Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
267/06.0GAFZZ-M.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: EDUARDO LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
INCÊNDIO
FURTO QUALIFICADO
NOVOS FACTOS
NOVOS MEIOS DE PROVA
INCONCILIABILIDADE DE DECISÕES
PROVA PROIBIDA
MEDIDA DA PENA
INCONSTITUCIONALIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: NEGADA A REVISÃO,
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
Decisão Texto Integral:



Autos de Recurso Extraordinário de Revisão
Processo n.º 267/06.0GAFZZ-M.S1
Secção

*

I. RELATÓRIO.

1. Vem o condenado AA – doravante, Requerente – interpor recurso extraordinário de revisão de sentença doacórdão de 9.10.2015 do Tribunal Colectivo do, ora, Juiz …. do Juízo Central Criminal …..1, confirmado em recurso por acórdão de 26.9.2017 do Tribunal da Relação …., complementado por acórdão de 21.12.20172 – complexo decisório doravante designado por Acórdão Recorrido –, que, a par de outro arguido, o condenou, entre o mais, nas seguintes penas pela prática dos seguintes crimes:
─ 1 ano e 6 meses de prisão pela co-autoria de cada um de 4 crimes de furto qualificado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do Código Penal (CP);
─ 1 ano e 6 meses de prisão pela autoria imediata de cada um de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP;
─ 2 anos e 6 meses de prisão, pela co-autoria de crime de incêndio, p. e p. pelo art.os 272º n.º 1 do CP;
─ 10 meses de prisão, pela autoria imediata de um crime de incêndio, sob a forma tentada, p. e p. pelos art.os 272º n.º 1, 22º e 73º do CP;
─ Em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos de prisão.


Funda a revisão nas al.as c), d) e e) do Código de Processo Penal (CPP)3.


Remata o requerimento com as seguintes conclusões e pedido:

─ «a) O presente recurso extraordinário de revisão visa a correção material da gritantemente injusta condenação infligida ao recorrente pela dupla conforme formada pelos acórdãos da primeira instância e da Relação …., mediante o julgamento de questões de fato e de direito novas

b) A ratio essendi, rectius a matriz constitucional do recurso de revisão assenta na conclusão óbvia que entre manter a certeza e estabilidade da sentença, mas injusta, por erro, e procurar corrigir este em benefício da liberdade, obviamente, o direito de liberdade se sobrepõe àquele e até a qualquer outro, porque o mesmo – direito à liberdade – constitui o pilar da organização democrática e constitucional do Estado de Direito baseado na dignidade da pessoa humana.

c) É fundamento do recurso de revisão o erro judiciário que “emerge das situações processuais em que, por dolo, negligência, desconhecimento ou má interpretação do direito, ou errónea apreciação dos factos, foi proferida uma decisão judicial que não se ajusta à verdade dos factos ou à realidade jurídica”. – Mónica Monteiro in Recurso de revisão: Uma abordagem jurisprudencial.

d) É que "…nem tudo se alcança só com a estabilidade e a segurança, mormente se o sacrifício da justiça material - esse princípio estruturante de qualquer sociedade e pedra-de-toque de um Estado de direito democrático, que tem a dignidade humana como valor supremo em que assenta todo o edifício social e político – fosse levado a extremos que deitassem por terra os sentimentos de justiça dos cidadãos, pondo-se, assim, em causa, por essa via, a própria estabilidade e a segurança, que se confundiriam com a tirania ou com a «segurança do injusto», na expressão de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 44. Os cidadãos seriam, desse modo, transformados «cruelmente em vítimas ou mártires duma ideia mais do que errada, porque criminosa, da lei e do direito», como opinou CAVALEIRO DE FERREIRA (cit. por MAIA GONÇALVES no seu Código de Processo Penal Anotado, 2007, 16ª Edição, p. 979.” – Ac. do STJ de 26.04.2012, processo 614/09 in www.dgsi.pt.

e) O recurso de revisão constitui, pois, um meio de repor a justiça e a verdade, derrogando o caso julgado.” - Ac. do STJ de 06.11.2019, processo 739/09 in www.dgsi.pt

f) "Devem ser novos no sentido de não terem sido apreciados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ignoradas pelo réu no momento em que o julgamento teve lugar." – Simas Santos e Leal-Henriques in ob. cit., pág. 206.

g) É inconstitucional a norma do artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que fatos novos devem não só ser novos para o tribunal, como inclusivamente para o condenado recorrente, pois, a excecionalidade do recurso de revisão não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa, ou a adoção de uma estratégia de defesa incompatível com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos processuais».

h) Também é inconstitucional a norma constante no citado artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o principio da separação de poderes, plasmado no artigo 111.º n.º 1 da Constituição, na interpretação de que o Supremo Tribunal de Justiça, pode alterar, por via interpretativa, o conteúdo normativo fixado por lei e até então pacificamente assim interpretado de que os «factos ou meios de prova deviam ter-se por novos quando não tivessem sido apreciados no processo», para, sem qualquer alteração legislativa, passar a prevalecer a norma na interpretação de que «"novos" são tão só os factos e/ou os meios de prova que eram ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal.»

i) Também "Pode ser autorizada a revisão das decisões penais condenatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 673.º do CPP [hoje art.º 449.º n.º 1 al. a)], não quando está em causa a inocência do condenado, mas também o seu grau de responsabilidade." – Ac. do STJ de 72.01.05, BMJ, 213-154, pág. 210.

j) Factos novos são, portanto, todos ou todas aquelas questões que deviam ter sido conhecidas e que se repercutem na responsabilidade criminal do arguido nomeadamente na espécie e dosimetria da pena, incluindo obrigatoriamente as questões de conhecimento oficioso, independentemente de constituírem outrossim causa de nulidade e ter ou não sido suscitada.

k) E se assim é, como é, então, por maioria de razão, impõe-se a admissibilidade do recurso de revisão para se tratar de questões novas, no sentido de que não foram conhecidas nem decididas na decisão anterior e que, demonstrando a existência de erro clamoroso na valoração e subsunção dos fatos à norma, conduziram a uma decisão clamorosa e manifestamente injusta.

l) É inconstitucional a norma constante no artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que não constitui fundamento do recurso de revisão, a correção da qualificação jurídica, por consideração de questões de fato e de direito não abordadas na decisão condenatória e no recurso e que implicam uma diminuição significativa ou outra responsabilidade do arguido em prol da liberdade.

m) É patente a novidade das questões, i. e., não abordadas no processo pelo tribunal, como, de resto, foi reconhecido/afirmado pelo acórdão da relação de 21.12.2017 no qual, face à reclamação de nulidade do acórdão se decidiu que "O que o arguido pretende com a sua reclamação significaria o prolatar de uma decisão distinta, o que não é legalmente admissível, tanto mais que o poder jurisdicional deste Tribunal se encontra esgotado em termos de decisão final."

n) É inconstitucional a norma constante no artigo 449.º n.º 1 al. d) do CPP, por violar o direito ao recurso de revisão da sentença condenatória, consignado no artigo 29.º n.º 6 da Constituição, na interpretação de que não constitui fundamento do recurso de revisão, a correção da qualificação jurídica, por consideração de questões de fato e de direito não abordadas na decisão condenatória e no recurso e que implicam uma diminuição significativa ou outra responsabilidade do arguido em prol da liberdade.

