Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
19051/10.0YYLSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA AUTÓNOMA
CLÁUSULA ON FIRST DEMAND
OPONIBILIDADE
EXCEPÇÕES
EXCEÇÕES
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TEMAS DA PROVA
QUESTÃO NOVA
JUROS DE MORA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO.
Doutrina:
- António Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 6.ª ed., Almedina, p. 260, 275 e 850;
- Carlos Francisco de O. Lopes do Rego, Comentários ao Cód. Proc. Civil, Almedina, p. 25;
- Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 502;
- José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil - Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., C. Editora, p. 7;
- L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, p. 122, 126 e 130;
- Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, Almedina, p. 152;
- Mónica Jardim, A Garantia Autónoma, Almedina, 2002, p. 85, 88, 258;
- Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 5.ª edição, Almedina, p. 136 e 144;
[5] Ibidem, pág. 318.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 635.º, N.º 4, 639.º, N.ºS 1 E 2 E 671.º, N.º 3.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001 DO CONSELHO DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000, IN JORNAL OFICIAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, L 12 (44.º ANO), DE 16 DE JANEIRO DE 2001, P. 1-23: - ARTIGOS 38.º E SS..
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-09-2004, IN COL./STJ, TOMO III, P. 34;
- DE 13-01-2005, PROCESSO N.º 04B4031, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-02-2010, PROCESSO N.º 5943/07.8YPRT-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-10-2011, PROCESSO N.º 5622/06, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-07-2012, PROCESSO N.º 219/06.06TVPRT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 1397/10.0TBPVZ.P1.S1, IN SUMÁRIOS, 2015, P. 95;
- DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 73/04, IN SUMÁRIOS, 2015, P. 321;
- DE 01-03-2016, PROCESSO N.º 1813/12.6TBPNF.P1.S1, IN JURISPRUDÊNCIA TEMÁTICA – A DUPLA CONFORME NO ACTUAL CPC (2014 A [MANIFESTO LAPSO] JANEIRO DE 2016), P 34;
- DE 19-10-2017, PROCESSO N.º 36/13.1TBMSF.G1.S1, IN SUMÁRIOS, OUT. 2017, P. 46.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 14-07-2005, CJ, TOMO IV, P. 263.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 16-11-2005, PROCESSO N.º 1748/05-2, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 27-01-2004, IN CJ, TOMO I, P. 17.
Sumário :
I - Não obstante o acórdão da Relação ter confirmado a decisão da 1ª instância que julgou a oposição improcedente e determinou o prosseguimento da execução, não há dupla conforme impeditiva da admissibilidade do recurso de revista quando a fundamentação é essencialmente diferente, o que sucede num caso como o presente no qual a sentença considerou a garantia em questão como sendo “on first demand”, decidindo que era possível a sua execução imediata, sem cuidar, portanto, das condições expressas no seu texto, ao passo que a Relação qualificou a garantia como sendo “meramente” simples, não revestida de automaticidade e, em consequência, teve de aferir dos seus expressos condicionalismos, ainda que tenha acabado por concluir – na consideração da verificação dos mesmos – em sentido coincidente com a 1.ª instância (art. 671.º, n.º 3, do CPC).

II - Não constitui decisão-surpresa o saneador-sentença no qual se qualificou a garantia em causa nos autos como “on first demand”, dado que apesar de a executada ter suscitado várias questões em sede de oposição com vista a discutir a relação causal, assumindo, portanto, que estava em causa uma garantia que não era à primeira solicitação, a exequente contestou, apresentando uma versão manifestamente divergente, sendo, por isso, expectável que, ao proferir decisão, o juiz não deixasse de aferir das características e da natureza dessa garantia, qualificando-a dentro de uma das duas modalidades possíveis: simples ou à primeira solicitação (art. 3.º, n.º 3, do CPC).

III - Na garantia autónoma é possível discernir três relações contratuais, abrangendo sujeitos diversos: (i) o contrato principal, donde decorrem as obrigações garantidas e que é concluído entre o credor garantido e o devedor/ordenante; (ii) o contrato entre o devedor e o garante, em regra, um banco, pelo qual este último se vincula, mediante uma remuneração (comissão), a celebrar com o credor o contrato de garantia autónoma; e (iii) o contrato de garantia autónoma em si, celebrado entre o banco/garante e o credor garantido, do qual decorre a obrigação autónoma.

IV - A garantia autónoma comporta duas modalidades, a garantia autónoma simples e a garantia à primeira solicitação: na primeira, as partes limitam-se a prever a autonomia da obrigação do garante em relação à existência, validade ou excepções oponíveis ao crédito, admitindo apenas a oponibilidade de excepções próprias da relação de garantia; enquanto na segunda as partes estipulam ainda que o garante não oporá qualquer excepção à exigência da garantia, satisfazendo-o, imediatamente e sem discussão, logo que tal seja solicitado pelo credor.

V - Para caracterização da garantia numa ou noutra das indicadas modalidades, não se exige o emprego de palavras sacramentais, devendo antes a determinação do tipo de garantia derivar, pura e simplesmente, da interpretação dos termos negociais que lhes subjazem, podendo daí resultar a recondução, até mesmo, a um regime misto ou incaracterístico.

VI - Constando do instrumento da garantia as precisas condições para a sua execução, independentemente de qualquer classificação quanto à sua natureza, é esse conjunto de expressos requisitos que importa ter em consideração com vista a aquilatar da adequada exigibilidade ou não do cumprimento de tal garantia.

VII - Sendo muito limitados os motivos passíveis de invocação pela entidade garante para recusar o cumprimento contratualmente assumido – violação de ordem pública ou dos bons costumes e fraude ou abuso de direito –, e não se reconduzindo a matéria alegada pela executada a qualquer deles, não tem tal matéria relevância para a decisão da causa, não tendo, como tal, de ser inserida nos temas da prova.

VIII - Constituindo a questão dos juros de mora reclamados pela exequente uma questão nova, que não postula conhecimento oficioso, é a mesma insusceptível de apreciação pelo tribunal de recurso.

Decisão Texto Integral:
Revista n.º 19051/10.0YYLSB-A.L1.S1[1]



Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[2]

I – RELATÓRIO[3]

1. A AA SA deduziu, em 13/12/2010, oposição à execução comum para pagamento de quantia certa instaurada por BB, pugnando pela extinção da execução.

1.1. Alegou, em síntese:

- a garantia bancária por si emitida e junta ao requerimento executivo destinava-se a assegurar à Beneficiária/Exequente o pagamento das mercadorias que esta viesse a fornecer e facturar à Ordenante CC;

- e não a garantir o pagamento de obrigações tituladas em facturas já emitidas e vencidas antes da data da emissão dessa garantia, pois isto seria uma assunção de dívida;

- a factura junta ao requerimento executivo tem data de emissão e data de vencimento anteriores à da emissão da garantia;

- como o incumprimento das obrigações abrangidas pela garantia deveria ocorrer dentro do prazo de validade da garantia, a CGD não está obrigada a honrá-la;

- a garantia só poderia ser accionada contra a expedição da mercadoria constante das notas de encomenda nela aludidas, mas resulta dos documentos juntos pela Exequente que isso não aconteceu;

- a garantia bancária foi prestada pela CGD no desconhecimento de que estava em curso um litígio judicial entre a Ordenante e a Beneficiária.


1.2. Na contestação a Exequente sustentou a improcedência da oposição, invocando, em resumo:

- resulta do texto da garantia bancária que garante a obrigação da CC relacionada com o fornecimento das mercadorias listadas nas notas de encomenda nela referidas, que a Exequente teria de declarar que o incumprimento da obrigação de pagamento ocorreu dentro do prazo de validade daquela, sendo certo que a mercadoria foi entregue no período de validade da garantia;

- o título executivo é uma garantia bancária autónoma,

- pelo que a CGD não pode opor à exequente as excepções relativas quer à relação jurídica celebrada entre si e a CC, quer à relação jurídica garantida;

- esta garantia bancária autónoma foi constituída por ordem do Tribunal de Gante no âmbito de uma acção judicial movida pela CC contra a ora Exequente;

- o Tribunal de Gante condenou a CC a pagar à ora exequente a quantia de 445.353,00 € acrescido dos juros à taxa convencional de 0,8% por mês a contar de 01/01/2009 até à data do pagamento integral e é esse o pedido da exequente.

3. Por saneador-sentença proferido em 18/12/2015 foi julgada improcedente a oposição, determinando-se, em consequência, o prosseguimento da execução.

4. Inconformada, apelou a Executada, tendo a Relação de Lisboa, por douto acórdão de fls. 502 e ss., julgado o recurso improcedente e confirmado a sentença recorrida.

           

 5. Uma vez mais inconformada, interpôs a Executada recurso de revista para este S.T.J., o qual finda mediante as seguintes conclusões:

1. Relativamente à questão da nulidade do douto despacho saneador/sentença por violação do contraditório, tendo o Tribunal de primeira instância prolatado decisão surpresa quanto à natureza da garantia como sendo on first demand, o que determinou a não prossecução dos autos de oposição para julgamento, o Tribunal de primeiro grau verdadeiramente não se pronunciou sobre esta nulidade usando uma fundamentação-tipo ou modelo, absolutamente "redonda", que não explicou nem fundamentou quais as razões que estiveram subjacentes à sua decisão;

2. E, não procede a este respeito a douta argumentação do Tribunal da Relação segundo a qual a "executada está patrocinada por Advogado, não podendo por isso desconhecer que é no articulado de oposição que devem ser deduzidos os fundamentos da sua defesa";

3. Com efeito, no requerimento inicial executivo a exequente não refere que a garantia bancária dada à execução constitui uma garantia bancária automática e on first demand; bem pelo contrário alude expressamente à relação causal -Contrato de Distribuição exclusiva das roupas de marca DD para Portugal outorgado entre a exequente e a ordenante da Garantia Bancária - aludindo que com base nesse mencionado contrato de distribuição, a CC encomendou diversas mercadorias através das suas notas de encomenda n.°s 36534, 36608, 36609, 36610, 36611, referentes à coleção Outono-lnverno de 2008, e que na sequência das referidas encomendas, a Exequente emitiu a fatura n.° 80093, de 11 de Abril de 2008, que não foi paga, tendo a garantia bancária sido constituída por ordem do Tribunal Comercial de Gante, por sentença proferida em 3 de Setembro de 2008, para que a ora Exequente procedesse à entrega dos bens encomendados, ou seja aludindo expressamente aos contornos fácticos que compõem a relação causal, assim interpretando que a garantia bancária que deu à execução não era on first demand;

4. A decisão surpresa residiu, assim, no facto de nos articulados respeitantes ao apenso de oposição à execução as partes terem tratado e discutido a relação causal, ou seja tudo apontando para que ambas consideravam a garantia bancária como não sendo assim uma garantia on first demand, tendo o Tribunal de primeiro grau - sem dar oportunidade de previamente a opoente se pronunciar - decidido enquadrar e qualificar a Garantia Bancária como garantia on first demand.

5. Assim, pretender que à opoente e aqui impugnante foi dada a oportunidade de se pronunciar sobre esta questão é afirmar que esta tinha a obrigação na sua oposição de tratar a garantia bancária dada à execução como garantia on first demand, o que foi algo gue nem a própria exequente fez no seu reguerimento inicial executivo, sendo certo que à época estava em vigor a versão do CPC dada pelo DL 38/2003, que no art. 817° n° 2 estipulava que "se for recebida a oposição, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se sem mais articulados, os termos do processo de declaração" pelo que não podia a CGD pronunciar-se sobre a contestação à oposição sem para tal ser notificada;

6. Também se não pode aceitar que esta questão tenha sido tratada no incidente de caução, apenso aos autos principais, que igualmente foram objeto de douto Acórdão do TRL; com efeito, a qualificação da garantia dada à execução foi matéria que nem sequer foi objeto de discussão entre as partes nesse dito apenso, nem tinha que o ser atendendo a que tai apenso não se destinava nem destina a discutir as questões atinentes aos autos principais;

7. Assim, ao não ter cumprido com o princípio do contraditório foi omitido um acto que a lei processual prevê - art. 3o n° 3 do CPC - estando assim o processo - e, consequentemente, a douta sentença que se lhe seguiu, bem como os demais actos processuais subsequentes inquinados com este vício que determina a respetiva nulidade;

8. Quanto à questão do pagamento da garantia dada à execução a aqui impugnante defendeu-se na sua oposição à execução - entre outros argumentos - com o argumento de que a garantia em causa se destinava a assegurar à beneficiária da mesma o pagamento das mercadorias que viesse a fornecer e a faturar à respetiva ordenante (CC), e não a garantir o pagamento de obrigações tituladas em faturas já emitidas e vencidas antes da data da emissão da sobredita garantia, que ocorreu em 07.10.2008; com efeito, a fatura n° 80093 que constitui o doe. 1 junto ao requerimento executivo e na qual se funda a execução da garantia bancária encontra-se datada de 11.04.2008, e apresenta como data de vencimento 19.04.2008. ou seja uma data anterior à data de emissão da garantia;

9. No entendimento da CGD a garantia bancária em causa não tem nem podia ter eficácia retroativa: O seu período de validade decorre desde o dia 07.10.2008, data da sua emissão, até 26.01.2009 (acrescidos de 10 dias para expedição postal) não abrangendo obviamente obrigações já vencidas á data da sua emissão;

10. Defendeu ainda a CGD que de acordo com a teoria da impressão do destinatário do texto da Garantia Bancária sub judice não se retira que a aqui apelante se tenha obrigado a pagar créditos já vencidos, como seria natural que sucedesse, se o Banco aqui apelante quisesse assumir a responsabilidade pelo seu pagamento;

