Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
449/10.0TTVFR.P2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
CONTEÚDO DAS CONCLUSÕES
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DA NULIDADE ARGUIDA. CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA QUESTÃO DE FACTO.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código de Processo do Trabalho” Anotado, 169.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. V, 143.
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, 133, e na última Edição da obra citada, 2016, 3.ª Edição, 143 e ss.; Recursos no Processo do Trabalho – Novo Regime, 116.
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º4, 639.º, 640.º, N.ºS 1, ALS. A), B) E C), E 2, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CP): - ARTIGO 77.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 30/01/2002, 06/03/2002, 24/04/2002, 20/01/2004, 03/03/2004, 27/01/2005, 12/01/2006, 24/05/2006, 08/06/2006, 22/10/2008 E, MAIS RECENTEMENTE, DE 05/11/2014, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 24/02/2010 E DE 05/11/2014, 4.ª SECÇÃO, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 19/02/2015, PROCESSO N.º 299/05, 2.ª SECÇÃO.
-DE 09/07/2015, PROCESSO N.º 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7.ª SECÇÃO.
-DE 22/09/2015, PROCESSO N.º 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6.ª SECÇÃO.
-DE 29/09/2015, PROCESSO N.º 233/09.
-DE 11/02/2016, PROCESSO N.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, 4.ª SECÇÃO.
-DE 01/10/2015 E DE 03/03/2016, NO ÂMBITO DOS PROCESSOS N.ºS 824/11.3TTLRS.L1.S1 E 861/13.3TTVIS.C1.S1, AMBOS DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
Sumário : I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.

II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.

III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.

IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I – 1. AA,
      2. BB, e
      3. CC

Instauraram a presente acção de impugnação de despedimento colectivo contra o Réu:

DD

Com os fundamentos que os autos retratam.

2. Seguiram-se os demais articulados, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente, declarou ilícito o despedimento colectivo das Autoras e condenou o Réu a reintegrá-las, sem prejuízo da sua antiguidade e categoria, e a pagar-lhes as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, com as deduções a que houver lugar nos termos do artigo 390º, nº 2 do CT, acrescidas de juros de mora legais desde a data do respectivo vencimento, relegando a sua liquidação para oportuno incidente de liquidação, por falta de elementos.
      
3. Inconformado, apelou o Réu, e impugnando a matéria de facto vinda da 1ª instância pediu a revogação da sentença e a sua substituição por Acórdão que declarasse procedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo das Autoras.

4. O Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 2, alínea a), do art. 640º do CPC, rejeitou o recurso, em sede de apreciação da decisão sobre a matéria de facto, e julgando a apelação improcedente, confirmou a sentença recorrida e condenou o Réu no pagamento das respectivas custas.

5. Novamente inconformado, o Réu interpôs revista excepcional para o STJ.
Distribuído o recurso e apresentado à formação preceituada no art. 672º, nº 3 do NCPC, nesta Secção do STJ foi exarado Acórdão de 17 de Dezembro de 2015, no âmbito destes autos, e inserido a fls. 2059 e segts., do 13º Vol., no qual se decidiu que:
· Não existe dupla conforme formada sobre a matéria suscitada no presente recurso;
· Nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais e, nessa medida, foi determinada a sua distribuição como tal.

6. Admitido o recurso como revista, no que aqui releva, sintetizam-se as conclusões formuladas pelo Réu Recorrente nos seguintes termos:

- Do referido Acórdão da Relação cabe recurso na parte em que rejeitou a reapreciação da matéria de facto por incumprimento do ónus previsto no art. 640º, n.º 2, al. a), do CPC.

- O presente recurso tem ainda como fundamento a nulidade referida na al. d), do n.º 1, do art. 615º.

- O art. 655º, n.º 1, do NCPC, determina que “Se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, antes de proferir decisão, ouvirá cada uma das partes, pelo prazo de 10 dias”, e o n.º 2 do mesmo artigo determina que “Sendo a questão suscitada pelo apelado, na sua alegação, é aplicável o disposto no nº 2 do artigo anterior”, ou seja, o relator ouve a parte contrária que não tenha tido oportunidade de responder.

- Nos autos, a questão do alegado incumprimento do determinado na al. a), do n.º 2, do artigo 640º, do NCPC, foi suscitada pelas apeladas em sede de contra-alegações, donde decorre que deveria o Tribunal da Relação, antes de proferir decisão, ter ouvido a parte contrária, o que não aconteceu, em manifesta violação do princípio do contraditório.

