Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
785/15.0T8FND-B.C1.S1
Nº Convencional: 6ª. SECÇÃO
Relator: SALRETA PEREIRA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
CREDOR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA / NÃO HOMOLOGAÇÃO DO PLANO SOLICITADA POR INTERESSADO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 209.º, 210.º, 212.º, 216.º, N.º1, AL. A).
Sumário :
I - O pedido de não homologação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, por parte de qualquer credor, só tem que ser apresentado após a publicação da deliberação e antes da sentença de homologação.

II - O credor que requer a não homologação do plano deve alegar e demonstrar que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, conforme estabelece o art. 216.º, n.º 1, al. a), do CIRE.

III - Não deve ser homologado o plano de recuperação referido em I, se o credor alegou e provou que, com o produto da venda do imóvel hipotecado a seu favor, sobre a casa de habitação dos devedores, liquidaria, de imediato, os encargos do processo e a totalidade do seu crédito, sendo esta situação mais favorável do que aquela que resultaria da aprovação do plano, onde se previa o pagamento da totalidade do capital em dívida em 504 prestações mensais, iguais e sucessivas, devendo a primeira ocorrer no último dia útil do 30.º mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

         

AA e BB apresentaram, na secção de Comércio da Comarca de ..., requerimento com vista à instauração de Processo Especial de Revitalização.

Proferido despacho liminar e nomeado administrador judicial provisório, cumprida a demais tramitação processual, veio a ser aprovado plano de recuperação com vista à revitalização dos devedores, tendo votado contra a credora BANCO CC SA.

Esta credora requereu a não homologação do plano, alegando a violação do princípio da igualdade dos credores e que, a ser aprovado, a sua situação ficaria manifestamente mais desfavorável do que na ausência do mesmo.

Por sentença de 01.04.2006 foi recusada a homologação do plano de revitalização dos devedores AA e BB.

Inconformados com o assim decidido, os Requerentes/devedores recorreram para o Tribunal da Relação de ..., que proferiu acórdão a julgar improcedente a apelação e a confirmar a sentença.

De novo inconformados, vieram recorrer para este Supremo Tribunal de Justiça, alegando com as seguintes conclusões:

1ª. O requerimento não deveria ter sido apreciado por intempestivo, porquanto a credora não requereu fundamentadamente a não homologação do plano antes da respectiva aprovação, nos termos do estipulado pelo art. 216 nº 1 do CIRE.

2ª. O mero voto contra o plano não conta como oposição para os efeitos do artº. 216º do CIRE.

3ª. O requerimento da credora BANCO CC é rotundamente omisso de fundamentos e razões e absolutamente desprovido de qualquer sustentação em factos.

4ª. Não poderia o Tribunal “a quo” invocar fundamentação não invocada pela credora.

5ª. O nº 1 do artº. 216º do CIRE dispõe que o credor tem o ónus de alegar e demonstrar em termos plausíveis que a sua situação com o plano é previsivelmente menos favorável do que na ausência de qualquer plano.

6ª. A credora não demonstrou o valor que receberia com a venda do imóvel hipotecado e que tal valor é superior ao que virá a receber com o cumprimento do plano aprovado.

Não houve contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão:

 

1. Por requerimento de 12.11.2015, AA e BB, com domicílio no ..., ..., 0000-004 ..., ..., impulsionaram os presentes autos de revitalização, tendo em vista a aprovação de plano de recuperação.

2. Em 16.11.2015 foi proferido despacho liminar, cfr. fls. 38, o qual foi publicitado a 17.11.2015.

3. A Exma. Sra. Administradora Judicial Provisória apresentou a lista provisória de créditos a 14.12.2015, a qual foi publicitada nesse mesmo dia, cfr. Apenso A.

4. A aludida lista foi objecto de seis impugnações, as quais foram decididas por sentença de fls. 92 a 95 do mesmo apenso.

5. A 19.02.2016 foi requerida a competente prorrogação de prazo das negociações, a qual foi publicitada por parte do Tribunal a 22.02.2016.

