Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
91/13.4TBSCD.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
RECURSO DE REVISTA
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Na fixação de diversos montantes indemnizatórios, o Acórdão da Relação lançou mão de juízo de equidade (artigos 496º, nº 3 e 566º, nº 3, do Código Civil), pelo que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, “cingindo-se a sua apreciação ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado”

II. Ao realizar este juízo de equidade, o acórdão recorrido julgou com base nos critérios e orientações seguidas pela jurisprudência, não fazendo um qualquer juízo discricionário ou arbitrário, conseguindo alcançar uma solução que respeita os princípios da igualdade e proporcionalidade, verificados pelo STJ enquanto tribunal de revista e no julgamento de direito.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA e BB instauraram ação declarativa, de condenação, com processo comum, contra a “Companhia de Seguros Açoreana, SA” (enquanto sucessora da GLOBAL – Companhia de Seguros, S.A., atualmente designada por “SEGURADORAS UNIDAS, S.A.”), pedindo que a Ré seja condenada a:

a) a pagar ao 1º. A., o montante de € 130 618,22 (cento e trinta mil seiscentos e dezoito euros e vinte e dois cêntimos);

b) a pagar à 2ª. A., o montante de € 18 938,00 (dezanove mil trezentos e vinte e nove euros e sessenta cêntimos);

c) os referidos montantes, devem ser acrescidos de juros legais, desde a citação até integral pagamento;

d) deve, ainda, ser condenada em juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1, do artº. 38º., do Dec. Lei, de 21 de agosto, até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial. […]»;

Do total indemnizatório de € 130 618,22, o Autor peticionou, pela incapacidade permanente geral (dano biológico), correspondente a 10 pontos, mas suscetível de vir a ser fixável em grau nunca inferior a 20 pontos, a indemnização de € 95 915,00.

Por outro lado, do apontado total indemnizatório, o Autor reclamou, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 30.000,00.

Do total indemnizatório de € 18 938,00, a Autora peticionou:

- Por danos patrimoniais:

- O pagamento do montante de € 13 848,00, atenta a IPP de 2% que lhe foi fixada;

- O pagamento de € 90,00 do custo de uma consulta;

- Por danos não patrimoniais, o pagamento de uma indemnização de € 5.000,00.

Alegam que ocorreu um acidente de viação em … de agosto de 2009, em consequência do qual sofreram danos patrimoniais e não patrimoniais, acidente esse que consistiu no embate sofrido pelo veículo automóvel em que seguiam, tripulado pelo 1º Autor, com o veículo automóvel, seguro na “GLOBAL – Companhia de Seguros, S.A.”, a cuja condutora imputam, em exclusivo, a culpa do acidente e respetivas consequências.

2. Citada, a Ré veio contestar, aceitando no essencial a dinâmica do acidente alegada pelos Autores e descrita na petição, impugnando, no entanto, a matéria relativa aos danos invocados pelos autores, considerando inexistirem fundamentos de facto e de direito para que procedam totalmente os pedidos indemnizatórios contra si deduzidos, concluindo que a ação deve ser julgada parcialmente improcedente.

3. Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, no qual se afirmou a validade e a regularidade da instância; foi ainda selecionada a matéria de facto assente, e elaborada a base instrutória.

4. Realizou-se a audiência final, foi proferida a sentença, tendo-se, na parte dispositiva, consignado:

«[…] julgo parcialmente procedente a presente ação declarativa instaurada sob a forma de processo ordinário pelos autores AA e BB contra a ré “Companhia de Seguros Açoreana, SA”, e, em consequência:

- Condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 49.042,00 (quarenta e nove mil e quarenta e dois euros), acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% ao ano, contabilizados desde a data da presente decisão e até integral e efetivo pagamento, exceto relativamente às parcelas indemnizatórias (já incluídas naquele montante) de € 688,00 (seiscentos e oitenta e oito euros), de € 2.153,66 (dois mil, cento e cinquenta e três euros e sessenta e seis cêntimos) e de 218,45 (duzentos e dezoito euros e quarenta e cinco cêntimos), relativamente às quais são devidos juros, vencidos à mesma taxa, desde a citação e até integral pagamento;

- A pagar à autora BB a quantia de € 9.590,00 (nove mil, quinhentos e noventa euros), acrescida dos respetivos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, computados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento, com exceção da parcela de € 90,00 (noventa euros), já incluída naquele montante, relativamente à qual os juros se vencem desde a data da citação da ré;

- A pagar ao autor AA juros, a acrescer aos acima fixados, à taxa de (mais) 4% ao ano, incidentes sobre a quantia de € 33.723,82 (trinta e três mil, setecentos e vinte e três euros), devidos desde o 61º (sexagésimo primeiro) dia após a comunicação do sinistro até à data da presente decisão.