- A omissão de tal acto/formalidade que a lei prescreve traduziu-se numa irregularidade que pôde influir no exame ou decisão da causa, consubstanciando, assim, uma nulidade, nos termos do disposto no art. 195º do NCPC que, para os devidos e legais efeitos, aqui se invoca, devendo ser declarada tal nulidade.

- Acresce que a decisão recorrida está em manifesta contradição com o Acórdão do STJ, datado de 09.07.2015, proferido no processo de revista 284040/11.0YIPRT.G1.S1, da 7ª secção, que decidiu o contrário e determinou que os autos baixassem à Relação para que esta procedesse à reapreciação da matéria de facto.

- No caso dos autos, no recurso que então interpôs, o Réu identificou os pontos de facto que considerava mal julgados por referência aos quesitos da base instrutória, indicou o depoimento das testemunhas que entendeu mal valorados, forneceu a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentou a transcrição dos referidos depoimentos e referiu qual o resultado probatório que nos seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova.

- O que se pretende com a expressão e letra da lei do art. 640º do NCPC é a auto-responsabilização das partes e evitar os recursos como meios dilatórios e sem qualquer sentido, o que não é manifestamente o caso. Na verdade, como se pode verificar, não há, no caso dos autos, um “recorrer por recorrer”, mas há, outrossim, um recurso fundamentado, consciente e responsável, pelo que o Recorrente cumpriu a exigência que sobre si impendia. Ao invés, ao não julgar e não reapreciar a matéria de facto com base numa interpretação restritiva, está o Tribunal da Relação a abster-se de cumprir a sua função que é julgar e aplicar a Justiça.

- Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação decidiu manifestamente contra a lei em clara violação dos arts 615º, n.º 1, alínea d), por remissão do art. 666º, e 640º, nº 2, alínea a), todos do NCPC.

- Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, ordenando-se, em consequência, a baixa do processo ao Tribunal da Relação a fim de ser reapreciada a matéria de facto nos termos requeridos pelo Recorrente.

7. As AA. contra-alegaram nos termos que constam de fls. 2.000 e segts, do 13º Vol., centrado nomeadamente nos seguintes pontos:

- As nulidades arguidas têm de ser feitas no requerimento de interposição de recurso separadamente, o que não foi feito, sob pena de não poderem ser conhecidas;

- Relativamente ao recurso da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Réu/Recorrente não cumpriu os ónus do art. 640º do NCPC, pelo que bem andou a Relação ao rejeitar o recurso relativo à matéria de facto.

8. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, pronunciando-se no sentido de ser concedida a revista, determinando-se que a Relação proceda à reapreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida no recurso de apelação interposto pelo aqui Réu.

9. Do seu conteúdo foram notificadas as partes, tendo as Autoras exercido o seu direito de resposta nos termos que constam de fls. 2.081 e segts, do 13º Vol., reiterando o seu entendimento vertido nos autos.

10. Preparada a deliberação, cumpre conhecer e decidir as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do CPC.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR:


- Está em causa, em sede recursória, saber se:

1. O Acórdão da Relação padece de nulidade por não ter dado cumprimento ao princípio do contraditório, ouvindo previamente as partes;

2. O Tribunal da Relação devia ter conhecido do recurso de apelação interposto pelo Réu/Recorrente no que respeita à reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto, atenta a forma como foi deduzida a referida impugnação da matéria de facto;

Analisando e Decidindo.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA:

Consigna-se que para a decisão do presente pleito são convocadas as normas do Novo CPC, na versão conferida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, porquanto os autos deram entrada no dia 05.12.2013 e o Acórdão recorrido mostra-se datado de 24.09.2015.

1. A primeira questão resultante da delimitação do objecto do recurso incide sobre a alegada existência de nulidade do Acórdão proferido, por alegada violação do princípio do contraditório.

Fundamenta o Réu/Recorrente tal nulidades no facto de “nos autos, a questão do alegado incumprimento do determinado na al. a), do n.º 2, do artigo 640º, do NCPC, ter sido suscitada pelas apeladas/Recorridas em sede de contra-alegações, donde decorre que, e, como se veio a verificar, por entender não poder conhecer-se do objecto do recurso no que a essa parte respeita, deveria o Tribunal da Relação, antes de proferir decisão, ter, em cumprimento do disposto no n.º 2 do art. 655º e nº 2º do art. 654º, do NCPC, ouvido a parte contrária, o que não aconteceu, em manifesta violação do princípio do contraditório…. (…) E a omissão pelo Tribunal da Relação de tal acto/formalidade que a lei prescreve traduziu-se numa irregularidade que influi no exame ou decisão da causa, consubstanciando, assim, uma nulidade, nos termos do disposto no art. 195º do NCPC que, para os devidos e legais efeitos e consequências aqui se invoca”.