o) O arguido foi condenado (i) «Pela prática, em coautoria com o arguido BB de quatro (4) crimes de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, nº1 e 204º, nº2, al. e) do C. Penal nas penas parcelares de um (1) ano e seis (6) meses prisão para cada um; e (ii) «Pela prática em autoria imediata, de dois (2) crimes de furto qualificado, p. e p., pelos arts.203º, nº 1 e 204º, nº 2, al. e) do C. Penal nas penas parcelares de um (1) anos e seis (6) meses prisão para cada um.»

p) Porém, compulsados os autos vemos que quer a acusação, quer o acórdão do coletivo da primeira instância, bem como o acórdão do Tribunal da Relação …. e o acórdão final da relação omitem completamente o valor de cada bem subtraído em cada um dos episódios na tela, pelo que se impunha e se impõe a correção ex officio da qualificação jurídica de crime de furto qualificado para crime simples como se vai melhor concretizar.

q) Indiscutível é que o «valor» da coisa se trata de um elemento «agravante» do tipo e, portanto, a sua omissão traduz-se na violação do princípio da legalidade e da tipicidade penal.

r) II - Estando a punição do crime de furto relacionada com o valor da coisa móvel subtraída ou tentada subtrair, tem de ser provado qual o valor dos objetos, para se saberse estamos perante crime simples ou qualificado. III - Quando não foi possível quantificar o valor da coisa, por mais favorável ao arguido tem de entender-se que o seu valor é diminuto." Ac. do STJ de 12.11.1997,processo n.º 97P861, relatado pelo juiz conselheiro Andrade Saraiva in www.dgsi.pt

s) Por outro lado, nos termos do artigo 204.º n.º 4 do Código Penal, não há lugar à qualificação se a coisa ou o animal furtados forem de diminuto valor, o que significa que "O valor diminuto da coisa (n.º 4) impede que as circunstâncias das diversas alíneas dos n.ºs 1 e 2 funcionem como agravativas." Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos in ob cit., pág. 658.

t) A norma constante nos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, alínea e) do Código Penal, aplicada é, inconstitucional, por violar o princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal constante no artigo 29.º n.º 1 da Constituição, por não constar da acusação e acórdãos condenatórios o elemento agravante do tipo «valor elevado» com a consequente desconsideração legal das agravantes dos n.º 1 e 2 do artigo 204.º.

u) Por outro lado, vendo a factualidade provada, não há a menor dúvida que existe uma única resolução criminosa, concretizada num limitetemporal até bastante curto, entreprincípiosde Outubroa fins deNovembro de 2006, o mesmo modus operandi, a mesma área geográfica, objetos de reduzido valor, aliás, aparentemente a grande maioria de valor diminuto ou residual, pelo que forçoso é concluir que é incorreta qualificação jurídica efetuada nos acórdãos condenatórios.

v) Aliás, essa unidade de resolução é, a dada altura, afirmada pelo tribunal coletivo de primeira instância quando afirma (pág. 11) que "demonstrando-se até ter havido o delinear prévio de um plano", pelo que de acordo com o citado artigo 30.º n.º 1 do Código Penal o arguido pode ser condenado por um único crime de furto simples, tratando-se de questão de conhecimento oficioso e cuja falta de pronúncia permite a sua apreciação neste recurso de revisão.

w) E assim sendo, a pena a aplicar, considerando a aplicação, ipso facto do regime constante no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, deve equivaler à pena aplicada no caso sub judice para o crime de furto de 1 ano e seis meses e nada mais.

x) No que concerne ao crime de incêndio pelo qual o arguido veio condenado, certo é que constitui novo meio de prova a consideração de ausência do valor de cada bem incendiado, pois as instâncias se limitaram a considerar os danos colaterais computados e não o real valor das coisas incendiadas.

y) Certo é outrossim que se surpreende uma manifesta insuficiência da matéria de facto para a condenação, subsistindo uma insuportável dúvida de quem, como e quando provocou o incêndio? sendo que o único traço comum ao incêndio e a tentativa é alguma proximidade temporal com as subtrações, podendo ter sido qualquer pessoa que não o arguido.

z) Acresce que o crime de incêndio na forma tentada (296/…) a que se refere o episódio de 23.10.2006 (ponto 22 dos factos assentes) e pelo qual o arguido foi condenado não integra a tipicidade prevista no artigo 272.º n.º 1 do Código Penal na medida em que os objetos alvo da tentativa de incêndio não integram o conceito "bens patrimoniais alheios de valor elevado", pois, se algum valor tinham, seria sempre diminuto e, assim sendo falha um dos elementos do tipo pelo qual foi condenado.

aa) Existe insuficiência da matéria de facto, no que às condenações pelo crime de incêndio diz respeito, uma vez que também não é referido, ou melhor, fundamentado se quando foi provocado o fogo este tinha em vista apenas a eliminação de objetos, como, de resto, parece indiciar a factualidade dada por assente, o que releva para a qualificação do crime, pois a eventual propagação do incêndio a partes não desejadas (assim elevando o valor dos bens patrimoniais alheios) faz subsumir a conduta ao disposto no 272.º n.º 2 do Código Penal.

bb) Pois que o releva para efeitos de qualificação ou agravação do crime é o valor da coisa a incendiar ou incendiada e não os eventuais danos resultantes da propagação não desejada do incêndio a outras partes ou bens, questão que também ficou por conhecer e decidir pelas instâncias e assim se trata de questões imbricados em questões-de facto que não foram apreciadas e, aliás, deviam ter sido ex officio.

cc) Aliás, as razões invocadas pelo tribunal coletivo de primeira instância, "mas por quem e em que circunstâncias" para a absolvição no crime de incêndio no processo 271/06……., deviam ter conduzido forçosamente à absolvição do arguido, porquanto as mesmas dúvidas subsistem nos episódios pelos quais foi condenado já que a indicação pelo arguido do local onde foi cometido o furto não responde por si só ou em conjugação com o demais probatório a tais questões.


dd) A norma constante no artigo 127.º n.º 1 conjugada com o artigo 355.º n.º 1 do CPP, aplicada nos presentes autos é inconstitucional, por violar o princípio da legalidade e tipicidade consignado no artigo 29.º n.º 1 da Constituição, ao dar por provado o crime de incêndio p.p. pelo art. 272.º n.º 1, al. e) do Código Penal, sem se indicar quem, como, animus, onde e quando foi ateado o incêndio, bastando-se com uma conexão temporal, não concretizada, com um anterior crime de furto praticado pelo arguido.

ee) Também a norma constante no artigo 127.º n.º 1 conjugada com o artigo 355.º n.º 1 do CPP, aplicada nos presente autos é inconstitucional, por violar o princípio de presunção da inocência, consignado no artigo 32.º n.º 2 da Constituição, ao condenar o arguido pelo crime de incêndio p.p. pelo art. 272.º n.º 1, al. e) do Código com o fundamento de que "Tendo havido incêndios nos locais objeto de furto, na mesma altura da prática dos factos e tendo sido indicados pelo arguido AA tais locais igual conclusão se pode retirar.".

ff) Seja como for, mesmo que assim se não entenda, o recurso de revisão é de admitir também no que concerne ao crime de incêndio para se proceder à unificação da conduta e condenar-se o arguido numa pena única no limite mínimo e aqui há que ponderar que não foi produzida qualquer prova quanto ao valor dos bens incendiados pelo que se tem que lhe aplicar o regime mais favorável, ou seja, o regime constante do artigo 272.º n.º 2 do Código Penal cujo mínimo é 1 ano de prisão.