11. Todavia, o Tribunal da Relação de Lisboa no douto Acórdão agora sob recurso entendeu que a dívida a que respeita a cobertura da garantia bancária só se venceu em 1 de janeiro de 2009, ou seja em momento posterior ao momento da emissão da garantia bancária, pelo que considerou improcedentes as razões supra explanadas nestas alegações, o que a CGD repudia;

12. Inexiste neste processo matéria de facto considerada provada - e que como tal conste da douta fundamentação de facto -, que considere provado que a fatura n° 80093 se venceu em 01.01.2009, atendendo o que desta consta é que um Tribunal estrangeiro considerou provado tal facto, o que não é a mesma coisa:

13. Mesmo que se considere que efetivamente consta da douta fundamentação de facto dada (agora) pelo TRL que a fatura n° 80093 se venceu em 01.01.2009 tal conclusão deve ser sindicada pelo STJ atendendo a que o Tribuna! não poderia ter dado como provado este facto neste processo com base em sentença dada em processo no qual a CGD não participou nem foi chamada a intervir e que nem sequer se sabe se transitou ou não em julgado;

14. Não podia o TRL considerar provado o facto" o vencimento da fatura n° 80093 ocorreu em 01,01.2009" com base em certidão judicial emitida por Tribunal estrangeiro em processo no qual a CGD nunca foi chamada nem interveio, proferida em processo em que intervieram a ordenante da garantia e a beneficiária desta;

15. Transportar facto como constituindo um facto provado para efeitos da presente oposição à execução constitui pura e simplesmente conferir à decisão prolatada pelo Tribunal estrangeiro um valor de caso julgado que a mesma não tem nem pode ter;

16. No âmbito da norma do art. 674° n° 3 do CPC pode o STJ - ofensa de disposição expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova - proceder à apreciação dos factos materiais da causa, isto sem prejuízo de se entender que esta opção apenas se convoca em segundo plano atendendo a que na perspetiva da CGD, em primeiro plano, o que se verifica é uma incorreta aplicação do direito aos factos provados (o que pode ser sindicado pelo STJ ao abrigo do disposto no art. 674° n° 1 alínea a) do CPC) atendendo a que inexiste neste processo matéria de facto considerada provada e que como tal conste da fundamentação de facto -, isto é, que considere provado que a fatura n° 80093 se venceu em 01.01.2009 - atendendo o que desta consta é que um Tribunal estrangeiro considerou provado tal facto, o que, como já se referiu, não é a mesma coisa;

17. A ofensa de lei que fixe a forca de determinado meio de prova a que alude o art. 674° n° 3 do CPC aplicada ao caso concreto destes autos refere-se à norma do art. 421° n° 1 do CPC no qual se refere que os depoimentos e perícias produzidos num processo com audiência contraditória da parte podem ser invocados noutro processo contra a mesma parte, sem prejuízo do disposto no n° 3 do art. 355° do C.C. ; se, porém, o regime de produção da prova do primeiro processo oferecer às partes garantias inferiores às do segundo, os depoimentos e perícias produzidos no primeiro só valem no segundo como princípio de prova.

18. Conforme facilmente se constata da análise dos documentos a que o TRL faz referência no que concerne à prova dos factos respeitantes ao processo ocorrido no Tribunal de Gante a CGD não interveio nesse processo nem nele foi chamada a intervir;

19. Pelo que inexistiu qualquer audiência contraditória de parte no que á CGD concerne, com o que tal implica e significa ao nível as garantias de defesa que devem estar subjacentes a qualquer processo judicial seja qual for a sua natureza. Ou seja, o TRL - embora não tenha feito expressa referência a este normativo no seu texto fundamentador e decisório - violou-o quando entendeu que estava provado facto por referência à sentença prolatada pelo Tribunal estrangeiro;

21. E igualmente violou o art. 621° do CPC ao entender considerar provado que " o vencimento da fatura n° 80093 ocorreu em 01.01.2009" com base em certidão judicial emitida por Tribunal estrangeiro em processo no qual a CGD nunca foi chamada nem interveio, certidão essa que nem sequer certifica que a decisão judicial emitida pelo tribunal estrangeiro tenha transitado em julgado;

22. A CGD não pôde discutir a questão da data de vencimento da fatura em primeira instância - como deveria ter ocorrido - porque o Tribunal entendeu (mal, conforme o douto Acórdão do TRL comprova) que se tratava de uma garantia on first demand, e portanto nada havia a discutir, e, por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa remete a CGD para uma decisão de facto prolatada por um Tribunal estrangeiro, dada num processo no qual a CGD nunca interveio nem para tal foi chamada...:

23. Pelo que não podia ser considerado provado este facto, com as consequências que daí advêm e que desde já se convocam;

24. O Tribunal da Relação de Lisboa, ao decidir que se encontra provado que o vencimento da fatura n° 80093 ocorreu em 01.01.2009 recusou-se a remeter os autos à primeira instância para que esta situação - data de vencimento da fatura -fosse apurada, bem como outras questões identicamente suscitadas em sede própria, isto é na oposição à execução;

25. Com efeito, na sua oposição à execução a aqui apelante suscitou toda uma panóplia de exceções que pura e simplesmente não foram objeto de qualquer decisão judicial as quais na perspetiva da CGD sempre deveriam enformar os "temas de prova" a enumerar pelo Tribunal para ulteriormente serem objeto de produção de prova pelas intervenientes processuais, mormente a matéria constante dos n°s 10,12,19, e 22 a 26 da oposição;

26. Não tendo o Tribunal de primeiro grau decidido logo em sede de condensação do processo pela procedência da oposição deveria ter relegado tal conhecimento para momento processual ulterior, após a produção de prova, enunciando primeiramente os temas de prova entre os quais deveriam figurar os que acima constam enunciados;

27. E, em sede de recurso de apelação, deveria o Tribunal da Relação -fazendo uso dos seus poderes - ter ordenado a baixa do processo à primeira instância para que fosse elaborado o despacho saneador e, subsequentemente, realizada a audiência discussão e julgamento, o que não fez;

28. A CGD quer em sede de oposição à execução quer em sede de recurso para o TRL defendeu - cfr. n° 26 da oposição e pág. 19a do recurso para o TRL - que o título de transporte junto à carta que constitui o anexo 1 ao doe. 5, carta através da qual a exequente procedeu à execução da garantia não demonstra que se reporta à mercadoria relativa à fatura cujo pagamento é reclamado - fatura n° 80093 - sendo esse um dos pressupostos necessários ao acionamento da garantia, pelo que ao considerar provado este facto o Tribunal a quo fez fé em sentença do Tribunal de Gante aplicando-se aqui o referido supra nas conclusões n°s 12 a 22 mutatis mutandis;

29. Conforme se constata da análise do requerimento inicial executivo a exequente reclama juros à taxa determinada e decidida pelo Tribunal de Gante;

30. Ora, a Garantia Bancária dada à execução não abrange no seu âmbito e texto nem divida vencida nem os juros de mora respeitantes à fatura que integra o título executivo pelo que também por esta razão o douto Acórdão recorrido carece de fundamento fáctico e legal para decidir como decidiu.

Termos em que deve o douto Acórdão ser revogado nos ternos supra enunciados e defendidos.

                                                                                                                  6. A Exequente apresentou, por sua vez, contra-alegações, as quais encerra com as seguintes conclusões:

  1.º - A Recorrente legitima a admissibilidade do seu recurso de revista por entender que a fundamentação das decisões das instâncias é essencialmente diferente, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 671º do CPC.

  2.º - Isto pois, o Tribunal da Primeira Instância considerou a garantia dada em execução como sendo on first demand, ao passo que o Tribunal da Relação alterou a sua qualificação jurídica, considerando-a como uma garantia autónoma simples, o que na óptica da Recorrente, configura uma fundamentação essencialmente diferente.

   3.º - No entanto, ainda que o Tribunal da Relação tenha qualificado a garantia de forma diferente, considerou que em nenhum dos casos, quer estivéssemos perante uma garantia on first demand, quer estivéssemos perante uma garantia autónoma simples, a Recorrente teria legitimidade para aferir do cumprimento das obrigações decorrentes da relação subjacente entre a beneficiária e a ordenante.

  4.º - Aliás, o sumário do Acórdão da Relação é claro: “ I - Interpretando o texto da garantia bancária dos autos à luz dos princípios consagrados nos artigos 236º n.º 1 e 238º n.º 1 do Código Civil, é inequívoco que a apelante prestou uma garantia bancária autónoma e não uma fiança, não podendo, por isso, discutir a relação base/fundamental/subjacente. II - Portanto, a apelante assumiu uma obrigação distinta da obrigação decorrente do contrato-base e, por isso, contrariamente ao que sucede com a fiança (cfr art. 627º n.º2 do Código Civil), o seu compromisso não é acessório da obrigação da ordenante CC – Comercialização de Vestuário, S.A.”.

5.º - Em ambos os casos, quer na decisão do Tribunal da Primeira Instância onde a garantia é qualificada como on first demand, quer no Acórdão do Tribunal da Relação, em que a garantia é qualificada como sendo autónoma simples, é afastada essa possibilidade de escrutínio da relação causal do contrato-base, contrapondo essa situação ao regime da fiança, onde tal é permitido ao garante.

6.º - A única alteração na fundamentação entre as instâncias é quanto ao nível de automaticidade da garantia bancária, mas tal não afecta a sua autonomia, nem passa a conferir à Recorrente a legitimidade para escrutinar a relação causal do contrato-base.

7.º - Assim, à Recorrida bastaria demonstrar o preenchimento dos requisitos estipulados na garantia bancária, o que fez, tal como o Tribunal da Relação decidiu.

8.º - Inexiste, portanto, uma fundamentação essencialmente diferente entre a decisão da Primeira Instância e da Relação que legitime a Recorrente a apresentar o presente recurso de revista nos termos do n.º 3 do artigo 671º CPC.

9.º - A jurisprudência é unânime ao entender que a alteração da fundamentação das decisões tem de ser substancial para permitir o recurso a uma terceira jurisdição.

 10.º - Sem conceder, caso assim não se entenda, sempre se dirá que não existe qualquer decisão surpresa por parte do Tribunal a quo relativamente à qualificação da garantia bancária.

  11.º - A qualificação da garantia bancária é uma questão de Direito, cuja apreciação e configuração é da exclusiva responsabilidade do Tribunal, pelo que não havia necessidade ou obrigação de convidar a Recorrente a exercer o contraditório sobre tal classificação.

12.º - Sobre as Partes recai o ónus de alegação dos factos essenciais que constituam a causa de pedir, ou que constituam a matéria de impugnação ou das excepções relevantes, conforme a posição processual assumida.

  13.º - Nesse âmbito, a Recorrente invocou inclusivamente factos que consubstanciam alegados incumprimentos da relação causal entre a ordenante e a beneficiária, donde se retira o seu entendimento como estando perante uma garantia bancária não autónoma.

  14.º - Não se vislumbra qualquer razão para a necessidade de atribuir mais uma oportunidade à ora Recorrente para se pronunciar quanto à qualidade da garantia, que é matéria de Direito, tendo a mesma tido oportunidade de se pronunciar sobre a factualidade alegada e a responsabilidade que a Recorrida lhe assacava.

  15.º - Não se verificou nenhuma situação que necessitasse de suprimento de qualquer excepção dilatória ou de aperfeiçoamento do articulado da Recorrente que, nos termos do artigo 590º do CPC, exigisse ao Tribunal fazer uso do seu poder/dever de convidar aquela ao aperfeiçoamento.

  16.º - As Partes já tinham fornecido ao Tribunal todos os factos relevantes, restando ao Tribunal configurar a qualidade da garantia à luz do Direito e na posse de todos os elementos referidos.

  17.º - Pelo que, não se verificou qualquer violação ao princípio do contraditório, tal como se encontra vertido no n.º 3 do art. 3.º do CPC, não padecendo portanto a decisão proferida de qualquer nulidade.

   18.º - Por outro lado, a Recorrente na sua oposição alega que a garantia constituída se destinava a assegurar obrigações futuras e não obrigações já vencidas e que desconhecia quer a existência da factura n.º 80093, quer a pendência do litígio entre a entidade ordenante da garantia e a beneficiária.

 19.º - Essa alegação consubstanciará uma situação de erro sobre o objecto do negócio, o qual configuraria à Recorrente a faculdade de anular o mesmo perante a ordenante da garantia, sendo que, nos termos do disposto no artigo 291º do Código Civil, o direito a exigir a anulabilidade do negócio jurídico à ordenante da garantia já caducou.

  20.º - Certo é que tal alegação em nada altera a perspectiva do Tribunal quanto à autonomia da garantia dada à execução e, como tal, não pode ser oponível à beneficiária daquela.

  21.º - Por ouro lado, os factos atinentes à relação causal estabelecida entre a beneficiária e a ordenante, não podem ser invocados como forma de oposição ao pagamento exigido, pelo que, atenta a qualificação efectuada pelo Tribunal, quer em sede da Primeira Instância, quer em sede de Recurso, foram desconsiderados.

  22.º - Como tal, os factos invocados pela Recorrida no seu requerimento executivo relativamente aos termos da garantia bancária teriam de ser dados como provados, como sucedeu.

  23.º - Bastaria à Recorrida demonstrar que efectuou a comunicação à Recorrente de que a ordenante deixou de cumprir as suas obrigações de pagamento, indicando qual o montante em dívida, acompanhado das referidas facturas em dívida e da documentação do transporte confirmando o envio da mercadoria.

  24.º - O que logrou fazer com a junção dos documentos relevantes, tendo o preenchimento daqueles requisitos sido dado como assente, conforme os pontos 2 e 3 da fundamentação de facto.