Pretende, por isso, que seja declarada a referida nulidade.

Pretensão que esbarra desde logo com um obstáculo de natureza processual: a exigência do nº 1 do art. 77º do CPT.

1.1. Com efeito, estabelece esta norma que a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

Quer isto dizer que o Recorrente deve fazer menção expressa da arguição de nulidades da sentença no próprio requerimento em que interpõe o recurso. E deve fazê-lo separadamente. E não, como se assiste no caso sub judice, nas alegações de recurso que apresentou.

Salienta-se que, no âmbito do direito processual do trabalho, o regime de arguição de nulidades da sentença de 1ª instância ou do Acórdão da Relação diverge do regime geral que vigora no direito processual civil, porquanto se exige que o Recorrente previamente – no próprio requerimento que dirige ao Tribunal e no qual dá a conhecer que interpõe recurso – faça expressa menção de que este se funda em nulidades da sentença e nas questões relativas ao conhecimento do mérito da causa com vista à obtenção da revogação/improcedência da decisão recorrida.

Tem sido este o entendimento jurisprudencial uniforme da Secção Social, deste Supremo Tribunal de Justiça, o qual encontra acolhimento em diversos Autores,[2] e cuja justificação assenta na necessidade de agilizar a resolução final dos conflitos do foro laboral, possibilitando ao Tribunal a rápida e clara detecção das nulidades arguidas e o respectivo suprimento.

Sendo igualmente pacífico o entendimento de que tal preceito é aplicável à arguição de nulidades relativamente a Acórdãos da Relação.

Exige-se, por conseguinte, que a arguição das eventuais nulidades seja igualmente feita nos mesmos termos, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso de Revista, com a inerente impossibilidade de delas se conhecer quando tenham sido arguidas nas alegações de recurso.[3]

E como tal não foi feito, não tendo sido cumprido o que o citado normativo impõe a este respeito, não pode o STJ pronunciar-se sobre a invocada nulidade.

2. Quanto à questão da reapreciação da matéria de facto e o cumprimento dos ónus do art. 640º do NCPC, que a lei estabelece a cargo do Réu Recorrente, entendeu a Relação que tal cumprimento não se teria verificado, decisão contra a qual o Réu se insurge no âmbito deste recurso. 

Sobre a presente matéria, e em contexto similar, já referimos o nosso entendimento que pode ser recolhido, nomeadamente, nos Acórdãos do STJ, datados de 1/10/2015 e de 3/3/2016, no âmbito dos processos nºs 824/11.3TTLRS.L1.S1 e 861/13.3TTVIS.C1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt., e que não acolheram o sentido da decisão proferida nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto.

Atendendo porém que o objecto do presente recurso incide sobre a mesma questão, que ultimamente tem sido recorrente e tem merecido por parte dos Tribunais da Relação decisões como aquela contra a qual o Recorrente ora se insurge, consideramos útil reiterar, ainda que resumidamente, as razões que então, como agora, estiveram subjacentes ao acolhimento da pretensão da Recorrente.

São elas:

3. Como é sabido, é da fixação da matéria de facto que depende a aplicação do direito sendo determinante do mérito da causa e do resultado da acção.

A apreciação rigorosa dos depoimentos prestados em audiência de julgamento, conexionados com os demais meios probatórios, é inquestionavelmente a função primordial de qualquer Juiz, tanto daquele que na 1ª instância preside à audiência que culmina com a decisão da matéria de facto, como daquele que, em instância de recurso, tem por missão a reapreciação de tal decisão, depois de reponderados os meios de prova.

Constitui, sem dúvida, em qualquer das instâncias, uma tarefa espinhosa, cuja complexidade radica essencialmente na dificuldade em captar, com sentido crítico e analítico, os factos controvertidos a partir da narração que é trazida, nomeadamente pela prova testemunhal produzida em audiência de julgamento.

4. As exigências que o legislador entendeu consagrar nesta matéria e que impõem ao Tribunal o dever de fundamentação e de motivação crítica da prova, no actual art. 607º, nº 4, do CPC, encontra o seu contraponto na igual exigência imposta à parte Recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, do respectivo ónus de impugnação.

Trata-se, em resumo, de cumprir o ónus de impugnação estatuído no art. 640º do NCPC.[4]

Por conseguinte, na interposição de qualquer recurso, deve o Recorrente, nas suas alegações, concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, a que se reporta o art. 639º do CPC.

A este ónus – de alegar e formular conclusões nos termos impostos pelo art. 639º do CPC – acresce o ónus previsto no art. 640º, que foi estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida pelas instâncias sobre a matéria de facto.

