Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18/18.7YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: CLASSIFICAÇÃO DE SERVIÇO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
ATRASO PROCESSUAL
DILIGÊNCIA DE INSTRUÇÃO
OMISSÃO
FACTOS CONCLUSIVOS
INSPECÇÃO JUDICIAL
INSPEÇÃO JUDICIAL
ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO
ANULABILIDADE
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PODERES DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS – ACÇÃO ADMINISTRATIVA / MARCHA DO PROCESSO / JULGAMENTO / OBJECTO E LIMITES DA DECISÃO.
Doutrina:
- Luiz S. Cabral de Moncada, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Quid Juris, 3.ª Edição, 2019, p. 495-498, 504-505, 530-531.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 151.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 152.º, N.º 1, ALÍNEA A), 153.º, N.ºS 1 E 2, 161.º, 162.º E 163.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGOS 3.º, N.º 1 E 95.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 268.º, N.º 3.
ESTATUTO DOS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 178.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º.
Sumário :
  

     1. A remissão editada no artigo 178.º do EMJ para a aplicação subsidiária dos trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o STA deve ser interpretada, em termos atualistas, como sendo feita para os trâmites da ação administrativa impugnativa de anulação ou de declaração de nulidade de ato administrativo, em conformidade com o regime constante do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, e do CPTA, aprovado pela Lei n.º 15/ 2002, de 22-02, uma e outra na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2-10.
2. O objeto dessa ação impugnativa circunscreve-se à apreciação jurisdicional da invalidade do ato administrativo com base nos fundamentos de nulidade ou de anulabilidade, incluindo os que constituam erro manifesto de facto ou de direito nos termos previstos nos artigos 161.º a 163.º do CPA, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015, de 07-01, em ordem a julgar do cumprimento pela Administração (no caso, pelo CSM) das normas e princípios que a vinculam e não sobre a conveniência ou oportunidade da sua atuação, dentro dos limites e nos termos traçados nos artigos 3.º, n.º 1, e 95.º, n.º 3, do CPTA, de modo a salvaguardar o princípio da separação e interdependência dos poderes, sem que caiba, no domínio daquela apreciação, proferir decisão substitutiva da decisão assim impugnada.
3. Importa distinguir, por um lado, o vício de desconsideração ou não ponderação dos factos alegados e tidos por provados e, por outro, a falta de averiguação de factos pertinentes para a avaliação do desempenho.
4. O primeiro daqueles vícios traduz-se, quando muito, em erro de apreciação, enquanto que a falta de averiguação de factos pertinentes é que será suscetível de configurar deficit de instrução.
5. Assim o facto de não terem sido consideradas nem ponderadas determinadas circunstâncias que a demandante diz ter alegado e provado no processo inspetivo não significa, por si só, que tenha ocorrido omissão de diligências instrutórias sobre as mesmas.
6. A falta de enunciação dos factos relevantes conforme o prescrito na alínea c) do n.º 1 do artigo 151.º do CPA pode gerar a invalidade do ato, em regra, sob a espécie do vício de anulabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.
7. Embora nem sempre seja fácil traçar a linha de fronteira entre o enunciado fáctico propriamente dito e as conclusões de facto, o certo é que o juízo global concludente sobre a incapacidade da demandante para organizar e gerir o serviço a seu cargo decorre das ilações extraídas dos dados factuais apurados e quantificados.
8. A densidade de fundamentação dos atos administrativos à luz do disposto no artigo 268.º, n.º 3, 2.ª parte, da Constituição e em conformidade com os artigos 151.º, n.º 1, alínea d), 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.ºs 1 e 2, do CPA, deverá ser de teor variável em função das exigências inerentes a cada tipo de ato ou mesmo a cada caso singular, devendo nortear-se sempre pelo desiderato de proporcionar “a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato”, a compreensão das razões que conduziram o órgão decisor à decisão proferida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. AA, Juíza ..., veio impugnar a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 06/02/2018, que julgou improcedente a reclamação por aquela deduzida contra a deliberação do respetivo Conselho Permanente, de 19/09/2017, tomada no âmbito do processo de inspeção extraordinária n.º 2016-438/IE, nos termos da qual foi atribuída à demandante a classificação de Suficiente pela sua prestação funcional, entre 07/09/2012 e 31/01/2017, realizada nos seguintes tribunais e datas: na 1.ª Vara Cível do ..., de 07/09/2012 a 31/08/2014; na Comarca do ... – Instância Central de ... - Secção de Família e Menores – J2, de 01/09/2014 a 28/03/2016; na Comarca de ... - Instância Central de ... – Secção Criminal, de 29/03/2016 a 15/07/2016; na Comarca do ... – Juí-zo Local Cível – J7, de 01/09/2016 a 31/01/2017.  
          Para tanto, alegou, em síntese, que:
  . A demandante, ao ser notificada da proposta do Senhor Inspetor Judicial, formulada no âmbito do processo de inspeção extraordinária acima indicado, no sentido de lhe ser atribuída a classificação de Suficiente, pronunciou-se a sustentar que esta classificação não se adequava ao seu desempenho profissional no período considerado e a pugnar pela atribuição da classificação de Bom com Distinção ou, pelo menos, de Bom.
         . Porém, tal entendimento não foi acolhido nem pelo Senhor Inspetor nem pelo Conselho Permanente do CSM, que deliberou, em 19/09/2017, atribuir-lhe a classificação de Suficiente.
         . A demandante reclamou então dessa deliberação para o Plenário do CSM, que manteve aquela classificação de Suficiente através da deliberação de 06/02/2018 ora impugnada.
         . Nessa reclamação, a demandante sustentou que não tinham sido valorizadas as razões de ordem pessoal e profissional por ela dantes invocadas a explicar os aspetos do serviço prestado tidos por menos positivos, não tendo sido consideradas nem ponderadas as circunstâncias em que decorreu o exercício de funções em causa, nem os restantes critérios de avaliação, e que, em qualquer caso, não se justificava a descida da anterior classificação de Bom com Distinção para Suficiente.
          . Não tendo sido aceite tal argumentação pela deliberação impugnada, o certo é que, na falta de parâmetros de avaliação predefinidos, a mesma se traduz em clara arbitrariedade, padecendo ainda de invalidade por deficit de instrução e por falta de fundamentação quanto à descida excecional de dois graus classificativos.
          Concluiu a demandante pedindo que a deliberação impugnada fosse anulada com base em deficit de instrução e nos alegados vícios de fundamentação.