  25.º - Estando em causa uma garantia autónoma e independente, o garante não pode opor os meios de defesa ou excepções decorrentes das relações credor-devedor do contrato base, como bem entenderam ambas as Instâncias.

 26.º - Acresce que, ainda que não recaísse sobre a Recorrida a obrigação de 21.º - 21.º - sentença, transitada em julgado, proferida pelo Tribunal de Gante.

  27.º - Por sua vez, à Recorrida apenas lhe era admissível aferir do incumprimento daqueles pressupostos, o que não fez, limitando-se a invocar factos inoponíveis à beneficiária de uma garantia bancária autónoma.

  28º - O teor da garantia nada restringe quanto à abrangência da mesma, que não o seu montante máximo garantido, para que a Recorrente pudesse extrapolar que os juros de mora decorrentes do atraso no pagamento dos bens fornecidos estejam excluídos do âmbito da garantia bancária.

  29.º - Acresce que, esta última matéria não foi alegada sequer na oposição da Recorrente, pelo que o seu direito para a invocar precludiu naquele momento, estando a apreciação desta matéria vedada em sede de recurso.

    E assim conclui no sentido de dever ser rejeitado o recurso por não se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 671º CPC, nomeadamente por inexistir uma fundamentação essencialmente diferente entre as decisões do Tribunal de 1.ª Instância e do Tribunal da Relação, ou, se assim não se entender, dever ser negado provimento ao dito recurso, confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

           

7. Pelo douto despacho exarado a fls. 602, foi o recurso de revista admitido, com fundamento em ter o acórdão por ele adversado confirmado a sentença apelada mediante fundamentação essencialmente diferente, conforme o art. 671.º, n.º 3, “a contrario.”


   Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


        II – FACTOS

    No douto acórdão, a título de fundamentação de facto, foi vertido o que segue:

  A). - Na sentença recorrida vem dado como provado:

1 - A ora oponente subscreveu o documento junto a fls. 204 (cuja tradução certificada para português se mostra junta a fls. 203), intitulado de "Garantia Bancária N.° ...", com o seguinte teor:

"A AA, S.A., com sede na Av. ... LISBOA (PORTUGAL), registada na Conservatória do Registo Comercial, 4. a Secção, sob o número 02900/ 930902, com o capital social de EUR 3 500 000 000,00, número de identificação fiscal 500960046, a solicitação e a pedido de CC - COMERCIALIZAÇÃO DE VESTUÁRIO, S.A., (o ordenante), domiciliado na Rua ..., emite, por esta via, uma Garantia Bancária a favor da BB, (o beneficiário), com sede em ..., até ao valor total máximo de EUR 580 567,13 (quinhentos e oitenta mil, quinhentos e sessenta e sete euros e treze cêntimos), relativo ao fornecimento dos bens listados nas encomendas números 36534, 36608, 36609, 36610 e 36611.

O montante total máximo da presente garantia é, por isso, de EUR 580 567,13 (quinhentos e oitenta mil, quinhentos e sessenta e sete euros e treze cêntimos).

Esta garantia é válida até 26/ 01/ 2009 (a data de validade), ficando nula e sem efeito nesta data de validade, quer o documento nos seja devolvido, ou não.

Qualquer reclamação ou reclamações que possam, eventualmente, surgir com referência à presente Garantia Bancária, será paga pela AA, S.A., ao beneficiário, por intermédio de uma notificação por escrito, devidamente assinada (em que as assinaturas pareçam ter sido autenticadas por um banco de primeira ordem), em data não posterior à da data de validade acima mencionada, endereçada à Direcção de Suporte Operacional da AA, S.A., na morada acima referida. Esta notificação, acompanhada por cópias de todas as facturas não liquidadas e a documentação do transporte, confirmando o envio da mercadoria, deverá ser recebida nos nossos escritórios até dez dias após a data de validade - declarando que o ORDENANTE deixou de cumprir com as suas obrigações de pagamento, o montante ou montantes reclamados e que os factos indicados ocorreram no decurso da validade desta Garantia Bancária.

Não obstante esta Garantia Bancária se tornar nula e sem efeito na data de validade, quer o documento nos seja devolvido, ou não, em momento algum será aceite qualquer reclamação depois de 05-02-2009 (estando incluídos 10 dias de prazo de envio da correspondência).

Lisboa, 7-10-2008".

2 - Em 27.10.2008, a exequente remeteu à oponente o escrito junto a fls. 237 (cuja tradução certificada para português se mostra junta a fls. 231), solicitando-lhe o pagamento da quantia referida na "Garantia Bancária N.° ..." devido a incumprimento da CC ‑ Comercialização de Vestuário, S.A., ordenante da garantia;

3 - E em 29.10.2008, através do EE, remeteu-lhe o escrito junto a fls. 236 (cuja tradução certificada para português se mostra junta a fls. 230), com o assunto em epígrafe de "Reclamação referente à vossa garantia n.° ...", do seguinte teor: "Em anexo enviamos a V. Exas - sem qualquer compromisso da nossa parte - a carta original datada de 27/ 10/2008, do nosso cliente BB,..., BÉLGICA, endereçada ao vosso Banco, juntamente com os documentos exigidos, para a reclamação do montante de 580 567,13€ sobre a garantia supracitada, com o n.° ..., emitida por V. Exa em 07/ 10/2008, a pedido da CC - COMERCIALIZAÇÃO DE VESTUÁRIO, S.A., Rua da lionesa, ....

Por este meio confirmamos a autenticidade da assinatura do Sr. FF, Director Executivo, que está autorizado a assinar em nome da BB."


B) – É também de considerar, por estar provado por documentos (arts. 663.°, n.° 2, e 607.°, n.° 4 – 2ª parte, do CPC):

4. - Em acção instaurada por CC contra BB, o Tribunal do Comércio de Gante proferiu sentença em 03/09/2008 em que no dispositivo consta:

«Ordena à ré, por medida urgente e provisória, para, no prazo de cinco dias após a constituição de uma garantia bancária autónoma pela autora no valor do preço das mercadorias facturadas para a colecção Senhora, Menina e Bebé, mas sem o preço dos protótipos, fornecer estas mercadorias à ré, sob pena de uma adstrição de 10,00 EUR por dia e por peça de vestuário de atraso com um máximo de 350,00 EUR por cada peça de vestuário não fornecida;

Profere que a adstrição, em todos os casos, apenas pode ser aplicada a partir de 25 de Setembro de 2008, quando a autora, o mais tardar até cinco dias antes dessa data, tiver constituído a garantia necessária;» (doc. 3 de fls. 206-212) do requerimento executivo).

5 - O Tribunal do Comércio de Gante proferiu sentença em 12/02/2010 em acção instaurada por BB contra CC constado no seu dispositivo o seguinte:

«Condena a ré no pedido principal no pagamento à autora no pedido principal no montante de quatrocentos e quarenta e cinco mil trezentos e cinquenta e três euros (445.353,00 EUR) (factura n° 80093), acrescido dos juros à taxa

convencional de 0,8% por mês a contar de 1 de Janeiro de 2009 até à data do pagamento integral». (doc. 6 de fls. 244-264 do requerimento executivo).

6 - O Tribunal de Recurso de Gante proferiu acórdão em 25/04/2012, transitado em julgado, no recurso interposto por GG na qualidade de administrador da insolvência de CC Comercialização Vestuário SA e recorrida BB (abreviadamente «ACA»),onde se lê, além do mais:

«5. Na sentença final recorrida de 12 de Fevereiro de 2010 os dois processos, (...) foram apensos;

(…)

A CC foi igualmente condenada a pagar à ACA:

- a quantia de 7.792,40 EUR, acrescida dos juros à taxa convencionada de 0,8% ao mês vencidos no prazo de 60 dias a contar da data da factura e até integral pagamento;

- a quantia de 445.353,00 EUR (factura n° 80093), acrescida dos juros à taxa convencionada de 0,8% ao mês, vencidos desde 1 de Janeiro de 2009 e até integral pagamento;

- a quantia de 1.000.000,00 EUR a título de indemnização dos danos contratuais resultantes da rescisão do contrato de distribuição de 15 de Janeiro de 2002.

(…)

B. Sobre a procedência dos diversos pedidos

(…)

4. A factura de 11 de Abril de 2008

Esta factura refere-se à entrega de mercadorias objecto do contrato de distribuição no montante de 580.567,13 EUR. O Juiz da Primeira Instãncia reduziu o pedido relativo a esta factura para 445.353,00 EUR, tendo em conta os 3.262 artigos em falta, os 3.366 artigos não encomendados e os 66 artigos inutilizáveis.

O fundamento de recurso da CC incide sobre a consideração pelo Juiz da Primeira Instância de que a CC não podia alegar a entrega tardia, uma vez que aceitou as restantes mercadorias sem uma contestação simultânea.

A CC acusa o Juiz da Primeira Instância de ter ignorado o facto de a CC já ter contestado a entrega tardia muito anteriormente, nomeadamente por carta registada de 7 de Julho de 2008 e através do requerimento de citação em procedimento cautelar de 18 de Julho de 2008.

Contudo, a reclamação apresentada pela CC sobre a entrega tardia não altera p facto de que a mesma deve pagar as mercadorias, cuja entrega aceitou, e que ascendem de acordo com o Juiz da Primeira Instância, ao montante de 445.353,00 EUR. O atraso na entrega, que foi aceite, não justifica a recusa do pagamento. Por conseguinte, este fundamento de recurso é igualmente improcedente.

(…)

III. (...)

Pelos fundamentos expostos

O Tribunal

(…)

Anula a sentença recorrida na parte em que a CC foi condenada a pagar à BB o montante de 7.792,40 EUR, acrescido dejuros e decidindo novamente a esse respeito,

Declara que o Juiz da Primeira Instância e, por conseguinte também este Tribunal não são competentes para decidir sobre este pedido;

Confirma quanto ao mais a sentença recorrida;

(...)» (doc. de fls. 157-177 junto em 13/09/2012 e doc. de fls. 428-429 junto em 10/09/2015).


C) No requerimento executivo expõe-se:

a) “Factos

1. A Exequente é uma sociedade comercial belga que exerce a sua actividade no sector da comercialização do vestuário, designadamente de "leisurewear", através da sua marca DD.

2. No exercício da sua actividade comercial, a Exequente celebrou com a sociedade comercial CC - COMERCIALIZAÇÃO DE VESTUÁRIO, S.A., doravante apenas designada por CC, um Contrato de Distribuição exclusiva das roupas de marca DD para Portugal, Espanha, Brasil, Andorra e todo o território da América do Sul, bem como um Contrato de Licença de Exploração de Marca.

3. No âmbito dos sobreditos contratos, a Exequente forneceu roupa e licenciou o uso daquela marca à CC.

4. Com referência ao mencionado contrato de distribuição, a CC encomendou diversas mercadorias através das suas notas de encomenda n.°s 36534, 36608, 36609, 36610, 36611, referentes à colecção Outono-Inverno de 2008.

5. Na sequência das referidas encomendas, a Exequente emitiu a factura n.° 80093, de 11 de Abril de 2008, cuja cópia ora se junta como Doc. 1, dando-se o seu teor aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e da qual constam, devidamente discriminadas, as notas de encomenda aqui em causa.

6. O pagamento dos montantes decorrentes do fornecimento de bens objecto das notas de encomenda n.°s 36534, 36608, 36609, 36610 e 36611 foi garantido pela aqui Executada AA, S.A., mediante a constituição da garantia bancária que ora se junta como Doc. 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

7. A referida garantia bancária foi constituída por ordem do Tribunal Comercial de Gante, por sentença proferida em 3 de Setembro de 2008, para que a ora Exequente procedesse à entrega dos bens encomendados, assegurando-se assim o bom pagamento dos montantes decorrentes das notas de encomendas - cfr. Doc. 3 e 4 que ora se juntam e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

8. Tendo sido entregue a mercadoria, a CC não efectuou o pagamento da quantia em dívida.

9. Neste contexto, em 29.10.2008, a aqui Exequente, por intermédio do EE, interpelou a Executada com vista ao pagamento da dívida garantida por aquela - cfr. Doc. 5 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

10. Tal interpelação foi acompanhada de cópia da factura n.° 80093, da qual constam devidamente discriminadas as notas de encomenda objecto da garantia bancária em análise, bem como das guias de transporte subjacentes à entrega dos bens transaccionados, no estrito cumprimento do estipulado no parágrafo 3.° daquela.

11. Dado que a CC não havia procedido ao pagamento do valor decorrente do fornecimento dos bens aqui em causa, a Exequente apresentou uma acção de condenação que correu termos sobre o número de processo A/09/00394, pelo Segundo Juízo do Tribunal do Comércio de Gante, sendo posteriormente anexada à acção A/08/00598.

12. Em 12.02.2010, aquele Tribunal proferiu sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da aqui Exequente, condenando a CC no pagamento da quantia de € 445.353,00 (quatrocentos e quarenta e cinco mil, trezentos e cinquenta e três euros) - cfr. Docs. 6 e 7, em particular capítulo III, B, ponto 6, página 10, que ora se juntam e cujo teor aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

13. A CC foi, ainda, condenada a pagar juros de mora contabilizados sobre o valor de capital de € 445.353,00, à taxa de 0,8% mensal, desde 01.01.2009.

14. Em 8 de Abril de 2010, não tendo a Executada liquidado o valor em dívida objecto da garantia bancária em apreço, a Exequente, na pessoa do seu mandatário, interpelou novamente a Executada para o pagamento da quantia em dívida à data - cfr. Doc. 8 que ora se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

15. Nos termos do n.° 1 do artigo 805.° do Código Civil, com a interpelação da Exequente, em 29.10.2008, a Executada constituiu-se em mora, pelo que, desde aquela data, se venceram juros de mora à taxa de juro comercial sucessivamente em vigor.