De todo o exposto, resultam novos meios de prova que impõem a revisão da sentença para:


a) Absolver o arguido da prática de dois crimes de incêndio, um na forma tentada;


b) Corrigir a qualificação jurídica dos factos, convolando-se a condenação do arguido para a prática de um único crime de furto simples, p.p., pelo artigo 203.º n.º 1 do Código Penal na pena de 1 ano e seis meses, que corresponde à dosimetria encontrada pela primeira instância, ainda que pela prática de um crime de furto agravado, que, como visto, não se verificou, e por aplicação do regime especial para jovens delinquentes;

c) Se não se entender ser de absolver o arguido da prática dos dois crimes de incêndio, então deve ser outrossim corrigida a qualificação jurídica dos factos, uma vez que não foi feita qualquer prova do elemento do tipo «bens patrimoniais alheios de valor elevado» (que não se confunde com os chamados danos colaterais), pelo que a punição terá de ser sempre a título de negligência, nos termos do artigo 272.º n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão, considerando outrossim o regime especial para jovens delinquentes;

d) No cúmulo jurídico, considerando-se todas as circunstâncias a favor do arguido, designadamente estar perfeitamente inserido e ressocializado e não constar a prática de quaisquer crimes desde então, inexistindo, portanto particulares exigências de prevenção especial e não podendo as exigências de prevenção geral superar aquelas, deve ser aplicada a pena única de 2 anos de prisão cumprida, isto sem prejuízo de se defender até à exaustão que a condenação pelo crime de incêndio não está conforme a lei e a Constituição, invocando-se que a «justa» condenação não interessa apenas ao arguido e ao Ministério Público mas, e sobretudo, à comunidade para poder continuar a confiar que em Portugal, enquanto estado de direito democrático, baseado na dignidade da pessoa humana, ninguém é condenado sem provas inequívocas de que cometeu o crime, ou seja, o princípio de in dubio pro reo não é mera retórica constitucional ou doutrinária;

e) Seja qual a “solução” que o tribunal entenda por adequada à face das questões concretamente invocadas, a pena deve ser revista de modo a ser fixada num limite igual ou inferior a 5 anos, de modo a permitir a sua suspensão na parte excedente, por, quanto mais não fosse, manifesta desnecessidade da pena, face à atual situação familiar e social do arguido, assim se fazendo cumprir a função do Direito Penal.

TERMOS EM QUE


Se roga aos egrégios juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça a autorização da revisão, para que a final seja proferida sentença condenatória em conformidade com a lei penal e processual penal, pois só assim se reporá e fará JUSTIÇA.
[…]».


2. O recurso de revisão foi admitido por douto despacho da Senhora Juíza do Juízo Central Criminal …….

3. A Senhora Procuradora da República ….. respondeu ao recurso, pronunciando-se pelo seu improvimento.

4. A Senhora Juíza mandou subir os autos de recurso a este Supremo Tribunal de Justiça.


5. Neste Supremo Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de não ser autorizada a revisão, dizendo, em suma, verificar-se «total ausência da verificação dos requisitos enunciados na al. c), do nº 1, do art. 449º, do Cod. Proc. Penal»; não virem indicados «quaisquer factos e/ou meios de prova novos que suscitem quaisquer dúvidas sobre a sua condenação […] nem […] que provas proibidas enunciadas no art. 126º do Cod. Proc. Penal foram utilizadas para a […] condenação»; conformar o Recorrente o recurso como se de um recurso ordinário se tratasse «pondo em causa a forma como foi apreciada a prova produzida em julgamento e a medida das penas que lhe foram aplicadas»; e não servir «a divergência do recorrente […] quanto à avaliação e quanto à valoração das provas feitas pelo Tribunal em 1ª Instância, e pelo Tribunal da Relação ……, e quanto à medida das penas que lhe foram aplicadas, […] para fundamentar a procedência de um recurso extraordinário de revisão».

6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

A. Recurso de revisão: considerações gerais.

7. O recurso de revisão é um meio extraordinário de reacção contra sentenças e, ou, despachos a elas equiparados, transitados em julgado, nos casos em que «o caso julgado se formou em circunstâncias patológicas, susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa eliminar o escândalo dessa injustiça»4.
O caso julgado concede estabilidade à decisão, servindo por isso o valor da segurança na afirmação do direito que é um dos fins do processo penal.
Mas fim do processo é, também e antes do mais, a realização da justiça. Por isso se não confere valor absoluto ao caso julgado, que deve ceder em situações de gravíssima e comprovada injustiça, garantindo o art.º 29º n.º 6 da Constituição da República Portuguesa o direito à revisão da sentença «nas condições que a lei prescrever».

Espaço de realização, desse modo, do compromisso adequado entre os valores da segurança e da justiça, o recurso de revisão da sentença penal está regulado nos art.os 449º a 466º, enunciando, logo, o primeiro deles os – todos os – fundamentos respectivos5, a saber – n.º 1 –, o de uma «outra sentença transitada em julgado» ter «considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão» – al.ª a) –; o de uma «outra sentença transitada em julgado» ter «dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo» – al.ª b) –; o de os «factos que» serviram «de fundamento à condenação» serem «inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª c) –; o de se «descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ªd) –; o de se «descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º» – al.ª e) –; o de ser «declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação» – al.ª f) –; e o de uma «sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional» ser «inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça» – al.ª g).

E enunciação, assim, taxativa por causa da natureza do instituto da revisão: contendo, na sua razão de ser, um atentado frontal ao valor da segurança jurídica inerente à ideia do Estado de Direito proclamada no art.º 2º da CRP, só motivos de excepcional atendibilidade e devidamente especificados o podem legitimar e em não mais do que o estritamente necessário à realização dos valores, conflituantes, da descoberta da verdade e da realização da justiça, aliás, em nome da sua própria conformidade constitucional.

8. Sendo, por tudo, um expediente excepcional que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito», só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar o recurso de revisão.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa»6: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias»7.

9. No que especificamente respeita ao fundamento de revisão previsto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 449º, a primeira nota é a de que «contém dois pressupostos, de verificação cumulativa […], por um lado, a inconciliabilidade entre os factos que serviram de fundamento à condenação e os dados como provados noutra sentença e, por outro lado, que dessa oposição resultem dúvidas graves sobre a justiça da condenação»8.
Depois:


Podendo servir como contraponto da criminal «qualquer outra sentença, seja ela absolutória ou condenatória, proferida em processo criminal ou noutro» e antes ou depois dela, certo é que a «inconciliabilidade de decisões que pode fundar a revisão tem de referir-se aos factos que fundamentam a condenação e os factos dados como provados em outra decisão […], o que significa que é necessário que entre esses factos exista uma relação de exclusão, no sentido de que, se se tiverem por provados determinados factos numa outra sentença, não podem ser, ao mesmo tempo, verdadeiros os tidos por provados na sentença revidenda», só existindo «verdadeira contradição para o efeito que aqui interessa, entre factos provados em decisõesdiferentes, que se não conciliem e respeitem à mesma pessoa condenada, e que contendam com a responsabilidade criminal desta»9.

