Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
598/11.8T2STC.E1.S1
Nº Convencional: 6º SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DE COGNIÇÃO
PROCURAÇÃO
NEGÓCIO FORMAL
INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
HIPOTECA
Data do Acordão: 11/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: PARCIALMENTE CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO / SENTIDO NORMAL DA DECLARAÇÃO / NEGÓCIOS FORMAIS.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume I, 4ª edição, p. 361/362;
- L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, 2017, p. 207;
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, p. 489;
- Paula Costa e Silva, Acto e Processo, p. 431;
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, p. 394 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.ºS 1 E 2 E 238.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:


- DE 25-11-2008, PROCESSO N.º 612/05.6TBOHP.C1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Os poderes de cognição do STJ, no domínio da interpretação dos negócios jurídicos, estão circunscritos à determinação do sentido normativo da declaração negocial, com recurso aos critérios fixados nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, por tal envolver conhecimento de matéria de direito, estando-lhe, ao invés, vedado o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes por esta constituir matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (n.os 2 dos mesmos preceitos).

II - Constituindo a procuração um negócio jurídico formal, deve observar-se na sua interpretação a regra especial do art. 238.º, n.º 1, do CC, o que significa que não pode prevalecer, na interpretação desse ato, um sentido que não tenha um mínimo de correspondência com o seu texto.

III - Assim, a procuração outorgada com poderes especiais para “fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos” não alberga, na verdade, os poderes de representação necessários a celebrar contratos de abertura e ampliação de crédito bancário, negócios esses que são ineficazes em relação ao autor/representado, que não os ratificou.

IV - A hipoteca é uma garantia acessória da dívida a que se reporta, estando a sua existência condicionada à da obrigação garantida (ela só existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura, sendo que o seu registo não é elemento formativo do negócio nem garante da sua eficácia, mas, unicamente, elemento da constituição desse direito real de garantia). Inquinados de eficácia, em relação ao autor, os negócios jurídicos referidos em III, as hipotecas constituídas sobre os imóveis deste são, sequencialmente, ineficazes.
Decisão Texto Integral:

PROC. N.º 598/11.8T2STC.E1.S1

REL. 108[1]


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    ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

AA, com domicílio na Rua ..., n.º …, ..., Lisboa, instaurou contra BB, com domicílio na Rua ..., … - ….º, ..., CC, com domicílio no ..., ..., ..., DD..., CRL., com sede na Rua ..., n.º …, ..., EE, com domicílio no ..., ..., ..., e FF, com domicílio na Rua ..., n.º …, …, ..., acção declarativa, então a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final:

a) fossem declarados ineficazes relativamente ao Autor os contratos de hipoteca, crédito, compra e venda, dação em cumprimento, e todos os demais contratos objecto das escrituras públicas mencionadas nos art.ºs 48.º a 78.º [da PI], a saber:

(i) Escritura pública de 30 de Setembro de 1999, denominada “Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca”;

(ii) Escritura pública de 11 de Janeiro de 2001, denominada “Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca”;

(iii) Escritura pública de 04 de Fevereiro de 2005, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca”;

(iv) Escritura pública de 02 de Fevereiro de 1999, denominada “Abertura de Crédito”;

(v) Escritura pública de 16 de Outubro de 2006, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca e Renúncia”;

(vi) Escritura pública de 21 de Dezembro de 2006, denominada “Ampliação de Crédito com Hipoteca”;

(vii) Escritura pública de 31 de Dezembro de 2007, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança”;

viii) Escritura pública de 25 de Março de 2009, denominada “Ampliação de Crédito  com Hipoteca”;

(ix) Escritura pública de 25 de Março de 2009, denominada “Compra e Venda”; e

(x) Escritura pública de 25 de Março de 2009, denominada “Dação em Cumprimento”;

b) Fosse ordenado o cancelamento dos respectivos registos prediais;

c) Fosse declarado que o Autor é o proprietário da fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao … do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa;

d) Fosse declarado que o Autor é o proprietário do lote de terreno para construção designado por lote …, sito na ..., freguesia e concelho ...;

e) A condenação dos RR no pagamento da quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados ao demandante com o seu comportamento, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que:

- Os Réus BB, CC e EE são, respectivamente, a sua mãe, irmão e cunhada, residindo todos em Portugal, ao passo que o demandante sempre viveu em ..., país onde nasceu, cresceu, constituiu família, reside e trabalha;

- Não obstante sempre ter residido e trabalhado em ... foi, ao longo dos tempos, adquirindo bens imóveis em Portugal, tendo em vista o seu posterior arrendamento, para assim obter rendimentos que um dia assegurassem a sua reforma. Nesse contexto, e com a finalidade de assegurar a contínua, adequada e diligente gestão dos imóveis por si adquiridos, constituiu procuradora sua mãe, mediante instrumento de procuração outorgado em 29 Dezembro de 1992, conferindo-lhe os poderes cujo exercício, contudo, nos termos das instruções que lhe transmitiu, se encontrava vinculado à defesa dos interesses do demandante e das suas filhas, na eventualidade de alguma coisa lhe acontecer;

- Sucede, porém, que a referida procuradora, em conjunto com os demais Réus, sem consentimento nem conhecimento do demandante, utilizou tal procuração e, bem assim, o seu património, para obter e garantir diversos empréstimos bancários em favor do Réu CC, concedidos pela Ré DD com a colaboração da Ré FF, notária que presidiu aos referidos actos, os quais não foram queridos ou autorizados pelo demandante, que deles só teve conhecimento no ano de 2010 e por mera casualidade;

- Todos os referidos actos foram praticados pela procuradora em abuso de representação, sendo certo que em relação aos financiamentos e aberturas de crédito contratados em nome do Autor se verifica falta de poderes de representação, sendo para além do mais simulados, uma vez que, conforme todos os Réus sabiam, os empréstimos assim obtidos não se destinavam ao demandante mas sim a seu irmão, o aqui Réu CC, tendo actuado de forma concertada para o enganar e também às entidades de supervisão bancária, que assim ficaram impedidos de tomar conhecimento da identidade e risco associado ao verdadeiro beneficiário;

- Os negócios de compra e venda e dação em pagamento dos imóveis que lhe pertencem foram simulados, tendo por escopo contornar a falta de poderes de representação da procuradora, tendo os Réus actuado concertadamente ainda aqui com o intuito de enganarem o demandante, as entidades de supervisão bancária e também a AT;

- Os actos praticados são ineficazes em relação a si, não o vinculando, sendo ainda nulos por simulação e violação dos bons costumes. E porque da sua prática resultaram danos de natureza não patrimonial, devem os Réus ser solidariamente condenados no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 100.000,00 €.

           

Contestaram a Ré DD e também FF.

Na contestação que apresentou, a Ré DD, não excluindo que a propositura da presente acção seja a expressão de um conluio entre os elementos da família GG por forma a recuperarem o património desonerado depois de terem dissipado as quantias mutuadas, alegou que, a verificar-se o invocado abuso de representação, sempre o mesmo seria inoponível à contestante, que desconhecia, sem culpa, as circunstâncias em que o demandante emitiu a procuração a favor de sua mãe e eventuais conversas entre ambos havidas a respeito da sua utilização.

Impugnou a demais factualidade invocada, alegando que o Autor sempre teve conhecimento dos empréstimos concedidos, tendo as quantias mutuadas ao abrigo de diversos contratos sido depositadas em conta bancária por si titulada na contestante. Acrescentou que face ao incumprimento verificado se viu na contingência de instaurar diversas acções executivas no ano de 2008, sendo o Autor um dos executados, tendo-se deste modo arrogado credora do mesmo, sendo falso quanto em adverso foi por este alegado.

Alegou finalmente actuar o Autor em claro abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, invocando a nulidade de negócios que bem sabe terem sido validamente celebrados com a sua procuradora, pelo que sempre a acção terá de improceder.

Acusando o Autor de ter alterado de forma intencional a verdade dos factos com relevância para a decisão, fazendo dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, pediu a condenação daquele como litigante de má-fé em multa e indemnização a seu favor de montante não inferior a 100.000,00.

Contestou igualmente a Ré FF, tendo-se defendido por impugnação, pedindo igualmente a condenação do Autor como litigante de má-fé no pagamento de multa e indemnização a seu favor.