16. Até ao presente, a Executada não liquidou à Exequente o valor em dívida, e que, actualmente, ascende ao valor total de € 591.320,31, conforme melhor discriminado na liquidação da obrigação.

17. Pelo exposto, a Exequente dá à execução o título executivo composto pela garantia bancária - já junta como Doc. 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para para os devidos efeitos legais - e pela notificação efectuada à Executada em 29.10.2008 - aqui junta como Doc. 8 - notificação esta que, repete-se, cumpre estritamente todos os requisitos constantes da garantia bancária constituída a seu favor.».

b) «Liquidação da obrigação

Valor líquido:                    445.363,00 €

Valor não dependente de simples cálculo aritmético: 145.967,31 €

0,00 €

__________

Total 591.320,31 €

1. O valor de capital em dívida ascende a € 445.353,00.

2. Sobre o valor de capital venceram-se juros à taxa de 0,8% mensal, desde 1 de Janeiro de 2009 e que na presente data ascendem a € 71.301,63.

2.1. A este valor acrescem juros de mora vincendos, contabilizados à taxa de 0,8% mensal, até ao montante garantido de € 580.567,13.

3. Nos termos do n.° 1 do artigo 805.° do Código Civil, com a interpelação da Exequente em 29.10.2008, a Executada constituiu-se em mora.

3.1. Assim, sobre o valor de capital, vencem-se juros de mora contabilizados à taxa de juro comercial sucessivamente em vigor e que, na presente data, ascendem ao valor de € 74.665,68, a que acrescerão os respectivos juros de mora vincendos até efectivo e integral pagamento.

4. A Executada é, ainda, responsável pelas custas da presente acção, as quais incluem os honorários do Agente de Execução e as custas de parte da Exequente, que na presente data não são ainda passíveis de liquidação.”.


     III – DIREITO


    1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do C. P. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

   De tal sorte, e tendo em mente o conjunto de finais proposições com que a aqui Executada/Recorrente ultima as respectivas alegações, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas.

           

2. Sem embargo, preliminarmente cumpre, como questão-prévia, decidir se o presente recurso de revista é, ou não, admissível, veredicto cuja emissão para este momento o aqui Relator, no concernente despacho inicial – cfr. fls. 606 -, diferiu.

      Ora, no seu requerimento de interposição de tal recurso, a Executada/Recorrente pugna pela respectiva admissibilidade, apelando para o disposto no n.º 3, do art. 671.º, do CPC, porquanto – justifica - não obstante ambas as Instâncias terem sentenciado de forma coincidente - a sentença de primeira instância julgou a oposição improcedente e ordenou o prosseguimento da execução, o Tribunal da Relação de Lisboa, por seu turno, confirmou a sentença recorrida -, o certo é que a fundamentação para tal decisão apresenta-se totalmente diferente em ambas as Instâncias.

Com efeito – mais aduz - no Tribunal de primeiro grau a sentença imitou-se a expressar que a garantia bancária em causa é uma garantia automática à primeira interpelação pelo que "...situando-se o valor reclamado pela exequente dentro do limite máximo garantido de 580.567,13 €, estava a ora oponente obrigada a pagá-lo, imediatamente, sem possibilidade de discussão quanto aos fundamentos e pressupostos que legitimam esse pedido de pagamento, em face da autonomia e independência da garantia prestada relativamente ao contrato base entre a exequente e a CC Comercialização de Vestuário S.A.", e, por isso, não se debruçou o Tribunal sobre as questões suscitadas por ela, Executada, na respetiva oposição à execução, relacionadas com a garantia bancária.

No acórdão recorrido, diferentemente, entendeu-se que a garantia bancária aqui dada à execução não é uma garantia "on first demand', mas sim uma garantia bancária autónoma simples, e, desse modo, teve de apreciar se a Exequente cumpriu os requisitos impostos para a exigência do pagamento.

Deste modo – conclui a Executada ‑ relativamente às questões apreciadas pelo Tribunal da Relação não existe “dupla conforme”, e daí a referida admissibilidade do recurso.

    Na sua contra-alegação, a Exequente, por sua vez, sustenta que, quer na decisão do Tribunal da 1.ª Instância, onde a garantia é qualificada como “on first demand”, quer no Acórdão do Tribunal da Relação, em que a garantia é qualificada como sendo autónoma simples, é afastada a possibilidade de escrutínio da relação causal, ou contrato-base, sendo, portanto, que a única alteração na fundamentação entre as instâncias é quanto ao nível de automaticidade da garantia bancária, mas tal não afecta a sua autonomia, nem passa a conferir à Executada legitimidade para escrutinar essa mencionada relação causal.

Assim – acrescenta para concluir - à Exequente bastaria demonstrar o preenchimento dos requisitos estipulados na garantia bancária, o que fez, tal como o Tribunal da Relação decidiu, pelo que, por isso, inexiste uma fundamentação essencialmente diferente entre a decisão da 1.ª Instância e a da Relação que legitime a Executada a apresentar o presente recurso de revista, nos termos do n.º 3, do art 671.º, do CPC, o qual assim deve ser, sem mais, rejeitado.

No seu despacho, reportado no art. 641.º, do CPC, a Exm.ª Desembargadora-Relatora admitiu o recurso, com fundamento – tendo presente o disposto no art. 671.º, n.º 3, “a contrario” ‑, em que o acórdão da Relação confirmou a sentença da 1.ª Instância, com base em fundamentação essencialmente diferente.

Conhecendo:

Dispondo o n.º 1, do art. 671.º, do CPC, que “Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”, por sua vez, o sequente n.º 3, preceitua que “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte.”

Pronunciando-se sobre o conteúdo deste último normativo – na dimensão que para aqui ora interessa - , António A. Santos Geraldes [4] salienta que “A alusão à “natureza essencial” da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso.” E um passo adiante[5] refere ainda que “A aferição de tal requisito delimitador da conformidade das decisões deve focar-se no eixo da fundamentação jurídica que, em concreto, se revelou crucial para sustentar o resultado declarado por cada uma das instâncias, verificando se existe ou não real diversidade nos aspectos essenciais.”

No mesmo sentido se expressa, por seu turno, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida[6], dizendo não relevar “[…] para efeitos de não admissão do recurso uma “divergência meramente formal”  ou de pormenor, nem tão pouco uma mera “diferença de grau” quanto à densidade fundamentadora, mas tão-somente, uma “diferença essencial”.”

Destes mesmos qualificados entendimentos vem também a jurisprudência deste Alto Tribunal se fazendo eco, surgindo, desde logo, de mencionar o Ac. de 19.10.2017[7], em cuja síntese conclusiva é dado ler que “A fundamentação essencialmente diferente pressupõe que, nas duas decisões, haja sido percorrido um caminho diverso para chegar à mesma decisão final, e que a divergência, para além de respeitar ao cerne da questão, ou questões jurídicas concretamente apreciadas, seja substancial”. Também, em não divergente pendor, decidiu-se no Ac. de 19.02.2015[8] que “ Para que não se verifique a dupla conformidade obstativa da admissibilidade do recurso de revista, é necessário que se verifique uma diferença essencial da fundamentação, não sendo, só por si, relevante qualquer alteração, invocação ou modificação da fundamentação ou argumentação”, mais se acrescentando – de forma impressiva – que “É necessário, para o efeito, uma modificação qualificada, essencial, da fundamentação jurídica que aos olhos das partes exiba a ideia de que as águas em que cada instância navegou são tão diferentes, que só mesmo as decisões são coincidentes.

Por fim, e ainda na mesma tónica, afigura-se-nos de conclamar também o Ac. de 01.03.2016[9], no qual, após se ponderar que “O requisito de recorribilidade previsto no art. 671.º, n.º 3, do NCPC (2013), obstativo da dupla conformidade, não decorre do facto da decisão confirmatória da 2.ª instância conter fundamentação diferente, exige-se que seja "essencialmente diferente”, logo se sublinha que “Essa essencialidade pressupõe novidade argumentativa e consideração de enquadramento factual e/ou jurídico diferente e decisivo, que se afasta distintamente da fundamentação da decisão apelada” e , outrossim, que “não se verifica tal requisito quando o tribunal da Relação, dentro do enfoque jurídico da decisão recorrida, aduz argumentos relacionados com a questão decidida que apenas lhe emprestam maior solidez.”

Presentes estes doutos pronunciamentos, e volvendo à questão que se nos haja sujeita, confrontando as doutas decisões ora a considerar de pronto concluímos, salvo o muito respeito, que, para efeitos do disposto no sobredito n.º 3, do art. 671.º, do CPC, as fundamentações em que respectivamente assentaram não podem deixar de se reputar “essencialmente” diferentes.

Como mais detidamente se analisará, ao deante – “item” 3.2. -, são bem diversas as condições e, logo, as pertinentes implicações ínsitas a uma garantia autónoma simples e a uma garantia autónoma à primeira solicitação, automática ou “on first demand”. Tal, de resto, consoante dimana, como dito, do cotejo entre uma e outra das apontadas decisões.

Sendo que – consoante a Executada e aqui Recorrente salienta ‑, enquanto na sentença da 1.ª Instância, a consideração da garantia como “on first demand”, conduziu a imediata decisão no sentido de haver lugar à execução da mesma, sem cuidar sequer das condições no seu texto expressas – portanto, em consagração, de plano, da repisada máxima “pediu, pagou” -; no acórdão aqui recorrido, entendendo-se a garantia como “meramente” simples, não revestida de automaticidade, necessária se apresentou a aferição de tais expressos condicionalismos, ainda que, mesmo assim, se haja acabado por concluir – na consideração de esses condicionalismos verificados -, por coincidente resultado final com o da sentença versada.

Parafraseando aquele referenciado douto Ac. de 19.02.2015, temos assim por seguro que em “bem diferentes águas navegou cada uma dessas decisões”, pelo que, assentando na não conformidade da fundamentação-alicerce das mesmas, recebe-se o recurso em apreço.


3.1. Passando à análise das questões recursivas, “tout court”,

- Insurgindo-se contra o decidido no acórdão ora recorrido, sustenta, antes de mais, a Executada/Recorrente que no saneador-sentença apelado se infringiu o princípio do contraditório, proferindo-se uma decisão surpresa, violadora do disposto no n.º 3, do art. 3.º, do anterior CPC, e, de tal modo, consubstanciadora da nulidade prevista no art. 201.º, n.º 1, do mesmo Diploma.

E assim, porquanto, tendo as partes nos seus articulados – designadamente a Exequente -, tratado e discutido o “thema decidendum” filiados na relação causal, ou seja, indicando que consideravam a garantia bancária prestada pela dita Executada como não sendo “on first demand”, todavia nesse saneador-sentença, sem se dar previamente oportunidade à Executada de a tal respeito se pronunciar, decidiu-se, diversamente, enquadrar e qualificar essa garantia como tendo tal natureza.

Vejamos.

    No acórdão em foco, a respeito da questão em apreço, começou por se considerar o teor da sentença recorrida, de tal sorte se fazendo constar:

    - “Na sentença recorrida discreteou-se, entre o mais:

“(...)

A garantia bancária distingue-se da fiança ou do mandato de crédito em face da sua independência (autonomia) em relação ao contrato base.

(…)

É normalmente apetrechada de uma cláusula "on first demand" ou autónoma, automática ou à primeira solicitação que representa, para o seu beneficiário, um acréscimo de garantia, pois que o banco fica constituído na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário, sem este ter de justificar o pedido, e sem que o banco possa discutir os fundamentos e pressupostos que legitimam o pedido de pagamento, não podendo sequer discutir o incumprimento do devedor. (...)

No caso, não é questionado pela oponente que estejamos perante uma garantia bancária "on first demand".

E o Tribunal da Relação de Lisboa na fundamentação do douto acórdão proferido no âmbito do apenso B, de caução, deixou também expresso que a oponente prestou "uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação".

Assim, situando-se o valor reclamado pela exequente dentro do limite máximo garantido de € 580.567,13, estava a ora oponente obrigada a pagá-lo, imediatamente, sem possibilidade de discussão quanto aos fundamentos e pressupostos que legitimam esse pedido de pagamento, em face da autonomia e independência da garantia prestada relativamente ao contrato base celebrado entre a exequente e a CC - Comercialização de Vestuário, SA.

O documento dado à execução constitui titulo executivo ao abrigo do art. 46°, al. c), para pagamento da quantia reclamada, de capital e juros, improcedendo a oposição deduzida à execução.»”.

      E prosseguindo, escreveu-se, outrossim, no acórdão em presença:

- “Alega a apelante que «a questão da natureza da garantia bancária é apenas aflorada pela exequente na contestação à oposição à execução, na sequência de a aqui apelante ter suscitado diversas questões que aquela entendeu prenderem-se com a relação causal, subjacente à emissão da garantia bancária» e que «após a contestação não havia mais articulados, pelo que o Tribunal deveria ter-lhe dado «o direito de se pronunciar sobre esta questão antes de formular e prolatar a sua decisão.».

Vejamos então se a 1.ª instância deveria ter concedido prazo para a apelante se pronunciar sobre a natureza da garantia bancária que constitui o título executivo.

Como a oposição à execução foi deduzida em 13/12/2010, é aplicável o anterior Código de Processo Civil (cfr art. 6° n° 4 da Lei 41/2013 de 26/06).

Decorre do art. 817° n° 2 desse CPC que não há mais articulados após a contestação.

No entanto, o art. 3° n° 3 prescreve: «O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.».

Por sua vez, dispõe o art. 201° n° 1 do mesmo Código: «(...) a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.».