- Absolvo a ré dos demais pedidos contra si formulados pelos autores;

Custas pelos autores e pela ré, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético - cfr. artigo 527º, CPC. […]».

5. Inconformados, cada um dos Autores veio interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação …...

6. O Tribunal da Relação ….. veio a decidir:

“1) - Julgam a apelação do Autor AA, parcialmente procedente e condenam a Ré a pagar-lhe a indemnização global de €91.542,11, condenando-a, pois, a pagar:

- A quantia de 60.000,00 , a título do dano biológico que atinge o autor, na vertente patrimonial, ao invés do montante de € 25.000,00 arbitrado na sentença;

- As quantias de 20.000,00 e de 7.500,00, respectivamente, de indemnização para compensação das dores sofridas, e de indemnização a título de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, ao invés dos montantes de € 15.000,00 e de € 5.000,00 fixados na sentença;

- Os juros de 8% estabelecidos na sentença, mas agora sobre a quantia de € 76.223,93, que é a da diferença entre a indemnização global que ora fica fixada a favor do Autor e a indemnização de € 15.318,18 que lhe foi proposta pela Ré na fase pré judicial;

2) - Julgam a apelação da Autora BB, parcialmente procedente e condenam a Ré a pagar-lhe a indemnização global de 12.090,00, condenando-a, pois, a pagar:

- As quantias de 3.500,00 e de 4.500,00, respectivamente, de indemnização para compensação das dores sofridas, e de indemnização a título de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, ao invés dos montantes de € 2.500,00 e de € 3.000,00 fixados na sentença;

- No mais mantêm o que se consignou no dispositivo da sentença recorrida”.

7. Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que, revogando parcialmente a sentença proferida na 1.ª instância, determinou o seguinte:

Julgar a apelação do Autor AA parcialmente procedente e condenando a Ré a pagar-lhe a indemnização global de €91.542,11, condenando-a, pois, a pagar:

- a quantia de €60.000,00, a título de dano biológico que atinge o Autor, na vertente patrimonial, ao invés do montante de €25.000,00 arbitrado na sentença;

- as quantias de €20.000,00 e de €7.500,00, respectivamente de indemnização para compensação das dores sofridas e de indemnização a título de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, ao invés dos montantes de €15.000,00 e de €5.000,00 fixados na sentença;

- os juros de 8% estabelecidos na sentença, mas agora sobre a quantia de €76.223,93, que é a diferença entre a indemnização global ora fixada a favor do Autor e a indemnização de €15.318,18 que lhe foi proposta pela Ré na fase pré-judicial;

Julgar a apelação da Autora BB parcialmente procedente e condenando a Ré a pagar-lhe a indemnização global de €12.090,00, condenando-a, assim, a pagar:

- as quantias de €3.500,00 e de €4.500,00, respectivamente de indemnização para compensação das dores sofridas e de indemnização a título de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, ao invés dos montante de €2500,00 e de €3.000,00 fixados na sentença;

- no mais mantendo intocado o que se consignou no dispositivo da sentença recorrida.

2.ª Não se conforma a Seguradora Ré aqui Recorrente com o douto acórdão assim proferido quanto a duas questões essenciais:

- no que diz respeito à indemnização arbitrada ao Autor AA a título de dano biológico na vertente patrimonial, e que se fixou em €60.000,00, por se entender que a mesma se mostra excessiva e, portanto, desadequada aos danos verificados;

- no que diz respeito à indemnização arbitrada à Autora BB, a título de danos não patrimoniais, pelas dores sofridas e danos estético e prejuízo de afirmação pessoal, e que se cifraram em €3.500,00 e €4.500,00, respectivamente, valores esses que, de igual modo, se mostram excessivos e desadequados aos danos efectivamente verificados.

3.ª Assim sendo, e por se entender que nos supra referidos segmentos do douto acórdão recorrido se incorreu em violação do disposto nos art.os 564.º, n.º 1, 566.º, n.º 2 e 496.º, n.º 1, todos do Código Civil, promove-se o presente recurso de revista.