          2. O CSM deduziu resposta a sustentar que:
         . Neste meio contencioso, não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) reapreciar o mérito do ato administrativo impugnado, mas tão só ajuizar sobre os vícios de invalidade invocados em termos de cumprimento ou não pela Administração (aqui o CSM) das normas e princípios jurídicos que a vinculam, que não da conveniência ou oportunidade da sua atuação.
          . Para além de a demandante não concretizar o alegado deficit de instrução, o demandado realizou as diligências instrutórias complementares requeridas pela demandante, conforme consta do respetivo processo inspetivo.
. No respeitante aos aspetos por ela suscitados, o relatório inspetivo, a informação final e a deliberação impugnada não só tiveram em conta os concretos atrasos em questão, como indagaram e apuraram exaustiva e detalhadamente as causas de tais atrasos, não se vislumbrando que diligências possam ter sido preteridas.
. Na fundamentação da deliberação impugnada, mormente sobre a descida de classificação, foram analisados e ponderados todos os elementos obtidos no processo inspetivo, tendo sido suficientemente exteriorizada a apreciação de todas as razões de ordem pessoal e profissional da demandante suscetíveis de determinar uma menor produtividade do seu trabalho, considerando-se, não obstante isso, que não eram suficientes para abalar a convicção objetivada que conduziu à avaliação do serviço e à atribuição da classificação de Suficiente.      
Concluiu assim o demandado pela total improcedência da impugnação deduzida.

3. Posteriormente, a demandante apresentou alegações, em que, para além da questão prévia sobre a natureza do presente meio impugnatório, reitera, no essencial, os fundamentos e a argumentação inicialmente aduzidos, rematando com o seguinte quadro conclusivo:
1.ª - A tramitação do recurso dos autos tem de ser a da ação administrativa (de impugnação de atos) regulada no CPTA com as especificidades constantes dos artigos 168.º a 178.º do EMJ;
2.ª - Outra interpretação traduzir-se-ia, por um lado, num “privilégio” (inconstitucional) do CSM relativamente a outros altos órgãos da Administração Pública e até dos órgãos de soberania do Estado, designadamente Presidente da República, Assembleia da República e seu Presidente, Conselho de Ministros, Primeiro-Ministro, Tribunal Constitucional e seu Presidente, Presidente do STA, Tribunal de Contas e seu Presidente, além de outros [cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea a, do ETAF];
3.ª - Por outro lado, os magistrados judiciais e outros eventuais interessados deixariam de ter tutela jurisdicional efetiva quanto aos atos do CSM;
4.ª - Ou seja, tal interpretação, além do mais, violaria, por um lado, o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva constitucionalmente consagrados e, por outro lado, o direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 1 do artigo 6.º da Constituição Europeia dos Direitos do Homem;
5.ª – A deliberação aqui impugnada que atribuiu à A. a classificação de “Suficiente” enferma de invalidades várias, devendo ser anulada nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA;
6.ª – Desde logo, não teve em consideração os factos invocados e provados pela A.;
7.ª – Não obstante a deliberação impugnada o ter ignorado, existem circunstâncias e factos externos à A. que condicionaram o desenvolvimento do seu trabalho, os quais não foram devidamente ponderados nem valorados pelo R. na notação atribuída, mas que, caso tivessem sido considerados, tal como impõe o artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM, a atribuição de notação da A. seria superior, de pelo menos “Bom”;
8.ª - De facto, os atrasados não se ficaram a dever a uma eventual e hipotética incapacidade de organização e gestão de tempo da A. conforme lhe é imputada pela deliberação impugnada, e muito menos são sequer culpa sua;
9.ª - Resultaram, isso sim, (i) de problemas de saúde, (ii) de ter estado 16 anos na magistratura administrativa, (iii) de ter transitado, no mesmo período, entre diferentes serviços, (iv) de ter sido confrontada com um elevado número de processos, entre os quais vários processos executivos que não foram contabilizados nem considerados pelo Sr. Inspetor judicial para o número de intervenções e diligências realizadas pela A, (v) de não correta consideração da carga processual da Secção de Família e Menores, J2 da Comarca de ..., (vi) de não consideração do tempo despendido pela A, a corrigir atas e (vii) de não consideração de que a A. conseguiu diminuir as pendências neste serviço;
10.ª - Todavia, do Relatório de Inspeção e da deliberação impugnada resulta, inequivocamente, que apenas foram tidos em conta os problemas de saúde da A. e o facto de a mesma ter estado 16 anos na magistratura administrativa, em clara violação do disposto no citado artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM;
11.ª - Em consequência e, por outro lado, a deliberação impugnada, ao desconsiderar e não ponderar as circunstâncias trazidas aos autos e provadas pela A., padece, também, de deficit de instrução, o que viola o disposto no artigo 115.º do CPA, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA;
12.ª - Por outro lado, a deliberação impugnada, ao fundamentar a notação da A. de "Suficiente" com base apenas numa parte dos factos que verdadeiramente ocorreram, não tendo por isso em consideração todas as circunstâncias e factos trazidos à colação pela A., que nortearam o exercício das suas funções no período inspetivo em causa, ou não fundamentar quais os factos concretos e objetivos da alegada incapacidade da A. organizar e gerir o serviço a seu cargo, assim como ao não fundamentar a descida em dois graus da notação atribuída à A. quando vista e enquadrada no conjunto com o desempenho anterior, viola o dever de fundamentação ínsito no artigo 152.º e 153.º do CPA, pelo que também, por esta via, deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do mesmo Código.
      
4. Por sua vez, o CSM também apresentou alegações, em que, além de equacionar o âmbito do presente meio impugnatório como circunscrito à apreciação da mera legalidade das deliberações do CSM com vista à sua anulação ou declaração de nulidade, sem haver lugar à reapreciação da matéria de facto nem à produção de prova, salvo a prova documental, reeditou, no essencial, os fundamentos e argumentário anteriormente aduzidos, concluindo, de igual modo, pela improcedência da impugnação deduzida.

         5. Por fim, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer de fls. 86 a 87, no qual, além de subscrever, na sua generalidade, a argumentação do CSM, acrescenta que, de qualquer modo, o deficit de instrução e a violação do princípio do inquisitório talvez nem possam relevar a se como causas de invalidação do ato, mas apenas na medida em que, projetando-se naquele, tiverem dado azo a erro nos pressupostos de facto respetivos, concluindo pela improcedência da presente ação impugnatória.    
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto impugnatório

Como emerge do quadro conclusivo com que o demandante rematou as respetivas alegações, as questões a equacionar e resolver são seguintes:
i) – A questão prévia respeitante à caracterização do presente meio impugnativo;   
ii – Os invocados vícios de anulabilidade da deliberação impugnada, alegadamente, por:
   a) – Deficit de instrução em violação do disposto no artigo 115.º do CPA;  
   b) – Não atendimento nem ponderação de factos aduzidos e provados pela demandante que justificariam a atribuição de classificação superior à que foi atribuída;
   c) – Falta de enunciação de factos concretos e objetivos da alegada incapacidade da demandante para organizar e gerir o serviço a seu cargo;
   d) – Falta de fundamentação quanto à descida em dois graus da notação de Suficiente atribuída;
   e) – Pretensa arbitrariedade da deliberação impugnada.
         