No caso dos autos é manifesta a desnecessidade de concessão de prazo para que a apelante se pronunciasse sobre a natureza da garantia bancária porquanto:

- a executada está patrocinada por advogado, não podendo por isso desconhecer que é no articulado de oposição que devem ser deduzidos os fundamentos da sua defesa;

- ora, uma das vertentes da sua defesa no articulado de oposição à execução é a invocação da relação subjacente à emissão da garantia, evidenciando-se que considerou não estarmos perante uma garantia à primeira solicitação ou "on first demand", como afinal até reconhece neste recurso ao alegar:

«A questão da natureza da garantia bancária é apenas aflorada pela exequente na sua contestação à oposição à execução, na sequência de a aqui apelante ter suscitado diversas questões que a aqui apelada entendeu prenderem-se com a relação causal, subjacente à emissão da garantia bancária.

O que desde logo revelava que a executada e aqui apelante estava a discutir a relação causal e, consequentemente, que não considerava a garantia bancária uma garantia à primeira interpelação.»;

- e na verdade, no articulado de oposição à execução alegou a apelante, designadamente:

- «Do teor dos documentos juntos pela aqui exequente conclui-se que esta não cumpriu com a encomenda que lhe foi efectuada pela ordenante da garantia, não tendo remetido a totalidade da mesma e nem sequer a mercadoria que lhe fora encomendada» (19);

- «Facto este que aliás aparece reflectido na douta sentença junta pela exequente sob doc. 6 com a qual a exequente pretende justificar o seu alegado direito» (20);

- «a garantia bancária só poderia ser accionada contra a expedição da mercadoria constante das notas de encomenda, o que como se vê não sucedeu» (24);

- «Vai igualmente impugnada a alegação avançada no n° 8, por ser falsa» (29) [reporta-se a exequente[10] ao ponto 8 do requerimento executivo onde consta: «Tendo sido entregue a mercadoria, a CC não efectuou o pagamento da quantia em divida»];

- além disso, anteriormente à instauração da execução, a apelante recebeu da apelada a seguinte comunicação datada de 20/11/2008, onde se lê, designadamente:

«Recebemos - por meio do EE - a v/recusa em validar a garantia acima mencionada e contestamos formalmente esta recusa. (...)

(...)

Como mencionado abaixo, as razões para esta recusa são irrelevantes (...) (...)

3. Por fim, mas não menos importante, o Tribunal belga que obrigou a CC a garantir o pagamento das mercadorias, exigiu uma garantia bancária autónoma ou independente. Para cumprir com a decisão do tribunal, a garantia não pode estar ligada à transacção subjacente, mas forma uma obrigação separada do banco em pagar, em nome da CC, em caso de incumprimento desta última, para cumprir as suas obrigações de pagamento (por qualquer razão). Por isso, é lógico que a única condição da Garantia Bancária relativamente às mercadorias é o comprovativo da expedição, e não que as mercadorias sejam confirmadas sobre a conformidade, condição, etc. e que a prova das mesmas seja fornecida.

(...)» (doc. 3 junto com a contestação, tradução de fls. 312-315.).””

         E assim se concluiu no aresto em exame:

  - “Portanto, não foi violado o princípio do contraditório, improcedendo esta arguição de nulidade.”

        Que dizer?

      Salvo sempre o muito respeito –desde já se adiante ‑ não se vislumbra como não subscrever, por esses plasmados fundamentos a ele subjacentes, o negativo veredicto que se acaba de transcrever.

      Se não, vejamos,

No predito n.º 3, do art. 3.º, do CPC, estipula-se que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”

Em anotação a este preceito, o Prof. José Lebre de Freitas[11], após referir que nele se consagra o princípio do contraditório, de modo genérico e na vertente proibitiva da decisão-surpresa, mais elucida que tal princípio “[…] é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral de contraditoriedade, como garantia da “participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio”, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (“factos, provas, questões de direito”) que se encontrem em ligação, directa ou indirecta, com o objecto da causa e em qualquer fase do processo como potencialmente relevante para a decisão.”

Por esta mesma orientação, vem também se pautando a nossa jurisprudência, por isso se havendo decidido, como a titulo meramente exemplificativo é dado referenciar, no Acórdão deste Supremo de 13.01.2005[12], que “Como decorrência do princípio do contraditório, consagrado, entre outros, no art. 3.º, n.º 3, do CPC, é proibida a decisão-surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerada pelas partes.”

Do mesmo modo, se sentenciou no Ac. da R.G. de 16.11.2005[13], em cuja síntese argumentativa se pode ler que “Antes de ser proferida decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões surpresa”, mais se acrescentando que “Esta proibição não limita a qualificação jurídica dos factos pelo julgador, antes se traduzindo no dever do juiz facultar às partes a possibilidade de aduzirem as suas razões perante um enquadramento legal com que não tivessem podido razoavelmente contar.” Mas de imediato também se advertindo que “Não há lugar a convite para discutir a questão de direito, quando as partes não invocando expressamente os normativos legais a aplicar, os podiam considerar, sem dúvidas, embora implicitamente.”

Idênticos considerandos se anotavam já no Ac. da R. E, de 14.07.2005[14], no sumário do qual, começando por se referir que “A proibição da decisão surpresa tem, fundamentalmente, aplicação às questões de conhecimento oficioso que as partes não tenham suscitado”, de seguida se afirma que “Não há que fazer convite às partes para discutir uma questão de direito quando elas, embora não a tenham invocado expressamente nem invocado o preceito legal aplicável, implicitamente a tiveram em conta […].”

Diferente não sendo o entendimento do Ac. deste Supremo de 11.10.2011[15], no qual, após se referir que o princípio do contraditório implica “[…] a audição das partes antes da prolação das decisões com que, por não corresponderem à normalidade, não tinham o dever de contar”, logo se ressalva que não se confunde a decisão-surpresa “[…] com a suposição que as partes possam ter feito ou à expectativa que possam ter criado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, do Tribunal, a quem tais julgamentos continuam a pertencer em exclusividade”, rematando: “Não se devendo falar de surpresa quando os mesmos devam ser viáveis, como possíveis.[16]

     Na mesma linha, refira-se ainda – volvendo aos ensinamentos da doutrina, e a mais qualificada -, que, de conformidade com Carlos Francisco de O. Lopes do Rego[17], Recaindo sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas no caso “sub juditio” e de adoptarem as necessárias precauções, de modo a poderem salvaguardar eficazmente a defesa dos seus direitos, apenas será de admitir a intempestiva suscitação de uma questão jurídica quando se estiver perante uma aplicação ou interpretação normativa “insólita e inesperada”, fora de “um adequado e normal juízo de prognose sobre o conteúdo e sentido da decisão.””.

     E após sublinhar que “[…] não deverá “banalizar-se” a audição atípica e complementar das partes […] de modo a entender-se que toda e qualquer mutação do estrito enquadramento legal que as partes deram às suas pretensões passa necessariamente pela actuação do preceituado no art. 3.º, n.º 3 ”, mais, e por fim, considera:

    - Na verdade, a negligência da parte interessada que, v.g. omite quaisquer “razões de direito”, alega frouxamente, situando de forma truncada e insuficiente o óbvio enquadramento jurídico da sua pretensão ou deixa escapar questões jurídicas clara e inquestionavelmente decorrentes dos autos, não merece naturalmente tutela, em termos de obrigar o tribunal – movendo-se, no momento da decisão, dentro dos próprios institutos jurídicos em que as partes no essencial haviam situado as suas pretensões – a, sob pena de nulidade, realizar uma audição não compreendida no normal fluir da causa.”

     Tendo em mente todo este leque de doutos considerandos, e revertendo ao caso dos autos, logo se conclui, frente a toda a exposição acima transcrita do acórdão ora sob censura, pelo acerto da decisão nele tomada; aliás consoante esse nosso antecipado pronunciamento.

     Com efeito, e não olvidando os conhecidos acontecimentos que precederam a instauração da execução – “maxime”, e como pertinentemente se invoca no aresto em foco, a comunicação endereçada à Executada, em 21.11.2008, na qual se consigna que, em decorrência da decisão do Tribunal belga, a garantia bancária prestada é “autónoma e independente”‑, certo é, que é a mesma Executada a referir/admitir, em sede da respectiva minuta de apelação, que na sua oposição suscitou diversas questões que “[…] desde logo revelava que a executada e aqui apelante estava a discutir a relação causal e, consequentemente, que não considerava a garantia bancária uma garantia à primeira interpelação[18].»;

     Sendo a versão aduzida pela Exequente na sua contestação a tal oposição manifestamente –‑e como era a todos os títulos expectável - divergente, fácil é concluir que o Mm.º Juiz, na sua decisão – para mais ainda finalizadora [saneador-sentença] da marcha do processo-, não deixaria de aferir das características ou natureza da garantia. Assim a qualificando – na sua vertente bancária, como pacificamente aceite - dentro de uma das duas modalidades possíveis – simples – ou, como se determinou –, à primeira solicitação, “on first demand”.

      Destarte, força é concluir – insista-se – que, nesse seu procedimento, em nenhuma decisão-surpresa o mesmo Exm.º Magistrado incorreu, não podendo ainda deixar de se considerar e relevar –a exemplo do sabido quanto ao ora questionado acórdão ‑, que o princípio da proibição das decisões-surpresa – e conforme as palavras vertidas no Acórdão deste Supremo de 28.05.2015[19] - “[…] não pode ser levado tão longe que esqueça que as partes são representadas por técnicos que devem conhecer o direito e não ignorar as qualificações jurídicas, que os factos são susceptíveis de integrar.”

           Nestes termos, pois, a douta objecção recursória em exame naufraga.


3.2. Prosseguindo, sustenta a Executada e aqui Recorrente que a garantia em causa se destinava a assegurar à beneficiária da mesma – a aqui Exequente - o pagamento das mercadorias que viesse a fornecer e a faturar à respetiva ordenante - CC-, e não a garantir o pagamento de obrigações tituladas em faturas já emitidas e vencidas antes da data da emissão dessa mesma garantia.

Ora, decorrendo o período de validade de tal garantia desde o dia 07.10.2008, data da sua emissão, até 26.01.2009 (acrescidos de 10 dias para expedição postal), a factura n.° 80093, na qual se funda a execução da dita garantia, encontra-se datada de 11.04.2008, e apresenta como data de vencimento 19.04.2008, ou seja, uma data anterior à da predita emissão da garantia.

Sem embargo –continua -, sucede que no acórdão recorrido se entendeu que a dívida a que respeita a cobertura da garantia bancária só se venceu em 1 de Janeiro de 2009 - momento posterior ao da emissão da garantia bancária-, mas o certo, porém, é que inexiste neste processo matéria de facto considerada provada - e que como tal conste da fundamentação de facto-, que considere provado que a fatura n.° 80093 se venceu em 01.01.2009. Com efeito, o que dessa matéria consta é que um Tribunal estrangeiro considerou provado tal facto, o que não é a mesma coisa.

Mas mesmo assim se não entenda – prossegue a Executada e aqui Recorrente -, e que se considere, portanto, que efetivamente consta da fundamentação de facto que a fatura n.° 80093 se venceu em 01.01.2009, tal conclusão deve ser sindicada pelo S.T.J., atendendo a que a Relação não poderia ter dado como provado tal facto neste processo, com base em sentença proferida em processo outro no qual a Executada não participou nem foi chamada a intervir, e que nem sequer se sabe se transitou ou não em julgado.

Transpor o facto como constituindo um facto provado, para efeitos da presente oposição à execução, constitui pura e simplesmente conferir à decisão prolatada pelo Tribunal estrangeiro um valor de caso julgado, que a mesma não tem nem pode ter.

Assim, e ao invés de considerar provado que o vencimento da factura em referência ocorreu a 1.01.2009, recusando-se a remeter os autos à 1.ª instância, deveria a Relação ter ordenado tal remessa para esse indispensável apuramento.

          Em face de tudo o exposto – conclui a Recorrente – violou o acórdão em apreço, o disposto nos arts. 674.º, nºs 1, alínea a), e 3, 421.º, n.º 1, e 621.º, todos do CPC.

E o mesmo haverá que dizer – acrescenta ainda, e por outro lado, a mesma Executada/Recorrente -, no que concerne ao facto de, como desde sempre ela, Executada, vem defendendo, o título de transporte junto à carta que constitui o anexo 1 ao doc. 5 - carta através da qual a Exequente procedeu à execução da garantia -, não demonstra que se reporta à mercadoria relativa à fatura n.° 80093, sendo esse um dos pressupostos necessários ao acionamento da garantia, pelo que ao considerar provado este facto o Tribunal “a quo”, uma vez mais, apenas fez indevidamente fé na sentença do Tribunal de Gent.

         Vejamos de novo.

       Analisando o acórdão recorrido, constata-se que a respeito da ora ventilada matéria nele se acha exarado o que segue:

- “Apreciemos então, se a apelante se obrigou, através da garantia bancária, a pagar o valor das mercadorias e respectivas facturas se a ordenante o não fizesse e contra a prova da expedição de mercadorias e das respectivas facturas não pagas emitidas depois do início da vigência da garantia, e não antes.

A apelante não nega que no período de validade desta garantia bancária autónoma a apelada lhe tenha exigido que honrasse o seu compromisso fazendo a interpelação para pagamento acompanhada da factura n° 80093 e das notas de encomenda n° 36534, 36608, 36609, 36610 e 36611. Mas alega que não assumiu a obrigação de pagar créditos já vencidos à data da emissão desta garantia bancária, pelo que não tem de pagar esta factura com data de emissão em 11/04/2008 e data de vencimento em 19/04/2008, além de que a apelada não cumpriu com a encomenda a que se reportam aquelas notas de encomenda.

