Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
334/04.5IDPRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ACORDÃO DA RELAÇÃO
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
DIREITO AO RECURSO
DIREITOS DE DEFESA
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
Data do Acordão: 03/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Área Temática: DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS FUNDAMENTAIS
DIREITO PENAL - PENAS
DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSO

Doutrina: - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 329 e ss., 516.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, I Vol., 418.
- Ireneu Cabral Barreto, “A Convenção…”, 99.
- José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 5.°, N.º 2, AL. A), 400.°, N.º 1, ALS. E) E F), 414.º, N.ºS 2 E 3, 420º, Nº 1, ALÍNEA B), 432.°, N.º 1, AL. B).
CÓDIGO PENAL (CP). – ARTIGOS 49.º, 56.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 20.º, 32.º, N.1.
Legislação Comunitária: CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 48.º
Referências Internacionais: PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: - ARTIGO 14.º, N.º5.
PROTOCOLO N.º 7 À CONVENÇÃO PARA A PROTECÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS: - ARTIGO 2.º
CEDH: - ARTIGO 6.º, N.ºS2 E 3.
DUDH: - ARTIGOS 8.º, 11.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Nº 4/2009, DE 18.02.2009, DR., 1ª SÉRIE, DE 19 DE MARÇO.
Sumário :

I - No caso em apreço, os factos foram praticados e o processo foi aberto durante a vigência da versão do CPP anterior à Reforma da Lei 48/2007, de 29-08. Todavia, tanto o acórdão da 1.ª instância como naturalmente o acórdão da Relação foram proferidos depois de 15-09-2007, data em que entrou em vigor aquela Reforma (as alterações posteriores, introduzidas no mesmo Código pela Lei 26/2010, de 30-08, já em vigor, não têm que ser aqui consideradas por terem deixado incólume o regime dos recursos, que é aquele que aqui releva).
II - Não obstante a alteração legislativa verificada durante a vida do processo, atentas as datas em que foram proferidas aquelas decisões, e uma vez que para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o art. 5.°, n.º 2, al. a), do CPP, o regime aplicável é o que vigorar na data em que pela primeira vez se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso, não há que considerar qualquer questão no âmbito da sucessão de regimes – cf. fundamentação do AUJ 4/2009, de 18-02, DR, I Série, de 19-03.
III - Com efeito – e continuamos a louvar-nos na fundamentação deste Acórdão – «anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos do exercício do direito ao recurso que, como direito a recorrer de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual… [;] o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer....».
IV - O regime aqui aplicável é, portanto, o estabelecido pela Lei 48/2007, por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1.ª instância, pois, insistimos, é nesse momento que «se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189, citado na fundamentação do mesmo Acórdão).
V - A Lei 48/2007 modificou substancialmente os pressupostos e as condições dos recursos, em segundo grau, para o STJ “restringindo-os, como muito claramente se proclama na Proposta de Lei que está na sua origem. Esta restrição não se traduz, porém, em violação da garantia constitucional do direito ao recurso, consagrada no art. 32.°, n.º 1, da CRP. Com efeito, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa, Anotada, I Vol., 418), o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrado no art. 20.° da CRP «não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição». Mas a «dupla instância» em matéria penal além de expressamente consagrada no art. 14.°, n.º 5, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e no art. 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, está igualmente inscrita no art. 32.°, n. 1, da CRP.
VI - A consagração do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa, veio explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, isto é, o direito de o arguido ver a sua causa reapreciada por um tribunal superior. Quer dizer, a garantia constitucional do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa consagradas no art. 32.°, n.º 1, da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal preveja um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de maneira efectiva, a reapreciação por uma instância superior das decisões condenatórias e das que afectem directa, imediata e substancialmente os direitos fundamentais do arguido, como por exemplo as que, por qualquer modo, restrinjam a sua liberdade. Mas o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso.
VII - A pena de prisão é, a par da pena de multa, uma das penas principais estabelecidas no CP que, em determinadas condições, pode ser substituída por outro tipo de reacção criminal. Como ensina Figueiredo Dias (As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, 329 e ss.), é “de longe dominante” na doutrina portuguesa a concepção das penas de substituição como verdadeiras penas autónomas. O mesmo Autor agrupava as penas de substituição, em função das suas especificidades próprias, em três grandes classes, entre as quais, no que para aqui interessa, as penas de substituição em sentido próprio e as penas de substituição detentivas. As da primeira classe são caracterizadas por um duplo requisito: terem carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão. Na segunda categoria incluem-se formas especiais de cumprimento ou execução da pena de prisão, cumpridas «intramuros».
VIII - Integra no primeiro grupo, como a mais importante, entre nós, das penas de substituição, a pena de suspensão da execução da prisão que, diz o Mestre, «não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas antes uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição». O regime legal dos arts. 50.° e ss. do CP corrobora inteiramente esta concepção. Nem se esgrima, em contrário, com o art. 56.°, porquanto se trate aí de uma forma extrema, de ultima ratio, do cumprimento da pena de suspensão da execução da prisão, como de resto também acontece com a pena de multa (cf. art. 49.°) que ninguém duvidará ser, apesar disso, uma pena não privativa da liberdade.
IX - O acórdão do Tribunal da Relação impugnado pelo recorrente foi proferido em recurso e aplicou pena não privativa da liberdade – 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos. Como assim, não é susceptível de recurso para o STJ, por força das disposições combinadas dos arts. 414.º, n.º 2, 432.°, n.º 1, al. b), e 400.°, n.º 1, al. e), do CPP.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