III – Fundamentação   

1. Quanto à questão prévia sobre a caracterização do presente meio impugnativo

A demandante, nas suas alegações, começou por equacionar, a título de questão prévia, a caracterização do presente meio impugnativo no sentido de lhe ser conferida a natureza e o âmbito de ação administrativa de impugnação de atos, em vez do outrora denominado recurso contencioso.
Por seu turno, o demandado contrapôs que estamos no domínio de um mecanismo que segue a tramitação do recurso de revista para o STA, em cujo âmbito apenas cabe conhecer de direito com vista à mera anulação ou declaração de nulidade das deliberações do CSM impugnadas, não cabendo nele a reapreciação do respetivo mérito, conveniência ou oportunidade nem a sua substituição por outra decisão, não havendo também lugar a reapreciação da matéria de facto nem a produção de prova, salvo a documental.
Vejamos.
O artigo 168.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30-07, na sua versão atual, preceitua que “das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça”; e, segundo o n.º 5 do mesmo artigo, “constituem fundamentos do recurso os previstos na lei para os recursos a interpor dos actos do Governo”.
Além disso, dos artigos 169.º a 177.º desse Estatuto constam as condições e tramitação específicas do referido meio impugnatório, mas o artigo 178.º determina a aplicação subsidiária dos trâmites processuais dos recursos de contencioso administrativo interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Ora, segundo o artigo 24.º, n.º 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19-02, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2-10, compete à Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo conhecer dos processos em matéria administrativa relativos a ações ou omissões, no que aqui releva, do Conselho de Ministros.
Conjugadamente, com a introdução Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22-02, deixou de existir os então denominados “recursos contenciosos” diretamente interpostos para o STA das decisões e deliberações definitivas e executórias dos Ministros, que se encontravam regulados nos artigos 46.º a 70.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto Lei n.º 41.234, de 20/08/1957, passando a figurar, em vez deles, a ação administrativa ora regulada nos artigos 37.º e seguintes daquele Código, em que se inscreve, precisamente, a impugnação de atos administrativos, tendo por objeto a respetiva anulação ou declaração de nulidade, conforme o disposto nos artigos 37.º, n.º 1, alínea a), 50.º, n.º 1, e 95.º, n.º 3, do referido CPTA, na redação dada pelo Dec.-Lei n.º 214-G/2015, de 2-10.
Em face disso, o artigo 191.º do mesmo Código determina que, a partir da entrada em vigor deste diploma, “as remissões que, em lei especial, são feitas para o regime do recurso contencioso de anulação de atos administrativos consideram-se feitas para o regime da ação administrativa.”
Por conseguinte, a remissão de aplicação subsidiária editada no artigo 178.º do EMJ deve ser interpretada, em termos atualistas, como sendo feita para os trâmites da ação administrativa impugnativa de anulação ou de declaração de nulidade de ato administrativo, sem prejuízo das disposições especiais constantes dos artigos 169.º a 177.º do mesmo Estatuto.
De qualquer modo, o objeto de tal ação impugnativa circunscreve-se à apreciação jurisdicional da invalidade do ato administrativo com fundamento em vícios de nulidade ou de anulabilidade, incluindo os que constituam erro manifesto de facto ou de direito, nos termos previstos nos artigos 161.º a 163.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015, de 07-01, em ordem a julgar do cumprimento pela Administração (no caso, pelo CSM) das normas e princípios que a vinculam e não sobre a conveniência ou oportunidade da sua atuação, dentro dos limites e nos termos traçados nos artigos 3.º, n.º 1, e 95.º, n.º 3, do CPTA, de modo a salvaguardar o princípio da separação e interdependência dos poderes.
Nem tão pouco cabe no domínio daquela apreciação jurisdicional proferir decisão substitutiva da decisão impugnada, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial corrente, como se pode colher, designadamente, dos diversos acórdãos do STJ citados sob o art.º 17.º das alegações do CSM.       
É pois dentro desses parâmetros que importa aqui conhecer das questões consistentes na impugnação da deliberação do CSM deduzida pela demandante com base nos alegados vícios de invalidade acima enunciados.