Da indemnização por dano patrimonial (dano biológico) fixada ao Autor AA

4.ª Nos concretos termos supra referenciados, o douto acórdão aqui recorrido modificou a decisão da 1.ª instância no que tange ao quantum indemnizatório fixado em sede de dano patrimonial futuro, pelo dano biológico, e fixou ao Autor aqui Recorrido AA a quantia de €60.000,00.

5.ª Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, e nos moldes que infra se desenvolverá, considera a Ré Seguradora aqui Recorrente que tal valor se mostra desadequado perante a realidade fáctica assente, afigurando-se excessivo.

6.ª «Como critérios de determinação do valor a capitalizar, produtor do montante de indemnização por redução de capacidade laboral e perda aquisitiva de ganho, a jurisprudência foi lançando mão de vários métodos de cálculo e tabelas matemáticas e financeiras; o STJ vem reiteradamente entendendo que no recurso a semelhantes fórmulas ou tabelas para a fixação dos cômputos indemnizatórios por danos futuros/lucros cessantes, têm estas de ser encaradas como meros referenciais ou indiciários, revelando como meros elementos instrumentais, instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade.

Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, que sejam o prolongamento necessário e directo do estado de coisas criado pelo acidente, abrangendo um longo período de previsão, devendo atender-se apenas aos ganhos fortemente prováveis e verosímeis, não meramente possíveis, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.»

(cfr. o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2009, in www.dgsi.pt)

7.ª A indemnização deverá, assim, obedecer ao disposto nos art.os 562º e seguintes do Código Civil.

8.ª A dificuldade na sua determinação concreta acha-se no facto de se tratarem de danos futuros, razão pela qual não há um entendimento uniforme junto da nossa doutrina e jurisprudência.

9.ª Refere-se, contudo, no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05.07.2007, in www.dgsi.pt:

«Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante da diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.

É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um quantum total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos. Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo.”

10.ª Ainda, nesta esteira, pronunciou-se esse mesmo Venerando Tribunal, no douto acórdão de 07.10.2004, mencionando:

«Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.

No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder á quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva em causa

11.ª Estes juízos lógicos de probabilidade carecem de ser temperados com critérios objectivos e, citando o Professor Antunes Varela, “a gravidade do dano de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).

12.ª E ponderando vários factores, tais como, o grau de incapacidade, a idade da vítima, o tempo provável da sua vida, a natureza do trabalho, a variação dos rendimentos, a possibilidade de progressão na carreira, a desvalorização da moeda em função da inflação, aliando-os a uma correcção de acordo com a equidade, temos que, salvo o devido respeito por diversa opinião, o montante indemnizatório arbitrado no douto acórdão recorrido mostra-se exagerado face ao efectivo dano gerado na esfera jurídica do lesado, sendo mesmo susceptível de lhe gerar um efectivo rendimento que o mesmo jamais viria a obter caso não se tivesse dado o acidente.

13.ª Permitimo-nos citar a observação contida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.11.2011, processo n.º 4316/03.6TBVFX.L2-8, disponível em www.dgsi.pt e que nos parece pertinente para o caso em apreço, pois que, pese embora seja datado de 2011, na conjuntura actual mantém todo o sentido:

«Perante os dados recentes que prevalecem na economia nacional, europeia e mundial, e que colocam o cálculo previsional em patamares de incerteza quase absoluta, todos os parâmetros que apontavam para o progresso da economia e para melhores níveis de progresso e bem-estar ficaram abalados, o que não pode deixar de se repercutir nos critérios indemnizatórios que até hoje têm prevalecido entre nós».

14.ª Não podemos olvidar que a indemnização pelo dano patrimonial, na vertente de perda aquisitiva de ganho, deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora o evento lesivo.

15.ª No caso em apreço e coligida a factualidade que resultou provada nos presentes autos, e sempre com o máximo respeito por opinião diversa, o que se verifica é que o défice funcional de 11 pontos de que o lesado ficou a padecer por virtude do acidente, sendo significativo, não tem um qualquer específico e permanente rebate profissional, apenas implicando esforços acrescidos. (vide ponto 6.64 dos factos provados).

16.ª Ou seja, a incapacidade em causa não determina uma efectiva e concreta perda de proventos laborais.