O Autor respondeu à matéria das excepções invocadas pela Ré DD, tendo ainda refutado a imputação de má-fé feita por ambas as Rés. Aproveitou, no entanto, para acusar a demandada DD de alterar a verdade dos factos, pedindo a condenação desta Ré em multa e indemnização a seu favor, “de valor correspondente a todas as despesas que se viu obrigado a suportar, incluindo os honorários dos seus advogados”, cuja liquidação relegou para momento posterior.

Introduziu, ainda, em juízo no mesmo articulado factos supervenientes (cf. fls. 825) alegadamente relevantes para a decisão.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento vindo, no seu termo, a ser proferida sentença que, na parcial procedência da acção, declarou ineficazes relativamente ao Autor:
(i) A escritura pública de 30 de Setembro de 1999, denominada “Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca”;
(ii) A escritura pública de 11 de Janeiro de 2001, denominada “Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca”;
(iii) A escritura pública de 04 de Fevereiro de 2005, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca”;
(iv) A escritura pública de 02 de Fevereiro de 1999, denominada “Abertura de Crédito”
(v) A escritura pública de 16 de Outubro de 2006, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca e Renúncia”;
(vi) A escritura pública de 21 de Dezembro de 2006, denominada “Ampliação de Crédito com Hipoteca”;
(vii) A escritura pública de 31 de Dezembro de 2007, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança”;
(viii) A escritura pública de 25 de Março de 2009, denominada “Ampliação de Crédito com Hipoteca”;
b) Determinou o cancelamento das hipotecas constituídas por via das mencionadas escrituras;
c) Condenou solidariamente os Réus BB, CC, DD... e FF a pagarem ao Autor a quantia de 40.000,00 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até ao efectivo e integral pagamento, absolvendo-os quanto ao mais que vinha pedido.

Inconformados, apelaram as Rés DD e FF e também o Autor.

Nas contra-alegações que apresentou às alegações das Rés apelantes, o Autor ampliou o âmbito do seu recurso, prevenindo a eventualidade de proceder alguns dos recursos interpostos pela DDST e por FF.

O Tribunal da Relação de Évora decidiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, na procedência dos recursos interpostos pelo A e pelas RR (mas na improcedência dos fundamentos da ampliação introduzida pelo primeiro ao objecto dos recursos das contrapartes), acordam os juízes da 2ª secção cível do TRE em:
a) declarar nulo o negócio de compra e venda e ineficaz em relação ao autor o subsequente negócio de dação em pagamento titulados pelas escrituras públicas outorgadas no dia … de Março de 20… tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao … andar do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, e o lote de terreno para construção designado por lote …, sito na ..., freguesia e concelho ..., a que se referem os pontos 25. e 29. dos factos assentes, determinando-se o cancelamento dos registos a favor das adquirentes EE e DD...;
b) absolver todos os RR dos demais pedidos formulados, com exceção da condenação dos apelados BB e CC Nicolau no pagamento da indemnização arbitrada, por não lhes aproveitar nesta parte os recursos interpostos pelas demais (cf. artº 643º, n.º 2 al. c), sua parte final)”.

Deste acórdão veio o Autor interpor recurso de revista (a que responderam as Rés DDST e FF), rematado por 79 conclusões, pedindo que seja “revogada a decisão que absolveu os Réus dos demais pedidos”.
As questões que coloca podem resumir-se ao seguinte:
a)  Os negócios descritos nos pontos 18. a 20. e 21. a 25. dos factos provados foram realizados com falta de poderes, ou, nos casos dos negócios descritos nos pontos 18. a 20., com abuso de representação?
b) Os Réus DDST e FF, por terem agido com negligência, devem ser solidariamente condenados no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais?

                                                           *


II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS


Estão provados os seguintes factos:

1.         AA nasceu no dia … de … de 19…, na …, ..., e é filho de AA e de BB; tendo casado em … de … de … na 1.ª Conservatória do Registo Civil de ..., divorciou-se por sentença proferida em … de Agosto de … pelo Tribunal da cidade de ....

2.         O Autor viveu praticamente toda a sua vida em ..., onde trabalha e tem a sua família mais próxima (filhas e neto).

3.         CC é filho de AA e de BB, é casado com EE e dedicou-se profissionalmente à agricultura/horticultura.

4.         A DD... é uma instituição de crédito constituída sob a forma de cooperativa de responsabilidade limitada com o objecto de “exercício de funções de crédito agrícola a favor dos seus associados e a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária, e ainda o exercício da actividade de agente da ...” e faz parte do sistema integrado de ...[...], que é formado pela ... de ...CRL e pelas Caixas de ...suas associadas.

5.         A Ré FF é notária e tem a seu cargo o Cartório Privado de ..., sito na Rua ..., n.º …, …, Apartado …, ..., ..., mantém relações profissionais com a DD..., CRL, e é membro dos seus órgãos sociais, tendo sido nomeada Presidente da Mesa da Assembleia Geral para o triénio 2009/2011, tendo escritório no mesmo prédio que a agência desta caixa em ... numa fracção da sua propriedade [fracção G].

6.         Por escritura pública datada de 22 de Junho de 1992, outorgada no Vigésimo Primeiro Cartório Notarial de Lisboa, o Autor AA, representado pela sua mãe BB, declarou comprar as fracções autónomas C, D e E, correspondentes, respectivamente, ao primeiro, segundo e terceiro andares do prédio urbano sito na Rua de ..., números … a …, freguesia da ..., concelho de Lisboa, ao respectivo proprietário, que as declarou vender.

7.         Por escritura pública datada de 25 de Novembro de 1992, outorgada no Nono Cartório Notarial de Lisboa, o Autor AA, representado pela sua mãe BB, na qualidade de gestora de negócios, declarou comprar a fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao terceiro andar esquerdo e sótão [águas furtadas] em duplex, com entrada pelo n.º … da Rua ...e que faz parte do prédio urbano sito na Rua …, números … a …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, ao respectivo proprietário, que a declarou vender.

8.         Em 29 de Dezembro de 1992, o Autor ratificou a gestão de negócios por instrumento outorgado no mesmo cartório.