          2. Das questões que constituem objeto de impugnação

          2.1. Quanto ao alegado deficit de instrução

A demandante, na petição inicial, convocou como primeiro fundamento da deliberação impugnada “um claro deficit de instrução” no processo inspetivo de que resultou a classificação de Suficiente que lhe foi atribuída. Mas, para além dessa afirmação genérica, não concretizou quais as diligências que, no seu entender, não terão sido promovidas, como salienta o demandado na sua resposta.
Já em sede de alegações, no capítulo do invocado vício de “deficit de instrução”, a demandante, depois de aludir a um conjunto de factos por ela aduzidos que apontariam para as razões externas a si que motivaram a pendência processual, mas que foram desconsiderados em absoluto e nem sequer ponderados no âmbito da inspeção em referência, e considerando os parâmetros de avaliação constantes do artigo 12.º, n.º 5, do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM, sustenta o seguinte:   
«De facto, não obstante o Relatório de Inspeção e posteriormente a deliberação impugnada abordarem o referido parâmetro de avaliação, e ainda não obstante alegadamente o R. ter tido em consideração o facto de a A. ter regressado passado 16 anos à magistratura comum e as condições pessoais de saúde com que exerceu as suas funções no período objeto da inspeção em apreço, o certo é que as restantes circunstâncias e factos alegados pela A. referidos adrede não foram objeto de apreciação, tal como impõe o disposto no artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do Conselho Superior da Magistratura, não constando os mesmos da deliberação impugnada.
Com efeito, é notório que existiu um défice de instrução na medida em que não foram avaliadas todas as efetivas condições em que a A. desenvolveu a sua prestação funcional, conforme posto a descoberto pelos factos trazidos à colação pela A., e que contradizem a factualidade dada como assente na deliberação impugnada, por muito que o R., salvo o devido respeito, o negue.
Decerto que se a A., para além das referidas circunstâncias relativas ao regresso à magistratura comum ao fim de 16 anos e das condições de saúde que a debilitaram e lhe causaram grande transtorno no exercício das suas funções, não tivesse transitado, no mesmo período, entre diferentes serviços; não tivesse sido confrontada com um elevado número de processos, entre os quais vários processos executivos que não foram contabilizados nem considerados pelo Sr. Inspetor judicial para o número de intervenções e diligências realizadas pela A.; tivesse sido considerada a carga processual da Secção de família e Menores, J2 da Comarca de ...; tivesse sido tido em consideração o tempo despendido pela A, a corrigir atas; e tivesse sido tido em consideração de que a A. conseguiu diminuir as pendências neste serviço, certamente, que os referidos atrasos poderiam ser em menor escala ou até mesmo não existirem.
Neste âmbito, o R. ao desconsiderar pura e simplesmente os factos trazidos à colação pela A. não indagando a pertinência dos mesmos para a apreciação da factualidade dada como provada na deliberação impugnada violou o disposto no artigo 115.º do CPA.
(…)
Ora, em causa está precisamente, a averiguação de todos os factos com interesse ou conveniência que influem diretamente na determinação da notação que foi atribuída à A., motivo pelo qual, os factos alegados pela A. ao contradizerem a factualidade assente na deliberação impugnada, revelam-se da maior pertinência e importância para se descortinar se, perante tão sobrecarregada agenda, se lhe era exigido outro comportamento que pudesse alterar a notação que lhe fora atribuída, em consonância com os princípios que regem os procedimentos inspetivos e/ou eventualmente questionar-se se, caso a A. não tivesse exercido funções nas circunstâncias referidas adrede o seu desempenho seria o mesmo e não outro, mais positivo do que o que foi agora avaliado.
Assim, verifica-se que o R. ao não ponderar os factos invocados pela A., age, em última instância, em estrita violação do princípio do inquisitório, princípio subjacente ao artigo 115.º do CPA, o qual determina que o R. está obrigado a um esforço oficioso [n]o sentido do completo esclarecimento da verdade material dos factos pois só com ela o interesse público é compatível (…), o que de modo algum se poderá dizer que ocorra no caso dos autos.
Nestes termos, e também por esta via, a deliberação impugnada é ilegal por violação do disposto no artigo 115.º do CPA, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA.»
 E, nas respetivas conclusões, a tal propósito, remata nos seguintes termos:
7.ª - Não obstante a deliberação impugnada o ter ignorado, existem circunstâncias e factos externos à A. que condicionaram o desenvolvimento do seu trabalho, os quais não foram devidamente ponderados nem valorados pelo R. na notação atribuída, mas que, caso tivessem sido considerados, tal como impõe o artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM, a atribuição de notação da A. seria superior, de pelo menos “Bom”;
8.ª - De facto, os atrasados não se ficaram a dever a uma eventual e hipotética incapacidade de organização e gestão de tempo da A. conforme lhe é imputada pela deliberação impugnada, e muito menos são sequer culpa sua;
9.ª - Resultaram, isso sim, (i) de problemas de saúde, (ii) de ter estado 16 anos na magistratura administrativa, (iii) de ter transitado, no mesmo período, entre diferentes serviços, (iv) de ter sido confrontada com um elevado número de processos, entre os quais vários processos executivos que não foram contabilizados nem considerados pelo Sr. Inspetor judicial para o número de intervenções e diligências realizadas pela A, (v) de não correta consideração da carga processual da Secção de Família e Menores, J2 da Comarca de ..., (vi) de não consideração do tempo despendido pela A, a corrigir atas e (vii) de não consideração de que a A. conseguiu diminuir as pendências neste serviço;
10.ª - Todavia, do Relatório de Inspeção e da deliberação impugnada resulta, inequivocamente, que apenas foram tidos em conta os problemas de saúde da A. e o facto de a mesma ter estado 16 anos na magistratura administrativa, em clara violação do disposto no citado artigo 12.º do Regulamento dos Serviços de Inspeção do CSM;
11.ª - Em consequência e, por outro lado, a deliberação impugnada, ao desconsiderar e não ponderar as circunstâncias trazidas aos autos e provadas pela A., padece, também, de deficit de instrução, o que viola o disposto no artigo 115.º do CPA, pelo que deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA.
   Salvo o devido respeito, a demandante parece misturar nesta sede duas questões bem distintas: uma, a desconsideração ou não ponderação dos factos por ela alegados e tidos por provados; outra, a falta de averiguação de factos pertinentes para a avaliação do desempenho em causa.
 A primeira questão traduzir-se-ia, quando muito, em erro de apreciação, nada tendo a ver com insuficiência instrutória; só a segunda seria suscetível de configurar deficit de instrução.
          Ora o facto de, porventura, não terem sido consideradas nem ponderadas determinadas circunstâncias que a demandante diz ter alegado e provado no processo inspetivo, como as indicadas em iii) a vii) da conclusão 9.ª acima transcrita, não significa, por si só, que tenha ocorrido omissão de diligências instrutórias sobre as mesmas. Bem pelo contrário: se a própria demandante considera que as provou, não se pode deixar de reconhecer que elas foram, de algum modo, objeto de averiguação. Questão diferente seria saber se essas circunstâncias foram devidamente consideradas ou ponderadas, mas, como se disse, é já uma questão que se prende o mérito da respetiva apreciação.  
De resto, para além da alusão genérica a falta de “averiguação de todos os factos com interesse ou conveniência” para a determinação da notação em causa e a deficit de instrução, o certo é que a demandante nem tão pouco indicou quais as diligências que podiam e deviam ser realizadas e não foram.
Por outro lado, do processo inspetivo em apenso colhe-se que foram admitidos todos os elementos de prova cuja junção a demandante requereu na sua resposta constante de fls. 182 a 193 desses autos ao relatório de inspeção de fls. 126 a 179, como se alcança de fls. 194 a fls 312. E, na sequência disso, foi elaborada pelo Sr. Inspetor a informação final de fls. 313 a 315 dos mesmos autos apensos, a pronunciar-se sobre cada umas das questões suscitadas nessa resposta, concluindo-se ali que a argumentação aduzida pela respondente em nada abalava a convicção sobre a notação de Suficiente anteriormente proposta.
Ademais, do referido Relatório de Inspeção Extraordinária, para que remetem, frequentemente, tanto a deliberação do Conselho Permanente como a deliberação do Plenário do CSM aqui impugnada, consta um vasto repertório relativo aos tribunais em que a demandante prestou o serviço objeto de inspeção, mormente sobre:
- “As condições específicas do exercício” nesses tribunais, a saber:
- Varas Cíveis do ... (entre 07/09/2012 e 31/08/2014) – fls. 128-129;
- Tribunal Judicial do ... – Instância Central de ... – Secção de Família e Menores – J2 (entre 01/09/2014 e 28/03/2016) – fls. 129-130;
- Tribunal Judicial do ... – Instância Central de ... – Secção Criminal (entre 29/03/2016 e 15/07/2016) – 130-131/v.º;
- Tribunal Judicial da Comarca do ... – Juízo Local Cível (J7) do ... (entre 01/09/2014 e 28/03/2016) – fls. 130/v.º-131;
- O “estado dos serviços” com mapas estatísticos da movimentação processual da demandante – fls. 131-134/v.º;
- “Eventuais vicissitudes nas cargas da distribuição” processual – fls- 135-135/v.º;
- Nível de produtividade – fls. 135/v.º- 136;
- “Movimento processual”, “carga processual”, “taxa de descongestionamento”, “prolação de sentenças”, “elaboração de saneadores/condensação”, “gestão processual”, “prazos de marcação/tempo de prolação”, com os respetivos dados estatísticos – fls. 131-144/v.º dos autos apensos.
Esse mesmo repertório foi transcrito, a título de fixação da matéria de facto, na deliberação do Conselho Permanente do CSM de 19/09/2017, como se alcança de fls. 328 e seguintes do processo inspetivo apenso, sufragada pela deliberação do Plenário do mesmo Conselho ora impugnada.  
          Neste quadro, não se divisa nem a demandante especifica que diligências mais deveriam ter sido realizadas.
         Assim sendo, mesmo a admitir que a omissão de diligências instrutórias, desde que se repercuta como vício de fundamentação do ato impugnado, possa importar em vício de anulabilidade nos termos do artigo 163.º do CPA, o certo é que, no presente caso, não se verifica sequer que diligências instrutórias deveriam ter sido realizadas e não foram, não se podendo assim concluir pelo alegado deficit de instrução.       
         Termos em que improcedem as razões da demandante neste particular.  

