Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERREIRA PINTO | ||
Descritores: | CREDITO LABORAL RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA SOCIEDADE COMERCIAL GRUPO DE EMPRESAS ÓNUS DA PROVA | ||
Data do Acordão: | 02/06/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Área Temática: | DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR / RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DE SOCIEDADE EM RELAÇÃO DE PARTICIPAÇÕES RECÍPROCAS, DE DOMÍNIO OU DE GRUPO. DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA / PRESUNÇÕES. | ||
Doutrina: | - Catarina Carvalho, Algumas Notas sobre os Novos artigos 378º e 379º do Código do Trabalho, CEJ – Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 72, setembro/dezembro de 2005, p. 84/103; - Júlio Gomes, Direito do Trabalho, I (Relações Individuais do Trabalho), Coimbra Editora, 2007, p. 899/903; - Maria do Rosário Palma Ramalho, Grupos Empresariais e Societários, Incidências Laborais, Almedina, 2008, p. 636. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 334.º. CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 481.º, 482.º, ALÍNEAS B), C) E D), 48.º, N.º 2, 485.º, 486.º, N.ºS 1 E 2 E 501.º. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.ºS 1 E 2 E 350.º, N.º 2. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 09-11-2011, PROCESSO N.º 7332/07.2TTVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
Sumário : | I) O artigo 334.º do Código do Trabalho de 2009 tem por finalidade reforçar a garantia de cumprimento dos créditos laborais através da responsabilização de outras sociedades que não a empregadora. II) Contudo, a solução ali propugnada vale apenas para as sociedades que se encontram em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo, tal como configuradas nos artigos 481º e seguintes, do Código das Sociedades Comerciais, pois a sua integração exige o recurso ao referido Código. III) O trabalhador, para que possa beneficiar desta garantia creditícia, tem de alegar e provar, ónus que lhe compete, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por ser facto constitutivo do direito que invoca, a existência das sociedades que se encontram entre si numa situação de participação recíproca, de domínio ou de grupo, nos termos dos artigos 481º e seguintes, do Código das Sociedades Comercias. IV) Não resultando provado que as sociedades para as quais a autora prestava trabalho estivessem numa relação de grupo com a ora ré, não é possível responsabilizar esta pelo pagamento dos seus créditos laborais. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 49/14.6TTBRR.L1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I
- Relatório[2]:
1). AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, instauraram, em 26.01.2014 e 02.02.2018 [apenso] a presente ação, com processo comum, declarativa de condenação, no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Barreiro – Instância Central – 2ª Secção do Trabalho, J1, contra “II, S.A.”, “JJ, Lda.”, “KK, Lda.”, “LL, Lda.” e “MM, Lda.”.
2). Alegaram, em síntese, que trabalharam mediante contrato de trabalho para a R. “II” e que trabalharam, também, para as RR. “JJ” e “KK”, empresas sem trabalhadores, sendo que resolveram os seus contratos de trabalho com a R. “II”, alegando justa causa, uma vez que lhes foi reduzida a retribuição e que tinham várias retribuições em atraso.
Mais alegaram que tais RR. foram substituídas nos estabelecimentos onde exerciam a sua atividade, pelas RR. “LL” e “MM” ficando estas com todo o negócio das primeiras e com alguns trabalhadores, que deixaram deliberadamente ir à insolvência a R. “II” e que existiam relações de grupo entre elas.
Alegaram, ainda, que esta atuação lhes causou danos de natureza não patrimonial e concluíram pela responsabilidade de todas as RR. pelas dívidas da Ré “II” perante elas.
Com tais fundamentos, requereram a condenação das RR. a pagarem-lhes, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho e a título de crédito laborais: à A. AA, € 20.375,28; à A. BB, € 17.693,91; à A. CC, € 14.282,66; à A. DD, € 16.832,82; à A. EE, € 29.973,59; à A. FF, € 18.094,68; à A. GG, € 36.994,55; e à A. HH, € 30.349,54.