No que respeita ao cumprimento da encomenda, foi proferido acórdão transitado em julgado por tribunal belga confirmando a sentença da 1' instãncia (Tribunal do Comércio de Gante) que condenou a CC - Comercialização de Vestuário SA a pagar à ora apelada a quantia de 445.353 € referente à factura n° 80093 que se refere às notas de encomenda n° 36534, 36608, 36609, 36610 e 36611 (cfr doc.5 de fls. 228 - 242, do requerimento executivo), acrescida de juros à taxa convencionada de 0,8% ao mês, vencidos desde 01/01/2009 e até integral pagamento.

Na fundamentação sentença da 1ª instância (Tribunal do Comércio de Gante) lê-se:

«6. Factura n° 80093 de 11 de Abril de 2008

Esta factura dizia respeito ao fornecimento de mercadorias de distribuição, de modo que o tribunal é competente e é aplicável o direito belga.

A 19 e 20 de março de 2008, a ré no pedido principal efectuou uma encomenda para a colecção Outono-Inverno (senhora, menina) 2008. Esta encomenda foi precedida por algumas discussões entre as partes, dado que a ré no pedido principal queria deixar de pagar as mercadorias de colecção, querendo deslocar-se pessoalmente ao showroom fs ré no pedido principal antes de colocar a sua encomenda.

A factura n° 80093 no valor de 580.567,13 EUR foi emitida a 11 de Abril de 2008 e dizia respeito à encomenda da ré no pedido principal para a colecção Outono-Inverno 2008.

A 6 de maio de 2008, a ré no pedido principal contestou esta factura, dado que as mercadorias apenas seriam fornecidas em Agosto. Pediu uma nota de crédito e nova factura após fornecimento.

Em finais de Outubro, a colecção é entregue à ré no pedido principal.

A 4 de Novembro de 2008, a ré no pedido principal contestou parte do fornecimento, nos seguintes termos:

"Como sabem, da nossa nota de encomenda constavam 28 645 peças e foram fornecidas 28 749 peças (mais 26 peças do que as 28 723 mencionadas na v/ lista de embalagens).

Considerando os artigos fornecidos, podemos informar-vos agora do seguinte:

a) apenas recebemos 25 383 peças das 28 645 encomendadas;

b) por este motivo, 3 262 peças da nossa encomenda estão em falta ;

c) recebemos 3 366 peças que não encomendamos.

Para além disso, e conforme já informado na nossa comunicação de 23.10.2008, 66 das peças fornecidas não se encontram em condições perfeitas, não podendo, por isso, ser enviadas para as lojas.

Chamamos a v/ atenção para os 3 mapas juntos à presente carta, nos quais identificamos devidamente - por modelo, tamanho e cor - as peças que recebemos e que não encomendamos (anexo I), as peças que encomendamos mas que não foram fornecidas (anexo II) e as peças que foram encomendadas pela FA e fornecidas pela ACA em tais condições que a FA não possa vendê-las nas lojas."

A autora no pedido principal não respondeu a este protesto. As observações da ré no pedido principal estava, especificadas de forma suficiente, também graças às listas anexas. Devido à falta de resposta, o protesto é considerado aceite.

Na verdade, o auto do oficial de diligências DE Wilde diz somente respeito ao número de caixas enviadas e a uma amostra que demonstra que as caixas continham artigos "DD". Portanto, este documento não produz nenhum aprova em contrário quanto ao protesto da ré no pedido principal.

Contudo, a ré no pedido principal já não pode fazer-se valer do atraso no fornecimento, uma vez que aceitou a demais mercadorias sem qualquer protesto. Porto que as partes não fornecem informações mais precisas sobre os preços e valores, o Tribunal julga da seguinte forma:

A pagar: 28 749 artigos fornecidos - 3 262 em falta - 3 366 não encomendado - 66 inutilizáveis = 22 055 artigos (6 694 artigos recusados).

Por conseguinte, a ré no pedido principal deve pagar 76,71% de 50 567,13[20] EUR, ou seja, 445 353,00 EUR.

No que respeita aos juros moratórios, a ré no pedido principal chama a atenção para o facto de a autora no pedido principal, no passado, facturar sempre após o fornecimento. O contrato não prevê que as mercadorias devem ser pagas antes do fornecimento. Por este motivo, apenas são devidos juros moratórios à taxa de 0,8% a contar de 1 de Janeiro de 2009, ou seja, 60 dias após a data de fornecimento.».

Decorre desta sentença, confirmada por acórdão do tribunal de recurso, transitado em julgado, que o fornecimento das mercadorias a que se reportam as notas de encomenda e a factura mencionadas no texto da garantia bancária prestada pela apelante, ocorreu em final de Outubro de 2008, portanto, no período de vigência da garantia, e que também neste período ocorreu a falta de pagamento pois a factura venceu-se em 01/01/2009.

Neste contexto, não tem fundamento a alegação de que a factura já se encontrava vencida à data da emissão da garantia bancária e que as mercadorias nem sequer tinham sido fornecidas à data do vencimento da factura.

Em suma, os documentos juntos aos autos provam o fornecimento de parte das mercadorias a que respeitam as notas de encomenda aludidas no texto da garantia bancária no valor de 445.353 €, capital este que é exigido no requerimento executivo.”

E esta explanação vertida, daqui se partiu para concluir que “Assim, embora não estejamos perante uma garantia bancária autónoma "on first demand" mas sim perante uma garantia bancária autónoma simples, é manifesto que não só a apelada cumpriu os requisitos impostos para a exigência do pagamento como até foi mais longe, provando que foi judicialmente dirimido o litígio que a opunha à CC - Comercialização de Vestuário SA.”.

           

        Pois bem.

     Não subsistem quaisquer dúvidas que a garantia prestada pela Executada, C.G.D., consiste numa garantia autónoma e, mais precisamente, dada a qualidade de entidade bancária por parte da mesma, numa garantia bancária autónoma.

      Dissertando sobre a complexa estrutura dessa figura, escreve o Prof. L. Miguel Pestana de Vasconcelos[21] que na mesma é possível discernir três relações contratuais, abrangendo sujeitos diversos.

     Assim – prossegue – perfila-se “o contrato principal, ou seja, aquele donde decorrem as obrigações garantidas e que é concluído entre o credor garantido e o devedor/ordenante[22]. O contrato entre o devedor e o garante, em regra um banco, pelo qual este último se vincula, mediante uma remuneração (comissão do banco), a celebrar com o credor o contrato de garantia autónoma. E, por fim, o contrato de garantia autónoma em si, celebrado entre o banco/garante e o credor garantido[23], do qual decorre a obrigação autónoma.”

     Prosseguindo, refere o mesmo Mestre: “O primeiro contrato […] poderá ter uma natureza muito diversa, p. ex., compra e venda, empreitada, etc., […]”  e dele emerge a obrigação para uma das partes “ […] de celebrar com um banco um contrato pelo qual este se obrigue dentro de determinadas condições a concluir o contrato de garantia com o credor.”

     O segundo contrato, por sua vez – celebrado entre o devedor e o banco/garante -, “[…] tem como conteúdo a obrigação do garante de celebrar em determinados termos, aí fixados, o contrato de garantia autónoma com o credor, mediante uma contrapartida patrimonial por parte do devedor/ordenante.” “Este contrato – mais elucida -, é um mandato, pelo qual o garante se obriga a praticar um acto jurídico em nome próprio por conta do ordenante (mandato sem representação)”.

    O terceiro contrato – refere por fim - , sendo “aquele pelo qual a garantia autónoma é prestada ao credor”, dele “[…] emerge a obrigação autónoma que tem por objecto uma determinada quantia pecuniária”, e “[…] são fixadas as condições da garantia autónoma (que estarão já definidas anteriormente entre credor e devedor, sendo depois, em princípio, replicadas no contrato entre o devedor e o banco), nomeadamente saber se se trata de uma garantia autónoma simples ou à primeira solicitação, quais os documentos a apresentar com o pedido por parte do garantido, o prazo decorrido o qual, sem ter sido executada a garantia cessa, etc.”

      Como ressoa do acabado de transcrever, a garantia autónoma comporta, pois, duas vertentes ou modalidades, a garantia autónoma simples e a garantia à primeira solicitação, também designada – por influência anglo-saxónica - ”on first demand”.

      Caracterizando cada uma destas duas vertentes, o Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[24], por sua vez, explicita que “quando a garantia é simplesmente estabelecida como autónoma, as partes limitam-se a prever a autonomia da obrigação do garante em relação à existência, validade ou excepções oponíveis ao crédito garantido, admitindo apenas a oponibilidade de excepções próprias da relação de garantia.”

      E referindo, em seguida, que este tipo de garantia se limita, por isso. à derrogação da regra da acessoriedade própria da fiança, pois não depende [autónoma] da obrigação principal, mais aduz o mesmo Professor que pode “[…] ser exercida logo que se verifiquem os seus pressupostos, e mesmo em caso de invalidade desta ou da existência de excepções a esta.”

      Por seu lado, no que tange à garantia à primeira solicitação, expende o ilustre Docente que nela “[…] as partes estipulam ainda que o garante não oporá qualquer excepção à exigência da garantia, mas antes a satisfará imediatamente sem discussão logo que tal seja solicitado pelo credor.”

      E acrescenta: “Neste caso ainda se distingue entre garantia com ou sem justificação documental, consoante o pedido de pagamento tenha de ser acompanhado de documentação comprovativa do evento que desencadeia a garantia ou possa ser realizado independentemente da junção de qualquer fundamentação.” Para concluir: “Em qualquer caso, verificados os pressupostos do acionamento da garantia, o garante terá de satisfazer imediatamente a correspondente obrigação, sendo extremamente limitadas as excepções que pode invocar, que praticamente se reconduzem à extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade, e ainda à existência de fraude manifesta e abuso de direito por parte do credor.”

     Neste mesmo pendor, se evidencia a conjunta exposição do Prof. Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte[25], os quais, focando a sua atenção na garantia “on first demand”, escrevem que a mesma “[…] corresponde a uma situação jurídica por força da qual o garante, ao ser interpelado pelo credor, terá de pagar a quantia garantida sem discussão; isto é, sem poder invocar qualquer excepção. Como costuma afirmar-se na gíria bancária, o carácter autónomo do funcionamento desta garantia significa: “pediu, pagou”; o garante não pode contestar o pagamento que lhe for exigido. Pode, assim, concluir-se que a garantia bancária à primeira solicitação, além de ser autónoma com respeito à obrigação garantida, opera de modo automático.”

     E referindo em seguida - similarmente ao aludido Prof. Teles de Menezes Leitão -, que nesta modalidade de garantia há ainda que distinguir a garantia de pagamento com ou sem justificação documental, mais adiantam que “no primeiro caso, o credor tem de justificar documentalmente (divergindo o tipo de documentação em função do conteúdo da garantia) o pedido feito ao garante, não perdendo, por isso, as características de autonomia e automaticidade, pois que o pagamento continua a depender apenas da interpelação acompanhada da documentação prevista, sem que ao beneficiário possam ser opostas as excepções concernentes ao contrato subjacente.“ Rematando: “Nesta modalidade não existe, pois, qualquer incompatibilidade, condicionando antes os documentos a operatividade da garantia, devendo a entidade garante verificar se o pedido foi feito correctamente.”

      Considerando, por sua vez, o segundo tipo de garantia, dizem que na mesma “[…] prescinde-se de todo o género de documentação e o facto de não se exigir qualquer justificação, não constitui motivo de invalidade da cláusula de automaticidade, que desempenha um papel fundamental na vida contratual.”

       Sem que nos almejemos exaustivos, enseja-se-nos, no entanto, ainda de referenciar o pensamento de Mónica Jardim, presente a sua notável monografia consabidamente votada ao tema da garantia autónoma, ora em atinência[26].

       Assim, escreve, a dado passo[27], a Autora – após referir que “Existem garantias autónomas simples e garantias autónomas automáticas” –, que  “[…] em rigor a automaticidade só introduz alterações na estrutura tradicional da garantia autónoma ao nível da exigibilidade do cumprimento da obrigação do garante de entregar a quantia pecuniária acordada.”

       E continua: “Na garantia autónoma simples o beneficiário só o pode exigir desde que prove o facto que é pressuposto da constituição da obrigação ( o incumprimento do devedor, o não cumprimento pontual, o cumprimento defeituoso, etc), na garantia autónoma “à primeira solicitação” a quantia acordada é imediatamente exigível com a simples interpelação pelo beneficiário nesse sentido sem que o banco possa pedir qualquer prova. Como é habitual afirmar-se na gíria bancária, o carácter automático do funcionamento desta garantia significa: “pediu, pagou”.

     Salientando assim[28] que “[…] a garantia autónoma dotada de automaticidade é uma garantia mais eficaz, expedita e segura para o beneficiário e bastante mais operacional para o próprio garante”, adverte qua a mesma também acarreta riscos acrescidos que […] os próprios interessados […] tentam limitar optando pela emissão de garantias automáticas a pedido justificado e a pedido acompanhado de um (ou vários) documentos.” E elucida: “Na primeira é previsto que o pagamento só terá lugar após uma afirmação escrita mais ou menos minuciosa do beneficiário de que a condição prevista no contrato de garantia ocorreu, no entanto o beneficiário nada tem de provar. Na segunda o pedido é acompanhado de um documento que cria a convicção da ocorrência do evento previsto no contrato […].” E mais refere: “Quanto à garantia a pedido acompanhado de documento há que afirmar […] que ela, “embora documental, mantém a característica da autonomia “[…] sem que possam ser opostas excepções derivadas do contrato base).”