17.ª Isto porque, não deixou o lesado de auferir o rendimento que auferia antes do evento danoso, exercendo as mesmas funções profissionais que até então vinha desempenhando.

18.ª Ou seja, em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica).

19.ª Qualificação esta que não pode deixar de ser tida em linha de conta para a fixação do montante indemnizatório aqui em análise.

20.ª Note-se que o valor de €60.000,00 agora arbitrado é substancialmente superior ao que decorre do mero cálculo correspondente à multiplicação de 11% da retribuição anual do lesado, pelo número de anos existentes entre a data da alta e até àquele perfazer 71 anos.

21.ª Adicionalmente, e sempre com o máximo respeito por diversa opinião, não se pode a Seguradora aqui Recorrente conformar com o facto (um tanto quanto ambíguo) de o Meritíssimo Tribunal a quo ter considerado (e bem) que não é certo que o Autor não venha a beneficiar, durante a sua vida activa, de progressão na carreira (até porque dos factos provados nada figura a tal respeito), contudo, atribui aproximadamente €8.000,00 ao recorrido considerando tal factor.

22.ª O que, sempre com o máximo respeito, não se afigura minimamente coerente.

23.ª No caso em apreço, temos que, para além do vencimento anual do recorrido AA, os factos e circunstâncias tidos como relevantes para a determinação do quantum indemnizatório a título de dano biológico/dano patrimonial futuro serão os seguintes:

- Idade: 41 anos à data da consolidação médico-legal das lesões;

- Natureza das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente - sequelas permanentes que lhe demandam um défice funcional de integridade físico-psíquica de 11 pontos;

- Idade da reforma: 66 anos.

24.ª Perante tal realidade fáctica e recorrendo aos critérios doutrinários e jurisprudenciais supra referidos, sem nunca esquecer o cálculo decorrente de utilização da fórmula matemática vertida no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.04.1995 compatibilizada com a decorrente do douto acórdão do STJ de 05.05.1994, e cotejada com um juízo equitativo, sem esquecer o necessário desconto a operar face à vantagem de receber todo este valor de uma só vez, e sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, afigura-se adequada a atribuição da indemnização a título de dano patrimonial futuro, na vertente de dano biológico e na vertente de perda da capacidade de ganho, no valor nunca superior a €45.000,00

25.ª Ao consignar diverso entendimento, a douta decisão proferida violou, entre o demais, o disposto no art.º 562.º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que, por apelo ao supra alegado, fixe a indemnização a título de dano patrimonial em valor nunca superior a €45.000,00.

26.ª O que aqui se deixa expressamente invocado para todos os devidos efeitos legais.

Das indemnizações por danos não patrimoniais fixadas à Autora BB

27.ª A título de danos não patrimoniais, fixou-se na douta sentença na 1.ª Instância a quantia de €5.500,00, sendo €2.500,00 para compensação das dores sofridas e €3.000,00 para compensação de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal.

28.ª Não se tendo conformado com tais valores indemnizatórios, a Autora aqui Recorrida BB interpôs recurso de apelação, peticionando, não um concreto e discriminado valor para danos patrimoniais e outro para danos não patrimoniais, mas um valor global, a título de dano patrimonial e não patrimonial, de €15.500,00.

29.ª Nos termos que supra já se transcreveu, o Venerando Tribunal a quo alterou a decisão proferida na 1.ª instância e fixou à aludida Recorrida:

- €3.500,00, a título de compensação das dores sofridas;

- €4.500,00, a título de indemnização pelo dano estético e prejuízo de afirmação pessoal.

30.ª Valores esses com os quais a Seguradora aqui Recorrente se não conforma, considerando-os excessivos, e entendendo que se deveria repristinar a douta decisão da 1.ª Instância quanto a este segmento decisório.

Com efeito,

31.ª Ora, «o n.°3 do artigo 496.° C.Civil manda fixar o montante da indemnização por danos não patrimoniais de forma equitativa, ponderadas as circunstâncias mencionadas no art.º 494º do mesmo diploma. A sua apreciação deve ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado e demais circunstâncias do caso. A satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. "Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, pág. 86) (…)

O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, parte, do Código Civil). Na determinação da mencionada compensação atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade envolvente da justa medida das coisas (artigo 494º do Código Civil).

A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.»

32.ª Não podemos deixar de referir que a quantia de €5.500,00 (€2.500 para ressarcimento das dores sofridas e €3.500,00 para o dano estético) arbitrada na 1.ª Instância se mostrava perfeitamente ajustada aos efectivos danos em apreço.

