Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3359
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: CONVENÇÃO ARBITRAL
CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
DECISÃO ARBITRAL
ANULAÇÃO
Nº do Documento: SJ200705030033597
Data do Acordão: 05/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1 - Quando as partes, no exercício legítimo da sua autonomia contratual, assinaram uma convenção arbitral e renunciaram a outro foro, vedada lhes fica a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final.
2 – Resta-lhes, em tal caso, a possibilidade de anulação da sentença arbitral nos termos e fundamentos do art.27º, nº1 da LAV ( Lei nº31/86, de 29 de Agosto ).
3 – Decidir da aplicação ou não aplicação de uma qualquer cláusula penal inserta no contrato é já conhecer do mérito da questão e, por isso, em tal caso, está esse conhecimento vedado aos tribunais judiciais.
4 – Como vedado está, pelas mesmas razões, conhecer da denominada legitimidade substantiva das partes.
5 – Se se pode considerar que os direitos de personalidade são direitos indisponíveis ( e, portanto, inarbitráveis as questões respeitantes ao seu conhecimento por força do que dispõem a al. e ) do nº1 do art.27º e o art.1º da LAV ) já não é indisponível o direito de acção tendente à indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação de qualquer desses direitos e muito menos indisponível a quantificação da eventual indemnização por danos causados por essa violação.
6 – Só a violação dos princípios de igualdade de tratamentos das partes, citação do demandado para se defender, estrita observância do princípio do contraditório, audição das partes antes de proferida a decisão final ( ínsitos no art.16º da LAV ), e não a simples violação ou “descumprimento” de quaisquer preceitos do direito processual civil, pode conduzir à anulação da decisão arbitral. Emesmo assim – art.27º, nº1, al. c ) da LAV apenas se tal violação tiver tido influência decisiva na resolução do litígio.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA – SOCIEDADE INDEPENDENTE DE COMUNICAÇÃO, S.A. instaurou, em 28 de Junho de 2004, no Tribunal Cível de Lisboa, contra BB, LDA acção ordinária, que recebeu o nº.....-04, da 12º Vara Cível, 3ª secção, pedindo que, ao abrigo do disposto nos arts.27º e 28º da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, se decrete a anulação da decisão arbitral proferida na invocação da cláusula compromissória inserta no contrato de prestação de serviços celebrado entre autora e ré, nos termos da qual a AA foi condenada a pagar a BB, Lda a quantia de 250 000,00 euros, no prazo de um mês a contar da data da notificação da presente decisão.
Contestou a ré BB, Lda a fls.121 contrariando os vícios da decisão arbitral invocados pela autora – falta de fundamentação, inarbitrabilidade, excesso de pronúncia, violação do princípio do contraditório, omissão de pronúncia.
Em despacho saneador-sentença de fls.167 a 177 foi julgada a acção improcedente ... em consequência mantendo-se a decisão arbitral.
A autora não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, que nessa mesma espécie foi admitido, para subir imediatamente, com efeito meramente devolutivo.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de fls.312 a 321, neg|ou| provimento ao recurso de apelação e confirm|ou| a sentença recorrida nos seus termos.
De novo inconformada, a autora AA – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. pede agora revista para este Supremo Tribunal.