E a inconciliabilidade, em si mesma, há-de traduzir-se «em contradição, em conjunções de factos que se chocam, seja por contradição física ou natural, seja por desconformidade da ordem da razão lógica entre relações factuais, de tal modo relevantes para gerar incerteza sobre os fundamentos da condenação»; há-de verificar-se entre factos provados,apenas – e não, v.g., entre provados e não provados –;ehá-derespeitar«à imputação do crime, aos seus elementos constitutivos ou à escolha e medida das sanções principais e acessórias»10.

10. Já quanto ao fundamento previsto no art.º 449º n.º 1 d) do CPP – outro dos convocados pelo Requerente –, exige-se, logo, que se apurem factos ou meios de prova que possam considerar-se novos, e depois, e cumulativamente que tais factos e, ou, meios de prova, em si e na sua articulação com os já adquiridos e produzidos no julgamento revidendo, ponham em grave dúvida a justiça da condenação.

Condição que, assim, precede todas é a de que os factos sejam na realidade factos, isto é, sejam recortes de um acontecimento histórico, recortes de um assunto ou pedaço da vida imputado a determinado indivíduo cuja reconstituição se prossegue em vista de aferir a sua relevância criminal11. E sendo que não o são, designadamente, as questões de direito, sejam elas quais forem, desde invalidades e outros vícios de sentença, ou erros na subsunção típica ou na escolha da pena e determinação da sua medida, ou erros na apreciação das provas12.
E, similarmente, meios de prova que sejam na realidade meios de prova, isto é, «fontes de conhecimento postas à disposição do» decisor «e de que»este «se serve para colher dados indispensáveis à formação da sua convicção acerca dos factos probandos»13, v. g., a prova por testemunhas, por declarações, por acareação, por reconhecimento, por reconstituição do facto, por perícia ou por documento. E sendo que também não o são os juízos críticos lançados sobre os juízos probatórios firmados sobre as provas produzidas no julgamento revidendo em ordem a suscitar o seu reexame e a infirmar as suas conclusões.
Na sua acepção mais comum, «[a] expressão "factos ou meios de prova novos", constante do fundamento de revisão da alínea d) do n° 1 do artigo 449º do CPP, deve interpretar-se no sentido de serem aqueles que eram ignorados pelo tribunal e pelo requerente ao tempo do julgamento e, por isso, não puderam, então, ser apresentados e produzidos, de modo a serem apreciados e valorados na decisão»14.
Concedendo, todavia, alguma jurisprudência que ainda sejam novos os factos ou meios de prova já conhecidos ao tempo do julgamento pelo requerente, desde que este justifique «porque é que não pôde, e, eventualmente até, porque é que entendeu, na altura, que não devia apresentar os factos ou meios de prova, agora novos para o tribunal»15.

11. Condição necessária da revisão, a existência de factos inconciliáveis firmados noutra sentença e a descoberta de novos factos ou meios de prova não é, como já dito, suficiente, havendo uns e, ou, outros de lançarem «graves dúvidas sobre a justiça da condenação» – al.ª c) e d) citadas, parte final.
E dúvidas efectivamente graves ou sérias, que «[a] dúvida relevante para a revisão de sentença tem, pois, de ser qualificada; há-de subir o patamar da mera existência, para atingir a vertente da "gravidade" que baste», não sendo «uma indiferenciada "novaprova" ou um inconsequente "novofacto" que, por si só, terão virtualidade para abalar a estabilidade razoavelmente reclamada por uma decisão judicial transitada»16.

12. Quanto,porfim, aofundamento da al.ª e) don.º1 do art.º449º –o sobrante dos invocados pelo Requerente e assente na descoberta de terem servido à condenação provas proibidas –, cumpre dizer o seguinte:

«Nos termos do art.º 126.º do CPP, os métodos proibidos de prova são de duas categorias, consoante a disponibilidade ou indisponibilidade dos bens jurídicos violados: os absolutamente proibidos, pelo uso de tortura, coacção ou em geral ofensas à integridade física ou moral – n.os 1 e 2 –, que não podem em caso algum ser utilizados, mesmo com o consentimento dos ofendidos, e os relativamente proibidos – n.º 3 –, que respeitam ao uso de meios de prova com intromissão na correspondência, na vida privada, domicílio ou telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular»17.
E podendo tanto uns como outros servir de fundamento de revisão18.


Não basta à revisão, porém, que se detectem provas nulas, mas ainda que tal só aconteça depois da decisão: «o fundamento de revisão constante da alínea e) do n.º 1 do artigo 449º só é relevante quando descoberto após a prolação da decisão, sendo que, tal como sucede relativamente ao fundamento previsto na alínea d) (novos factos ou meios de prova), só será atendível em recurso de revisão se o recorrente provar que só depois da condenação teve conhecimento da existência da prova proibida. De outro modo estar-se-ia a transformar o instituto de revisão de sentença em outro grau de recurso [...]»19. O que, designadamente, «implica que "as provas em questão não tenham sido apreciadas no julgamento ou tendo-o sido só após aquele se tenha descoberto que foram obtidas através de métodos proibidos de prova"»20.
E hão-de as provas ter servido de fundamento à condenação, entendendo-se como tais «todas aquelas que lhe tenham sido determinantes, necessárias e essenciais, mesmo que não de per si, mas tão-somente em conjugação com as outras provas produzidas»21.

13. Isto dito:

B. O mérito do recurso.

14. Revistas, então, a motivação e conclusões do requerimento inicial, tem-se que, assentando no conceito de que «[f]actos novos são […] todos ou todas aquelas questões» de facto e de direito «que deviam ter sido conhecidas e que se repercutem na responsabilidade criminal do arguido nomeadamente na espécie e dosimetria da pena, incluindo obrigatoriamente as questões de conhecimento oficioso, independentemente de constituírem outrossim causa de nulidade e ter ou não sido suscitada», convoca o Requerente em apoio da revisão uma série de circunstâncias que – diz – não «foram conhecidas nem decididas na decisão anterior e que, demonstrando a existência de erro clamoroso na valor ação e subsunção dos fatos à norma, conduziram a uma decisão clamorosa e manifestamente injusta».
Circunstâncias essas as seguintes:

─ O erro na subsunção jurídica dos crimes de furto qualificado por que foi condenado, que tanto a 1ª instância como o Tribunal da Relação integraram nos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP, mas que– diz – deveria ter sido reconduzido para a previsão do tipo simples daquele art.º 203º por, desconhecido o valor dos bens subtraídos, dever ele ser reputado de diminuto e afastada, na consequência, a qualificação do tipo nos termos art.os 204º n.º 4 do CP.
─ O erro na determinação do número de crimes de furto efectivamente praticado, não seis como decidiram as instâncias, mas apenas um perante o disposto no art.º 30º n.º 1 do CP que, como flui dos factos assentes, tudo foi mediado por uma única resolução criminosa.
─ O erro na determinação da sanção, que havia de ter sido condenado somente numa pena de prisão de 1 a e 6 meses pelo único furto praticado, não nas seis penas, parcelares, de 1 ano e 6 meses de prisão e na conjunta de 7 anos.
─ A insuficiência da matéria de facto para as condenações pelo crime de incêndio, se não a dúvida inultrapassável sobre a própria ocorrência dos factos, que deverá conduzir à sua absolvição.
─ No mínimo, ainda quanto aos crimes de incêndio, o erro na determinação do número de crimes de furto efectivamente praticado, na realidade apenas um e a punir no quadro do tipo negligente do n.º 2 do art.º 272º do CP com 1 ano de prisão, e não como aconteceu, no do n.º 1 do preceito e nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses, o consumado, e de 10 meses de prisão, o tentado.