2.2. Quanto aos invocados não atendimento e falta de ponderação de factos aduzidos e provados pela demandante que justificariam a atribuição de classificação superior à que foi atribuída

Nesta sede, sustenta a demandante que não foram atendidos nem ponderados factos por ela convocados e provados que justificariam classificação superior à do Suficiente que lhe foi atribuído, de pelo menos Bom.
Nessa linha, refere-se, às circunstâncias de:
- ter transitado, entre diferentes serviços;
- ter sido confrontada com um elevado número de processos, entre os quais vários processos executivos que não foram contabilizados nem considerados pelo Sr. Inspetor judicial para o número de intervenções e diligências realizadas pela A;
. não correta consideração da carga processual da Secção de Família e Menores, J2 da Comarca de ...;
- não consideração do tempo despendido pela A, a corrigir atas;
- e não consideração de que a A. conseguiu diminuir as pendências neste serviço.
         Ora, do repertório do Relatório de Inspeção referido no ponto precedente e, depois, inserido na deliberação do Conselho Permanente do CSM de 19/09/2017 (fls. 328 e seguintes do processo inspetivo apenso), por sua vez, sufragada pela deliberação ora impugnada, constam os dados tidos por relevantes da movimentação processual da demandante, bem como o seu enquadramento nas respetivas condições de exercício, tendo sido, nessa base, ponderadas, com suficiente detalhe, a sua “categoria intelectual” e a “capacidade de apreensão das situações jurídicas em apreço”, nas jurisdições cível (fls. 148.ºv.º - 154/ v.º do processo apenso) e de família e menores (fls. 155-158), seguindo-se uma súmula conclusiva sobre as suas “capacidades humanas”, “adaptação ao serviço” e “preparação técnica” (fls. 160-161).    
         Foi, por fim, considerado que, atentos os parâmetros de avaliação constantes do artigo 15.º, n.º 2, do RIJ e os critérios classificativos do artigo 16.º, n.º 1, alíneas c), d) e e), do mesmo Regulamento, apesar de a demandante possuir, “indiscutivelmente, capacidades humanas para o exercício da função, sendo estimada pelas suas qualidades pessoais, revelando o seu trabalho conhecimentos jurídicos vastos e bem consolidados, quer no plano substantivo, quer no processual, e uma muito consistente preparação técnica”:
«Onde o respetivo desempenho claudica é, sem dúvida, no item da adaptação ao serviço, que, apesar de alguns aspetos positivos, como o agendamento, a pontualidade nas diligências e a serenidade e segurança com que dirige os atos processuais, tem de considerar-se aquém da satisfatória adaptação, face à insuficiente produtividade, com agravamento das pendências, e aos bastantes atrasos verificados, em alguns casos, com uma expressiva extensão.
Tais atrasos e insuficiente produtividade relevam muito negativamente na apreciação e valoração do desempenho da Sr.ª Juíza, impedindo que se reconheça que durante o período inspetivo revelou qualidade a merecerem realce para a execução do cargo nas condições em que desenvolveu a sua atividade.
(…) 
É certo que, quanto à adaptação ao serviço, o desempenho ficou aquém de uma satisfatória adaptação.
Contudo (…), por um lado, esse juízo negativo surge algo atenuado perante as dificuldades decorrentes da adaptação, depois de 16 anos passados na jurisdição administrativa, à jurisdição comum, em concreto, num primeiro momento, nos processos cíveis e, depois, aos de família e crianças, bem como perante as circunstâncias desfavoráveis em que a Sr.ª Juíza desempenhou as suas funções devido a problemas de saúde que a afetaram ao longo do período inspetivo e, por um lado, a valoração muito positiva que foi feita no que toca às capacidades humanas para o exercício da função e à sua preparação técnica.»              
         Também na própria deliberação impugnada, as questões aqui em apreço foram ponderadas, ao se consignar o seguinte:
«(…) após a devida ponderação, não parece que a deliberação reclamada padeça de ilegalidade, desadequação ou desproporcionalidade, sendo igualmente certo que nela foram ponderados todos os aspectos realçados pelo Exma. Srª. Juíza na resposta ao relatório de inspecção, designadamente e, desde logo, a alegada desconsideração do seu estado de saúde na avaliação da sua prestação no período inspectivo bem como o regresso à jurisdição comum após 16 anos de jurisdição administrativa.
Ora, compulsada a deliberação reclamada resulta à saciedade que quer as condicionantes de saúde quer as dificuldades no regresso à jurisdição comum após 16 anos de jurisdição administrativa, mormente o acrescido dispêndio de tempo no estudo e preparação dos processos foram consideradas.
Com efeito, retira-se da mesma citando o relatório inspectivo:
“Não hesitamos em aceitar que a Sra. Juíza provindo da jurisdição administrativa onde se manteve durante 16 anos, ao ser colocada na 1ª Vara Cível do ... e depois em Setembro de 2014, no Juízo de Família e Menores de ... teve necessidade de se preparar para abordar as temáticas discutidas nos processos das referidas jurisdições o que necessariamente implicou um dispêndio acrescido no tempo.
“E aceitamos que os períodos de interrupção motivados por doença (entre eles 59 dias entre 19.09.12 e 16.11.12; 47 dias entre 04.11.13 e 20.12.13; 169 dias entre 12.10.15 e 28.03.16; 16 dias entre 16.01.17 e 31.01.17) prejudicam o normal ritmo de trabalho com consequências ao nível da gestão de serviço, da celeridade e da produtividade.” E “verifica-se que a Srª Juíza não obstante os seus problemas de saúde, durante as férias de verão de 2014 fez um esforço no sentido de regularizar o serviço da 1ª Vara Cível do ..., como se infere do número de decisões (sentenças, despachos saneadores e despachos de mero expediente) proferidas com datas de julho (finais) e agosto”.
Tais segmentos da deliberação reclamada permitem concluir que as condicionantes em causa foram consideradas apenas não o foram nos termos e com as consequências pretendidas pela Exma. Srª Juíza.
A Exma. Srª Juíza refere, ainda, que quer na 1ª Vara Cível do ... quer no Juízo de Família e Menores de ... foi confrontada com um elevado número de processos pendentes e que houve diminuição substancial da pendência. Todavia, tais afirmações não têm tal como enfatizado na deliberação reclamada apoio no relatório nem na estatística. Com efeito como se fez constar no relatório inspectivo na extinta 1.ª Vara Cível do ..., no período de 07.09.2012 a 31.08.2014 a Sr.ª Juíza findou menos processos do que aqueles entrados aumentando assim a pendência processual (com um agravamento da pendência em 25 processos, não obstante a redução - 29 processos - das entradas no período de 01.09.13 a 31.08.14 em comparação com o período de 04.09.2012 a 31.08.2013) e, por sua vez, quanto ao Juízo de Família e Menores de ..., no período de 01.09.2014 a 11.10.2015 apenas no que respeita aos processos de “justiça” cível ocorreu uma diminuição da pendência (em 24 processos) havendo no entanto um agravamento (em 12 processos) da pendência dos processos da justiça tutelar.»
  Estas considerações, no culminar de todo o repertório precedente do relatório inspetivo, espelham o destaque entre, por um lado, as qualidades positivas pessoais e profissionais da demandante e, por outro, o resultado negativo do seu desempenho, com consideração pelas condições desfavoráveis que a afetaram tidas por relevantes, significando, nesse contexto, por exclusão de partes, que não se teve como tal as vicissitudes que, a este propósito, a demandante refere e que se deixaram acima transcritas.
Ou seja, aquelas circunstâncias, apesar de documentadas no processo inspetivo não foram relevadas como fatores que justificassem o insatisfatório desempenho e a falta de produtividade da demandante, mas antes como índices de inadequado método de gestão da atividade desenvolvida.
         Nesta conformidade, não se pode concluir que não tenham sido atendidas nem ponderadas tais circunstâncias ou vicissitudes. Foram-no, sem dúvida, mas em sentido diferente do pretendido pela demandante.
          Improcedem, pois, também aqui as razões invocadas.          
           