Alegando a fls.327, apresenta a recorrente as CONCLUSÕES que se resumem:
1 – o acórdão recorrido não apreciou nenhuma das nulidades arguidas pela apelante nas alíneas a ), b ) e c ) da sua alegação de recurso – não conhecimento, pelo tribunal de 1ª instância, do alegado excesso de pronúncia por qualificação, pelo tribunal arbitral, do contrato dos autos como de trabalho, sem tal questão alguma vez lhe tenha sido submetida pelas partes; oposição entre os fundamentos e a decisão, por afirmar por um lado ser a legitimidade das partes de conhecimento oficioso e por outro sustentar a sua decisão no facto de o tribunal não ter sido convidado a conhecer de tal questão; omissão e excesso de pronúncia por não se ter pronunciado pela invocada falta de fundamentação da decisão e se ter pronunciado sobre questão que lhe não fora submetida, a de falta de indicação dos meios de prova;
2 – ao não apreciar estas nulidades arguidas o tribunal da Relação incorreu no vício da omissão de pronúncia, sendo por isso nulo nos termos da 1ª parte da al. d ) do nº1 do art.668º do CPCivil;
3 – o Tribunal da Relação de Lisboa volta a cair no vício da omissão de pronúncia quando, entrando na suposta “análise dos fundamentos” aduzidos pela recorrente se limita a transcrever quase integralmente a sentença de 1ª instância para depois acrescentar apenas uma folha de fundamentação, sendo certo que não estamos perante um acórdão elaborado ao abrigo do disposto no art.713º, nº5 do CPCivil;
4 – o acórdão recorrido, para além do que já foi dito, e em violação do disposto no art.660º, nº2 do CPCivil, limita-se a analisar duas das seis questões colocadas pela recorrente;
5 – contrariamente ao que entendeu o tribunal de 1ª instância, a decisão arbitral condena a ora recorrente por responsabilidade civil extracontratual, aplicando uma cláusula penal inaplicável – a cláusula 10ª, nº2 – sendo assim anulável por violação da al. e ) do nº1 do art.27º da Lei da Arbitragem voluntária, questão que foi colocada perante a Relação de Lisboa e que esta não conheceu;
6 – houve erro de julgamento na recondução da questão à definição do objecto do litígio, pedido e causa de pedir quando aquilo que se alegou, tanto na petição inicial como na alegação para Relação, foi a aplicação ao caso de cláusula contratual cuja aplicação estava vedada;
7 – o acórdão recorrido nada disse acerca dos fundamentos invocados pela ora recorrente para concluir pelo erro de julgamento pela sentença de 1ª instância por ter esta considerado que o tribunal arbitral não incorreu no vício da omissão de pronúncia ao não se pronunciar sobre os pressupostos processuais em nenhuma fase do processo arbitral, quando tal se afigura ser de conhecimento oficioso;
8 – o tribunal arbitral tinha obrigatoriamente que aferir, antes de entrar na apreciação do mérito da causa, se as partes que se apresentavam a discutir as questões dos autos eram aquelas que podiam demandar, por um lado, e aquelas que tinham interesse em defender-se, por outro – se os danos não foram por si sofridos, como a própria BB, Lda indica no pedido, mas antes pela pessoa singular BB não tem a primeira legitimidade para os peticionar;
9 – ao abster-se de aferir dos pressupostos processuais o Tribunal Arbitral incorreu em violação de princípio do direito do sistema jurídico português, a que estava obrigado por força do regulamento especialmente aprovado, deixando de apreciar questão sobre a qual devia pronunciar-se, o que acarreta nulidade da decisão arbitral por força da última parte da al. e ) do nº1 do art.27º da LAV;
10 – a recorrente colocou perante o tribunal de 1ª instância e perante o tribunal da Relação não a questão da ausência de indicação dos meios de prova, como referiu a sentença de 1ª instância, mas a de não ter sido feita a apreciação crítica dos meios de prova;
11 – a mera frase “ de acordo com o despacho de fixação da base instrutória e com a prova produzida documentalmente e por audição de testemunhas, ficou provado que ...“ não se pode considerar fundamentação adequada no sentido de apreciação crítica dos meios de prova, tal como a exige o art.653º, nº2 do CPCivil;
12 – ao decidir nestes termos, o tribunal arbitral incorreu no vício de falta de fundamentação e o tribunal de 1ª instância e da Relação vieram a incorrer no vício de julgamento;
13 – a questão dos autos era inarbitrável por o litígio respeitar a direitos indisponíveis uma vez que os danos invocados, a terem existido, foram sofridos pela pessoa singular BB, apresentadora, tanto assim que é invocado na petição inicial o art.70º do CCivil, respeitante a direitos de personalidade;
14 – assim, porque os direitos de personalidade são direitos indisponíveis a apreciação desta questão estaria subtraída à apreciação do tribunal arbitral por força do art.1º da Lei da Arbitragem;
15 – o direito de personalidade de uma pessoa singular é indisponível na medida em que não pode ser transmitido/exercido por terceiros, isto é, por uma pessoa colectiva;
16 – só o titular de um direito de personalidade é que pode exercê-lo em termos de pedir indemnização pela sua violação pelo que a pessoa colectiva BB, Lda não podia ter vindo reclamar, para si, indemnização por violação do direito de personalidade da pessoa singular BB por esse direito ser indisponível;
17 - e por isso não podia o litígio ter sido objecto de apreciação e decisão por árbitros, nos termos do art.27º, nº1, al. e ) e art.1º da LAV;
18 – ao considerar o contrato dos autos como contrato de trabalho o Tribunal Arbitral deveria ter-se abstido de conhecer do litígio por se tratar de questão cujo conhecimento lhe estava vedado por força do disposto nos arts.435º e 436º do CTrabalho;
19 – o litígio dos autos, tal como foi configurado pelo árbitro na sua decisão final, era inarbitrável – o facto de a qualificação do contrato como de trabalho apenas ter surgido na decisão final não obsta a essa conclusão porquanto essa é questão de conhecimento oficioso que em qualquer fase do processo impede o prosseguimento deste;
20 – não tendo nenhuma das partes pedido a qualificação do contrato como de trabalho ocorre a nulidade de excesso de pronúncia;
21 – ao fazer tal qualificação sem dar oportunidade às partes de sobre ela se pronunciarem o tribunal arbitral violou o princípio do contraditório, em desrespeito pelo art.16º da LAV.