Requereram, também, a condenação das RR. no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante de € 3.000,00 para cada uma delas.
3). Realizou-se a Audiência de Partes que se frustrou porque não houve conciliação.
4). As RR. “JJ”, “KK” e “MM” contestaram, impugnando parte dos factos alegados pelas AA, e aduzindo que a R. “II” estava insolvente, que os créditos peticionados deviam ser reclamados e pagos no respetivo processo de insolvência, que a sua estrutura social e a das demais RR. não se traduzia numa relação de grupo, e que não existia responsabilidade solidária.
Mais alegaram que as AA. nunca trabalharam para si, nem resolveram qualquer contrato de trabalho consigo e que não existiu qualquer acordo ou estratégia empresarial com as demais RR.
Com tais fundamentos, requereram a suspensão ou a extinção da instância ou a sua absolvição dos pedidos.
5). A R. “LL” contestou, impugnando parte dos factos invocados, alegando que a sua estrutura social e a das demais RR. não se traduzia numa relação de grupo, pelo que não existe responsabilidade solidária, que não fez qualquer acordo com as demais RR. para beneficiar a R. “II” ou beneficiar dos serviços por esta prestados e que as AA. nunca trabalharam para si. Também alegou que a R. “II” está insolvente, devendo os créditos das AA. ser reclamados e pagos no respetivo processo.
Com os mencionados fundamentos, requereu a declaração da sua ilegitimidade ou a sua absolvição dos pedidos.
6). Reponderam as AA., pugnando pela improcedência da invocada exceção e mantendo a posição já expressa nos autos.
7). Entretanto, face à insolvência da R. “II”, foi declarada a extinção da instância quanto a esta.
8). Não foi realizada audiência prévia e foi proferido despacho saneador, no qual foram indeferidas a invocadas exceções de ilegitimidade e de inutilidade superveniente da lide.
9). As autoras vieram aos autos informar que tinham recebido do Fundo de Garantia Salarial, por conta das quantias peticionadas nos autos: a A. CC, a quantia de € 8.472,82; a A. DD, a quantia de € 5.475,00; a A. EE, a quantia de € 8.468,80; a A. HH, a quantia de € 8.363,73; a A. AA, a quantia de € 7.958,47; a A. GG, a quantia de € 8.569,98; a A. FF, a quantia de € 8.317,10; e a A. BB, a quantia de € 7.058,00.
10). Realizado o julgamento foi proferida sentença, em 16 de janeiro de 2017, com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos, julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Condeno a R. “KK, Lda.” no pagamento à A. CC da quantia de € 5.809,84 (cinco mil oitocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos).
B) Condeno a R. “JJ, Lda.” no pagamento às AA. FF, GG e HH, respetivamente, nas quantias de € 8.220.57 (oito mil duzentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos), € 28.424,57 (vinte e oito mil quatrocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos) e € 21.726,73 (vinte e um mil setecentos e vinte e seis euros e setenta e três cêntimos).
C) Absolvo as RR. “JJ, Lda.” e “KK, Lda.” do demais peticionado.
D) Absolvo as RR. “LL, Lda.” e “MM, Lda.” de todo o peticionado”.
II
a). Inconformadas com esta decisão ficaram as autoras e as rés “JJ …, Lda.” e “KK, Lda.”, que dela recorreram de apelação.
b). Na sua apelação as Autoras, impugnando a decisão proferida sobre a matéria de facto, pediam que todas as RR. fossem condenadas nos pedidos formulados, quer devido à sua atuação dolosa e concertada, quer porque eram suas trabalhadoras de facto e de direito, quer porque existia um Grupo de empresas nos termos do artigo 334º do Código do Trabalho[3], e que a sentença recorrida fosse revogada apenas na parte em que absolveu as RR. dos pedidos.