33.ª E que, por conseguinte, o quantitativo de €8.000,00 agora fixado em sede de apelação, se mostra excessivo.

34.ª Na verdade, se se atender ao pedido formulado pela própria Autora ora Recorrida BB na petição inicial, verifica-se que o mesmo, em sede de danos não patrimoniais, é menor que o valor de € 8.000,00 que lhe veio agora arbitrado.

35.ª Atendendo à factualidade considerada provada nos presentes autos e relevante para esta questão de apuramento do quantum indemnizatur alusivo às dores, dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, temos que o montante de €5.500,00 globalmente fixado na 1.ª Instância mostra-se em consonância com os critérios jurisprudenciais habitualmente seguidos pelos nossos Tribunais (e como se pôde verificar mediante leitura dos trechos dos arestos supra citados).

36.ª Nessa conformidade, e sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, deverá o douto acórdão aqui posto em crise ser revogado e substituído por outro que, quanto aos danos não patrimoniais peticionados pela Autora BB ora Recorrida, repristine a decisão da 1.ª Instância e fixe o valor de €5.500,00 para respectivo ressarcimento, e assim, dividido:

- €2.500,00, a título de compensação pelas dores sofridas;

- €3.500,00, a título de compensação pelo dano estético e prejuízo de afirmação pessoal.

37.ª O que aqui igualmente se deixa expressamente alegado para todos os devidos efeitos legais.

38.ª Ao contemplar diverso entendimento, o Venerando Tribunal a quo aplicou mal a lei aos factos, concretamente, o disposto nos art.os 562.º, 564.º, n.º 1, 566.º, n.º 2 e 496.º, n.º 1, todos do Código Civil.

E conclui “deverá ser concedido integral provimento ao recurso de revista ora interposto e revogado o douto acórdão proferido”.

8. Os Autores não contra-alegaram.

9. Os Autores, cada um por si, interpuseram recurso subordinado, que não foi admitido pelo Senhora Juiz Desembargador Relator (cf. fls.995/996, dos autos em papel).

10. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão dos montantes indemnizatórios fixados (pelo dano biológico – relativamente ao Autor e por danos morais – relativamente à Autora).


 III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. A ré Companhia de Seguros Açoreana, S.A. por fusão de sociedades, integrou a responsabilidade antes assumida por “Global – Companhia de Seguros, S.A.” (alínea A dos factos assentes);

1.2. No dia … de agosto de 2009, pelas 13h, ocorreu um acidente ao Km 79, do …, próximo da localidade de …., S….. (alínea B dos factos assentes);

1.3. Fazia bom tempo e o piso encontrava-se em boas condições (alínea C dos factos assentes);

1.4. Os veículos intervenientes foram o veículo de marca …, modelo X…, de matrícula …..-NV, e o veículo de marca M….., modelo …., de matrícula ….-SN (alínea D dos factos assentes);

1.5. O veículo X….. era conduzido pelo 1º autor (alínea E dos factos assentes);

1.6. O local onde se verificou o acidente apresenta uma faixa de rodagem no sentido do X….. e duas faixas de rodagem no sentido do M... (alínea F dos factos assentes);

1.7. O X…. circulava no sentido da A1, procedente de S….. (alínea G dos factos assentes);

1.8. O M…. circulava em direção a S… (alínea H dos factos assentes);

1.9. A condutora do M….. perdeu o controlo da viatura e entrou em derrapagem para o lado direito e, de seguida, para o lado esquerdo, em direção à faixa de rodagem por onde circulava o X….. (alínea I dos factos assentes);

1.10. O M…. foi embater na parte da frente do lado esquerdo do X…. (alínea J dos factos assentes);

1.11. Do acidente resultaram danos no veículo, os quais determinaram a sua perda total (alínea K dos factos assentes);

1.12. A ré procedeu ao pagamento da quantia referente à perda total do veículo (alínea L dos factos assentes);

1.13. A Global - Companhia de Seguros, S.A. declarou perante CC assumir a responsabilidade civil pelos danos provocados pelo veículo ligeiro de mercadorias de matrícula …..-SN, nos termos do acordo de seguro titulado pela apólice n.º …….01 (alínea M dos factos assentes);