Contra – alegando a fls.372, pugna a recorrida pela improcedência do recurso.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
A recorrente AA – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. e a recorrida BB, Lda celebraram entre si, em 26 de Fevereiro de 2002, um contrato que intitularam de “ Contrato de Prestação de Serviços de Apresentação de Programas de Televisão ” mediante o qual a AA garantia a apresentação de um seu programa de televisão pela sócia-gerente da BB, Lda, precisamente BB, por um determinado período de tempo, contrato que expressamente foi celebrado “intuitus personae” – só é celebrado tendo em consideração de que a APRESENTADORA | a mencionada BB | é actual sócia-gerente da RS | a ré sociedade | e não seria celebrado se os serviços contratados fossem prestados por qualquer outra pessoa.
E estabeleceram, no âmbito desse contrato, para além de uma cláusula – a décima segunda – nos termos da qual
em todos os casos omissos, aplicar-se-ão as disposições legais relativas ao contrato de prestação de serviços, constantes dos arts.1154º e seguintes do CCivil,
uma “Cláusula Compromissória” ( a décima primeira ) do seguinte teor:
1.Quaisquer litígios emergentes do presente contrato serão resolvidos nos termos da Lei nº31/86, de 29 de Agosto, por um único árbitro, que na falta de acordo será designado pelo presidente do Centro de Arbitragem do Conselho Nacional das Profissões Liberais, renunciando ambas as partes a outro foro bem como ao depósito da decisão arbitral em secretaria judicial.
No exercício, legítimo, da sua autonomia de vontade contratual autora e ré acreditaram na jurisdição arbitral e optaram por ela para resolver eventuais litígios futuros.
E mais: entenderam, legitimamente também, expressar a sua renúncia a outro foro.
O art.29º, nº1 da Lei nº31/86, de 29 de Agosto – Lei da Arbitragem Voluntária ( LAV ) assim lho permite.
E, em tal caso, vedada fica às partes, naturalmente, a discussão em juízo do mérito ou demérito da decisão final dos árbitros e das decisões que foram caminhando o caminho até à decisão final – querem e desejam e acreditam na jurisdição arbitral, suportam a respectiva decisão.
Resta-lhes aquilo que o art.27º, nº1 da LAV lhes não fecha – a possibilidade de anulação da sentença arbitral nos fundamentos que essa mesma disposição indica.
Designadamente, e para o que aqui importa:
a ) não ser o litígio susceptível de resolução por via arbitral;
b ) ...
c ) ter havido no processo violação dos princípios referidos no art.16º, com influência decisiva na resolução do litígio;
d ) ter havido violação do art.23º, nºs1, al. f ), 2 e 3;
e ) ter o tribunal conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento, ou ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.
Antes, porém, de entrarmos na análise que estas questões eventualmente nos coloquem, haveremos de ver se o acórdão recorrido padece dos vícios que a recorrente lhe aponta e que arrastariam, a verificar-se, a respectiva nulidade.
A recorrente imputa ao acórdão recorrido a nulidade desenhada na al. d ) do nº1 do art.668º do CPCivil – é nula a sentença ... quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Mas este é vício que se não pode assacar ao acórdão recorrido.