            1. O arguido AA, nascido em 05.10.1968, em Moçambique, filho de ... e de ..., divorciado, residente na Rua ..., respondeu, com outra, no processo em epígrafe e perante o Tribunal Singular dos Juízos Criminais do Tribunal de Comarca e de Família e de Menores de Matosinhos, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105, de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artº 103º, nº 1, alínea b) e de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo artº 104º, nº 2, todos do RGIT.

            A final, o Tribunal decidiu absolver o arguido da prática dos crimes que lhe iam imputados e condenar pelos mesmos a sociedade arguida.

            O Ministério Público interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal da Relação do Porto que, pelo acórdão de 12 de Outubro de 2011, fls. 1335 e segs, julgando-o procedente, decidiu:  

            - alterar a decisão sobre a matéria de facto e

            - condenar o Arguido, pela prática dos referidos crimes de abuso de confiança fiscal, de fraude fiscal e de fraude fiscal  qualificada, p. e p. pelas disposições legais mencionadas, nas penas de 1 (um) ano de prisão, 1 (um) ano de prisão e 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, respectivamente;

            - em cúmulo jurídico, fixou a pena conjunta em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja execução suspendeu pelo período de 5 (cinco) anos, sob condição de, no mesmo período, pagar ao Estado as quantias de €654 058,27 (seiscentos e cinquenta e quatro mil cinquenta e oito euros e vinte e sete cêntimos), a título de IVA, e de €751 952,10 (setecentos e cinquenta e um mil novecentos e cinquenta e dois euros e dez cêntimos), a título de IRC, e legais acréscimos, montantes esses a que deverão ser deduzidas as importâncias já entregues pela sociedade arguida a título de «regularizações voluntárias».

            Foi agora a vez de o Arguido se sentir inconformado e de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos «arts. 432º, al. b) e 400º, nº 1,al. e) a contrario»,  de cuja motivação extraiu conclusões agrupadas em diversos capítulos subordinados aos seguintes temas:

            - Omissões de pronúncia do acórdão recorrido;

            - Violação do disposto no artº 412º, nºs 3, alíneas b) e c), e 4, do CPP;

            - Violação do princípio da livre apreciação da prova (artº 127º do CPP);

            - Inconstitucionalidade «na interpretação/aplicação dos referidos arts. 127º e 412º, nº 3, alínea b), do CPP…».

           

            Respondeu o Senhor Procurador da República que concluiu pela «total» improcedência do recurso.

            Recebido o recurso e subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que suscitou a questão prévia da sua rejeição, por o mesmo não ser admissível «nos termos conjugados do disposto nos arts. 432º nº 1 als. b) e c), 427º, 420º nº 1, al. b) e 414 nº 2 do CPP»; em suma, porque o acórdão recorrido «não só não aplicou pena de prisão efectiva, como esta pena aplicada é inferior a 5 anos de prisão e a decisão da 1ª instância foi proferida pelo juiz singular».

            Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Arguido respondeu que, «não sendo a decisão proferida pela relação subsumível a nenhuma das previsões do artº 400º do CPP – excluiu expressamente a sua integração na alínea e) do seu nº 1 – ela preenche a previsão de recorribilidade estatuída no artº 432º, nº 1, alínea b) do CPP».

            2. No exame preliminar, pareceu ao Relator proceder a questão prévia suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta.

            Trazidos os autos à conferência, cumpre apreciar e decidir essa questão.

            3. Questão Prévia. Admissibilidade do recurso

3.1. O processo iniciou-se em Outubro de 2007 e refere-se a factos praticados entre 2001 e 2003;

O acórdão da 1ª instância foi proferido em 9 de Fevereiro de 2011;

O acórdão recorrido, em 12 de Outubro seguinte.