9.         Por documento escrito datado de 29 de Dezembro de 1992, outorgado no Nono Cartório Notarial de Lisboa perante o ajudante principal deste cartório, HH, compareceu como outorgante o autor AA, que declarou o seguinte e após assinou:
“Constitui sua bastante procuradora, sua mãe D. BB, casada, natural de ..., com ele residente, a quem confere poderes especiais para com livre e geral administração civil e ainda com os de substabelecer, poderes especiais para:
Dar ou tomar de arrendamento bens imóveis, mesmo a longo prazo, estipulando a renda e condições que entender, despedir arrendatários e rescindir ou alterar contratos;
Receber quaisquer importâncias, valores ou rendimentos, certos ou eventuais, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência;
Usar ou desistir do direito de preferência;
Aceitar, sacar ou endossar letras, fazer depósitos ou levantamentos de dinheiros em quaisquer bancos, casas bancárias e estabelecimentos especiais de crédito, designadamente na II;
 Fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos, bem como fazer e aceitar cessões de crédito;
Comprar ou arrematar quaisquer bens, vender, permutar, penhorar ou hipotecar bens móveis ou imóveis, podendo para tais actos, fazer contratos promessa;
Aceitar doações e proceder a partilhas, judiciais ou extra judiciais, incluindo conferências de bens doados, pagando ou recebendo tornas, recebendo a primeira e outras citações e notificações, intervindo em conferências de interessados e licitando;
Proceder à divisão ou demarcação de imóveis, mesmo em regime de propriedade horizontal;
Requerer avaliações fiscais, pagar contribuições e impostos e, nas repartições de finanças, prestar declarações, apresentar documentos, fazer manifestos, alterações e cancelamentos, e reclamar contra o lançamento de colectas indevidas ou excessivas, recebendo os títulos de anulação e as importâncias destes;
Renunciar às garantias concedidas, proceder a rectificações e ratificações de quaisquer escrituras e contratos e requerer quaisquer actos de registo predial, comercial e automóvel, procedendo à justificação notarial ou judicial de direitos, se necessário; e
Representá-lo em qualquer Tribunal ou Juízo, com os mais amplos poderes forenses, que deverão ser substabelecidos em advogado ou pessoa legalmente habilitada, quando deles haja de se fazer uso”.
10.       Pelo motivo indicado em 2., e por força da sua actividade profissional em ..., antes da emissão da procuração datada de 29 de Dezembro de 1992, o Autor e a Ré BB acordaram e mutuamente aceitaram que esta passaria a auxiliar aquele na gestão dos seus imóveis em Portugal, intervindo, por conta deste, nas escrituras de compra e venda, nos contratos de arrendamento, perante os inquilinos, as finanças e outros organismos públicos e privados, entre outros actos conexos, quando para tal previamente solicitada pelo Autor e apenas neste caso.
11.       Por escritura pública datada de 31 de Maio de 1993, outorgada no Cartório Notarial de ..., o Autor AA, representado pela sua mãe BB, declarou comprar o prédio misto denominado ... e ..., situado na freguesia de ..., concelho de ..., ao respectivo proprietário, que declarou vendê-lo.
12.       Por escritura pública datada de 16 de Fevereiro de 1995, outorgada no Décimo Sétimo Cartório Notarial de Lisboa, o Autor AA, representado pela sua mãe BB, declarou comprar a fracção autónoma …, correspondente ao terceiro direito do prédio urbano sito na Rua ..., números … a …, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, ao respectivo proprietário, que declarou vendê-lo.
13.       Por escritura pública datada de 27 de Agosto de 1998, outorgada no Nono Cartório Notarial de Lisboa, a Ré BB e o marido AA, declararam doar ao Autor AA dois lotes de terreno para construção, designados por lotes … e …, ambos sitos na ..., concelho ....
14.       Por escritura pública datada de 19 de Fevereiro de 2004, outorgada no Oitavo Cartório Notarial de Lisboa, o Autor AA declarou comprar a fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao segundo esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., números … a …, da freguesia de ..., concelho de Lisboa, ao respectivo proprietário, que declarou vendê-lo.
15.       O Autor é o único sócio da sociedade JJ, Lda., que tem como objecto, entre outros, a compra e venda de imóveis, incluindo a revenda dos adquiridos para esse fim, a gestão de imóveis próprios ou alheios.
16.       Em meados de 1997, o Réu CC pediu ao Autor para comprar o prédio rústico denominado ... …, o qual estremava com um prédio que aquele tinha, com a finalidade de alargar a sua exploração agrícola, recorrendo para tal a um empréstimo bancário e dando como garantia os dois prédios, o que o Autor aceitou.
17.       Por escritura pública datada de 12 de Agosto de 1997 outorgada no Cartório Notarial de ..., o Autor AA, representado pela sua mãe BB, declarou comprar o prédio rústico denominado ... Nova, situado na freguesia de ..., concelho de ..., inscrito na matriz sob o artigo ….º da Secção …, ao respectivo proprietário, que por seu turno declarou vendê-lo, e declarou dar este imóvel de hipoteca a favor da DD... para garantia de um crédito até à quantia de 72.500.000$00 (setenta e dois milhões e quinhentos mil escudos) concedido por esta instituição bancária ao Réu CC. Na mesma escritura a Ré BB, invocando a qualidade de representante do Autor AA, declarou constituir penhor a favor da Ré DD... sobre os depósitos bancários com os números ... e ....
18.       Por escritura pública datada de 30 de Setembro de 1999, denominada “Ampliação de crédito, penhor, fiança e hipoteca” outorgada no Cartório Notarial de ..., perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL, como segundo outorgante o Réu CC e como terceiros outorgantes a Ré BB e o seu marido, intitulando-se aquela como procuradora do Autor, declarou, em nome do seu representado, constituir hipoteca sobre o prédio rústico ... a Nova a favor da Ré DD..., CRL, para garantia do crédito concedido ao Réu CC por escritura pública datada de 12 de Agosto de 1997, ampliado em mais 24.000.000$00 para o valor total de 96.500.000$00, sendo que esta ampliação da hipoteca foi inscrita no registo predial em 29 de Outubro de 1999 pela apresentação n.º ….
19.       Por escritura pública datada de 11 de Janeiro de 2001 denominada “Ampliação de crédito, penhor, fiança e hipoteca”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL, como segundo outorgante o Réu CC e como terceiros outorgantes a Ré BB e o seu marido, intitulando-se aquela como procuradora do Autor, declarou, em nome do seu representado, constituir hipoteca sobre o prédio rústico ... a Nova a favor da ré DD..., CRL, para garantia do crédito concedido ao Réu CC por escritura pública datada de 12 de Agosto de 1997, ampliado em mais 9.000.000$00 para o valor total de 105.500.000$00, sendo que esta ampliação da hipoteca foi inscrita no registo predial em 1 de Fevereiro de 2001 pela apresentação n.º 6.
20.       Por escritura pública datada de 4 de Fevereiro de 2005 denominada “Abertura de crédito com hipoteca” outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL, como segundo outorgante o Réu CC e como terceiros outorgantes a Ré BB e o seu marido, intitulando-se aquela como procuradora do Autor, declarou, em nome do seu representado, constituir hipoteca sobre o prédio urbano sito na ..., designado por Lote …, freguesia e concelho ..., a favor da Ré DD..., CRL, para garantia de um novo crédito concedido ao Réu CC até à quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), sendo que esta hipoteca foi inscrita no registo predial em 10 de Março de 2005 pela apresentação n.º 92.
21.       Por escritura pública datada de 2 de Fevereiro de 1999, denominada “Abertura de Crédito”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL e como segundo outorgante a Ré BB, intitulando-se como procuradora do Autor, declarou, em nome do seu representado, contratar com a primeira outorgante a abertura de um crédito a favor deste até ao montante de 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), e para garantia desse crédito declarou constituir hipoteca a favor da Ré DD..., CRL sobre o prédio misto denominado ... e ..., situado na freguesia de ..., concelho de ....
Foi lavrado documento particular nos termos do art.º 64.º do CN que integrou a escritura, no qual o segundo outorgante se confessou devedor de todas as obrigações, principais e acessórias, presentes e futuras, emergentes do contrato (cfr. fls. 137-138 dos autos).
22.       Por escritura pública datada de 16 de Outubro de 2006 denominada “Abertura de Crédito com hipoteca e renúncia”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL e como segundo outorgante a Ré BB, intitulando-se como procuradora do Autor, esta declarou, em nome do seu representado, contratar com a primeira outorgante a abertura de um crédito a favor do mesmo até ao montante de € 560.000,00 (quinhentos e sessenta mil euros), e para garantia desse crédito declarou constituir hipoteca a favor da ré DD..., CRL, sobre os seguintes imóveis:
- fracção autónoma sita na Rua ..., n.º …, ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrita no registo predial em 14 de Novembro de 2006 pela apresentação n.º …;

- prédio urbano sito no Lote … da ..., freguesia e concelho ..., inscrita no registo predial em 13 de Novembro de 2006 pela apresentação n.º …; e

- prédio misto denominado ... e ... situado na freguesia de ..., concelho de ..., inscrita no registo predial em 30 de Novembro de 2006 pela apresentação n.º ….
Foi lavrado documento particular nos termos do art.º 64.º do CN para integrar a escritura, no qual o segundo outorgante se confessou devedor de todas as obrigações, principais e acessórias, presentes e futuras, emergentes do contrato (cfr. fls. 146-147 dos autos).

23.       Por escritura pública datada de 21 de Dezembro de 2006, denominada “Ampliação de Crédito com hipoteca”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL e como segundo outorgante a Ré BB, intitulando-se como procuradora do Autor, esta declarou, em nome do seu representado, contratar com a primeira outorgante a ampliação do crédito concedido a favor deste por escritura pública de 16 de Outubro de 2006 em mais € 270.000 até ao montante global de € 830.000 (oitocentos e trinta mil euros), e para garantia desse crédito declarou ampliar as hipotecas constituídas e, em reforço, constituir hipoteca a favor da Ré DD..., CRL, sobre a fracção autónoma …, correspondente ao segundo esquerdo do prédio urbano sito na Rua ..., números … a …, freguesia de ..., concelho de Lisboa, tendo as ampliações e a nova hipoteca sido inscritas no registo predial respectivo, respectivamente, em 17 de Janeiro de 2007 [Apresentação n.º 61], em 17 de Janeiro de 2007 [Apresentação n.º 47], em 18 de Janeiro de 2007 [apresentação n.º 1] e em 11 de Abril de 2008 [apresentação n.º 13].

Mais declararam os outorgantes “Que, apenas com as alterações constantes da presente escritura, mantêm integralmente em vigor o conteúdo da escritura de abertura de crédito e respectivo documento complementar, atrás referida” (cf. fls. 162).