O tribunal de 1ª instância, na verdade, pronunciou-se expressamente sobre as questões colocadas na acção.
Concretamente,
o excesso de pronúncia por qualificar o tribunal arbitral o contrato celebrado entre as partes como de contrato de trabalho, qualificação que lhe não havia sido pedida pelas partes;
oposição entre os fundamentos e a decisão, por afirmar por um lado a legitimidade das partes como de conhecimento oficioso e por outro sustentar a sua decisão no facto de o tribunal não ter sido convidado a conhecer de tal questão;
omissão e excesso de pronúncia por não se ter pronunciado pela invocada falta de fundamentação da decisão e se ter pronunciado sobre questão que lhe não havia sido cometida, a da falta de indicação dos meios de prova.
E o acórdão recorrido importa para si mesmo as considerações expressas pelo tribunal de 1ª instância sobre essas específicas questões, transcrevendo o respectivo texto, para depois dizer textualmente:
« Afigura-se-nos correcta tal apreciação.
Acrescenta-se, no entanto, o seguinte:
os fundamentos para a anulação, por tribunal judicial, de sentença arbitral estão taxativamente enumerados nas alíneas do nº1 do art.27º da Lei nº31/86, de 29/08.
O fundamento de anulação por incompetência do tribunal “... não pode ser invocado pela parte que dele teve conhecimento no decurso da arbitragem e que, podendo fazê-lo, não o alegou oportunamente” nos termos do nº2 daquele artigo ( conjugado com a al.b ) do seu nº1 ).
Por outro lado, as partes renunciaram a recurso – pelo que a decisão propriamente dita não pode aqui ser apreciada.
Não deixará de se referir que, ainda que tal não tivesse sucedido, na parte da decisão arbitral “ Do Direito” ( fls.7 da mesma e que é fls.9 do apenso ) o árbitro explicou inequivocamente por que prosseguiu como arbitragem ( invocando disposições legais e doutos acs. STJ ) ».
Ainda que por remissão ( afigura-se nos correcta tal apreciação ) - e a remissão, aberta pelo disposto no art.713º, nº5 do CPCivil não necessita de ser afirmada por invocação expressa desta mesma disposição legal – a Relação de Lisboa conheceu das questões suscitadas perante o tribunal de 1ª instância, assumindo a correcção da decisão sobre elas proferida por este último. E mais do que por remissão, aprofundou esse conhecimento nos termos que agora transcrevemos.
A Relação não deixou de se pronunciar sobre as questões suscitadas como traduzindo nulidades de que a sentença sofreria por ter conhecido ou ter deixado de conhecer de questões de que não poderia conhecer ou de que deveria ter conhecido. Pronunciou-se sobre elas exactamente “avocando” a pronúncia feita sobre elas pela sentença e acrescentando-lhe aquilo que julgou necessário acrescentar.
O acórdão não padece, pois, das nulidades invocadas.
E pode agora entrar-se no fundo, ou seja, na verdadeira questão decidenda, qual seja a de saber se deve ou não ser anulada a sentença arbitral.
Já se vê – e já se disse – que não há que entrar, que está vedado entrar no mérito intrínseco dessa mesma decisão, porquanto as partes expressamente, na sua cláusula compromissória, renunciaram a outro qualquer foro que não o arbitral.
O que importa é saber se se verifica ou não a existência de algum dos fundamentos de anulação do art.27º, nº1 da LAV, nos termos em que venham invocados pela recorrente nas conclusões da sua alegação.
A saber:
da violação da al. e ) do nº1 do art.27º da LAV por aplicação pelo tribunal arbitral de uma cláusula penal inaplicável, a cláusula 10ª, nº2.
Não é questão que aqui possa ser conhecida, que possa ser conhecida em qualquer grau da hierarquia dos tribunais judiciais.
Isso seria já conhecer do mérito da decisão arbitral e esse conhecimento, como já se disse, vedaram-no aos tribunais judiciais as partes na cláusula 12ª do seu contrato.
E o mesmo se diga quanto à pretensa questão da omissão da sentença arbitral traduzida no não conhecimento dos pressupostos processuais, maxime da legitimidade das partes.