c). No seu recurso as RR. “JJ” e “KK”, impugnando, também, a decisão proferida sobre a matéria de facto, pediam que fosse concedido provimento ao recurso e, consequentemente, fosse revogada a decisão recorrida e substituída por outra que as absolvesse do pedido.
d). Por acórdão proferido em 26 de abril de 2018 decidiu-se:
d1. Quanto aos recursos sobre a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:
- No das AA., foi rejeitado quanto à matéria de facto provada e não foi alterada a matéria de facto não provada e impugnada; - No das RR., foi decidido que nada havia a alterar ou a retificar por inexistir qualquer contradição entre a matéria de facto provada e não provada.
d2. Quanto ao direito:
- No das AA., decidiu-se inexistir responsabilidade solidária das RR, por não se verificar a situação prevista no artigo 334º, do CT, por não se ter provado ter existido qualquer relacionamento jurídico ou de facto entre as sociedades “LL” e MM”, por não se ter provado a situação fraudulenta por elas descrita e por não haver lugar à peticionada indemnização por danos não patrimoniais e, em consequência, negou-se provimento aos recursos.
- No das RR. “JJ“ e “KK”, decidiu-se que não se tendo “operado a desconsideração da personalidade coletiva das Rés”, não tendo aplicação o disposto no artigo 334º, do CT, e nunca tendo estado em causa que a entidade empregadora das Autoras era a “II”, não assumiam elas a qualidade de responsáveis solidárias pelos créditos salariais das Autoras e nem se verificava uma situação de pluralidade de empregadores e, consequentemente, foi concedido provimento aos seus recursos.
III
1). Inconformada ficou, agora, a Autora HH que recorreu de revista.
2). Por haver dupla conforme, nos termos do artigo 671º, n.º 3, do CPC, relativamente às partes em que o acórdão confirmou a sentença, por despacho de 10 de outubro de 2018, do aqui Relator, apenas foi admitido o recurso relativamente ao segmento do acórdão recorrido que absolveu a R. “JJ, Lda.” a pagar à Autora a quantia de € 21.726,73.
3). A Autora HH terminou a sua alegação com as seguintes conclusões[4]: Terminou pedindo que o acórdão recorrido seja revogado e que, em conformidade, sejam todas as RR. condenadas nos pedidos formulados.
4). As Rés “JJ Lda.”, “MM - … Lda.” e “KK Lda.” apresentaram contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
Terminaram pedindo que o recurso seja julgado não provado e improcedente e, em conformidade, se mantenha o acórdão recorrido.
IV Parecer do Ministério Público:
Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, ao abrigo do disposto no artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto e proficiente parecer no sentido de se negar a revista porque “[n]o caso vertente, pese embora tenha ficado provado que os trabalhadores da "II, S.A." efetuavam o trabalho da "JJ, Lda.", que não possuía quadro de pessoal, nada mais se provou que permita concluir pela existência de subordinação jurídica da recorrente a esta última, nomeadamente que, como sustenta a recorrente, os superiores hierárquicos eram os mesmos e que trabalhava sujeita a ordens e instruções da recorrida "JJ, Lda.", pois que apenas se provou que a recorrente trabalhou sujeita a ordens e instruções da R. "II, SA", pelo que, não se tendo provado que exercia funções sob as ordens, sujeita à fiscalização e poder disciplinar da "JJ, Lda.", não se pode considerar que o contrato de trabalho se tivesse estabelecido com esta.” Notificado às partes, respondeu a Autora/Recorrente reafirmando a sua posição, nomeadamente, quanto à existência de um grupo de sociedades denominado “NN”. V - Da revista:
- Enquadramento jurídico adjetivo:
Tendo a ação sido proposta em 26 de janeiro de 2014 e o acórdão recorrido sido proferido em 26 de abril de 2018, são aqui aplicáveis os Códigos de Processo Civil (CPC) e o de Processo do Trabalho (CPT) nas suas versões atuais.