Isto é, os factos foram praticados e o processo foi aberto durante a vigência da versão do CPP anterior à Reforma da Lei 48/2007, de 29 de Agosto. Todavia, tanto o acórdão da 1ª instância como naturalmente o acórdão da Relação foram proferidos depois de 15 de Setembro de 2007, data em que entrou em vigor aquela Reforma (as alterações posteriores, introduzidas no mesmo Código pela Lei 26/2010, de 30 de Agosto, já em vigor, não têm que ser aqui consideradas por terem deixado incólume o regime dos recursos, a fase processual relevante como a seguir se dirá). 

Não obstante a alteração legislativa verificada durante a vida do processo, atentas as datas em que foram proferidas aquelas decisões, e uma vez que para efeitos da conjugação do regime dos recursos com o artº 5º, nº 2, alínea a), do CPP, o regime aplicável é o que vigorar na data em que pela primeira vez se verificaram no processo, em concreto, os pressupostos do exercício do direito ao recurso, não há que considerar qualquer questão no âmbito da sucessão de regimes – cfr. fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/2009, de 18.02.2009, DR., 1ª Série, de 19 de Março.  

Com efeito – e continuamos a louvar-nos na fundamentação deste Acórdão – «anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em 1.ª instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos do exercício do direito ao recurso que, como direito a recorrer de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual… [;] o momento relevante do ponto de vista do titular do direito ao recurso só pode ser, assim, coincidente com o momento em que é proferida a decisão de que se pretende recorrer, pois é esta que contém e fixa os elementos determinantes para a formulação do juízo de interessado sobre o direito e o exercício do direito de recorrer….»

O regime aqui aplicável é, portanto, o estabelecido pela Lei 48/2007 por ser o que vigorava na data em que foi proferida a decisão da 1ª instância, pois, insistimos, é nesse momento que «se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (José António Barreiros, “Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, 189, citado na fundamentação do mesmo Acórdão).

A Lei 48/2007 modificou substancialmente os pressupostos e as condições dos recursos, em segundo grau, para o Supremo Tribunal de Justiça., restringindo-os, como muito claramente se proclama na Proposta de Lei que está na sua origem.

Esta restrição não se traduz, porém, em violação da garantia constitucional do direito ao recurso, consagrada no artº 32º, nº 1, da CRP.

Com efeito, como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira (“CRP, Constituição da República Portuguesa, Anotada”, 1º Vol., 418), o direito de acesso aos tribunais e à tutela judicial efectiva consagrado no artº 20º da CRP «não fundamenta um direito subjectivo ao duplo grau de jurisdição». Mas a «dupla instância» em matéria penal, além de expressamente consagrada no artº 14º, nº 5, do Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e no artº 2 do Protocolo nº 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, está igualmente inscrita no artº 32º, nº 1, da CRP.

            A consagração do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa, veio explicitar que, em matéria penal, o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição, isto é, o direito de o arguido ver a sua causa reapreciada por um tribunal superior (AA. e Ob. cit., 516).

            Quer dizer, a garantia constitucional do direito ao recurso, como uma das garantias de defesa consagradas no artº 32º, nº 1 da CRP, significa e impõe que o sistema processual penal preveja um modelo de impugnação das decisões que possibilite, de maneira efectiva, a reapreciação por uma instância superior das decisões condenatórias e das que afectem directa, imediata e substancialmente os direitos fundamentais do arguido, como por exemplo as que, por qualquer modo, restrinjam a sua liberdade.

Mas o direito ao recurso, como garantia constitucional, postula apenas o duplo grau de jurisdição que não se confunde com o duplo grau de recurso.

Salvaguardados estes limites, o legislador ordinário goza de larga margem de manobra na configuração do modelo de recursos, quanto aos respectivos pressupostos, condições e respectivos graus, desde que não suprima a própria faculdade de recorrer.

O direito internacional e comunitário também não dizem nada de substancialmente diferente.

Os arts. 8º e 11º, nº 1, da DUDH, referem-se, o primeiro, ao acesso ao direito e aos tribunais que, vimos, o artº 20º, nº 1, da CRP expressamente consagra, com o sentido indicado, e o segundo à exigência de que o processo assegure todas as garantias de defesa, nos termos que também vimos acolhidos pelo artº 32º, nº 1, da CRP.

 O artº 48º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia corresponde ao disposto nos nºs 2 e 3 do artº 6º da CEDH que não consagra o direito ao duplo grau de jurisdição (Ireneu Cabral Barreto, “A Convenção…”, 99). Tal direito foi, já o dissemos antes, expressamente incluído no artº 2 do Protocolo nº 7 à Convenção Para Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, acordada entre os Estados membros do Conselho da Europa, «decididos a tomar novas providências apropriadas para assegurar a garantia colectiva de certos direitos e liberdades pela Convenção…», como se lê no respectivo preâmbulo.