É questão que os tribunais judiciais igualmente não podem conhecer, porque o que verdadeiramente a recorrente coloca em causa não é uma simples e processual definição da legitimidade das partes, e especificamente da ré BB, Lda para demandar a AA por danos sofridos pela BB, pessoa singular, a sócia-gerente-apresentadora sem a qual o contrato não seria celebrado, mas antes a verdadeira e própria legitimidade substantiva das partes.
E da substância, do universo de direitos e deveres que do contrato resultam não podem os tribunais judiciais conhecer – são foro a que as partes renunciaram.
O saber se, de acordo com a ínsita normatividade do contrato, a ré BB, Lda pode ( e deve ) ou não ser indemnizada por danos sofridos pela sua sócia-gerente BB não é uma questão processual, é uma questão de mérito. E o mérito foi reservado em exclusivo – pela AA, S.A. e pela BB, Lda – ao tribunal arbitral.
É no universo contratual criado pelos contratantes ( no qual aliás a sócia-gerente BB intervém “também pessoalmente” ) que se há-de apurar dos direitos e deveres contratuais e das consequências da sua eventual violação.
Por aqui passa, igualmente, saber do direito da autora BB, Lda a pedir a indemnização pelos danos sofridos pela apresentadora BB, sua sócia-gerente cuja persona foi o intuitus da celebração do contrato.
E esta, a da indemnização cível por violação de um contrato no qual está inserida uma cláusula de defesa “ |da| imagem da APRESENTADORA e |da| sua reputação no mercado” - da APRESENTADORA que sendo a pessoa singular BB não deixa de ser a sócia-gerente da autora – é questão que em si mesma não tem nada de inarbitrável, por força da al.e ) do nº1 do art.27º e do art.1º da LAV porque não pode dizer-se que esse é um litígio que respeite a direitos indisponíveis.
Se é certo que os direitos de personalidade são, em princípio, direitos indisponíveis – direitos absolutos que são, « inalienáveis e irrenunciáveis» ( Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, pág.211 ) - e que o direito à imagem, ao bom nome e à reputação são direitos de personalidade, a verdade é que já não é indisponível o direito de acção tendente à indemnização por responsabilidade civil com fundamento na violação de qualquer um desses direitos e muito menos é indisponível a quantificação da eventual indemnização por danos causados por eventual violação.
Enquanto pessoa singular a cidadã BB pode livremente dispor do seu direito de indemnização por violação, por outrem, de qualquer dos seus direitos de personalidade; enquanto pessoa singular a cidadã BB pode livremente decidir que o prejuízo causado ( no âmbito do contrato celebrado com a SIC intuitus personae da sua actividade de APRESENTADORA ) na “sua imagem ou na sua reputação de mercado” enquanto APRESENTADORA possa incidir negativamente, não sobre si própria enquanto pessoa singular, mas sobre a sociedade BB, Lda da qual é sócia-gerente e que com ela se identifica tão intimamente que só intuitus personae o contrato é celebrado.
Quase se poderia chamar aqui à colação, se tal fosse necessário, a denominada desconsideração da personalidade colectiva da BB, Lda ou, ao invés, sustentar uma identificação completa da sociedade com a sua sócia, para saber em quem repousa o direito à indemnização exercitado.
Mas essa seria – sempre – questão que ao mérito da decisão arbitral haveria que ir buscar, porque no contrato e na sua interpretação haveria que ser buscada.
E isso – repete-se mais uma vez – é questão cujo conhecimento as partes vedaram aos tribunais judiciais.
~~
Seria (será) inarbitrável a questão conhecida pela decisão arbitral, pelo facto de essa mesma decisão ter qualificado a relação contratual de autora e ré como de um contrato de trabalho?
O art.1º, nº1 da LAV estabelece que qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis pode ser cometido pelas partes ... à decisão de árbitros. Desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária.
E o que pretende a recorrente?
Que é esse aqui o caso, porque o conhecimento desta questão estava vedado à decisão de árbitros por força do disposto nos arts.435º e 436º do CTrabalho.
Mas o que dizem estas disposições do CTrabalho, concretamente o ( que aqui importa ) art.435º?
Que
1 – A ilicitude do despedimento só pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pelo trabalhador.
E, transparentemente, não é esse aqui o caso.