A mais disso, esgrime o Requerente diversas inconstitucionalidades em apoio da admissibilidade e procedência do recurso de revisão, concretamente, a do art.º 449º n.º 1 al.ª d), por violação do direito ao recurso de revisão consagrado no art.º 29º n.º 6 da CRP e por violação do princípio da separação de poderes consagrado no art.º 111º n.º 1 da CRP; a dos art.os 203º n.º 1 204º n.º 2 al.ª e) do CP, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal consagrado no art.º 29º n.º 1 da CRP; e a do art.º 127º, conjugado com o art.º 355º n.º 1, por violação do princípio da legalidade e da tipicidade em matéria penal consagrado no art.º 29º n.º 1 da CRP e da presunção da inocência, consagrado no art.º 32º n.º 2 da CRP.

E pede:

─ A absolvição relativamente aos crimes de incêndio, ou, no mínimo, a condenação pela prática de um só crime, aliás, o por negligência p. e p. pelo art.º 272º n.º 2 do CP, na pena de 1 ano de prisão;
─ A convoloção dos seis crimes de furto qualificado num só crime de furto, aliás, o simples p. e p. pelo art.º 203º n.º 1 do CP, e a condenação na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
─ Em cúmulo jurídico, na hipótese de condenação pelo incêndio, a condenação em 2 anos de prisão.
─ Em qualquer circunstância, a redução da pena única de 7 anos de prisão decretada para não mais do que 5 anos, de molde a permitir a suspensão da sua execução nos termos do art.º 50º do CP.

15. Veja-se, então, do fundamento do recurso.

Antes, porém, e a benefício de uma mais fácil discussão, esboce-se a traço (muito) grosso, o quadro facto-procedimental em que insere o presente recurso extraordinário.

Assim:

(1). Por acórdão de 26.5.2011 do Tribunal Colectivo do, então, Tribunal Judicial da Comarca …., foi o Requerente condenado, além do mais, nas penas prisão de 2 anos e 8 meses por cada um de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) – quatro em co-autoria; dois em autoria singular –; de 4 anos por crime de incêndio, consumado, p. e p. pelo art.º 272º n.º 1 do CP; de 18 meses por crime de incêndio, tentado, p. e p. pelos art.os 272º n.º 1, 22º e 73º do CP; e de 11 anos a título de pena conjunta.
(2). Recorreu para o Tribunal da Relação …. acusando, entre o mais, a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia por não ter equacionado a aplicação do regime penal dos jovens delinquentes e por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada quanto aos aspectos pessoais, familiares e de personalidade necessários à determinação da medida da pena.
(3). O recurso procedeu nessa parte, sendo, em acórdão de 3.12.2014, decretado o reenvio do processo para suprimento das invalidades, em novo julgamento e após a realização das diligências necessárias.
(4). Nos termos do mesmo acórdão, tanto a matéria de facto como a sua qualificação jurídica ficaram definitivamente decididas em tudo o que interessava à figuração da culpabilidade do Requerente pelos crimes de furto qualificado e de incêndio por que vinha condenação de …….
(5). Repetido o julgamento nos segmentos anulados, foi proferido o acórdão de 9.10.2015 do Tribunal Colectivo ..…. aqui co-sujeito a revisão, dele saindo o Requerente condenado nos termos melhor descritos em 1. supra, recordando, em 1 ano e 6 meses de prisão por cada dos seis crimes de furto qualificado, em 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de incêndio consumado, em 10 meses de prisão pelo crime de incêndio tentado e em 7 anos de prisão por pena conjunta.
(6). De novo inconformado, recorreu o Requerente para o Tribunal da Relação …, suscitando, entre o mais, a apreciação de questões relativas à culpabilidade, tanto no respeitante à fixação dos factos como à qualificação jurídica.
(7). Esse tribunal, no acórdão de 26.9.2017 aqui co-recorrido, recusou, porém, a pronúncia sobre essas questões, por considerar transitado, nesses aspectos, o acórdão do Tribunal da Relação …. de 3.12.2014, o que fundamentou nos seguintes termos:
─ «Como já se referiu, a matéria apurada já se encontrava fixada pelo acórdão anteriormente proferido pelo Tribunal da Relação …, sendo que a mesma se mostra transcrita no acórdão sub judice, conforme acima consta, havendo que decidir, portanto, tão somente quanto às questões do reenvio, sendo que estas se prendem com os factos respeitantes à situação pessoal, nomeadamente, na vertente de personalidade, familiar e profissional do arguido, bem como da aplicação da legislação especial para jovens delinquentes, e da consequente determinação das medidas concretas das penas parcelares, e da pena única, sendo que o recorrente as reputa de excessivas.
Desde logo, cumpre referir que o arguido recorrente vem invocar uma série de questões, estas relacionadas com a sua falta de comparência à primeira das audiências de julgamento realizadas, entendendo que essa falta dificultou a sua defesa.
Ora, tais matérias não podem constituir o objeto do presente recurso, já que as mesmas se encontram decididas com trânsito em julgado, tendo interessado,eventualmente, ao anterior recurso já conhecido pelo Tribunal da Relação …...
O mesmo sucede com as declarações de ofendidos juntas aos autos, já que as mesmas não podem pôr em causa a matéria apurada, a qual se encontra fixada, como já se referiu.
Acresce, que inexiste qualquer extinção de procedimento criminal, conforme foi decidido, sendo certo que esta questão não constitui o objeto do presente recurso.
O arguido recorrente vem reiterar a sua declaração de inocência. Porém, não podemos esquecer que a prova apontou noutro sentido, e que a matéria de facto no que respeita às acusações já se mostra fixada, não estando o arguido obrigado à verdade sobre a mesma- cfr. artigo 343°, no 1, do Código de Processo Penal.»
(8). E considerando, assim, restringido o recurso à questão da medida concreta das penas, parcelares e conjunta, que o Requerente continuava a considerar excessivas, pedindo a fixação da única em não mais do que 5 anos de prisão respectiva suspensão, julgou-o improcedente, com confirmação in totum do acórdão do Tribunal Colectivo de …..
(9). Ainda irresignado, reclamou o Requerente desse acórdão com fundamento em nulidade de omissão de pronúncia, estruturando o requerimento pelo seguinte modo:
─ Suscitou, quanto figuração e qualificação dos crimes de furto e de incêndio, as a apreciação das mesmas questões em que, ora,funda o presente recurso de revisão, a saber, quanto aos primeiros, a da requalificação jurídica dos factos de molde a reconduzi-los para prática de um só ilícito e do tipo simples do art.º 203 n.º 1 do CP, e, quanto aos segundos, as da insuficiência da matéria de facto, da atipicidade, da interpretação inconstitucional dos art.os 127º n.º 1 e 355º n.º 1, da unificação criminosa por via da unicidade de resolução e da absolvição ou, pelo menos, da requalificação no tipo negligente do art.º 272º n.º 2 e da punição com não mais do 1 ano de prisão, e tudo assim com apoio em fundamentação essencialmente idênticos à que aos que, ora, sustenta neste recurso de revisão.
─ Apoiou-as em argumentário essencialmente idêntico, no seu mor sobreponível, ao que desenvolve neste recurso.
─ Deduziu pedidos que, com as ligeiríssimas variações exigidas pela diferente natureza, ali, do procedimento, anteciparam ipsis verbis os que, ora, constam do requerimento inicial do recurso, transcrito a final de 1. supra., a relembrar, a absolvição pelos crimes de incêndio; a convolação para um único crime de furto simples dos seis do anterior e a condenação em 1 ano e 6 meses de prisão; a absolvição pelos crimes de incêndio ou, pelo menos, a condenação por um crime apenas, a título de negligência e em 1 ano de prisão; a haver condenação por um crime de incêndio, a fixação da pena única em 2 anos de prisão; em qualquer circunstância, a redução da pena única a não mais do que 5 anos de prisão, de molde a permitir a sua suspensão executiva.
(10). O Tribunal da Relação …., em acórdão de 21.12.2017, indeferiu a reclamação com apoio na seguinte fundamentação:
─ «Com efeito, e conforme se constata do acórdão recorrido, este Tribunal conheceu de todas as questões que lhe competia, nos termos do que consta no acórdão que já havia sido prolatado e que determinou o reenvio do processo,
Por outro lado, não se vislumbra que o dito acórdão padeça de qualquer nulidade.