- Objeto do recurso, tendo em consideração a restrição a que foi sujeito: - Saber se, no caso, se configura uma situação de responsabilidade solidária da recorrida “JJ, Lda.”, nos termos do artigo 334º, do CT, com a Ré “II - … S. A.”.
~~~~~ - Da matéria de facto:
- A matéria de facto dada por provada pelas instâncias é a seguinte[5]: Factos não provados:
~~~~ - Do Direito:
– Configuração de uma situação de responsabilidade solidária da recorrida “JJ, Lda.”, nos termos do artigo 334º, do CT, com a Ré “II - … S. A.”:
Estipula o artigo 334.º, do CT, que “[p]or crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses, respondem solidariamente o empregador e sociedade que com este se encontre em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais.”
Deste preceito resulta que o regime de responsabilidade solidária nele instituído tem o mesmo âmbito material que o regime jussocietário dos grupos, ou seja, está limitado às situações de coligação solidária em sentido próprio.
Este regime não abrange, pois, os grupos constituídos por entidades não societários ou mesmo por sociedades civis e nem os grupos constituídos por sociedades comerciais que não correspondam aos requisitos do artigo 481º, do CSC, e cria níveis de tutela diferenciados para várias categorias de trabalhadores.
Esta opção legislativa tem merecido a crítica da doutrina.
Como escreveu Maria do Rosário Palma Ramalho[6] “[é] esta opção do legislador laboral que nos parece questionável, por um motivo axiológico. De facto, com tal limitação, o que o Código do Trabalho instituiu foi um regime de responsabilidade solidária pelos créditos laborais que é exclusivo dos grupos de sociedades em sentido próprio e cujas sociedades membros têm, além disso, que preencher os requisitos do artigo 481º, do CSC, i. e., revestir a forma de sociedade anónima, por quotas ou em comandita por ações […] – por outras palavras, o Código não criou um regime de tutela geral para os trabalhadores cujos empregadores estejam inseridos num contexto de grupo, mas sim um regime de tutela diferenciado para os trabalhadores de alguns tipos de grupos. Ora, sendo certo que as dificuldades acrescidas de satisfação dos créditos laborais pelo empregador, que podem decorrer da influência da empresa dominante do grupo sobre a gestão da sua, são comuns aos grupos societários em sentido próprio e aos grupos de empresas não societárias ou a grupos de sociedades que não constituam uma coligação societária em sentido próprio, desde que configure uma situação de domínio empresarial de facto não se considera adequada a limitação do regime de tutela às primeiras situações.” É esta, também, a jurisprudência desta Secção e Supremo Tribunal de Justiça, não se vendo motivo para a sua alteração. Com efeito, no acórdão de 09.11.2011, proferido no Processo n.º 7332/07.2TTVNG.P1.S1[7], decidiu-se o seguinte: “O art.º 378º do CT, que deve ser visto como um mecanismo adicional de proteção dos trabalhadores, como categoria específica de credores não circunscreve a responsabilidade à sociedade-mãe, alargando o âmbito de aplicação do art.º 501º do Código das Sociedades Comerciais, pois alarga-a a todas as sociedades que se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo com o empregador. Mas a integração daquele preceito exige o recurso ao Código das Sociedades Comerciais, desde logo pela própria remissão que ali é feita para os arts. 481 e sgs. do CSC. Assim, a solução propugnada pelo artigo em análise vale apenas para sociedades que se encontram em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo nos termos dos arts. 481º e sgs. do CSC. E este dispositivo é claro ao restringir o regime em análise às relações entre sociedades por quotas, anónimas e em comandita por ações.”
É, pois, neste âmbito que a questão em causa tem que ser analisada.