6. A 18.03.2016 foi apresentado plano de revitalização por parte dos devedores, cfr. fls. 84 e ss.

7. A 22.03.2016, cfr. fls. 137 e ss., o Sr. Administrador juntou aos autos o resultado da votação do plano e todos os elementos a que alude o art. 17º-F, nº 5 do CIRE.

8. A fls. 135, o credor DD veio requerer a não homologação do plano, mas não apresentou qualquer justificação para o efeito, para além do facto de ter votado contra a aprovação do mesmo.

9. Em 29.03.2016, a fls. 120 a 124 dos autos, a credora BANCO CC, S.A. requereu a não homologação do plano de recuperação dos devedores sustentando a violação do princípio da igualdade dos credores e, ainda, que a sua situação ao abrigo do plano é manifestamente mais desfavorável do que na ausência do mesmo.

10. Invocou a sua qualidade de credora privilegiada, dado que o seu crédito está garantido com hipoteca sobre a casa de habitação dos devedores, cujo valor actual é de € 195.000,00, mais que suficiente para o pagamento do capital em dívida.

11. Os devedores responderam ao requerimento da credora BANCO CC, S.A.

12. A lista provisória de créditos ascende a € 888.471,75, sendo apresentada pelo Srª. Administradora Judicial Provisória do seguinte modo:

Crédito garantido por hipoteca:

BANCO CC SA: €188.704,26 – 21,47% de votos.

BANCO EE de ..., CRL: €19.698,93 – 2,241% de votos;

Créditos Comuns:

- FF, SA: €19.517,23 – 2,21% de votos;

- GG, €7.240,00: 0,824% de votos;

- DD: €25.766,24 – 2,932% de votos;

- HH: €60.000,00 – 6,827% de votos;

- Fazenda Nacional: €23.271,46 – 2,648% de votos;

- II: €22.995,00 – 2,616% de votos;

- JJ: €511.726,03 – 58,22% de votos.

13. O plano propõe o pagamento nos termos seguintes:

a) Pagamento dos créditos garantidos da BANCO CC SA e BANCO EE de ..., nos termos seguintes:

“Pagamento de 100% do capital em dívida em 504 prestações mensais, postecipadas, iguais e sucessivas, devendo a 1ª ocorrer no último dia útil do 30º mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

Perdão de juros vencidos, incluindo os que se vencerem entre a data da apresentação da reclamação de créditos e a data o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

Pagamento de juros vincendos, calculados à taxa variável, calculada sobre a Euribor a 12 meses, acrescida de um spread de 1% ao ano;

Manutenção das garantias pessoais prestadas nos exactos termos em que foram acordadas.”

b) Pagamento dos créditos comuns:

-A dívida à segurança social será regularizada através de plano prestacional a autorizar no âmbito da execução fiscal, em 60 prestações, no mês da aprovação do plano de revitalização, vencendo-se a 1ª prestação no mês seguinte ao da aprovação e homologação do plano de revitalização;

- A regularização da dívida à Autoridade Tributária será feita em 36 prestações mensais, iguais e sucessivas, acrescida dos juros vencidos e vincendos, iniciando-se o pagamento no mês seguinte àquele em que se verifique a homologação do plano.

A regularização dos demais créditos comuns, será feita da seguinte forma:

-Pagamento de 30% do capital e juros vencidos em 480 prestações mensais, iguais e sucessivas e postecipadas, devendo a 1ª prestação ocorrer no último dia útil do 4º ano seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

Carência de 3 anos para o início do pagamento do capital em dívida e respectivos juros vencidos;

- Perdão de 100% dos juros de mora.

14. A sentença de não homologação do plano foi proferida em 01.04.2016.

FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

O presente recurso suscita duas questões:

1ª. Tempestividade do requerimento de oposição à homologação do plano apresentado pela credora BANCO CC.

2ª. Insuficiência de factos alegados naquele requerimento caracterizadores da posição menos favorável resultante da homologação do plano.

O artº. 216º nº 1 do CIRE não refere que a oposição dos credores à homologação do plano tenha que ser apresentada no mesmo prazo em que o próprio devedor o deve fazer, mas apenas que seja comunicada nos mesmos termos.

A credora BANCO CC votou desfavoravelmente o plano, condição para, posteriormente, se opor à respectiva homologação, caso o mesmo viesse a ser aprovado pelos credores.