24.       Por escritura pública datada de 31 de Dezembro de 2007, denominada “Abertura de Crédito com hipoteca e fiança”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL e como segundos outorgantes a Ré BB e o marido, intitulando-se esta como procuradora do Autor, declarou, em nome do seu representado, contratar com a primeira outorgante a abertura de um crédito a favor deste até ao montante de € 150.000,00, e para garantia desse crédito declarou constituir hipoteca a favor da Ré DD..., CRL, sobre a fracção autónoma … do prédio urbano sito na Rua ..., número …, freguesia da ..., concelho de Lisboa, tendo sido inscrita no registo predial em 24 de Janeiro de 2008 pela apresentação n.º ….
Foi lavrado documento particular nos termos do art.º 64.º do CN, para integrar a escritura, no qual o segundo outorgante se confessou devedor de todas as obrigações, principais e acessórias, presentes e futuras, emergentes do contrato (cfr. fls. 175-176 dos autos).

25.       Por escritura pública datada de 25 de Março de 2009 denominada “Ampliação de Crédito com hipoteca”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré DD..., CRL e como segundo outorgante a Ré BB, intitulando-se como procuradora do Autor, esta declarou, em nome do seu representado, contratar com a primeira outorgante uma segunda ampliação do crédito concedido a favor deste pela escritura pública de 16 de Outubro de 2006 em mais € 255.000 até ao montante global de € 1.085.000 (um milhão e oitenta e cinco mil euros), e para garantia desse crédito declarou ampliar as hipotecas constituídas e, em reforço, constituir hipoteca a favor da Ré DD..., CRL, sobre a fracção autónoma D, correspondente ao segundo andar do prédio urbano sito na Rua ..., números … ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, tendo as ampliações e a nova hipoteca sido inscritas no registo predial respectivo por apresentações de 27 de Março de 2009.

Mais declararam os outorgantes “Que, apenas com as alterações constantes da presente escritura, mantêm integralmente em vigor o conteúdo da escritura de abertura de crédito e respectivo documento complementar, atrás referida” (cf. fls. 188).

26.       Por escritura pública datada de 25 de Março de 2009 denominada “Compra e Venda”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré BB, intitulando-se como procuradora do autor, e como segunda outorgante a Ré EE, a primeira declarou, em nome do seu representado, vender à segunda e esta declarou comprar, pelo preço de € 408.000, os seguintes imóveis:
- A fracção autónoma …, correspondente ao terceiro andar, do prédio urbano sito na Rua ..., números … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, pelo preço de € 203.000; e
- O lote de terreno para construção, designado por lote …, sito na ..., freguesia e concelho ..., pelo preço de € 195.000.
A Ré BB declarou já ter recebido o preço e a Ré EE declarou destinar a fracção autónoma adquirida à sua habitação própria permanente.
27.       No dia 27 de Março de 2009 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, pela apresentação n.º …, a aquisição, por compra, a favor da Ré EE …, da fracção autónoma E, correspondente ao terceiro andar, do prédio urbano sito na Rua ..., números … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa;
28.       No dia 27 de Março de 2009 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela apresentação n.º …, a aquisição, por compra, a favor da Ré EE, do lote de terreno para construção, designado por lote 25, sito na ..., freguesia e concelho ...;
29.       Por escritura pública datada de 25 de Março de 2009 denominada “Dação em cumprimento”, outorgada no Cartório Notarial de ... perante a Ré FF, em que figuram como primeiro outorgante a Ré EE e como segunda outorgante a Ré DD..., CRL, aquela declarou dar em pagamento e esta declarou aceitar, para extinguir as responsabilidades vencidas do Réu CC e do Autor, no montante total de € 408.000, sendo € 290.458,62 referente a juros vencidos e o restante no valor de € 109.541,28 para amortização do capital do empréstimo número ..., os seguintes prédios:
- A fracção autónoma …, correspondente ao terceiro andar do prédio urbano sito na Rua ..., números 33 a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, pelo preço de € 203.000; e
- O lote de terreno para construção designado por lote 25, sito na ..., freguesia e concelho ..., pelo preço de € 195.000.

29.       Os Réus BB, CC e EE pretenderam dar os imóveis do Autor para amortização dos créditos contraídos na DD, estando convencidos que a procuração não concedia poderes à primeira para celebrar tal acto em representação deste.
30.       No dia 27 de Março de 2009 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, pela apresentação n.º …, a aquisição, por dação em cumprimento, a favor da Ré DD..., CRL, da fracção autónoma E, correspondente ao terceiro andar, do prédio urbano sito na Rua ..., números … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa.
31.       No dia 27 de Março de 2009 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial ..., pela apresentação n.º ..., a aquisição, por dação em cumprimento, a favor da Ré DD..., CRL, do lote de terreno para construção, designado por lote 25, sito na ..., freguesia e concelho ...;
32.       Por documento particular denominado “Pacto de Preferência” outorgado no dia 25 de Março de 2009, assinado pelos representantes da DD... e pela Ré BB, com assinaturas reconhecidas pela funcionária KK, do Cartório Notarial a cargo da Ré FF, a Ré DD... comprometeu-se a não vender os prédios indicados na escritura pública de dação em pagamento referida, pelo prazo de seis meses, a não ser à Ré BB e esposo ou a quem estes indicassem.
33.       A Ré DD..., CRL não deu conhecimento ao Autor das escrituras acima referidas.
34.       O Autor nunca pretendeu vender os imóveis indicados na escritura pública datada de 25 de Março de 2009, nem a Ré EE os quis comprar, não tendo havido qualquer pagamento do preço, nem esta quis destinar a fracção à sua residência permanente.
35.       A dação em pagamento foi proposta para extinguir os processos executivos com os números 449/08.0… do 4.º Juízo do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca ... em que eram executados o Autor, a primeira Ré e o marido e o segundo Réu, o processo n.º 450/08.4… do 2.º Juízo de Grande Instância Cível da Comarca do ... em que eram executados o Autor, a primeira Ré e o marido e o segundo Réu, o processo n.º 451/08.2… do Tribunal de Família e de Menores e de Comarca ... em que era executado o Autor e o processo n.º 452/08.0… do 2.º Juízo de Grande Instância Cível da Comarca do ...em que eram executados o Autor e o segundo Réu.
36.       Em 16 de Julho de 2001 o Autor fundou, juntamente com o Réu CC e o pai AA, a sociedade LL, Lda, com sede no ..., ..., tendo sido nomeado gerente o Réu CC.
37.       Em 7 de Agosto de 2003 o Autor fundou, juntamente com a sociedade MM Inc., a sociedade NN, Lda., com sede no referido prédio misto denominado ..., tendo sido nomeado gerente o Réu CC.
38.       Consta do registo comercial [apresentação n.º 1 de 3 de Abril de 2006] que a sociedade NN, Lda., é accionista da sociedade OO, SA, assim como o Réu CC, e que o Autor foi nomeado seu administrador, tendo sido destituído do cargo em 3 de Abril de 2008.
39.       Por instrumento notarial datado de 24 de Setembro de 2010, lavrado no Cartório Notarial de PP, o Autor declarou revogar a procuração que havia outorgado a favor da Ré BB, acima mencionada.
40.       O Autor construiu uma moradia com logradouro, duas assoalhadas, cozinha, dois quartos de banho e dois vestíbulos no rés-do-chão e três assoalhadas, quarto de banho e dois vestíbulos no primeiro andar, com uma área total de 488,50 metros quadrados, no lote de terreno para construção, designado por lotes 24, sito na ..., concelho ....
41.       Os imóveis acima indicados, com excepção do referido Lote n.º …, da moradia existente no Lote n.º … e do apartamento sito na Rua ..., números … a …, ….º direito, têm sido sub-arrendados a terceiros através da empresa JJ, Lda, a quem o Autor entregou parte dos seus imóveis de arrendamento;
42.       Para além dos negócios de aquisição e hipoteca descritos na escritura pública datada de 12 de Agosto de 1997 e das aquisições de imóveis indicadas, o Autor não deu consentimento à Ré BB para intervir em seu nome em qualquer outro negócio, empréstimo ou contrato com qualquer um dos demais Réus.
43.       A Ré BB passou a utilizar a procuração emitida pelo Autor em 29 de Dezembro de 1992 em conjunto com o Réu CC, sem o conhecimento e o consentimento do Autor, bem como o património deste, para obter os empréstimos bancários acima indicados, com exclusão da hipoteca constituída na escritura datada de 12 de Agosto de 1997, em benefício do Réu CC.
44.       As escrituras públicas acima identificadas onde foram feitas aberturas e ampliações de créditos e constituição de hipotecas, com exclusão da hipoteca constituída através da escritura pública datada de 12 de Agosto de 1997, foram celebradas sem o conhecimento, o consentimento ou a autorização, prévia ou posterior, do Autor.
45.       Os Réus tinham conhecimento dos poderes conferidos à Ré BB pela referida procuração.
46.       Nos créditos formalmente concedidos ao Autor, a Ré DD..., CRL quis e pretendeu conceder crédito ao Réu CC, que o quis obter para si e utilizou.
47.       O Autor nunca utilizou qualquer dos montantes concedidos através dos créditos referidos, tendo todos os movimentos bancários sido executados pelos três primeiros Réus.
48.       Os prédios indicados na escritura pública datada de 25 de Março de 2009 não tinham o valor de € 408.000.
49.       A escritura datada de 25 de Março de 2009 foi realizada apenas para permitir a cedência gratuita da propriedade dos dois imóveis à Ré EE para que esta os pudesse, de seguida, transmitir à Ré DD..., CRL para pagamento das dívidas e créditos contraídos em benefício do Réu CC;
50.       O Autor nunca esteve no balcão da DD..., CRL, para discutir qualquer dos contratos indicados, nunca abriu ou movimentou pessoalmente qualquer conta nesta instituição bancária, nem nunca recebeu qualquer contacto desta, designadamente na sua residência em ....
51.       A DD..., CRL, nunca contactou o Autor para propor, informar ou confirmar a vontade deste na celebração das escrituras referidas.
52.       A Ré DD..., CRL, através dos seus administradores, desconhecia os acordos entre o Autor e a Ré BB sobre as circunstâncias e utilização da procuração referida.
53.       A DD..., CRL, nunca se intitulou perante o Autor como seu credor, nunca lhe reclamou o pagamento de qualquer crédito, nem nunca accionou nenhuma das hipotecas indicadas.
54.       A DD..., CRL nunca se intitulou perante o Autor ou terceiros como proprietária dos imóveis constantes da escritura de dação em pagamento, não os vedou, ocupou ou utilizou por qualquer forma, nunca trocou as fechaduras da fracção autónoma.
55.       O Autor continua a utilizar estes imóveis como sempre fez, é a única pessoa que tem as chaves da fracção autónoma, suporta, por si ou através da sociedade JJ, Lda., as despesas de consumo de gás, electricidade, água e televisão por cabo, realiza obras de manutenção e melhoramento, designadamente substituição das fechaduras das caixas de correio e da porta de alumínio, reparação da instalação eléctrica e pintura interior, mantém a fracção mobilada com os seus móveis e empresta e dá de arrendamento a fracção a terceiros, sem que alguém tenha levantado qualquer entrave.
56.       Os montantes referidos nas escrituras de abertura e ampliação de créditos concedidos ao Autor foram depositados pela Ré DD..., CRL na conta n.º ... titulada pelo Autor junto desta entidade bancária, e os demais foram depositados na conta do Réu CC com o n.º ....
57.       Em consequência desta situação, o Autor ficou nervoso, angustiado, revoltado, zangado, desgostoso e desiludido com os seus familiares em causa.
58.       Sentiu-se enganado pelos Réus e ficou com receio de perder o seu património.
59.       Ficou e mantém-se triste e deprimido, chegando mesmo a chorar.
60.       O Autor nunca teve qualquer intervenção directa na actividade das sociedades NN e LL, tendo apenas ficado como sócio por financiar a actividade do segundo Réu, para o auxiliar e para garantir a devolução do dinheiro que emprestou a este.
61.       O Autor nunca participou em qualquer deliberação da sociedade NN na sociedade OO, não aceitou ou exerceu qualquer cargo na OO, nem interveio de qualquer forma nesta sociedade;