O que o arguido pretende com a sua reclamação significaria o prolatar de uma decisão distinta, o que não é legalmente admissível,tanto mais que o poder jurisdicional deste Tribuna lse encontra esgotado, em termos de decisão final. Acresce, que a matéria atinente à possibilidade de correção de uma sentença consta do artigo 380° do Código de Processo Penal.
Ora, não está em causa nenhuma das ditas situações.».


16. Isto consignado, vejam-se, então, os fundamentos do recurso.

a. Os fundamentos de revisão das al.as c) e e) do art.º 449º n.º 1.

17. Para lá da al.ª d) do n.º 1 do 449º de que se cuidará infra, convoca o Requerente em apoio do pedido de revisão as al.as c) e e) do mesmo preceito, que tratam, aquela, do fundamento inconciliabilidade dos factos fundantes da condenação com outros provados noutras sentença, e, esta, do fundamento descoberta de a condenação se ter baseado em provas proibidas.

Sucede, todavia que – e centram-se já atenções sobre a al.ª c) referida –, o Requerente não invoca neste recurso, sequer implicitamente, qualquer facto provado noutro lugar respeitante à sua pessoa e contendente com a sua responsabilização criminal que seja lógica e ontologicamente incompatível com algum(ns) (dos) dado(s) como provado(s) no Acórdão Recorrido, muito menos identifica qualquer sentença – e, como é entendimento jurisprudencial consolidado, apenas uma sentença no sentido estrito do art.º 97º n.º 1 al.ª a) de acto decisório que conhece a final do objecto do processo serviria – onde ele se mostrasse estabilizado com trânsito.

E praticamente o mesmo acontece com relação ao fundamento da al.ª e), que também não se vê na peça de recurso referência fundamentada a prova proibida que possa ter inquinado afixação de algum facto que tenha concorrido para a definição da culpabilidade no Acórdão Recorrido, nem mesmo quando o Recorrente acusa, mas sem que minimamente explicite e fundamente o argumento, a interpretação inconstitucional do art.º 127º conjugado com o art.º 355º n.º 1, por violação da princípio da legalidade e da tipicidade penal do art.º 29º n.º 1 da CRP e do princípio da presunção da inocência

O que, tudo, dita inapelavelmente o indeferimento do pedido de autorização da revisão com base nesses fundamentos, como de imediato e sem necessidade de mais detidas considerações, aqui vai decidido.

b. O fundamento da al.ª d) do n.º 1 do art.º 449º.

18. Mas diz também o Requerente que a revisão deve ser autorizada com base na descoberta de factos e meios de prova novos que põem em grave dúvida a justiça da condenação de que fala o art.º 449º n.º 1 al.ª d), centrando, aliás, nesse fundamento o melhor dos seus esforços e do seu argumentário.
Mas sem que possa ser atendido, diz-se já, e por quatro ordens de razões que, qualquer uma delas, compromete irremediavelmente o êxito do recurso.

Com efeito:


19. A primeira ordem de razões decorre dos conceitos de factos e meios de prova no contexto do art.º 449º n.º 1 al.ª d), que o Requerente quer que, in casu, sejam, os primeiros, as questões de direito que,devendo tê-lo sido, não foram apreciadas no Acórdão Recorrido –mormente, o diferente juízo subsuntivo típico dos crimes de furto e de incêndio porque se bate, tanto no momento de decidir pela figuração objectiva e subjectiva ilícitos como pela unidade de infracções, e as correspondentes invalidades de sentença que diz terem sido cometidas – e, os segundos, o (re)exame crítico do juízo probatório que esteve na base da fixação dos factos e os erros de apreciação que diz terem sido cometidos.
Porém, não são essas as realidades que a norma tem em vista quando fala de factos e meios de prova, antes sim, e respectivamente, o acontecimento histórico ou o assunto ou pedaço de vida real22 e as fontes de conhecimento probatório23 de que, tudo, melhor se falou em 10. supra e que aqui se recorda.

Ora, nada disso trazendo a juízo, antes as questões de direito sempre referidas, o que em boas contas acontece é que, afinal e em contrário do que constitui exigência primeira do art.º 449º n.º 1 al.ª d), o recurso não se baseia, como cumpria, em factos e meios de prova, estando, por isso, desprovido de fundamento24.
O que impede a intervenção da norma em prol da autorização da revisão, que logo por aí tem de ser indeferida.

20. A segunda ordem de razões referencia-se ao requisito da novidade que, suposto que qualificáveis como factos e meios de prova, as questões convocadas no recurso igualmente deviam satisfazer.
Mas acontece que, mesmo nesse cenário hipotético – que, aliás, aqui só se traça a benefício de raciocínio –, jamais se concebe que tais questões possam ser novas em qualquer um dos sentidos que assinalaram em 10., ou não as tenha o Requerente esgrimido anteriormente no processo – concretamente, por ocasião da reclamação por nulidade do acórdão do Tribunal da Relação …. de 26.9.2017, e sobre as quais esse tribunal só não decidiu por obstáculo do caso julgado parcial que no acórdão da Relação … de 3.12.2014 se formou sobre a culpabilidade –, ou não as devesse ter esgrimido, logo, por ocasião da notificação do acórdão do Tribunal Colectivo ……, arguindo-as no recurso que dele interpôs, que teria sido o lugar e o momento próprios para o fazer.