        Resultando assim ínsito ao processo de acionamento de garantia autónoma, como fácil é inferir, a necessidade/obrigação de o garante verificar se o pedido se acha devidamente efectuado – leia-se, de acordo com as condições insertas no contrato de garantia ‑ impondo-se-lhe, portanto, uma actuação diligente, em prol dos interesses do seu mandante, ainda assim – e como também ressalva a Autora a que nos atemos[29] - , “[…] o garante deve evitar formalismo excessivo, pois, como afirma CLAUDE MARTIN: “condamnable est le garantt qui, pour se dérober à ses engagements, cheche refuge dans un formalisme outrancier.””

       Prosseguindo, em seguida, pela passagem em revista de algumas disposições de cariz internacional, contendentes com os termos que envolvem a actuação do garante face à apresentação a pagamento de garantias autónomas[30], Mónica Jardim, remata assim tal análise:

       - “Resumindo: o garante deve contestar e recusar somente os documentos quando possa afirmar, com base num exame formal, que eles não correspondem manifestamente ao que foi exigido no contrato de garantia, mas não tem o dever de fazer um exame formal particularmente sofisticado, capaz de desmascarar falsificações ou outros defeitos não aparentes.”[31]

       E não se eximindo, demais, a expressar a sua posição sobre o contexto em apreço, a Autora, algumas passagens adiante[32], elenca alguns dos casos em que o garante pode recusar a soma objecto da garantia. Entre eles se destacando, sempre que:

     1) - “O contrato de garantia seja inválido em virtude de circunstâncias relacionadas com o contrato base (p. ex.: incapacidade ou falta de representação de quem subscreve a garantia; indeterminabilidade do objecto; erro na pessoa do declaratário; etc.).

    2) - A solicitação de entrega da soma objecto da garantia não seja feita nos termos do contrato (p. ex.: o beneficiário não indica os motivos, ou não apresenta os documentos que, segundo o texto da garantia, condicionam a sua operatividade; o beneficiário solicita a garantia após o termo de validade desta; o beneficiário solicita uma quantia superior à estipulada; etc.).

   3) - Sejam invocadas excepções directas e pessoais derivadas de outras relações estabelecidas com o beneficiário, entre as quais a excepção de compensação […].

   4) – o contrato base seja contrário à ordem pública ou aos bons costumes do País do ordenamento jurídico competente para regular o contrato de garantia.

    5) – A prova líquida da fraude ou de abuso de direito seja plenamente possível na altura da solicitação, sem necessidade de mais diligências. É o que ocorre, por exemplo, quando: o beneficiário solicita a soma objecto da garantia, apesar de o incumprimento do contrato de base lhe ser imputável de acordo com prova pronta e inequívoca em poder do banco; o beneficiário solicita a entrega da soma objecto da garantia tendo o banco em seu poder prova pronta e líquida do cumprimento do contrato base por parte do exportador; ocorre a solicitação, não obstante o contrato base ser inválido de acordo com decisão judicial definitiva; etc..

    6) – Ocorra uma modificação do contrato-base, sem que o garante seja consultado, que comporte uma alteração substancial dos riscos por si assumidos.

    7) – Ocorra uma cessão da posição contratual detida no contrato base pelo exportador/devedor, pois as garantias prestadas por terceiro não de mantêm, a não ser que o autor as queira renovar.

    8) – Ocorra uma cessão do crédito derivado do contrato base, sem que ocorra cessão do direito de garantia por falta de consentimento do garante.”

                                                                            *

     De posse destes doutos ensinamentos, é tempo de volver à problemática dos autos.

E, desde logo, para dizer que, salvo sempre o muito respeito, não se vislumbra do fundamento por que no acórdão ora sob censura se entendeu, sem mais, e em divergência com a 1.ª Instância, não estarmos “in casu” perante uma garantia bancária autónoma "on first demand", mas sim perante uma garantia bancária autónoma simples.

Não esclarecendo, pois, esse aresto das razões para tal divergente entendimento, o certo é que, se bem cuidamos, coisa alguma nos autos – e notadamente o texto da garantia ‑, possibilita inequívoca, terminantemente, inferir qual o tipo de garantia em causa nos mesmos.

Sendo verdade que, como vimos dos vários ensinamentos acima vertidos, nada obsta a que uma garantia, posto que ainda classificável de à primeira solicitação – “on first demand” -, postule, em vista nomeadamente a prevenir possíveis riscos de fraude , a dedução de um pedido justificado ou a apresentação de certos elementos de índole documental[33].

No caso da presente garantia, sucede que ambas essas condições surgem reclamadas. Mas, a mais disso, nada do seu teor literal emerge a filiar mais segura inferência, verdade, como também é, que não se exige o emprego de palavras sacramentais para a caracterização/determinação do tipo de garantia, antes este devendo, pura e simplesmente, derivar da interpretação dos termos negociais que lhe subjazem[34]. Podendo, de tal sorte, daí resultar – consoante o salientado no Ac. deste Supremo de 4.02.2010 [35] - a recondução à categoria de garantia autónoma simples, ou de garantia autónoma à primeira solicitação, ou, até mesmo, a um regime misto ou incaracterístico reportado a ambas.

Ora, salvo sempre melhor opinativo, é o que na espécie em apreço, se afigura ocorrer.

Na verdade, a mais da apresentação de certos documentos e declaração de que a Ordenante incumpriu as suas obrigações de pagamento – “ut” Ponto de facto n.º 1 -, nenhuma outra exigência – excluindo a indicação, como em qualquer caso não podia deixar de ser, dos montantes reclamados e que os factos indicados ocorreram no decurso da validade da garantia -, se acha formulada.

Como assim, posto que a satisfação da garantia não se ache isenta da verificação de alguns pressupostos – não vale, pura e simplesmente, essa máxima “pediu, pagou”-, também nada possibilita, sem mais, afirmar que não se trata de uma garantia à primeira interpelação, “on first demand”. Pelo contrário, abalançar-nos-emos até a afirmar tratar-se de uma garantia dotada desse especial figurino, porquanto, sendo este, como visto e repisado, compaginável com a exigência de certa justificação do pedido e apresentação de elementos documentais, a estes condicionantes também o procedente acionamento da mesma se circunscreve.

Como quer que seja, porém, o certo é que do instrumento da garantia constam as precisas condições para a respectiva execução, pelo que independentemente de qualquer classificação quanto à sua natureza, é esse conjunto de expressos requisitos que importa ter em consideração, com vista a aquilatar da adequada exigibilidade ou não do cumprimento de tal garantia.

Pois bem.

Do teor desse seu instrumento dimana que esses requisitos ou condicionalismos são os que seguem:

i) - Valor de cobertura máximo de EUR 580.567,13;

ii) - respeitante [esse valor] ao fornecimento de bens listados nas encomendas n.ºs 36534, 36608, 36609, 36610 e 36611;

iii) – Validade até 26.01.2009;

iv) – Notificação por escrito devidamente assinada (em que as assinaturas pareçam ter sido autenticadas por um banco de primeira ordem) em data não posterior à data de validade mencionada em iii);

v) – Ser essa notificação acompanhada de cópias de facturas não liquidadas e a documentação de transporte, confirmando o envio da mercadoria;

vi) – Recebimento dessa notificação nos escritórios da Garante até dez dias após essa data de validade;

vii) – Com a declaração de que o Ordenante deixou de cumprir com as suas obrigações de pagamento;

viii) – E com o montante ou montantes reclamados;

ix) – E que os factos indicados ocorreram no decurso desse prazo de validade.

Deste acervo de requisitos, e tendo em mente a oposição que desde a primeira hora a Executada e aqui Recorrente vem deduzindo, temos que apenas importa cuidar daqueles reportados no “item” v).

Com efeito, a mesma sustenta que a factura apresentada pela Beneficiária da garantia – n.º 80093 -, ostentando como data de emissão 7.10.2008 e de vencimento 19.04.2008, respeita a obrigações tituladas antes da celebração da dita garantia, pelo que não podendo esta ter eficácia retroactiva, logo não se acha abrangida pelo respectivo âmbito de cobertura.

Por outro lado – mais obtempera a Executada -, também o título de transporte das mercadorias apresentado, não demonstra que se refere à factura cujo pagamento é reclamado.

Ressalvando sempre o muito respeito, cremos que não lhe cabe razão.

Atentando, fundamentalmente, nas sentenças proferidas pelo Tribunal de Comércio de Gent a 3.09.2008 – ponto provado n.º 4‑ , e a 12.02.2008 – ponto n.º 5 - , esta confirmada pelo Tribunal de Recurso de Gent por acórdão de 25.04.2012 – ponto n.º 6 -, bem como na guia de transporte relativa às mercadorias encomendadas e fornecidas – ponto n.º C-10 e fls. 319‑, e ao Auto Declarativo constante de fls. 323 – mencionado na predita sentença de 12.02.2008 - , inevitável se torna concluir que a ora enfocada factura n.º 80093, apesar dessas datas de emissão e vencimento dela constantes – 1.04.2008 e 19.04.2008, respectivamente - , acabou por na realidade se referenciar a mercadorias fornecidas pela Exequente à Executada em data bastante posterior – mais precisamente, 20.10.2008 -, pelo que, como respectiva data de vencimento, se deve considerar o dia 1.01.2009. Portanto, a obrigação por ela titulada acha-se, sem dúvida, na medida em que gerada no decurso de vigência da aqui ajuizada garantia, por esta naturalmente coberta.

Contrapõe a Recorrente que não tendo de qualquer modo tomado parte no processo em sede do qual ambas essas últimas decisões belgas foram proferidas, nem sequer se sabe se aquela do Tribunal de Recurso transitou em julgado.

Pois bem.

Quanto a não haver tomado parte na tramitação desse processo, há que dizer que, estando ali em causa, exclusivamente, as relações entre a Ordenante e a Beneficiária - o contrato-base subjacente à garantia -, assim tinha que necessariamente acontecer, nenhuma legitimidade processual obviamente lhe assistindo a possibilitar diferente desenrolar de tal tramitação.

No que tange à dúvida sobre se a decisão do Tribunal de recurso transitou em julgado, cremos – mais não seja, à luz de um juízo de razoabilidade - haver como tal de concluir, tendo em mente, desde logo, o teor do documento constante de fls. 428-429. Na verdade, declarando - se neste documento, da parte do Tribunal de Cassação da Bélgica, que nenhum recurso foi interposto de tal acórdão proferido pelo Tribunal de Recurso de Gent a 25.04.2012[36], ostenta o mesmo como sendo o dia 7 de Setembro de 2015, a data da respectiva emissão.

Ora, considerando tão largo período de tempo, afigura-se-nos longe de estultícia conferir a tal decisão o carácter de definitividade, tanto mais que, como antes salientado, a apreciação, pela entidade garante, das condições de execução de garantia autónoma não se deve pautar por um absoluto rigor. Bem ao invés, e como expende o Prof. António Menezes Cordeiro[37], no âmbito da apresentação dos documentos em vista do pagamento da garantia, a análise sobre os mesmos deve ser “breve”, “[…]  não se confunde[indo], de modo algum, com um juízo de cumprimento ou incumprimento da relação principal.”

Mas ainda que assim não fosse de entender – o que apenas a benefício de mera argumentação ora se equaciona -, o certo é que, do teor de qualquer dessas decisões deflui o carácter imediatamente executório em Portugal, tanto de uma como de outra, confirmado pelas Certidões respectivamente constantes de fls. 287-288 e fls. 402-403, emitidas nos termos e para os efeitos constantes dos arts. 38.º e ss., do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho de 22 de Dezembro de 2000[38].

Ora, em face desse apontado carácter executório – que não se evidencia ter entretanto deixado de subsistir [facto cujo ónus de prova incumbia, na sua qualidade de oponente à execução, à aqui Recorrente] ‑, sempre a Ordenante, julgada inadimplente para com a aqui Exequente, estaria constituída na situação de haver de cumprir com o determinado em tais decisões e, conseguintemente, verificado estaria o pressuposto de funcionamento da garantia; para, conforme o contratado com a Beneficiária, por um lado, e com a Ordenante, por outro, a Garante e aqui Executada eximindo aquela a tal situação, substituir-se nesse cumprimento.

Destarte, somos a concluir que a Executada se acha necessariamente adstrita a satisfazer a garantia em presença, sendo certo outrossim – desde já se adiante -, que, diversamente do também oposto por aquela, o título de transporte apresentado – fls. 75 dos autos - , conjugado com o teor das preditas sentenças do Tribunal de Comércio de Gent, evidencia, com a suficiência que sabemos aqui exigível, que as mercadorias nele reportadas, consistindo em vestuário de Senhora/menina/bebé – Colecção de Inverno 2008 -, quadram-se efectivamente no âmbito da dita factura n.º 80093.

Com efeito, atente-se que das referidas sentenças resulta que esta factura respeita a esses artigos da Coleção de Outono-Inverno de 2008, sendo estes mesmos artigos que na guia de transporte se acham inscritos como havendo sido objecto de tal actividade e sequente entrega na sede da Executada. Demais, decorrendo da sentença de 11.04.2008, que a entrega desses artigos aconteceu nos finais de Outubro de 2008, tal coaduna-se com o texto dessa guia, onde é dado ler, como momento da entrega dos concernentes artigos, o dia 20.10.2008.

Ainda, anote-se que referindo o já aludido Auto Declarativo de fls. 79 e ss. – documento este que, como dimana da sentença de 11.04.2008, respeita às mercadorias mencionadas na factura n.º 80093, sendo que a diligência por ele noticiada teve lugar a pedido da própria Executada, que nela se fez representar - , referindo-se o aludido auto, dizíamos, a 619 caixas a serem carregadas e transportadas para a sede da Executada, é esse mesmo número de caixas que constam como havendo sido objecto de entrega, nesse local, mediante o transporte em tal guia reportado.