            Não ficou provado que:

 
A. Em todas as aquisições de imóveis efectuadas pelo Autor e acima descritas, este utilizou sempre capitais próprios;
B. Todos os Réus tinham conhecimento de que a procuração referida estava a ser utilizada sem conhecimento e consentimento do Autor, estava a ser utilizada em contradição com as instruções deste e que o Autor não tinha interesse nos negócios celebrados e que dos mesmos lhe advinham prejuízos;
C. A Ré BB apenas interveio nestas escrituras para obter créditos para o Réu CC, com conhecimento dos demais Réus;
D. Os Réus actuaram sempre em acordo entre eles, para levar o Autor a ficar formalmente responsável pelos referidos créditos e para que os accionistas da DD..., CRL e as entidades de supervisão bancária não tivessem conhecimento da identidade e risco de crédito associado ao seu beneficiário, que era o Réu CC;
E. A Ré FF actuou sempre com o objectivo de auxiliar a DD..., CRL, a recuperar o crédito concedido ao Réu CC, em prejuízo do Autor;
F. A dação em pagamento foi proposta pelo Réu CC à Ré DD..., CRL;
G. Os Réus acordaram entre si esconder do Autor as escrituras públicas celebradas, tendo havido um acordo entre os quatro primeiros Réus, com conhecimento da quinta Ré, no sentido de que se o Réu CC conseguisse proceder ao pagamento da quantia de € 408.000 no prazo de seis meses a contar da escritura de dação em pagamento, a Ré DD..., CRL devolveria a propriedade dos dois imóveis para que o Autor não tivesse conhecimento dos actos praticados;
H. O Réu CC entregou a chave da fracção ao Presidente do Conselho de Administração da DD..., CRL, que, em finais de Novembro de 2010, mostrou o apartamento a um interessado na sua compra, entrando no mesmo mediante o seu uso;
I. O Autor e a primeira, segundo e quarta Rés acordaram que aquele intentasse a presente acção para obter a anulação de todos os negócios celebrados com a terceira Ré para a obtenção de créditos concedidos por esta, cujas quantias receberam;
J. O Autor sempre esteve a par dos negócios, actividade agrícola e hortícola em Portugal do Réu CC;
K. A DD..., CRL, tem um manual de procedimento interno em que prevê a proibição de prática de qualquer acto em nome dos seus clientes sem prévia ordem expressa, esclarecida e escrita destes
L.         O Autor assinou pessoalmente propostas de crédito e livranças junto da Ré DD..., CRL (antigo ponto 61. dos factos assentes).

            O DIREITO

            a)

Decretada a nulidade do negócio de compra e venda outorgado no dia 25 de Março de 2009, tendo por objecto a fracção autónoma designada pela letra …, correspondente ao …º andar do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa, e o lote de terreno para construção designado por lote …, sito na ..., freguesia e concelho ..., e a ineficácia, em relação ao Autor, da subsequente dação em pagamento, a que se referem os pontos 25. e 29. dos factos assentes – cfr. alíneas ix) e x) do pedido –, o Autor pretende agora que se declarem ineficazes, em relação à sua pessoa, os restantes contratos formalizados pelas escrituras públicas de 2 de Fevereiro de 1999 (Abertura de Crédito), de 30 de Setembro de 1999 (Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca), de 11 de Janeiro de 2001 (Ampliação de Crédito, Penhor, Fiança e Hipoteca), de 4 de Fevereiro de 2005 (Abertura de Crédito com Hipoteca), de 16 de Outubro de 2006 (Abertura de Crédito com Hipoteca e Renúncia), de 21 de Dezembro de 2006 “Ampliação de Crédito com Hipoteca), de 31 de Dezembro de 2007, denominada “Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança” e de 25 de Março de 2009 (Ampliação de Crédito  com Hipoteca, tal como decidido na 1ª instância – cfr. alíneas i) a viii) do pedido.

            O cerne do problema reside na averiguação dos poderes conferidos pelo Autor a sua mãe pela procuração referida no ponto 9. dos factos provados e no modo como esses poderes foram exercidos.

            A sentença da 1ª instância considerou que a mãe do Autor, Ré BB, nos negócios descritos nos pontos 21. a 25. dos factos provados (contratos de abertura de crédito e de ampliação de crédito), agiu sem poderes de representação, julgando-        -os ineficazes em relação ao Autor. Quanto aos negócios dos pontos 18. a 20. dos factos provados, consistindo eles na constituição de garantias de cumprimento dos negócios dos pontos 21. a 25., já declarados ineficazes, entendeu a mesma sentença que eles não poderiam subsistir na ordem jurídica, dada a relação de acessoriedade com aqueles.