Razões estas que, assim, igualmente impõem o indeferimento da autorização da revisão.


21. A terceira ordem de razões respeita às finalidades que o Requerente persegue na revisão que, pelo menos no que refere à pretensão de ver reponderada a medida de algumas das penas jamais pode ser viabilizada, por oposição do art.º 449º n.º 3.

22. A quarta e última ordem de razões – porventura, a mais decisiva –, emerge do manifesto erro de perspectiva por que o Recorrente encara o recurso de revisão, vendo-o – e conformando-o – como um – mais um! – recurso ordinário em que intenta discutir, por mais uma vez, as questões relativas à figuração da sua culpabilidade e à determinação da sanção em vista do seu reexame, e não como o procedimento de excepcionalidade que na realidade é, só admissível nos casos especificamente previstos no art.º 449º n.º 1 e legitimado pelas circunstâncias patológicas em que o caso julgado se formou e pela injustiça clamorosa que produziu.
E que se trata materialmente de um recurso ordinário sob a aparência formal de um recurso extraordinário é algo sobre que o seu conteúdo e estrutura não deixam quaisquer dúvidas, como, aliás, muito oportunamente evidencia a Senhora Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal no parecer previsto no art.º 455º, mormente, nos passos que seguem:

─ «Na verdade, após uma análise da motivação do recurso apresentado pelo recorrente AA e das respectivas conclusões, verifica-se que o mesmo apenas se insurge contra as decisões proferidas pelos Tribunais (de 1ª e 2ª instância), pretendendo ver novamente reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça a prova produzida e a medida das penas que lhe foram aplicadas, o que não se compadece com a natureza de um recurso de revisão, que reveste natureza extraordinária, e que não admite uma nova análise das decisões revidendas.
[…].

E, o que se verifica é que o recorrente AA estruturou o recurso de revisão como se se tratasse de um recurso normal para o Tribunal da Relação, pondo em causa a forma como foi apreciada a prova produzida em julgamento e a medida das penas que lhe foram aplicadas.
Assim, é manifesto que o recorrente AA pretende apenas que se proceda a uma nova reapreciação de questões que já tinha sujeitado a uma anterior análise agindo como se se tratasse de mais um recurso ordinário […].».

Ora, como ficou dito, em 8. supra – e repete-se para enfatizar – sendo o recurso de revisão um expediente excepcional que «prevê a quebra do caso julgado e, portanto, uma restrição grave do princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de Direito», só «circunstâncias "substantivas e imperiosas"», podem legitimar.
E, na sua concreta actuação, não se pode transformar em «uma apelação disfarçada (appeal in disguise), num recurso penal encapotado, degradando o valor do caso julgado e permitindo a eternização da discussão de uma causa»: «o recurso de revisão é estruturado na lei processual penal em termos que não fazem dele uma nova instância, surgindo no prolongamento da ou das anteriores», sendo que «no novo processo não se procura a correcção de erros eventualmente cometidos no anterior que culminou na decisão revidenda, porque para a correcção desses vícios terão bastado e servido as instâncias de recurso ordinário, se acaso tiverem sido necessárias».

Mas – insiste-se – é na perspectiva de mais um recurso ordinário, ora para este Supremo Tribunal, que o Requerente encara e estrutura a impugnação, nela chegando ao ponto de pedir a reversão de condenações em absolvições, reduções de penas e, até, o decretamento de pena de
E impugnação de todo em todo inadmissível que, já ao tempo, a não admitia o acórdão de 26.9.2017 em face do disposto nos art.os 400º n.º 1 al.ª f) e 432º n.º 1 al.ª b), e mais ainda hoje, perante o caso julgado que sobre ele se formou.

Razões estas que igualmente ditam o indeferimento do pedido de autorização da revisão.

c. A interpretação inconstitucional das normas dos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP, e dos art.os 127º e 355º n.º 1, e do art.º 449º n.º 1 al.ª d).

23. Como referido, mobiliza, ainda, o Requerente em favor da autorização da revisão as acusações de que o Acórdão Recorrido fez interpretação a aplicação inconstitucional dos art.os 203º e 204º n.º 2 al.ª e) do CP e dos art.os 127º e 355º n.º 1, por violação, em ambos os casos, dos princípios da legalidade e da tipicidade penal consagrados no art.º 29º n.º 1 da CRP.
E antecipando possíveis entendimentos pela inadmissibilidade da revisão por fundada na «correção da qualificação jurídica, por consideração de questões de fato e de direito não abordadas na decisão condenatória e no recurso e que implicam uma diminuição significativa ou outra responsabilidade do arguido em prol da liberdade» e por só serem de considerar novos os factos que «por ignorados pelo recorrente ao tempo do julgamento e, porque aí não apresentados, não puderam ser considerados pelo tribunal», acusou-os cautelarmente de inconstitucionais, por violação do direito à revisão consagrado no art.º 29º n.º 6 da CRP e do princípio da separação de poderes constante do art.º 111º n.º 1 do mesmo diploma.

Acusações, todavia, todas elas improcedentes, diz-se já, e sobre que, em brevíssima apreciação, cumpre dizer o seguinte:

24. À acusação de inconstitucionalidade do art.º 449º n.º 1 al.ª d) por ofensa ao art.º 29º n.º 6 da CRP quanto interpretado no sentido de vedar a revisão em situações em que apenas estão em causa questões de direito como a da qualificação jurídica e afins, já se respondeu implicitamente em 7. supra quando se reflectiu sobre a natureza do recurso de revisão, sobre a sua excepcionalidade e sobre o compromisso que representa entre os valores, constitucionalmente protegidos, da justiça e da segurança jurídica concretizada no caso julgado.
Ao que, aqui, se acrescenta que uma censura de inconstitucionalidade como a que o Requerente sustenta esquece que é o próprio art.º 29º n.º 6 da CRP que devolve ao legislador ordinário a definição dosrequisitosdoexercíciododireitoderevisão–«nas condições que a lei prescrever» são as palavras da norma –, por isso que estando, em princípio, constitucionalmente legitimado o recorte que o art.º 449º concretamente define pela liberdade de conformação que àquele assiste.
E que – coisa que também já ficou implícita em 7. supra – um alargamento, como o Requerente pretende, do objecto do recurso de revisão para lá do âmbito das questões de facto que a lei portuguesa tradicionalmente lhe assina, poderia representar, isso sim, desconformidade constitucional por desacautelamento do conteúdo mínimo do princípio da segurança jurídica de que a ideia do Estado de Direito não pode prescindir.

Já quanto à acusação de inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes do art.º 111º n.º 1 da CRP por, alegadamente, este Supremo Tribunal de Justiça ter, à margem de qualquer alteração legislativa, alterado os seus entendimentos acerca do que sejam factos e meios de prova novos no contexto do art.º 449º n.º 1 al.ª d), mais não será necessário contrapor-lhe que a jurisprudência não é fonte de lei – e, se dúvidas a propósito houvesse, a eliminação do instituto dos assentos por via da revogação do art.º 2º do Código Civil pelos Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12.12, seguramente que as teria dissipado –, por isso que não se vendo como possa invadir a esfera de atribuições de outros poderes do Estado, mormente do legislativo.
Bem como que a autonomia na interpretação do direito – e portanto a liberdade de interpretar a lei segundo o seu são entendimento, sem vinculação, em princípio, por interpretações heterónomas – é uma das vertentes, e um dos instrumentos, estruturantes da independência dos tribunais consagrada no art.º 203º da CRP25.