Como assim, indúbio se patenteia o relevo da guia em referência para o apuramento da factualidade em questão, que o mesmo é dizer, que respeitando as mercadorias nele constantes como tendo sido expedidas e entregues, via Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada, na sede da Executada, a 20.10.2008, tais mercadorias acham-se reportadas na factura n,º 80093, com base na qual a Executada, nessa omnicitada sentença de 11.04.2008, foi condenada nos termos dessa decisão.

Em suma, pois, face a tudo o que exposto fica, nenhuma excepcional alteração se impõe a este Tribunal Supremo, seja ao abrigo de que normativo - designadamente aquele que se consubstancia no n.º 3, do art. 674.º, do CPC -, introduzir no supratranscrito contingente de factos tidos como provados pela Relação, pelo que a vertente objecção também naufraga.

3.3. Aduz também a Executada/Recorrente que na sua oposição à execução suscitou toda um conjunto de exceções que pura e simplesmente não foram objeto de qualquer decisão judicial as quais, na sua perspetiva, sempre deveriam enformar os "Temas de Prova" a enumerar pelo Tribunal, para ulteriormente serem objeto de produção de prova, excepções essas factualmente consubstanciadas pela matéria constante dos artigos n.°s 10, 12, 19, 22 e 26 dessa sobredita oposição.

Vejamos, de novo.

A filiar a necessidade de a matéria de tais artigos fazer parte de prévia enunciação dos temas da prova, para subsequente submissão dos mesmos a tal procedimento, a Recorrente explana o que segue:

- no n.° 10 da oposição alegou que ignorava a existência da fatura n.º 80093 de 11.04.2008 à data em que emitiu a garantia bancária, facto este que se considera relevante até para confirmar a tese de que a garantia bancária prestada não se pode confundir com uma assunção de dívida;

- no n.° 12 alegou que a mercadoria cujo pagamento a garantia bancária se destinava a garantir ainda não fora sequer entregue à ordenante aquando da emissão e vencimento da fatura n° 80093;

- no n.° 19 alegou que do teor dos documentos juntos pela exequente com o respetivo requerimento executivo, conclui-se que esta não cumpriu com a encomenda que lhe foi efetuada pela ordenante da garantia, não tendo remetido a totalidade da mesma e nem sequer a mercadoria que lhe fora encomendada;

-  no n° 22 invocou que a decisão do Tribunal de Gent não legitimou a emissão de fatura n° 80093 em data anterior à entrega da respetiva mercadoria, e, muito menos a cobrança de juros de mora a partir da data da emissão da fatura;

- no n° 23 invocou que a ordenante da garantia sempre se opôs à fatura n° 80093, tendo inclusivamente protestado a mesma logo após a respetiva emissão;

- no n° 24 da sua oposição alegou que a garantia bancária só poderia ser acionada contra a expedição da mercadoria constante das notas de encomenda, o que não sucedeu;

- no n.° 25 dessa mesma oposição invocou que a garantia bancária foi prestada pela CGD no total desconhecimento de que estava já em curso um litígio judicial entre a ordenante da garantia e a beneficiária da mesma, e que fora já emitida a fatura na qual a aqui exequente fundamentou a execução da garantia, e

- no n.° 26 da oposição invocou que o título de transporte junto à carta que constitui o anexo 1 ao doc. 5, carta através da qual a exequente procedeu à execução da garantia nem sequer demonstra que se reporta à mercadoria relativa à fatura cujo pagamento é reclamado - fatura n° 80093 - sendo esse um dos pressupostos necessários ao acionamento da garantia.

Apreciando, dir-se-á que no tocante à matéria dos n.ºs 12, 19, 22, 23, 24, e 26, tendo em conta tudo o que supra ficou explanado – atente-se, em especial, nas elencadas condições em que, segundo Mónica Jardim, surte excepcionalmente excluído o dever de honrar a garantia ‑ e decidido sob o “item” 3.2., tal matéria evidencia-se de todo irrelevante para a decisão da lide. Nada justificando, pois, o pretendido prosseguimento dos autos para apuramento – naquilo que possível, quanto a alguns desses números -, de tal matéria.

Relativamente à matéria do remanescente n.º 25 – desconhecimento do litígio judicial pendente entre a Exequente e a Ordenante da garantia, por um lado, e que fora já emitida a factura na qual aquela viria a fundamentar a execução da garantia, por outro -, cumpre referir que, sendo, como vimos, extremamente limitados os motivos passíveis de invocação pela entidade garante para recusar o cumprimento contratualmente assumido, não se antolha razão, pese esse alegado desconhecimento por parte da Executada, para eventual recusa da efectivação da obrigação a ela exigida.

Com efeito, ponderando todas essas condições enumeradas por Mónica Jardim, de resto – mais se diga -, na linha do que vem sendo o entendimento consagrado ao nível da nossa demais doutrina e jurisprudência[39], unicamente situações ou procedimentos reconduzíveis, manifestamente, a violação da ordem pública ou dos bons costumes, ou a fraude ou abuso de direito, poderiam servir de suporte a essa mencionada recusa.

Ora, não se vislumbra, nem se acha alegada pela Executada matéria alguma susceptível de perfecticizar qualquer daqueles apontados motivos. Sendo até, e bem contrariamente a algum ou alguns desses hipotizados negativos cenários – consoante deriva do teor da sentença do Tribunal de Comércio de Gent, datada de 3.09.2008 [cfr. fls. 212 dos autos] -, que essa garantia foi contratada pela Ordenante, na medida em que constitutiva de condição prévia para a realização, pela Garantida e aqui Exequente, do encomendado fornecimento das mercadorias relativas à colecção Senhora/Menina/Bebé, em cuja obrigação esta última foi constituída mediante tal sentença.

Nenhum desconforme ou ilícito fundamento se evidencia, pois, subjacente à constituição pela Ordenante da ora ajuizada garantia, pelo que, em conclusão, também essa matéria vertida sob o artigo n.º 25 da oposição da Executada se perfila irrelevante para a boa decisão “de meritis” da lide.

A objecção recursória ora analisada queda-se, assim, também improcedente.


3.4. Insurgindo-se ainda e por fim contra o acórdão recorrido, defende a Executada/Recorrente que, conquanto a Exequente reclame no seu requerimento inicial juros de mora à taxa determinada pelo Tribunal do Comércio de Gent – 0,8% mensal -, sucede, porém, que a garantia por si subscrita não abrange no seu âmbito e texto, nem dívida vencida nem juros de mora respeitantes à factura que integra o título ora dado à execução.

Desse modo – remata -, o acórdão recorrido, ao acolher na íntegra essa pretensão da Exequente, carece de fundamento fáctico e legal para tanto, não podendo, pois, manter-se intocado.

A respeito da questão em apreço, no aresto ora sob censura escreveu-se o que segue:

- “ Se a garantia bancária autónoma não abrange juros de mora.

Sustenta a apelante que do texto da garantia bancária não se retira que se tenha obrigado a pagar para além do preço da mercadoria fornecida, nomeadamente os encargos referentes à mora, ou seja, juros de mora e que se fosse essa a intenção - assumir o pagamento de uma dívida e ainda juros de mora -, então não podia o texto ser totalmente omisso a esse propósito, atenta a sua importância e relevância.

Porém, no articulado de oposição à execução apenas alegou: «(...) a decisão do Tribunal de Gent não legitimou a emissão de factura em data anterior à entrega da respectiva mercadoria, e muito menos a cobrança de juros de mora a partir da data da emissão da factura.». Significa isto que nesse articulado a ora apelante não invocou não ter assumido a obrigação de pagamento de juros de mora, mas tão só que não são devidos desde a data da emissão daquela factura.

Ora, é pacífico que os recursos não se destinam a apreciar questões novas, salvo aquelas que forem de conhecimento oficioso. Em consequência, está vedado a este tribunal conhecer dessa questão.

Sublinhe-se que na liquidação da obrigação exposta no requerimento executivo consta: «Sobre o valor de capital venceram-se juros à taxa de 0,8% mensal, desde 1 de janeiro de 2009 e que na presente data ascendem a € 71.301,63» não vindo questionada a correcção dessa liquidação, que está em contradição com o ponto 15 desse requerimento.”

Os termos deste veredicto – diga-se ‑ configuram-se-nos inteiramente correctos, notadamente quando se afirma que a questão ali versada, e que na presente revista se reitera, constitui uma questão nova - “ius novorum”, “nova” - , e por isso, dado que não postulando oficioso conhecimento, insusceptível de apreciação pelos tribunais de recurso.

Assim, e posto que ressalvando que, contrariamente ao assinalado na parte final do enfocado veredicto, a liquidação dos juros de mora, no âmbito do requerimento executivo, à taxa mensal de 0,8%, não se acha em contradição com o ponto n.º 15 de tal requerimento – os juros aqui reportados são os considerados vencidos após a interpelação da Executada, respeitam à mora desta, e não da Ordenante, e a eles se referem os pontos 3 e 3.1. da parte final desse requerimento -, nada mais nos cumpre dizer sobre a questão em apreço, completamente excluída que está, como visto, a possibilidade de qualquer julgamento sobre a mesma.


A este ponto chegados, conclui-se, pois, que o recurso em consideração improcede, pelo que, sem mais, se remata com a seguinte

IV – DECISÃO      

                                                  

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso de revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela Executada/Recorrente.


*


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Junho de 2018

Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova

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[3] Seguir-se-á, no essencial, o constante do acórdão ora em crise.
[4] Cfr. ob. cit., pp.316-317.
  [5] Ibidem, pág. 318.
  [6] Cfr. Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, pág. 502.
  [7] Proferido na Revista n.º 36/13.1TBMSF.G1.S1, 7.ª sec., e acessível in “Sumários”, Out. 2017, pág. 46.
   [8] - Proferido na Revista n.º 1397/10.0TBPVZ.P1.S1 - 7.ª Secção e acessível in “Sumários”, 2015, pág. 95.
     [9] Proferido na Revista n.º 1813/12.6TBPNF.P1.S1 - 6.ª Secção, e acessível in “Jurisprudência Temática – A Dupla Conforme no Actual CPC (2014 a [manifesto lapso] Janeiro de 2016), pág 34.
[10] Manifestamente pretendia escrever-se “executada” ou “apelante”.
[11] Cfr. Cód. Proc. Civil - Anotado, Vol. 1.º, 3.ª ed., C. Editora, pág. 7.
[12] Proferido no Proc. n.º 04B4031, e acessível in dgsi.pt.
[13] Proferido no Proc. n.º 1748/05-2, e acessível in dgsi.pt
[14] Cfr. Col., Tomo 4.º, p. 263,
[15] Proferido no Proc. n.º 5622/06, e acessível in dgsi.pt
[16] Sublinhado nosso.
[17] Cfr. Comentários ao Cód. Proc. Civil, Almedina, pág. 25; sendo os sublinhados que vão inseridos na reproduzida explanação do Autor nossos.
[18] Sublinhado nosso.
[19] Proferido no Proc. n.º 73/04, in “Sumários”, 2015, p. 321.
[20] Trata-se de manifesto lapso; na sentença transcrita [ fls. 256 ], consta, como devido, “580 567,13”.
[21] Cfr. Direito das Garantias, Almedina, p. 122.
[22] Também denominado por “garantido”, “dador da ordem” e “ordenador”.
[23] Também designado por “beneficiário”.
[24] Cfr. Garantias das Obrigações, Almedina, p. 152.
[25] Cfr. Garantias de Cumprimento, 5.ª edição, Almedina, p. 136.
[26] Assim, A Garantia Autónoma, 2002, Almedina.
[27] Ob. cit., p. 85.
[28] Id., p. 88.
[29] Id., p. 258.
[30] Designadamente, normativos integrantes das Regras Uniformes da Câmara do Comércio Internacional: Ob. cit., p. 260.
[31] Sublinhado nosso.
[32] Id., p.275.
[33] Nesta conformidade, o Prof. L.M. Pestana de Vasconcelos, alude – Ob. cit., p. 126, nota 348 de rodapé - a “garantia autónoma à primeira solicitação pura e simples", “garantia autónoma à primeira solicitação justificada” e “garantia autónoma à primeira solicitação documentária.”. Veja-se. ainda, no mesmo pendor, Ac. do S.T.J. de 30.09.2004, in Col./STJ, Tomo III, p. 34.
[34] Neste sentido, cfr. Ac. da R.C. de 27.01.2004 – com referência a outros elementos de suporte, e subscrito pelo aqui Relator como 2,º Adjunto -, in Col., Tomo I, p. 17.
[35] Proferido no Proc. n.º 5943/07.8YPRT-A.P1.S1, e acessível in dgsi.pt.
[36] O que parece reiterar a afirmação do Parecer de fls. 364 e ss., da autoria do Exm.º Prof. belga dele subscritor, no sentido de que na Bélgica, e diversamente do que ocorre em Portugal, não há lugar à emissão de certidões atestando que uma decisão é definitiva, já não pode ser contestada ou sujeita à interposição de recurso; numa palavra: transitou em julgado.
[37] Cfr. Direito Bancário, 6.ª ed., Almedina, p. 850.
[38] Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias das Comunidades Europeias, L 12 (44.º Ano), de 16 de Janeiro de 2001, pp. 1-23.
[39] Cfr., quanto a esta, por todos, o Ac. do S.T.J. de 5.07.2012, proferido no Proc. n.º 219/06.06TVPRT.P1.S1, e acessível in dgsi.pt.; na doutrina, L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Ob. cit., pp. 130 e ss., Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Ob. cit., pp. 144 e ss..