Uma oposição fundamentada à homologação do plano pelo juiz não tem o mínimo cabimento antes de se saber se o mesmo vai ser aprovado, ou se eventualmente vai sofrer alterações na Assembleia (artºs. 209º e 210º do CIRE).

Efectivamente, a posição do devedor que não subscreve a proposta de plano de recuperação é muito distinta da posição do credor que vota desfavoravelmente a mesma proposta.

O devedor não vota a proposta, pelo que, caso não tenha sido o respectivo apresentante, deve justificar pormenorizadamente a sua exequibilidade, ou, caso entenda não lhe ser possível o respectivo cumprimento, deve requerer a sua não homologação, ou fazer proposta alternativa.

Percebe-se que esta tomada de posição seja assumida antes da votação, para elucidação dos credores, permitindo a estes votar esclarecidamente na Assembleia de Credores.

A sugestão pelo devedor de alterações pontuais à proposta não apresentada por si, no sentido de a tornar exequível, também se compreende que seja feita antes da votação, permitindo que os credores, na respectiva Assembleia, as ponderem e votem o plano com a correcção sugerida.

O credor que vota desfavoravelmente a proposta não sabe se a mesma vai ser aprovada pela maioria necessária dos credores, se vai sofrer alterações que o levem a modificar o seu sentido de voto, tornando inútil uma precoce oposição fundamentada, acompanhada de um pedido da sua não homologação pelo juiz (artºs. 209º, 210º e 212º do CIRE).

Por outro lado, as alterações ao plano eventualmente sugeridas pelo devedor, para o tornarem exequível e aprovadas pela maioria dos credores, podem levar a que um dos credores altere o seu sentido inicial de voto.

Tais alterações levam-no a votar contra este novo plano, não parecendo razoável que se lhe exija que deduza simultaneamente uma oposição fundamentada à homologação do plano, dirigida ao juiz, possivelmente acompanhada de prova dos factos fundamentadores da oposição.

Considerar que a Assembleia de Credores constitui o prazo peremptório e preclusivo para a oposição de qualquer credor à homologação do plano é manifestamente irrazoável e injustificado.

Aliás, a lei, quando estabelece um prazo peremptório e preclusivo da prática de um acto, afirma-o de modo inequívoco e nunca da forma constante do artº. 216º nº 1 do CIRE.

Entendemos, pois, que o pedido de não homologação do plano por parte de qualquer credor, devidamente fundamentado, pode ser apresentado após a publicação da deliberação de aprovação do plano e antes da sentença de homologação.

O pedido de não homologação do plano da credora BANCO CC foi apresentado em 29.03.2016 e a sentença é de 01.04.2016.

Foi, pois, apresentado tempestivamente, improcedendo as conclusões dos recorrentes quanto a esta 1ª questão.

A alegada insuficiência de factos caracterizadores da situação prevista no artº. 216º nº 1 al. a) do CIRE também se não verifica.

A lei fala em demonstração de situação previsivelmente menos favorável para o credor que requer a não homologação do plano.

A requerente BANCO CC alegou e provou que o seu crédito de cerca de € 188.000,00 está garantido por hipoteca sobre a casa de habitação dos devedores, imóvel que, à data da concessão do mútuo, valia € 220.000,00, e, face à desvalorização posterior, vale hoje € 195.000,00.

Mais alegou que o produto da venda do imóvel em causa, que ocorrerá, no caso de não homologação do plano, chegará previsivelmente para satisfazer os encargos do processo e a totalidade do seu crédito.

Esta situação é manifestamente mais favorável que a resultante do plano aprovado, pagamento da totalidade do capital em dívida em 504 prestações mensais, iguais e sucessivas, devendo a 1ª ocorrer no último dia útil do 30º mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano.

O requerimento da credora BANCO CC demonstra inequivocamente que a respectiva situação, perante a liquidação imediata do imóvel hipotecado, é manifestamente mais favorável que a resultante do plano de revitalização.

Improcedem, assim, as conclusões dos recorrentes quanto à segunda questão.

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 22 de novembro de 2016

Salreta Pereira – Relator

João Camilo

Fonseca Ramos