            A Relação de Évora dissentiu dessa apreciação, fazendo uma interpretação mais abrangente dos poderes outorgados na procuração e concluindo que a Ré BB agiu em conformidade com os poderes de representação atribuídos. Consequentemente, julgou eficazes em relação ao Autor os citados negócios.

            Vejamos o percurso jurídico percorrido por cada uma dessas instâncias.

Sentença da 1ª instância:

            “O autor coloca em causa a validade de três tipos de actos praticados pela ré BB, em seu nome: aberturas e ampliações de crédito, constituição de hipotecas e venda de um imóvel (e consequentemente a posterior dação em pagamento).

Quanto ao primeiro dos referidos actos, entendemos que a procuração em causa não atribuía à ré BB poderes para a respectiva prática. Com efeito, pela simples leitura do texto da procuração é possível chegar a tal conclusão.

O contrato de abertura de crédito é aquele pelo qual o banco se obriga a colocar à disposição do cliente uma determinada quantia pecuniária, por tempo determinado ou não, ficando o último obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões. Ora a procuração outorgada pelo autor não concede poderes à ré BB para tanto. E nem se diga que a expressão ‘fazer confissões de dívida’ permitia à referida ré celebrar os contratos de abertura ou ampliação de crédito com a DDST. Na verdade, o reconhecimento de dívida configura um título em que alguém, unilateralmente, se confessa devedor de uma prestação, sem indicação da respectiva causa, isto é, do negócio que está na origem do crédito, ou ainda, da obrigação anteriormente constituída. Ou seja, não implica a assunção de novas obrigações. Diferentemente, os contratos celebrados pela ré BB importaram a constituição de novas obrigações, o que não era permitido de acordo com o contrato estabelecido entre ela e o autor.

Assim, é manifesto que estamos perante um caso de representação sem poderes, que torna tais contratos ineficazes em relação ao autor, conforme decorre do já mencionado art.º 268º, n.º 1 do Cód. Civil.

Quanto à constituição de hipotecas e à venda da fracção autónoma …, correspondente ao terceiro andar, do prédio urbano sito na Rua ..., números … a ...e ..., freguesia da ..., concelho de Lisboa e do lote de terreno para construção, designado por lote …, sito na ..., freguesia e concelho ..., tais actos encontram-se formalmente cobertos pela referida procuração. No entanto, resultou provado que a procuração foi utilizada pela ré em todos estes actos em claro desrespeito pelas instruções que havia recebido do autor. Assim, embora formalmente válidos, tais actos enquadram-se na previsão do art.º 269º do Código Civil. Nenhum dos elementos de prova carreados para os autos permitiu concluir que a DDST conhecia essa circunstância. A questão que se coloca é a de saber se a deveria conhecer.

Entendemos que não. Com efeito, a ré BB já havia utilizado a referida procuração anteriormente, sem que tivesse havido qualquer problema (até porque tal utilização havia sido feita de acordo com as instruções do autor). Assim, não havia qualquer razão para que os representantes da DDST devessem saber que a ré BB tinha passado a utilizar a procuração contra as instruções do autor. De resto, a não ser que a própria ré BB ou o réu CC tivessem transmitido essa circunstância aos representantes da DDST (o que não servia de forma nenhuma as pretensões daqueles) estes não tinham forma de o saber. Alega o autor que a DDST deveria tê-lo contactado pessoalmente a fim de confirmar se conhecia os actos praticados em seu nome e no limite se os autorizava. Entendemos, porém, que não tem razão. Por um lado, não só inexiste qualquer regra específica que a obrigasse a isso como tal exigência esvaziaria a utilidade da procuração. Assim, a não ser que a DDST tivesse razões para crer que se verificava algum tipo de irregularidade na utilização da procuração, nada justificava que confirmasse directamente junto do autor os actos praticados pela ré BB.

Assim, tais actos são perfeitamente válidos face à DDST. No entanto, importa não esquecer que as hipotecas constituídas sobre os imóveis dependem necessariamente dos contratos de abertura de crédito celebrados (esses sim, ineficazes) já que as mesmas tinham como escopo a garantia das obrigações assumidas por via de tais contratos. A hipoteca consubstancia um direito real de garantia que confere ao credor o direito de se pagar do seu crédito pelo valor de certos bens com preferência sobre os demais credores do devedor. É evidente que tal garantia só se justifica na medida em que subsista o crédito assegurado (acessoriedade da garantia).   Assim, considerando que os contratos de abertura de crédito referidos são ineficazes as hipotecas constituídas com vista à garantia do respectivo pagamento não podem igualmente manter-se”.

Acórdão recorrido:

No caso que nos ocupa, sabe-se que os RR tinham conhecimento dos poderes formais conferidos à Ré BB pela procuração, ou seja, conheciam o texto da procuração (não pode ser outro o sentido da afirmação que consta do ponto 45., de forma a conciliá-lo com o facto vertido no ponto 52.), sendo certo que dela não consta, ‘preto no branco’ conforme impressivamente refere o apelante, entre os poderes conferidos à sua representante os de celebrar contratos de abertura de crédito e/ou contrair empréstimos. Todavia, não há dúvida que a par dos latos poderes conferidos para a prática de outros actos/negócios jurídicos, a procuração habilitava ainda a ré BB ‘a fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos’. Face ao assim declarado temos dificuldade em secundar o entendimento perfilhado pela Mm.ª juíza quando interpreta o assim declarado no sentido de se reportar apenas à declaração unilateral de reconhecimento de dívida (já existente) sem indicação da sua causa (instituto a que se refere o artigo 458.º), o que se afigura ser contrariado pela menção a ‘contratos’, referência que tanto respeita à confissão feita perante terceiro como à aceitação de confissão de terceiro.

Por outro lado, afigura-se que nada no texto da procuração indica que a procuradora não tivesse poderes para assumir para o seu representado novas obrigações, resultando mesmo o contrário da concessão irrestrita de poderes de representação para aceitar letras de câmbio, o que importa a vinculação do representado a novas obrigações pecuniárias.

            Dos termos da procuração destaca-se portanto a amplitude dos poderes conferidos à procuradora, começando pela atribuição de ‘poderes especiais para com livre e geral administração civil’, para além do mais que nela se descrimina, ‘aceitar, sacar ou endossar letras, fazer depósitos ou levantamentos de dinheiros em quaisquer bancos’, ‘comprar ou arrematar quaisquer bens, vender, permutar, penhorar ou hipotecar bens móveis ou imóveis’, ‘renunciar às garantias concedidas’, conferindo portanto poderes para a prática de actos de disposição de bens, renúncia a direitos e vinculação a obrigações. Ademais, trata-se de uma procuração outorgada no ano de 1992, que no ano de 1997 foi utilizada pela procuradora para, em representação do autor, dar de hipoteca o imóvel identificado na escritura celebrada em 12 de Agosto para garantia do crédito então concedido pela apelada DD ao seu irmão CC, tendo ainda constituído penhor sobre as quantias em depósito nas contas tituladas pelo seu representado com os números ... e ... (cf. ponto 17.). A mesma procuração veio a ser utilizada ao longo dos anos, tendo a procuradora intervindo em representação do autor nas escrituras de ampliação daquele primeiro crédito e ainda no âmbito de um outro contrato concedido ao mesmo CC, dando de garantia bens imóveis que ao autor pertencem.

            No assinalado contexto, afigura-se legítima a interpretação feita pela Ré DD (e também pela Sr.ª notária que presidiu ao acto) no sentido de considerar que nos poderes conferidos à procuradora se incluíam o de celebrar contratos, confessando dívidas ou aceitando confissões de terceiros devedores no âmbito dos mesmos, estipulando juros (que mesmo num contrato em que o autor fosse credor teria de resultar do acordo das partes) e demais condições.

            Por outras palavras, a confissão ou aceitação de confissão de dívida surgem relacionadas com a celebração de contratos, e na ausência de especificação de tipos negociais afigura-se lícita a interpretação de que o representante tinha poderes para celebrar, em nome do representado, contratos de abertura de crédito, frequentemente acompanhados, conforme de resto se verificou no caso presente, de declarações confessórias de dívida.