De acordo com este normativo exige-se do Recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Ónus que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.[5]

5. A interpretação do art. 640º do NCPC é-nos dada por Abrantes Geraldes, podendo ler-se a este propósito que: 

“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”. (…)[6]

Porém, essa exigência, bem como o cumprimento do ónus a cargo do Recorrente, quando esteja em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não pode redundar na adopção de entendimentos centrados numa visão formalista do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzam na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.

Mais concretamente, não pode admitir-se que, por uma via interpretativa de raiz essencialmente formal, o Recorrente fique impedido de alcançar o objectivo visado pelo legislador e que foi consagrado nas reformas introduzidas ao processo civil: o segundo grau de jurisdição no âmbito do julgamento da matéria de facto.

A este propósito adverte o citado Autor [7]:

(…)

Importa que não se exponenciem os requisitos a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a pretendida reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Ou seja, jamais deve transparecer a ideia – que por vezes perpassa em diversos arestos das Relações – de que a elevação do nível de exigência além dos parâmetros que a lei inequivocamente determina constitui, na realidade, um pretexto para recusar a reapreciação da decisão da matéria de facto, nesse primeiro momento, com invocação do incumprimento de requisitos de ordem adjectiva e, numa segunda oportunidade, com apresentação de argumentário de pendor genérico em torno dos princípios da imediação e da livre apreciação das provas.

Por outro lado, quando houver sérios motivos para rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto; quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia; ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto a outros aspectos. Isto é, eventuais falhas de elementos essenciais no campo da motivação e/ou das conclusões apenas atingem as questões de facto a que respeitam, sem prejudicar a parte restante”.

6. Com efeito, embora o Novo Código de Processo Civil exija o cumprimento do ónus de alegação a cargo do Recorrente, impondo a este, quando se trata de impugnação da decisão da matéria de facto, que proceda à especificação prevista nas alíneas do nº 1 do art. 640º, o exercício desse ónus, conforme se salientou em ponto anterior, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado na respectiva motivação.

O que verdadeiramente importa ao exercício do ónus de impugnação em sede de matéria de facto é que as alegações, na sua globalidade, e as conclusões, contenham os requisitos que constam do art. 640º do Novo CPC.

Não sendo exigível, da parte do Recorrente, a repetição exaustiva da fundamentação desenvolvida ao longo do conteúdo das alegações.

7. Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no art. 640.º, nºs 1 e 2, do NCPC, impõe-se salientar que, reforçando a doutrina citada, tem vindo a consolidar-se neste Supremo Tribunal de Justiça, Jurisprudência de sentido unívoco.

Entre outros, há que ter presentes os seguintes Acórdãos, cujos sumários se transcrevem, pela sua importância para o caso dos presentes autos:

- Ac. STJ de 01.10.2015, Proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1, desta Secção Social [8]:

“I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo Recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação.
IV – Com efeito, o ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640.º do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1 constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação”.

- Ac. STJ de 11.02.2016, P. n.º 157/12.8 TUGMR.G1.S1, desta Secção Social (Relator: Mário Belo Morgado):

“I. Tendo a Recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê‑lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna.
II. Se, para além disso, se retira das conclusões, inequivocamente, o sentido que a Recorrente entende dever retirar-se das provas invocadas e analisadas no corpo alegatório, não há fundamento para rejeição do recurso por parte da Relação”.

- Ac. STJ, datado de 19/2/2015, P. nº 299/05, 2ª Secção (Relator: Tomé Gomes):
(…)
“8. Tendo o recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, com referência às respostas dadas aos artigos da base instrutória, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que só no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art. 640.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CPC.
9. A insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória exposta pelo recorrente é matéria a apreciar em sede do mérito da decisão impugnada.
10. A decisão de facto integra-se no plano da fundamentação da sentença, como decorre do disposto no n.º 4 do artigo 604.º, correspondente ao anterior art. 659.º do CPC, pelo que sobre ela não opera, de forma autónoma, o alcance do caso julgado material.
11. Mas daí não resulta que não possa ficar precludida a apreciação da matéria de facto feita em recurso anterior, o que deve ser aferido em função do que tiver sido decidido em sede de anulação do julgamento, mormente nos termos previstos no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), e n.º 3, alíneas b) e c), do CPC”.