Em consonância como o que antes dissemos ser a dimensão desse direito, este artº 2º preceitua que o seu exercício, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados na lei – nº 1; e que pode ser objecto de excepções em relação a infracções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado em 1ª instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado e condenado no seguimento de recurso contra a sua absolvição – nº 2.

Ora, e por um lado, o legislador ordinário de 2007 não só não suprimiu o segundo grau de recurso como também não restringiu de forma arbitrária – porque o fez em função da gravidade dos crimes em julgamento – o direito de o arguido recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outro lado, no nosso caso, a causa já foi reapreciada por um tribunal superior, embora no seguimento de um recurso interposto contra a absolvição do Arguido.

 3.2. A Senhora Procuradora-geral Adjunta defende a irrecorribilidade do acórdão do Tribunal da Relação por via da alínea e) do nº 1 do artº 400º, conjugado com a alínea c) do nº 1 do artº 432º, ambos do CPP: o acórdão não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça desde logo porque aplicou ao Recorrente uma pena conjunta de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução. Isto é, na lógica do preceito, o acórdão do Tribunal da Relação, proferido que foi em recurso, aplicou pena não privativa da liberdade.

O Recorrente, tendo começado a sua resposta por sublinhar que a alínea e) do nº 1 do artº 400º estabelece a irrecorribilidade dos acórdãos da relação, proferidos em recurso, que apliquem pena não privativa da liberdade (sublinhado e negrito do Recorrente) e ao concluir que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação não é subsumível a nenhuma das previsões daquele preceito, quis obviamente afirmar que a pena que lhe foi aplicada é uma pena privativa da liberdade, como aliás emerge da própria invocação do «artº 400º, nº 1,al. e) a contrario».

Sem razão, todavia.

A pena de prisão é, a par da pena de multa, uma das penas principais estabelecidas no Código Penal que, em determinadas condições, pode ser substituída por outro tipo de reacção criminal.

Como ensina Figueiredo Dias – “… As Consequências Jurídicas do Crime” (1993), 329 e segs. – é “de longe dominante” na doutrina portuguesa a concepção das penas de substituição como verdadeiras penas autónomas.

O mesmo Autor agrupava as penas de substituição, em função das suas especificidades próprias, em três grandes classes, entre as quais, no que para aqui interessa, as penas de substituição em sentido próprio e as penas de substituição detentivas.

As da primeira classe são caracterizadas por um duplo requisito: terem carácter não institucional ou não detentivo, isto é, serem cumpridas em liberdade e pressuporem a prévia determinação da medida da pena de prisão.

Na segunda categoria incluem-se formas especiais de cumprimento ou execução da pena de prisão, cumpridas «intramuros».

Integra no primeiro grupo, como a mais importante, entre nós, das penas de substituição, a pena de suspensão da execução da prisão que, diz o Mestre, «não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas antes uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição»      

O regime legal dos arts. 50º e segs. do Código Penal corrobora inteiramente esta concepção. Nem se esgrima, em contrário, com o artº 56º, porquanto se trate aí de uma forma extrema, de ultima ratio, do cumprimento da pena de suspensão da execução da prisão, como de resto também acontece com a pena de multa (cfr. artº 49º) que ninguém duvidará ser, apesar disso, uma pena não privativa da liberdade.

 3.3. Concluímos, pois, que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto impugnado pelo Recorrente foi proferido em recurso e aplicou pena não privativa da liberdade.

Como assim, não é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por força das disposições combinadas dos arts. 414º, nº 2, 432º, nº 1, alínea b) e 400º nº 1, alínea e), do CPP.

O despacho do Senhor Desembargador que admitiu o recurso não vincula este Tribunal – artº 414º, nº 3, do CPP.

Não sendo admissível, o recurso deve ser rejeitado – artº 420º, nº 1, alínea b), do CPP.


¨********

A conclusão a que acabamos de chegar dispensa-nos da apreciação do segundo fundamento de irrecorribilidade adiantado pela Senhora Procuradora-geral Adjunta (recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação, proferidos em recurso sobre decisão de juiz singular, que apliquem pena de prisão não superior a 5 anos, não abrangidos pela alínea f) do nº 1 do artº 400º do CPP).

4. Nesta conformidade, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar o recurso interposto pelo arguido AA, nos termos das disposições combinadas dos arts. 432º, nº1, alínea b), 400º, nº 1, alínea f), 414º, nºs 2 e 3 e 420º, nº 1, alínea b), todos do CPP.

Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 (sete) UC´s.

O Recorrente pagará ainda a soma de 5 (cinco) UC’s, por força do disposto no nº 3 daquele artº 420.

  

Lisboa, 29 de Março de 2012

Processado e revisto pelo Relator

Sousa Fonte (Relator)

Santos Cabral