            Acresce que a mencionada interpretação dos termos da procuração feita pela DD nem sequer surge contrariada quando se considere que o poder do representante é funcionalmente dirigido à realização de fins e interesses do representado porquanto, tendo o autor concedido irrestritos poderes à sua procuradora para ‘hipotecar bens móveis ou imóveis’, tendo sido constituídas em benefício da mesma credora, no âmbito de negócio antes celebrado, garantias reais onerando o património daquele para garantir o cumprimento de obrigações contraídas pelo irmão, CC, melhor se compreendia a oneração do mesmo património para garantir um contrato de abertura de crédito em seu favor.

            Deste modo, e em suma, para um declaratário normal, colocado na posição da DD, tendo em conta a latitude dos poderes conferidos pela procuração e todas as circunstâncias desta conhecidas, designadamente os antecedentes de utilização da procuração e a relação familiar que unia a procuradora ao representado, secunda-se a interpretação de que a atribuição de poderes à representante para ‘fazer e aceitar confissões de dívidas, estipulando os juros e demais condições dos contratos’, no contexto daquela procuração e com aquele conteúdo, a habilitava a celebrar em representação do autor os contratos de abertura de crédito e suas ampliações nos termos que ficaram a constar das escrituras públicas acima identificadas, sentido que também encontra apoio no elemento literal.

            A questão a decidir passa obrigatoriamente pela interpretação do texto da procuração, mediante a aplicação dos critérios jurídicos previstos na lei, em ordem a apurar quais os poderes de representação nela contidos.

Tem sido uniformemente entendido pelo STJ que os seus poderes de cognição, no domínio da interpretação dos negócios jurídicos, estão circunscritos à determinação do sentido normativo da declaração negocial, com recurso aos critérios fixados nos artigos 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do CC, por tal envolver conhecimento de matéria de direito, estando-lhe, ao invés, vedado o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes por esta constituir matéria de facto da exclusiva competência das instâncias (nºs 2 dos mesmos preceitos).

Como veremos mais à frente, as normas convocadas para a decisão do recurso são as dos nºs 1 dos artigos 236º e 238º do CC, constituindo, portanto, matéria de direito apreciar se certo sentido tem ou não um mínimo de correspondência com o texto escrito.

Atente-se, antes de mais, ao que vem disposto nos artigos 262º, 268º e 269º do CC.

                                                                  ARTIGO 262º

                                                                      Procuração


1. Diz-se procuração o acto pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos.
2. Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.

                                                                  ARTIGO 268º

                                                       Representação sem poderes
1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado.
2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro.
3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito.
4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante.



ARTIGO 269º

                                                                                Abuso de representação


O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.

Em relação aos negócios descritos nos pontos 21. a 25., respeitantes à abertura de crédito (pontos 21., 22. e 24.) e  ampliação de crédito (pontos 23. e 25.), a 1ª instância entendeu – como já vimos – que a Ré BB agiu sem poderes de representação, ao passo que o acórdão recorrido viu, na procuração, a outorga de poderes para a sua prática.

            Apesar de ter cogitado a possibilidade de inclusão de tais poderes especiais na menção “Fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos”, o julgador da 1ª instância logo a afastou – e bem –, com a seguinte justificação: “Na verdade, o reconhecimento de dívida configura um título em que alguém, unilateralmente, se confessa devedor de uma prestação, sem indicação da respectiva causa, isto é, do negócio que está na origem do crédito, ou ainda, da obrigação anteriormente constituída. Ou seja, não implica a assunção de novas obrigações. Diferentemente, os contratos celebrados pela ré BB importaram a constituição de novas obrigações, o que não era permitido de acordo com o contrato estabelecido entre ela e o autor”.

Já a Relação de Évora optou, como vimos, por uma interpretação muito mais ampla e arrojada, considerando integrados, na fórmula indicada, poderes de representação para celebração dos negócios em causa.

Desde já adiantamos que, em nosso entender, a 1ª instância decidiu acertadamente.

A interpretação jurídica de uma declaração negocial consiste no apuramento do sentido jurídico-negocial de um comportamento, fornecendo os artigos 236º a 238º do CC os termos e critérios mediante os quais tal interpretação deve fazer-se.

O artigo 236º, n.º 1, acolheu, como se sabe, a chamada doutrina da impressão do destinatário: a declaração vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante. No entanto, sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida – n.º 2 do mesmo artigo. Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações – artigo 237º.

Mas, no que toca aos negócios formais, o artigo 238º do CC instituiu um pequeno subsistema interpretativo[2], assim normatizado:

                                               ARTIGO 238º

                                                                 Negócios formais

 
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.

A razão de ser deste subsistema repousa na tutela da aparência e da confiança que tenha sido ou venha a ser depositada por terceiros no sentido objectivo do negócio[3].
Pois bem.

Constituindo a procuração em causa um negócio jurídico formal, deve observar-se na sua interpretação a regra especial do artigo 238.º, n.º 1, o que significa que não pode prevalecer, na interpretação desse acto, um sentido que não tenha um mínimo de correspondência com o seu texto. A lei diz-nos apenas o que não pode valer[4], deixando nas mãos do intérprete todo o trabalho de apuramento do sentido da declaração, através da aplicação dos critérios gerais de interpretação previstos no artigo 236º, n.º 1. Será possível proceder, posteriormente, ao confronto da interpretação assim obtida com o texto da declaração, verificando-se se existe uma relação de coincidência ou compatibilidade entre o sentido fixado e o referido texto.

Essa tarefa implica que se olhe para a relação subjacente, pois é desta que resulta a função económico-social que a procuração irá desempenhar.

Como se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 25.11.2008[5], “se há declarações negociais que, para serem correcta e integralmente determinadas, precisam de ser conexionadas e harmonizadas com o contexto em que surgem documentadas, isto é, materializadas, são aquelas em que alguém voluntariamente confere poderes representativos a outrem”.

Exige-se, portanto, que a interpretação do conteúdo e alcance dos poderes representativos outorgados por meio da procuração parta da averiguação do contexto em que esta nasceu, da relação que lhe está subjacente, perscrutando-se aquilo que o Autor pretendeu com a sua outorga.

Ora, ficou provado que o Autor, vivendo e trabalhando em ..., onde tem a sua família mais próxima (filhas e neto), sentiu necessidade de constituir um representante em Portugal para gerir os seus interesses. A escolha desse representante recaiu em sua mãe, a Ré BB, que já tinha agido como gestora dos seus negócios em situações anteriores – cfr. pontos 2., 7. e 8. Na verdade, conforme consta do ponto 10. dos factos provados, em virtude de o Autor residir e trabalhar em ..., a BB auxiliava aquele na gestão dos seus imóveis em Portugal, intervindo nas escrituras de compra e venda de imóveis e nos arrendamentos desses imóveis, tratando também dos assuntos respeitantes às Finanças e outros organismos públicos, quando previamente solicitada pelo Autor e apenas neste caso.

Não se estranha, por isso, que o Autor, em 29.12.1992, tivesse outorgado a  procuração referida no ponto 9., conferindo à Ré BB diversos poderes especiais para o representar na “livre e geral administração civil”. Esses poderes especiais são os que se detalham no citado ponto 9., merecendo, aqui, particular atenção o que se encontra assim definido: “Fazer e aceitar confissões de dívida, estipulando os juros e demais condições dos contratos”.

Ao contrário do decidido na 1ª instância, o acórdão recorrido e a recorrida DD..., CRL, entendem que a menção de a procuradora poder estipular juros e demais condições dos contratos, inserida no final do mesmo parágrafo em que também se atribuem poderes para fazer e aceitar confissões de dívida, significa que a procuradora tinha poderes para celebrar contratos no âmbito dos quais fosse necessário reconhecer dívidas e definir ou aceitar taxas de juro, como sucede usualmente nos contratos de mútuo bancário e nos contratos de abertura de crédito.

Salvo o devido respeito, esta interpretação afigura-se rebuscada e excessiva.

É normal encontrar, nos textos das procurações, imprecisões jurídicas. A procuração dos autos não escapa a essa ‘normalidade’. Não nos parece, contudo, que seja legítimo preencher ou corrigir essas imprecisões com elementos que transcendem, de modo manifesto, o modo como se inscreveram no texto os poderes de representação conferidos.

A análise do poder especial de fazer e aceitar confissões de dívida deve centrar-se, antes de mais, naquilo que constitui uma confissão de dívida, o que nos remete para o n.º 1 do artigo 458º do CC, onde se diz que, se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.

A confissão de dívida não é fonte autónoma de uma obrigação, criando apenas a presunção da existência de uma relação negocial ou extranegocial, sendo esta a verdadeira fonte da obrigação[6].