- Ac. STJ de 09/07/2015, P. 284040/11.OYIPRT.G1.S1, 7ª Secção (Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza[9]):

(…)
“IV – Tendo o apelante, nas suas alegações de recurso, (i) identificado os pontos de facto que considerava mal julgados, por referência aos quesitos da base instrutória, (ii) indicado o depoimento das testemunhas, que entendeu mal valorados, (iii) fornecido a indicação da sessão na qual foram prestados e do início e termo dos mesmos, apresentado a sua transcrição, (iv) bem como referido qual o resultado probatório que nos seu entender deveria ter tido lugar, relativamente a cada quesito e meio de prova, tanto bastava para que a Relação tivesse procedido à reapreciação da matéria de facto, ao invés de a rejeitar”.

- Ac. STJ de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Relator: Pinto de Almeida):
(…)
“II – Na impugnação da decisão de facto, recai sobre o Recorrente “um especial ónus de alegação”, quer quanto à delimitação do objecto do recurso, quer no que respeita à respectiva fundamentação.
III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (art. 640.º, n.º 1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (art. 640.º, n.º 2, al. a), do NCPC).
IV – A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada.
V – Se essa cominação se afigura indiscutível relativamente aos requisitos previstos no n.º 1, dada a sua indispensabilidade, já quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.
VI – Se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, a rejeição do recurso, com este fundamento, afigura-se uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável“ – (sublinhado nosso).

- Ac. STJ, datado de 29/09/2015, P. nº 233/09 (Relator: Lopes do Rego):

“1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº 1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC).
2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento – como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento, tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso – (sublinhado nosso).

8. Posto isto, e sem que se suscitem dúvidas sobre o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, relativamente ao ónus a cargo do Recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, verifica-se, in casu, que:

Resulta do conteúdo das conclusões e das alegações do recurso de apelação (constantes de fls. 1316 e segts, do 11º Vol.), que o Recorrente identificou os pontos da matéria de facto que, em concreto, impugna, enumerando‑os e indicando o que em sua opinião deveria ser considerado provado (cf. ponto III a XI, das conclusões).

E relativamente a cada quesito indica os concretos depoimentos das testemunhas, a sessão na qual foram prestados, com data, hora e minuto em que os mesmos se iniciaram e terminaram (cf. fls. 1321, 1324, 1325, 1329, 1330, 1335, e segts., 1349 a 1373, do 11º Vol.), transcrevendo as passagens dos referidos depoimentos e fazendo, a propósito de cada excerto transcrito, uma análise crítica do mesmo, e apresentando a conclusão do que considera, em seu entender, que deveria ter sido dado como provado tendo por base aquele(s) depoimento(s), referindo o resultado probatório relativamente a cada quesito e meio de prova.

Pelo que concluímos, em face do exposto, que o Recorrente cumpriu o ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.ºs 1, als. a), b) e c) e 2, al. a), do NCPC.

Assim sendo, a rejeição pelo Tribunal da Relação do Porto do recurso interposto pelo Réu quanto à reapreciação do julgamento da matéria de facto não pode ser sufragada.

9. Nesta medida se concede a presente revista.

IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em:

1. Não conhecer da nulidade arguida;

2. Conceder a revista no que concerne ao não conhecimento, pelo Tribunal da Relação do Porto, do recurso interposto pelo Réu quanto à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sendo o Acórdão recorrido revogado nesse preciso segmento.

Consequentemente, determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação do Porto, a fim de se conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto oportunamente impugnada, e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.

- Custas da revista a cargo da parte vencida a final.



- Anexa-se o sumário do acórdão.


         Lisboa, 21 de Abril de 2016.



Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)


Ribeiro Cardoso


Pinto Hespanhol


[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.

[2] Cita-se, a este propósito, os Acórdãos do STJ., datados de 24/2/2010 e de 5/11/2014, 4ª Secção, in www.dgsi.pt. Cf. tb. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Processo do Trabalho” – “Novo Regime”, pág. 116, e Abílio Neto, in “CPT Anotado”, pág. 169.

[3] Neste sentido cf. os Acórdãos do STJ, datados de 30/1/2002, 6/3/2002, 24/4/2002, 20/1/2004, 3/3/2004, 27/1/2005, 12/1/2006, 24/5/2006, 8/6/2006, 22/10/2008 e, mais recentemente, de 5/11/2014, inseridos in www.dgsi.pt.

[4] As normas sem qualquer referência adicional pertencem ao Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

[5] Cf., sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual.

[6] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 133.
[7] Ibidem, António Santos Abrantes Geraldes, na última Edição da obra citada – 2016, 3ª Edição, págs. 143 e segts. Sublinhados nossos.
[8] Acórdão supra citado e relatado pela aqui também Relatora, cuja fundamentação se reitera. Cf. tb. o Acórdão proferido no âmbito da revista nº 861/13.3TTVIS.C1.S1, datado de 3/3/2016, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Acórdão igualmente citado nos autos.