Na verdade, é o artigo 334º, do CT, que determina a responsabilidade solidária dos empregadores e as sociedades que com aqueles se encontrem em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nos termos previstos nos artigos 481º e seguintes, do CSC, pelos montantes pecuniários resultantes de créditos emergentes de contratos de trabalho e da sua violação ou cessação, mas é no direito societário que temos de encontrar os pressupostos para a sua efetivação.
As sociedades referidas no artigo 334º, do CT - sociedades de participações recíprocas, sociedades em relação de domínio e sociedades em grupo - são consideradas, para efeitos do CSC, sociedades coligadas – artigo 482º, alíneas b), c) e d). Ora, a norma do artigo 482.º ”[p]lasma um conceito normativo, traça uma classificação ou porventura uma definição legal do macro-conceito de coligação societária. Não constitui uma norma no sentido de estabelecer em si mesmo um dever ser. Mas consagra um conceito e refere subespécies que são auxiliares na interpretação de outras normas jurídicas. O artigo esclarece que existem quatro espécies de «sociedades coligadas» e que apenas estas são qualificadas como tal; existe, assim, um princípio de tipicidade das coligações societárias.[8]” ~~~~~~ 1). A primeira sociedade coligada referida no artigo 334º, do CT, é a sociedade em relação de participações recíprocas.
Verifica-se a existência deste tipo de sociedades coligadas [artigo 485º, do CSC], sempre que uma sociedade possua uma participação igual ou superior a 10% no capital de outra sociedade, e esta última detenha, por sua vez, simultaneamente, uma participação igual ou superior a tal percentagem no capital da primeira. O limiar de 10% é apenas formal. Os seus pressupostos são: 2). A segunda sociedade referenciada é a sociedade em relação de domínio.
Ora, considera-se que duas sociedades estão em relação de domínio quando uma delas, dita dominante, pode exercer, diretamente ou por sociedades ou por pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483º, n.º 2, do CSC, sobre outra, dita dependente, uma influência dominante – artigo 486º, n.º 1, do CSC.
O legislador não definiu o que se deve entender por “influência dominante” e este conceito constitui uma noção praticamente desconhecida do direito e da doutrina societária, ou seja, no nosso ordenamento jurídico não se encontram critérios seguros para a sua caraterização.
No artigo 486º, n.º 2, estabelece-se três presunções de dependência de uma sociedade de outra, ou seja, presume-se que uma sociedade é dependente de uma outra se esta direta ou indiretamente:
Tais presunções são “iuris tantum”, ou seja, ilidíveis, nos termos do artigo 350º, n.º 2, do Código Civil[9].
Acresce que a ideia que perpassa das três alíneas é “[a] detenção por uma sociedade da possibilidade de controlar a gestão de outra sociedade. Tipicamente, tal é normalmente atingido com a detenção da maioria do capital (a)), que permite dispor da maioria dos votos (b)) e assim designar a maioria dos membros dos órgãos sociais (c), em especial a administração.[10]”
3). Por último, a terceira sociedade comtemplada é a sociedade em relação de grupo.
As relações de grupo é a espécie de coligação societária “que denota maior intensidade relacional entre as sociedades, estabelecendo a lei taxativamente de que forma um grupo (de direito, isto é, nos termos da lei) se pode constituir. Em termos de intensidade e regime, poderemos contrapor as relações de grupo às outras formas de coligação societária, com um escasso regime normativo.[11]“
A lei não define o que sejam “grupos” pois limita-se em diferenciá-los das demais relações de colaboração societária através do enunciado das várias formas que podem revestir.
Quanto à sua origem os grupos podem ser de origem contratual – contrato de grupo paritário (artigo 492.º) ou contrato de subordinação (artigos 493.º e seguintes) – ou de origem participativa (com base numa detenção inicial ou superveniente, de 100% do capital a outra (artigo 488º e seguintes).
~~~~~~
Como inicialmente consta, no domínio laboral, em contexto de grupo, esta matéria está consagrada no artigo 334º, do CT, que enquanto regime especial prevalece sobre o regime geral, consagrado no artigo 501º, do CSC.
