiva penal ao prever na alínea d) do artigo 449º, como fundamento de revisão, a descoberta de novos factos ou de novos meios de prova, é clara ao fazer depender a relevância desses factos ou desses meios de prova da circunstância de suscitarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. E sendo o recurso de revisão de sentença um meio impugnatório extraordinário (excepcional), certo é não ser admissível a interpretação das normas que o integram por via de recurso à analogia, razão pela qual entendemos não ser admissível o recurso de revisão de sentença quando tenha por única finalidade corrigir a pena imposta, seja relativamente ao seu quantum, seja relativamente à sua espécie, como decidimos no Processo n.º 205/08.6JALRA-H.S1. Era esta, aliás, a posição expressamente defendida pelo saudoso Conselheiro Maia Gonçalves, ao referir no seu Código de Processo Penal Anotado (17ª edição – 2009) que o n.º 3 do artigo 448º consagra legislativamente a jurisprudência que o Supremo Tribunal de Justiça vinha seguindo no domínio do Código de Processo Penal de 1929, de que simples questões de dosimetria penal não podem servir de finalidade à revisão» (sub. nossos).

  No mesmo sentido vai a generalidade da jurisprudência deste Supremo Tribunal – assim e por exemplo, os Acs. STJ de 21/9/2006, Pr. 06P3186 e de 20/11/2014, Pr. 131/06.3GCMMN-A.S1.

      No caso em apreço, aliás, nem sequer está em causa a simples escolha da pena, antes uma prévia redução da mesma para medida que permita o seu cumprimento em regime de permanência na habitação.

     Ora, estas são questões a colocar em sede de recurso ordinário, não no âmbito de um recurso extraordinário de revisão.

    Assim, este recurso extraordinário de revisão de sentença está irremediavelmente condenado ao insucesso porquanto formulado com uma finalidade expressamente afastada por lei – artº 449º, nº 3 do CPP.


    V. São termos em que acordam os juízes deste Supremo Tribunal em:

   a) negar a revisão – artº 456º do CPP;

 b) condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s;

c) considerar o pedido manifestamente infundado e condenar o recorrente no pagamento de 6 UC’s – artº 456º do CPP.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2021 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta)

Pires da Graça (Juiz Conselheiro Presidente da Secção)

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[1] Cfr. als. bb) e jj) das conclusões que retirou da sua motivação de recurso.