Desde logo, porque o que esta disposição do CTrabalho afirma é tão só a legitimidade exclusiva do trabalhador para solicitar, em tribunal, o reconhecimento da ilicitude do seu despedimento.
O despedimento é algo que acontece na relação entre a entidade patronal e o trabalhador, actuando-se de imediato; a ilicitude dele só o trabalhador ( e não a entidade patronal ou terceiro ou mesmo qualquer tribunal, oficiosamente ) a pode suscitar.
Depois, porque não é de um despedimento e da impugnação da sua ilicitude que aqui nos ocupamos – o contrato não é um contrato celebrado entre a AA e a “trabalhadora” BB no qual esta venha pedir que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, com as consequências legais do art.436º, mas antes um contrato celebrado entre uma sociedade ( a AA ) e outra sociedade ( a BB, Lda ) no qual esta última vem accionar uma das cláusulas contratuais.
Não há, portanto, nenhuma disposição especial da lei que subtraia este litígio ao conhecimento por árbitros.
Resta dizer que, ao abordar a questão da natureza jurídica do contrato - que aliás não afirmou como sendo um contrato de trabalho mas apenas « como tendo a natureza de contrato de trabalho ou equiparado » - a sentença arbitral não fez mais do que fazer o que lhe competia, ou seja, subsumir os factos ao direito.
Não há qualquer excesso de pronúncia na inicial qualificação do contrato porque é isso mesmo o que se exige a quem julga, o saber donde parte e ao que vai no universo jurídico ao seu dispor para enquadrar os factos apurados.
Aliás, é a própria decisão arbitral a considerar que nem sequer interesse dilucidar a questão da natureza jurídica do contrato « por não ter relevância quanto ao regime jurídico a que está submetido ». E ela mesma que tem o cuidado de elencar os princípios de direito que o árbitro aplicou para chegar ao resultado decisório a que chegou.

A que chegou cumprindo integralmente o processo que no ponto 2º do “Regulamento Complementar da Cláusula Compromissória” as partes subscreveram. Processo que aliás respeita integralmente os requisitos insertos nas várias alíneas do art.16º da LAV – absoluta igualdade de tratamento das partes, citação do demandado para se defender, estrita observância do princípio do contraditório, audição das partes ( oralmente ou por escrito ) antes de ser proferida a decisão final.
E só a violação destes princípios, que não a violação ou o descumprimento de quaisquer preceitos do direito processual civil pode conduzir à anulação da decisão arbitral.
Se – e apenas se - essa violação tiver tido influência decisiva na resolução do litígio, di-lo a al. c ) do nº1 do art.27º da LAV.
Que a fundamentação da convicção do árbitro e a análise da prova nos termos em que foi feita, ou seja, pela simples indicação de que esta a ser feita « de acordo com o despacho de fixação da base instrutória e com a prova produzida documentalmente e por audição de testemunhas » contenha alguma “ simplicidade “ no que se pode comparar com as exigências do nº2 do art.653º do CPCivil, é – se for – vício que não constitui qualquer dos requisitos do art.16º.
Muito menos – e isso não vem sequer alegado pela parte a quem interessava, a recorrente SIC – que tenha tido influência decisiva na resolução do litígio.
Consequentemente, e por força do que dispõe o art.27º, nº1, al. c ), não estamos perante uma causa de anulação da decisão arbitral.
Como também o não estamos quando o tribunal arbitral decide da qualificação do contrato celebrado entre as partes como « tendo a natureza de contrato de trabalho ou equiparado ».
Pelo que já se disse acima, porque é sempre de esperar que o tribunal qualifique o instituto jurídico dentro do qual se movimenta ( ainda que as partes lhe tenham dado um nome próprio ), porque as partes puderam alegar antes de ser proferida a decisão, porque – como aliás se acentua na decisão arbitral – nenhuma relevância jurídica, para a solução da questão, tinha a qualificação do universo contratual das partes como de contrato de trabalho ou equiparado, como decidiu o tribunal arbitral, ou como contrato de prestação de serviços, o nomen juris com o qual as partes baptizaram o seu relacionamento contratual.
~~
D E C I S Ã O
Na improcedência do recurso,
nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
LISBOA, 03 de Maio de 2007

Relator ( Pires da Rosa )
( Custódio Montes )
( Mota Miranda )