Ora, o trabalhador, para que possa beneficiar desta garantia creditícia, tem de alegar e provar, ónus que lhe compete, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, por ser facto constitutivo do direito que invoca, a existência das sociedades que se encontram entre si numa situação de participação recíproca, de domínio ou de grupo, nos termos dos artigos 481º e seguintes do CSC.
Vejamos o caso concreto:
~~~~
Ora, a Recorrente fundamenta o seu recurso na tese de que havia um grupo de empresas, denominado “NN”, de que faziam parte, nomeadamente a “II”, a “JJ” e a “KK”, e que continua a laborar, nunca tendo deixado de funcionar.
Alega, também, que existem relações cruzadas entre as diversas sociedades que fazem parte integrante do referido grupo, com participações comuns, “sendo que relativamente aos acionistas só se apurou a identificação de alguns através de algumas atas que foram conseguidas note-se com muita dificuldade” [SIC] – conclusões IIª, IIIª, VIª a IXª, XXIIª e XXIVª.
Afirma que só formalmente é que trabalhava para a “II” e que a “NN” continua a laborar, nunca tendo deixado de funcionar.
~~~~~ Da factualidade provada, resulta que a Ré “II”, com quem as Autoras haviam celebrado os seus contratos de trabalho, era uma sociedade anónima. Porém, não se apurou quem eram os titulares das suas ações, que ela tenha participado no capital das demais Rés ou que sobre elas tenha exercido qualquer tipo de influência dominante. No caso concreto, o Tribunal da Relação, no acórdão recorrido, decidiu não estarem reunidas as condições para a aplicação do regime da responsabilidade definido no artigo 334º, do CT, e que a Ré “JJ …, Lda.” não podia ser considerada responsável pelos créditos laborais da Autora.
Fê-lo com os fundamentos seguintes:
[…] Não se demonstra, por outro lado, que a ré KK seja ou tenha sido sócia da II ou da JJ. Tão pouco se tendo apurado que a ré MM tenha sido sócia da II, e que a KK tenham sido sócia desta última ou da JJ e, como já dito, que esta tenha participado no capital social da II, SA. Também se não provou que entre a II e as rés tenham existido relações enquadráveis na noção de sociedades em relação de grupo, pois se não provou que se tenha instituído grupo por domínio total (90% das sociedades dependentes), nem tão pouco que se tenha constituído grupo paritário ou de subordinação, que como supra se assinalou, estão dependentes da celebração de contrato, o que nem sequer foi alegado. Como refere o Prof. Raúl Ventura, no citado acórdão do STJ de 9.11.2011 […] há uma situação comum aos apontados casos de sociedades relação de grupo “em todos eles há uma entidade que tem o domínio das sociedades pertencentes ao grupo, isto é, que tem a ‘direção unitária’ das sociedades, ou que tem o poder de decisão, em última análise”, o que reafirma-se no presente caso se não provou. Em segundo lugar, e para afastar qualquer outra perspetiva de análise, sempre seria de considerar não ser também a factualidade provada suscetível de se integrar em noção ampliada de grupo, não existindo dados compagináveis com apontadas sociedades de facto entre todas as rés. É verdade ter resultado provado que a II usava a designação de NN, que as rés JJ e KK não tinham pessoal, sendo os trabalhadores daquela que efetuavam o trabalho, e que algumas das autoras para estas rés trabalharam [provou-se que a Autora HH desenvolveu atividade incluída nos serviços prestados pela “JJ” e que esta não tinha quadro de pessoal – facto n.º 22], o que permite afirmar ter existido entre as ditas sociedades estreito relacionamento, pelo menos em termos de pessoal. Contudo, tal factualidade não chega, em nosso entender, para se perspetivar um alargamento do conceito de grupo, já que se ignora como estavam tais sociedades organizadas, nomeadamente em termos económicos e financeiros, com que bases interagiam concretamente entre si, não se dispondo, assim, de elementos que nos permitam afirmar ter existido uma relação de controlo de facto entre tais empresas ou uma direção económica unitária. Ignorando-se também em que medida é que o relacionamento entre elas existente era suscetível de produzir efeitos na estrutura organizativa da empregadora II, e se o mesmo, de algum modo, contribuiu ou influenciou a situação económica em que se veio a encontrar a II, entretanto declarada insolvente.”