2.3. Da alegada falta de enunciação de factos concretos e objetivos da incapacidade da demandante para organizar e gerir o serviço a seu cargo

Sustenta a demandante que a deliberação impugnada padece da falta de enunciação de factos concretos e objetivos referentes à incapacidade da demandante para organizar e gerir o serviço a seu cargo.  

Ora o artigo 151.º do CPA, sob a epígrafe menções obrigatórias, no que aqui releva, prescreve que:
1 – Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato: 
(…)
c) – A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;
2 – As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido de alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.
 A enunciação dos factos ou atos a que se faz referência na alínea c) compreende os pressupostos de facto em que assenta a decisão ou deliberação final do ato administrativo.
         Tal enunciação factual, como elemento integrante da fundamentação do ato administrativo, deve obedecer ao disposto no artigo 153.º do CPA ao prescrever que:
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
(…)      
A falta de enunciação dos factos relevantes conforme o prescrito na alínea c) acima transcrita pode gerar a invalidade do ato, em regra, sob a espécie do vício de anulabilidade nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA, embora se possa admitir que os casos de ausência total dessa enunciação impliquem o vício de nulidade por equiparação com algumas das hipóteses previstas, de forma não taxativa, no artigo 161.º, n.º 2, do mesmo Código[1].

Como é sabido, as deliberações do CSM, em sede de avaliação do desempenho dos magistrados judiciais, são suportadas no relatório de inspeção, donde são coligidos os elementos de facto tidos por essenciais.
É precisamente o que se verifica na deliberação do Conselho Permanente do CSM de 19/09/2017, constante de fls. 326-375 do processo inspetivo apenso, na qual se encontra transcrita a matéria de facto trasladada do relatório de inspeção, incluindo os mapas estatísticos, como se alcança de fls. 328-350.
Desse acervo factual consta assim todo o repertório sobre o desempenho profissional da demandante nos tribunais e períodos compreendidos pelo ato inspetivo e respetivas condições de exercício, a que acima já se fez referência.
E foi com base nesses elementos factuais, nomeadamente quantitativos, que foram extraídas as ilações sobre a adaptação da demandante ao serviço e índice da sua produtividade, no contexto da carga e movimento processuais verificados e das demais condições de trabalho, tendo-se con-cluído, na esteira do relatório inspetivo, que o desempenho insatisfatório daquela, revelado numa reduzida produtividade e em persistentes e grandes atrasos, muito aquém do que as condições de trabalho lhe permitiam, se devia, fundamentalmente, à sua “falta de método de gestão e organização do serviço”. 
Igualmente na deliberação impugnada foi, a este propósito, referido o seguinte:
«Aduz ainda a Exma. Srª Juíza que na verdade ao contrário do doutamente decidido, os processos pendentes com prazos excedidos não se devem a (falta de) implementação de método, melhor organização e gestão de serviço e adoção de um outro ritmo de trabalho. Os processos pendentes com prazos excedidos devem-se, isso sim, ao elevado volume de processos que impendem sobre a Reclamante que naturalmente originam a realização de inúmeras diligências das mais várias naturezas, pelo que não são a consequência mas sim a causa.
Ora, também neste particular não se concorda com a interpretação da Exma Srª Juíza porque a mesma é contrariada pelo teor da deliberação reclamada e do relatório inspectivo em que esta se estriba.
De facto e conforme aí é mencionado a carga processual a que a Exm.ª Srª Juíza esteve sujeita quer na 1ª Vara Cível do ... quer no Juízo Local Cível do ... afigura-se favorável.
Ademais quanto ao Juízo de Família e Menores de ... a carga processual é significativa importando, no entanto, ter presente que a partir de 14.01.15 os Juízes desse juízo contaram com a colaboração, primeiro, da Juíza do Quadro Complementar colocada na Secção de Comércio da Instância Central de ..., depois, a partir de 04.05.2015 do Juiz auxiliar para o conjunto das Secções Criminal da Instância Central de ... e da Secção de Família e Menores da Instância Central de ... e, por fim, do juiz auxiliar colocado em Setembro de 2015 nesse juízo.
Ou seja, não se verifica a excessiva carga de serviço invocada com excepção de Família e Menores sendo que quanto a este Juízo foram tomadas medidas de repartição desse serviço por outros juízes.»
Embora nem sempre seja fácil traçar a linha de fronteira entre o enunciado fáctico propriamente dito e as conclusões de facto, o certo é que o juízo global concludente sobre a incapacidade da demandante para organizar e gerir o serviço a seu cargo decorre das ilações extraídas dos dados factuais apurados e quantificados.
Nesta conformidade, salvo o devido respeito, não se divisa que ocorra a apontada falta de enunciação factológica, apresentando-se esta com a nitidez suficiente para que a demandante se inteire das razões de facto e de direito que determinaram a classificação de Suficiente que lhe foi atribuída por esse desempenho, muito embora lhe assista o direito de discordar de tal apreciação.   
Termos em que se conclui, neste particular, pela improcedência das razões da demandante. 