A referência à estipulação “de juros e demais condições dos contratos”, que sucede à menção inicial ‘fazer e aceitar confissões de dívida’, parece-nos, por isso, deslocada e sem um sentido ou alcance jurídico específico, na medida em que a confissão de dívida não necessita do acordo entre credor e devedor (contrato), indispensável ao vínculo obrigacional. Tal menção constitui uma clara imprecisão terminológica e nada mais que isso.

Muito distante da figura jurídica da confissão de dívida anda o contrato de abertura de crédito.

A abertura de crédito pode definir-se como o contrato pelo qual o banco (o creditante) coloca à disposição da outra parte (o beneficiário ou creditado) uma quantia pecuniária que este tem o direito de utilizar, nos termos aí definidos, pelo período de tempo acordado ou por tempo indeterminado[7].

            A estrutura e funcionalidade deste contrato não é, como se vê, minimamente confundível com a confissão de dívida.
Mostra-se bem nítido que a procuração mencionada no ponto 9. não conferiu à Ré BB poderes especiais para celebrar este tipo de negócio em nome do Autor. Aliás, a outorga de poderes de representação no domínio das relações a estabelecer com entidades bancárias parece ter ficado limitada ao seguinte enunciado: Aceitar, sacar ou endossar letras, fazer depósitos ou levantamentos de dinheiros em quaisquer bancos, casas bancárias e estabelecimentos especiais de crédito, designadamente na II.
O que ressalta dos factos provados é que a Ré BB, a partir de determinada altura, passou a usar a procuração para finalidades estranhas aos interesses do representado, extravasando os poderes de representação que este lhe cometera.
Veja-se o que consta dos pontos 43. e 44. dos factos provados: a Ré BB passou a utilizar a procuração em conjunto com o Réu CC, irmão do Autor, sem o conhecimento e consentimento deste (com exclusão do provado nos pontos 16. e 17), para obter empréstimos bancários em benefício do referido CC; as escrituras públicas de aberturas e ampliações de créditos e constituição de hipotecas (com exclusão da hipoteca referida no ponto 17., constituída em 12 de Agosto de 1997), foram celebradas sem o conhecimento, o consentimento ou a autorização, prévia ou posterior, do Autor.
Mais: nos créditos formalmente concedidos ao Autor, a Ré DDST quis e pretendeu conceder crédito ao Réu CC, nunca tendo o Autor utilizado quaisquer dos montantes concedidos através dos créditos referidos, tendo todos os movimentos bancários sido executados pelos Réus BB, CC e EE Meta – cfr. pontos 46. e 47. dos factos provados.
Acresce que, à data do primeiro contrato de abertura de crédito (02.02.1999), o Autor já detinha um considerável património imobiliário– cfr. pontos 6., 7., 11., 12. – adquirido entre 1992 e 1995, o que torna inverosímil ou, pelo menos, improvável a necessidade de obter quaisquer créditos bancários.
De tudo isto se extrai a conclusão de que os poderes de representação conferidos à Ré BB pela procuração de 29.12.1992 não albergavam o de celebrar contratos de abertura e ampliação de crédito bancário. E, conforme emerge do ponto 44. dos factos provados, celebrados esses negócios, eles não foram ratificados pelo Autor.
Nesta medida, os contratos descritos nos pontos 21. a 25. dos factos provados são ineficazes em relação ao representado (o, aqui, Autor recorrente), conforme decidido na 1ª instância.

Em relação às hipotecas constituídas pelas escrituras públicas mencionadas em 18., 19. e 20., não há qualquer dúvida de que a procuração de 29.12.1992 permitia à Ré praticar tais actos, face à menção “Comprar e arrematar quaisquer bens, vender, permutar, penhorar ou hipotecar bens móveis ou imóveis, podendo para tais actos, fazer contratos-promessa”.
Todavia, é preciso considerar que a hipoteca é uma garantia acessória da dívida a que se reporta, estando a sua existência condicionada à da obrigação garantida. Portanto, ela só existe em função da obrigação cujo cumprimento assegura.
Inquinados de ineficácia, em relação ao Autor, os negócios jurídicos de abertura e ampliação de crédito bancário, as hipotecas constituídas sobre imóveis do Autor para garantia do cumprimento dessas obrigações são, sequencialmente, ineficazes.
A isto não obsta a circunstância de as hipotecas estarem registadas a favor da Ré DDST, dado que o registo não é elemento formativo do negócio nem garante da sua eficácia. O registo é, unicamente, elemento da constituição desse direito real de garantia.
Por tal motivo, as hipotecas constituídas nas escrituras públicas de 30.09.1999 (cfr. ponto 18.), 11.01.2001 (cfr. ponto 19.) e 04.02.2005 (ponto 20.), que serviam de garantia real da satisfação dos montantes disponibilizados não podem manter-se, sendo ineficazes.

b)
Passemos agora ao segundo e último ponto do recurso.
A sentença da 1ª instância condenou os Réus BB, CC, DD... e FF a pagarem solidariamente ao Autor a quantia de 40.000,00 €, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até ao efectivo e integral pagamento, pelos danos não patrimoniais por este sofridos, sendo os dois primeiros com base na responsabilidade civil contratual, e as duas últimas com fundamento na responsabilidade civil delitual.
A Relação de Évora, arredando a imputação de um comportamento negligente quer à Ré DDST, quer à Ré FF, revogou essa decisão na parte relativa a estas duas Rés.
Bate-se agora o recorrente pela condenação solidária das Rés DDST e FF no pagamento da indemnização arbitrada, com fundamento na actuação negligente de cada uma delas.
Os factos demonstrados não permitem, salvo melhor opinião, imputar às referidas Rés, com a necessária segurança, a omissão dos habituais deveres de diligência e cuidado, porquanto, embora tivessem conhecimento dos poderes conferidos à Ré BB pela referida procuração (cfr. ponto 45.), não lhes era exigível conhecer os eventuais acordos existentes entre o Autor e a referida BB sobre o modo como essa procuração era utilizada (cfr. 52.). Não se deve, por outro lado, olvidar que sempre restaria a possibilidade de ulterior ratificação pelo Autor dos negócios celebrados, ao abrigo da parte final do n.º 1 do artigo 268º do CC. Ademais, não ficou provado que todos Réus tivessem conhecimento de que a procuração estava a ser usada sem conhecimento e consentimento do Autor e em contradição com as instruções deste (cfr. B. dos factos não provados).
Sempre haveria, caso assim não fosse entendido, um obstáculo à condenação destas duas Rés.
O facto ilícito e culposo que está na base da condenação em 1ª instância só pode ser imputado à Ré BB (e, conforme vem decidido das instâncias, também ao seu filho CC), pois foi ela, na qualidade de representante do Autor, que passou a usar a procuração para fins que, como se viu, não estavam contemplados nos poderes que lhe foram outorgados.
Os actos praticados pela ... e pela FF não estão  tocados por qualquer espécie de ilicitude, inserindo-se no quadro das respectivas competências funcionais: realização de negócios bancários, quanto à primeira, e celebração de actos notariais, quanto à segunda.  
Falhando este pressuposto, que é comum aos dois tipos de responsabilidade, não pode proceder esta parte do recurso.

                                                           *

III. DECISÃO

Face ao exposto, no parcial provimento da revista, revoga-se, também em parte, o acórdão recorrido, repristinando-se a sentença da 1ª instância no tocante à declaração de ineficácia, em relação ao Autor, das escrituras públicas referidas nos pontos 18. a 25. dos factos provados, a ao cancelamento das hipotecas.

                                                           *

Custas da revista pelo Autor e pela Ré DDST, na proporção de vencidos.

                                                           *

                                             LISBOA, 27 de Novembro de 2019




Henrique Araújo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Raimundo Queirós

_____________________
[1] Relator:       Henrique Araújo
  Adjuntos:    Maria Olinda Garcia
                         Raimundo Queirós
[2] Para usar a expressão de Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português”, Parte Geral, Tomo I, página 489.
[3] Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria Geral do Direito Civil”, páginas 394 e seguintes.
[4] Como incisivamente refere Paula Costa e Silva, “Acto e Processo”, página 431.
[5] No processo n.º 612/05.6TBOHP.C1, em www.dgsi.pt.
[6] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Volume I, 4ª edição, páginas 361/362.
[7] Cfr. L. Miguel Pestana de Vasconcelos, “Direito Bancário”, 2017, página 207.