25. À acusação de inconstitucionalidade dos art.os 127º e 355º n.º 1 também já, de certo modo, se respondeu quando em 11. se cuidou do fundamento da revisão da al.ª e) do art.º 449º, que só no contexto da utilização de prova proibidas ela pode aqui fazer (algum) sentido.
Adita-se, ainda assim, neste momento que «não haverá, na aplicação da regra processual da "livre apreciação da prova" (art. 127.º do CPP), que lançar mão, limitando-a, do princípio in dubio pro reo exigido pela constitucional presunção de inocência do acusado, se a prova produzida, depois de avaliada segundo as regras da experiência e a liberdade de apreciação da prova, não conduzir […] "à subsistência no espírito do tribunal de uma dúvida positiva e invencível sobre a existência ou inexistência do facto". O in dubio pro reo, com efeito, "parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgado"»26.
E que, não alertando o Requerente no recurso, em apoio da arguição, para qualquer estado de dúvida dos julgadores que possa fazer suspeitar da violação do princípio da presunção da inocência, nem como possa ter concretamente ocorrido a violação do princípio da legalidade e da tipicidade, não se vê como possa a acusação proceder.

26. No respeitante, por fim, à inconstitucionalidade interpretativa dos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP – que o Requerente identifica na circunstância de, não obstante, não ter ficado apurado o valor dos objectos subtraídos,ainda assim o Acórdão Recorrido ter subsumido as condutas no tipo qualificado do n.º 2 al.ª e) referido, ao invés de no tipo simples do art.º 203º por acção do n.º 4 do art.º 204º –, cumpre, antes de tudo, observar que se trata de questão cujo lugar próprio é num recurso ordinário e não num extraordinário de revisão e que bem podia, e devia, ter sido alegada – mas parece que não foi – no recurso interposto do acórdão do Tribunal Colectivo de ….. para o Tribunal da Relação …...
E, depois, sublinhar que, de qualquer modo e nos termos em que o presente recurso a põe, não se lhe vê fundamento, não se alcançado, salvo o devido respeito, como, e em que medida, a integração das condutas ajuizadas na previsão daquelas normas possa representar sentenciamento criminal à margem «de lei anterior que declare punível a acção ou omissão» ou imposição de «medida de segurança cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior», que é o conteúdo que o art.º 29º n.º 1 da CRP empresta aos princípios, invocados, da legalidade e da tipicidade criminal.

Pelo que também esta acusação de inconstitucionalidade não poderá ser atendida.

III. DECISÃO.

27. Termos em que, considerando todo o exposto, acordam os juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar a autorização da revisão.

Custas pelo Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC's *
Digitado e revisto pelo signatário (art.º 92º n.º 4 do CPP). *
Supremo Tribunal de Justiça, em 11.2.2021.



Eduardo Almeida Loureiro (Relator)

António Gama

Manuel Braz






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1 Ao tempo, Secção Criminal de … da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de …..
2 Que conheceu, indeferindo-a, de reclamação por nulidades do acórdão de 26.9.2017.
3 Diploma a que pertencerão os normativos que se vierem a citar sem menção de origem.
4 Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1981, p. 158.
5 Art.º 449º n.º 1:
«1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça».
6 Paulo Pinto de Albuquerque, ibidem, pp. 1209 e 1215.
7 AcTC n.º 376/2000, in DR, II, de 13.12.
8 AcSTJ de 24.2.2016 - Proc. n.º 944/08.1TAFIG-D.S1, in SASTJ.. No mesmo sentido, AcSTJ de 10.4.2013 - Proc. n.º 209/09.1TAIRA-A.S1, consultável em www.dgsi.pt.
9 Ibidem, nota anterior.
10 Ibidem, nota anterior.
11 Este o significado de factos que se, v. g., no AFJ n.º 1/2015, in DR, I, 27.1.2015, aliás, na linha da teorização de Frederico Isasca in "Alteração Substancial Dos Factos E Sua Relevância No Processo Penal Português".
12 Neste sentido, v. g., Acs'STJ de 20.2.2019 - Proc. n.º 557/13.6TAVCL.B.S1 in www.dgsi.pt, e de 9.4.2015 - Proc. n.º 336/05.4PBAMD-C.S1, de 15.3.2012 - Proc. n.º 439/07.0PUPRT-A.S1, de 7.11.2018 - Proc. n.º 446/07.3ECLSB-G.S1, de 25.11.2004 - Proc. n.º 3192/04 e de 18.12.2019 - Proc. n.º 241/18.4PDCSC-A.S1, estes in SASTJ.
13 Simas Santos e outros, Noções Processo Penal, 3ª ed., p. 219.
14 AcSTJ de 27.2.2014 - Proc. n.º 5423/99.3JDLSB-B.S1 citado, aliás, referenciando Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código de Processo Penal, 2ª ed., anotação 12 ao art.º 449º.
15 AcSTJ de 17.12.2009 - Proc. n.º 330/04.2JAPTM-B.S1, in www.dgasi.pt. 16 AcSTJ de 29.4.2009 - Proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, in www.dgsi.pt.
17 AcSTJ de 20.9.2006 - Proc. n.º. 06P2321, in www.dgsi.pt.
18 No sentido de que também as nulidades relativas de prova do art.º 126º n.º 3 do CPP, sanáveis, podem fundar pedido de revisão, veja-se Pinto de Albuquerque, ibidem, p. 1212.
19 AcSTJ de 25.7.2014 - Proc. n.º 145/10.9JAPDL-B.S1, in www.dgsi.pt.
20 AcSTJ de 19.5.2016 - Proc. n.º 151/08.3SGLSB-D.S1 - 5.ª Secção, in SASTJ, citando Ac'sSTJ de 28.10.2009 - Proc. n.º 109/94.8TBEPS-A.S1, 3ª Secção, e de 26.11.2009, Proc. n.º 103/01.4TBRG-G.S1, 5ª Secção
21 AcSTJ de 19.5.2016 referido, citando Ana Teresa Carneiro, Dos fundamentos do recurso extraordinário de revisão.
22 Na expressão do AcSTJ de 8.10.2015 - Proc. n.º 1052/05.2TAVRL-D.S1 in www.dgsi.pt, «os factos probandos, constitutivos do crime e dos seus elementos essenciais, de que, uma vez comprovados, resulta a responsabilidade ou irresponsabilidade do arguido».
23 Na expressão do AcSTJ referido na nota anterior, os «meios vocacionados para a prova do crime ou para a prova da inexistência dos seus elementos».
24 Neste sentido, AcSTJ de 8.10.2015 acabado de citar.
25 Neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª ed., p. 795. 26 AcSTJ de 13.2.2008 - Proc. n.º 1016/07, in SASTJ.