2.4. Quanto à invocada falta de fundamentação relativamente à descida em dois graus da notação de Suficiente atribuída

Invoca ainda a demandante a falta de fundamentação sobre a descida excecional da anterior notação de Bom com Distinção para Suficiente
Vejamos.
Estamos ante uma deliberação do CSM tomada no âmbito da competência para o exercício da ação inspetiva respeitante a magistrados judiciais que lhe é conferida pelo artigo 217.º, n.º 1, da Constituição da República com os contornos estabelecidos nos artigos 149.º, alínea a), 151.º, alínea d), e 152.º, n.º 2, do EMJ.
Sendo o CSM o órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial instituído pelo artigo 218.º da Constituição e definido no artigo 136.º do EMJ, as suas deliberações nessa matéria traduzem-se em atos administrativos sujeitos à disciplina constante dos artigos 148.º e seguintes do CPA, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 4/2015, de 07/01, e passíveis de impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos dos já acima citados artigos 168.º e seguintes do sobredito EMJ.
Tais atos administrativos, na medida em que são suscetíveis de afetar os direitos ou interesses legalmente protegidos dos magistrados judiciais, carecem de fundamentação expressa e acessível conforme se preceitua, desde logo, no artigo 268.º, n.º 3, 2.ª parte, da Constituição.
Já no plano infraconstitucional, o artigo 151.º do CPA, sob a epígrafe menções obrigatórias, no que aqui releva, prescreve que:
1 – Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato: 
(…)
d) – A fundamentação, quando exigível;
(…)
2 – As menções exigidas no número anterior devem ser enuncia-das de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma ine-quívoca o seu sentido de alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.
         Quanto ao dever de fundamentação, o artigo 152.º, n.º 1, do mesmo diploma contempla os casos em que, para além de disposição especialmente prevista na lei, se exige tal dever de fundamentação, figurando, desde logo, na respetiva alínea a), os atos administrativos que, total ou parcialmente neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos ou imponham sanções.
         Por fim, o artigo 153.º, sob a epígrafe requisitos da fundamentação, estabelece o seguinte:
1 – A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato.
2 – Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.
(…)
         Assim, a densidade de fundamentação será de teor variável em função das exigências inerentes a cada tipo de ato ou mesmo a cada caso singular, devendo nortear-se sempre pelo desiderato de proporcionar “a um destinatário normal, colocado na posição do real destinatário do ato”, a compreensão das razões que conduziram o órgão decisor à decisão proferida.[2]   
          Relativamente aos atributos de clareza, coerência e suficiência da fundamentação exigidos pelo transcrito n.º 2 do artigo 153.º, Luiz Cabral de Moncada[3] escreve o seguinte:
«À falta de clareza, contraditoriedade ou insuficiência dos fundamentos em si equivale a da respetiva expressão externa o que se justifica perfeitamente porque o texto do acto tem forma externa escrita e não outra. Matéria e linguagem equivalem-se aqui.
As duas primeiras são a consequência de regras lógicas próprias de qualquer enunciado. A última filia-se numa exigência funcional própria especificamente da fundamentação dos actos administrativos.
(…)
A exigência da suficiência é a de mais difícil aferição. A fundamentação tem de justificar toda a decisão e em termos adequados que não deixem dúvidas ao destinatário. O autor do acto deve fazer aqui um raciocínio hipotético. O que será necessário transmitir-lhe para que o destinatário do acto compreenda o meu ponto de vista? Saber o que é suficiente para a fundamentação e ordem a apreciar da concreta motivação de cada acto depende do tipo legal de acto e de cada caso concreto. Mas não bastam afirmações genéricas do tipo de conveniência de serviço.
(…)
Pelo que toca às razões de facto, exige a suficiência um critério da razoabilidade; pelo menos os factos mais relevantes terão de ser claramente indicados.»
           