Tais fundamentos merecem a nossa concordância.
Como já se referiu, sempre que o empregador integrar uma das modalidades de coligação societária referidas no artigo 334º, do CT, os trabalhadores podem exigir, não só da sociedade empregadora, mas também de qualquer uma das restantes sociedades coligadas, a totalidade dos créditos emergentes do contrato de trabalho, assim como da sua violação ou cessação, verificado que seja o requisito temporal do vencimento há mais de três meses.
Contudo, a solução ali propugnada vale apenas para sociedades que se encontram em relação de participações recíprocas de domínio ou de grupo, tal como configuradas nos artigos 481º e seguintes do CSC, pois a sua integração exige o recurso a este Código, desde logo pela própria remissão que ali é feita.
Assim, a Recorrente para beneficiar daquela garantia creditícia - independentemente da prova de créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação não cumpridos pelo empregador, assim como o seu não pagamento no prazo dos três meses avós vencimento - tinha, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do CC, de alegar e de provar, ónus que lhe competia por ser facto constitutivo do direito que invocou, a existência de uma relação societária relevante nos termos acima expostos, prova essa que não fez. Assim, ao contrário do alegado pela Autora/Recorrente, não se provou a sua tese, como, também, não provou ela, como era seu ónus, que tenha existido qualquer relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo entre as Rés “II” e ”JJ”.
Com efeito, a matéria de facto assente não traduz a existência dessas estruturas organizativas e societárias, que conduza à aplicabilidade do previsto no arrigo 334º, do CT. VI - Decisão:
1) – Pelo exposto acorda-se em negar a revista e, consequentemente, em manter-se o acórdão recorrido; 3) – Custas pela Autora/Recorrente.
Notifique. Anexa-se o respetivo sumário.
~~~~~~~~ Lisboa, 2019.02.06
Ferreira Pinto (Relator)
Chambel Mourisco
Pinto Hespanhol ________________ [1] - N.º 026/2018 – (FP) – CM/PH. [2] - Relatório feito com base nos relatórios da sentença e do acórdão recorrido. [3] - Doravante CT. [4] - As conclusões foram transcritas “ipsis verbis”. [5] - A matéria de facto está transcrita como se encontra no acórdão recorrido. [6] - Grupos Empresariais e Societários – Incidências Laborais, Almedina, 2008, página 636 – sublinhado nosso. No mesmo sentido Júlio Gomes, Direito do Trabalho, I (Relações Individuais do Trabalho), Coimbra Editora, 2007, página 899/903, e Catarina Carvalho, “Algumas Notas sobre os Novos artigos 378º e 379º do Código do Trabalho”, CEJ – Prontuário de Direito do Trabalho, n.º 72, setembro/dezembro de 2005, páginas 84/103. [7] http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7eb583deabcf8ad880257948004ba7db?OpenDocument. [8] - Código das Sociedades Comercias em Comentário, anotação de Orlando Vogler Guiné, com coordenação de Jorge M. Coutinho de Abreu, volume VII, Almedina, 2014, página 44 – “IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho” – Códigos n.º 7. [9] - Doravante CC. [10] - Código das Sociedades Comerciais em Comentário, supracitado, página 47. [11] - Comentário, pagina 49. [12] - Apenas foi admitido relativamente ao segmento do acórdão recorrido que absolveu a R. “JJ, Lda.” a pagar à Autora a quantia de € 21.726,73. |