           Sucede que a questão em apreço foi já tida em conta e ponderada na deliberação aqui impugnada nos seguintes moldes:
   «Refere, ainda, a Exma Srª Juíza que a atribuição da notação de Suficiente à Reclamante se ficou a dever ao facto de a mesma revelar incapacidade de organizar e gerir o serviço a seu cargo, conclusão aceite pela douta deliberação reclamada e (…) que tendo a Reclamante anteriormente classificações: Bom, Bom, Bom, Bom com Distinção e Bom com Distinção (…) parece, assim e pelo menos, estranho face a tais classificações que no período em que ocorreram as pendências processuais se tenha verificado a referida incapacidade em organizar, gerir o serviço a seu cargo e que não se procure averiguar as razões dessa incapacidade.
Uma vez mais não se concorda com estas asserções porquanto não se trata de comparar a prestação da Exma Srª Juíza com outras anteriores e até de jurisdição diferente (administrativa) mas a sua prestação funcional no período inspectivo em causa.
O que se aprecia e se apreciou é o seu desempenho num contexto que inclui contingências de saúde e de mudança de jurisdição (administrativa para comum) que foram consideradas mas em que não obstante tal consideração não permitem excluir a conclusão pela natureza meramente satisfatória da sua prestação funcional no período inspectivo em causa.
Com efeito, apesar de em geral ter uma carga processual favorável a Exma. Srª Juíza incorreu em incumprimento dos prazos processuais num assinalável número de processos mencionados no relatório de inspecção, atrasos esses quer na prolação de sentenças, quer na prolação de despachos saneadores quer, ainda, nos despachos mais simples ou de mero expediente. Tais atrasos revelam num número considerável de casos uma dilação muito expressiva entre a data da conclusão e a da decisão, tendo sido detectados 224 até um mês, 135 entre 1 a 3 meses, 46 entre três e seis meses, 10 entre seis e doze meses e 1 com mais de doze meses. Saliente-se, ainda, que nas referências a tais atrasos estão descontados o prazo legal para a prolação das decisões, as ausências justificadas e as interrupções decorrentes de férias judiciais ou pessoais da Exma. Srª Juíza.
Os mencionados atrasos impressionam muito negativamente, no concreto enquadramento de serviço em que se registaram, já que não são justificáveis pela carga processual com que a Exma. Srª Juíza se confrontou e são também relativos a despachos de mero expediente, sendo que estes últimos não envolvem por regra uma ponderação maior ou um especial conhecimento de direito pois prendem-se com a regular tramitação do processo e revelam problemas de organização funcional por parte da Exma Srª Juíza.
Convém frisar que a tutela do direito à obtenção da decisão em prazo razoável tem consagração constitucional e é tutelada por instrumentos de direito internacional (art. 6º da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem). Efectivamente, o direito de acesso aos tribunais tem implícito o direito à obtenção de uma decisão em prazo razoável, sendo caracterizado na jurisprudência constitucional como um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência.
Ora, este prazo razoável, conceito relativamente indeterminado, encontra a sua densificação mínima precisamente nos prazos ordenadores previstos na legislação adjectiva para a prolação das decisões judiciais.
Desafortunadamente, verifica-se, com alguma frequência, existir falta de celeridade, ou sequer tempestividade, na resposta solicitada aos Tribunais, o que constitui mesmo a maior crítica que lhes é dirigida pela generalidade dos cidadãos e o principal motivo de desconfiança e descrença no funcionamento do sistema de justiça e, consequentemente, nos seus agentes (mormente nos magistrados judiciais, pela visibilidade que, inevitavelmente, lhes advém do normal exercício das suas funções). Mostra-se absolutamente fundamental a tarefa de reduzir, eliminar e evitar quaisquer atrasos na resposta do sistema de Justiça, uma vez que por aí passa, necessariamente, a sua credibilização e a recuperação da confiança dos cidadãos.
Refira-se, aliás, que parte de tais atrasos determinaram condenação disciplinar da Exma. Srª Juíza tal como afirmado na deliberação reclamada sendo que tal sanção também como aí se enfatiza marca igualmente pela negativa a prestação da mesma.
Ademais a sua produtividade no período inspectivo foi reduzida ou insatisfatória como ressalta da deliberação reclamada:
“Conclui o Ex.mo senhor Inspetor a Sra. Juíza proferiu um total de 653 decisões que extinguiram os autos e, pelo menos, 27 despachos saneadores (com factos assentes e base instrutória ou, os posteriores a setembro de 2013, com despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas de prova), o que, tudo somado, perfaz 680 decisões.
Das 156 decisões que, na 1ª Vara Cível do ... e no Juízo Local Cível (J7) do ..., extinguiram os autos, apenas 20 respeitam a decisões de mérito com julgamento e nas restantes 136 estão incluídas: 68 sentenças homologatórias (de transações e desistências do pedido ou da instância); 34 decisões de mérito sem julgamento, como decisões a atribuir força executiva a petições iniciais, saneadores-sentença e ações não contestadas; 34 correspondem a outras decisões finais, como, por exemplo, sentenças de extinção da instância por inutilidade/impossibilidade da lide e decisões de incompetência do tribunal.
 Das 497 decisões que, na Secção de Família e Menores da Instância Central de ..., extinguiram os autos, apenas 17 respeitam a decisões de mérito com julgamento e nas restantes 480 estão incluídas, entre outras: 108 sentenças a decretar o divórcio por mútuo consentimento entre os cônjuges após conversão do divórcio sem consentimento do outro cônjuge; 152 sentenças homologatórias do acordo dos pais em processos de regulações, incumprimentos e alterações das responsabilidades parentais; 50 sentenças homologatórias de acordos de promoção em processos de promoção e proteção; 100 sentenças de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide e 46 sentenças de fixação da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores em substituição dos progenitores devedores.
Assim, obtemos, no total, 37 decisões de mérito com julgamento, 85 decisões de mérito sem julgamento e 27 despachos saneadores, o que dá um total de 149 decisões.
Considerando que o período de trabalho (efetivo exercício) em apreço na presente inspeção é de cerca de 3 anos, 2 meses e 9 dias [o período da inspeção é de 4 anos, 4 meses e 27 dias. No entanto, descontado 145 dias de férias (99 dias úteis) e deduzindo 297 dias de ausências por doença, 8 dias por falecimento de familiares e 3 dias por dispensas, obtemos um período de trabalho efetivo de 3 anos, 2 meses e 9 dias] alcança-se uma média de cerca de 4 decisões (de mérito com julgamento, de mérito sem julgamento e despachos saneadores) por cada mês, número que, ponderando, nomeadamente, a carga processual, favorável, no que respeita à 1.ª Vara Cível do ... e ao Juízo Local Cível do ..., se afigura muito reduzido.”
O senhor inspetor contudo, e bem, não deixa de relevar positivamente as restantes decisões finais, ainda que sem julgamento, pois “na maioria dos casos, só são alcançados depois de uma demorada e, muitas vezes, desgastante intervenção do Juiz, e, bem assim, ao expediente que foi despachando (ainda que uma boa parte dele com atraso), às diligências e julgamentos que realizou, ao tempo que despendeu na preparação e realização dessas diligências e julgamentos e na correção das respetivas atas, especialmente, dada a sua maior complexidade, as da jurisdição de família e crianças.”
Se outros motivos não existissem que a tal obstassem (e, na verdade, também foram objecto de merecido reparo a produtividade apresentada) os atrasos que se verificaram no presente caso (que, no quadro em que se verificaram, revelam evidentes problemas de organização funcional e consubstanciam indubitavelmente o aspecto menos conseguido do desempenho em análise), sempre impediriam a qualificação do desempenho em apreciação como “Bom com Distinção” ou sequer “Bom”.»         
         Afigura-se que a fundamentação acima transcrita reúne os contornos, o grau de densidade e o nível de clareza exigidos pelo artigo 153.º, n.º 1 e 2, do CPA, dela transparecendo as razões essenciais pelas quais, não obstante as qualidades pessoais e profissionais que abonam a favor da demandante, bem como o mérito do seu anterior percurso profissional, se concluiu que, em face do insatisfatório desempenho, no período abrangido pelo ato inspetivo (de 07/09/2012 a 31/01/2017), traduzido numa reduzida produtividade e em persistentes e grandes atrasos num assinalável número de processos mencionados no relatório de inspeção, muito aquém do que as condições de trabalho lhe permitiam, se justificava a descida na classificação de Bom com Distinção para Suficiente.
         E é sobre essa idoneidade formal da fundamentação que compete a este Supremo Tribunal ajuizar e que assim se tem por verificada, sendo ve-dado, como é, sindicar a respetiva apreciação de mérito.       
         Em suma, embora assista, naturalmente, à demandante o direito de não se conformar com tal apreciação, o que já não se afigura defensável é que ocorra o vício formal de falta de fundamentação nos termos referidos.  

         2.5. Quanto à pretensa arbitrariedade da deliberação impugnada
         
Por fim, cumpre referir que a demandante invocou a arbitrariedade da deliberação impugnada.
         No entanto, constata-se que naquela deliberação sempre se convocam os parâmetros avaliativos e os critérios classificativos constantes dos do EMJ e do RIJ, procurando-se densificá-los na medida do razoável, procedendo-se depois à apreciação concreta das diversas vertentes a ter em linha de conta, dentro da margem de discricionariedade de que o CSM dispõe na sua esfera de competência inspetiva dos magistrados judiciais.
         Ora, dentro de tal metodologia e atento o nível de fundamentação acima expresso, não se divisa que as conclusões a que se chegou na deliberação impugnada sejam desprovidas de adequado enquadramento legal e de condizente suporte argumentativo, não podendo ser tidas, minimamente, como arbitrárias.
         Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se tem também aqui por improcedente tal impugnação.       
           
IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça em julgar totalmente improcedente a impugnação deduzida no presente meio contencioso, confirmando-se a deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 06/02/2018, que julgou improcedente a reclamação por aquela deduzida contra a deliberação do respetivo Conselho Permanente, de 19/09/2017, tomada no âmbito do processo de inspeção extraordinária n.º 2016-438/IE, nos termos da qual foi atribuída à demandante a classificação de Suficiente pela sua prestação funcional, entre 07/09/2012 e 31/01/2017 nos tribunais acima identificados.
Valor tributário: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, e do artigo 34.º, n.º 2, do CPTA.
As custas ficam a cargo da demandante com a taxa de justiça fixada em 6 UC (art.º 7.º, n.º 1, do RCP e respetiva Tabela I-A, anexa).
 

   Lisboa, 4 de julho de 2019
                                        
 Manuel Tomé Soares Gomes (relator)

Alexandre Reis

 Raul Borges

  Ferreira Pinto

  Nuno Gomes da Silva
                                        
  José Rainho

  Olindo Geraldes
                                        
   Manuel Pinto Hespanhol (Vice-Presidente)

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[1] A este propósito, vide Luiz S. Cabral de Moncada, ob. cit. pp. 495-496 (anotação 1.2, último parágrafo e 1.3) e p. 530-531 (anotação 2.4).  
[2] A este propósito, vide Luiz S. Cabral de Moncada, in Código do Procedimento Administrativo Anotado, Quid Juris, 3.ª Edição, 2019, pp. 497-498. 
[3] Ob. cit, pp. 504-505.