1.14. O autor nasceu a …….1971 (alínea N dos factos assentes);

1.15. A autora nasceu a …….1972 (alínea O dos factos assentes);

1.16. O autor AA, na sequência do embate, ficou encarcerado no interior do veículo durante cerca de 1 hora (artigo 1º da base instrutória);

1.17. O autor foi socorrido pelos Bombeiros …. e encaminhado para o Hospital …, em ….., onde se submeteu a raios-x (artigos 2º, 3º e 4º, da base instrutória);

1.18. O autor sofreu fratura segmentar helicoidal da diáfise do fémur direito e fratura cominutiva da rótula esquerda, e hematomas diversos (artigos 5º, 6º e 7º, da base instrutória);

1.19. No próprio dia 27/8/2009, o autor foi transferido para o Hospital …., na …., área da sua residência, onde esteve internado até ao dia 12/9/09 (artigos 8º e 9º da base instrutória);

1.20. Nesse período, o autor foi sujeito a uma intervenção cirúrgica para redução e osteossíntese da fratura do fémur com placa e parafusos e da rótula (artigo 10º da base instrutória);

1.21. Mais lhe foi diagnosticada fratura do joelho esquerdo a nível da rótula 1/3 médio e entorse grave da tibiotársica esquerda (artigos 11º e 12º da base instrutória);

1.22. O autor esteve acamado cerca de 2 meses (artigo 13º da base instrutória);

1.23. Após, passou a fazer levante para cadeira de rodas (artigo 14º da base instrutória);

1.24. E depois passou a marcha com canadianas (artigo 15º da base instrutória);

1.25. Durante esse período de tempo – cerca de 2 meses – esteve dependente da assistência de terceiros (artigo 16º da base instrutória);

1.26. Ao iniciar a marcha, o autor apresentava rigidez marcada da tíbiotársica (artigo 17º da base instrutória);

1.27. O autor teve de recorrer a tratamentos de fisioterapia e recuperação (artigo 18º da base instrutória);

1.28. A data da consolidação das lesões do autor ocorreu em 25/8/2011 (artigo 19º da base instrutória);

1.29. O autor, na sequência do sinistro, apresenta as seguintes sequelas: - no membro inferior esquerdo – cicatriz na face anterior do joelho esquerdo, linear, longitudinal, com cerca de 14 cm x1 cm, eucrómica, não retráctil e não dolorosa; - no membro inferior direito – cicatriz na face externa da coxa, no terço médio e superior, eucrómica, longitudinal, cirúrgica, com 21 cm x 0,7 cm (artigo 20º da base instrutória);

1.30. Apresenta distremia de 0,5 cm desde a crista ilíaca antero-posterior e o maléolo medial (88 cm à direita e 88,5 cm à esquerda) (artigo 21º da base instrutória);

1.31. Durante o internamento hospitalar, o autor fez sessões de fisioterapia de recuperação, em número que não foi possível apurar (artigo 23º da base instrutória);

1.32. Após a alta hospitalar, iniciou a recuperação motora no Centro de Medicina de Reabilitação …. em dia que em concreto não foi possível apurar, situado em novembro de 2009 (artigo 24º da base instrutória);

1.33. Para se submeter a fisioterapia, o autor despendeu cerca de 2 horas diárias em transportes e deslocações, com utilização de transporte próprio até 26 de janeiro de 2011 (artigo 25º da base instrutória);

1.34. O autor tinha recomendação para a retirada de material da osteossíntese da rótula esquerda, tendo-se submetido a intervenção cirúrgica para esse efeito em 17/3/2011 (artigos 26º e 27º da base instrutória);

1.35. Para recuperação das lesões sofridas no sinistro, o autor fez tratamentos de fisioterapia e natação ao longo de período que em concreto não foi possível apurar (artigo 28º da base instrutória);

1.36. O autor esteve impossibilitado de trabalhar desde 18/3/2011 a 8/4/2011, por força de intervenção cirúrgica a que se submeteu para retirada do material de osteosíntese (artigo 29º da base instrutória);

1.37. O autor necessitou do apoio de dois auxiliares de marcha até meados de abril de 2010 (artigo 31º da base instrutória);

1.38. E do apoio de um auxiliar de marcha até meados de julho de 2010 (artigo 32º da base instrutória);

1.39. Antes do acidente, o autor praticava BTT, canoagem, corrida e campismo (artigo 33º da base instrutória);

1.40. Tinha também uma prática regular como motard, com utilização de moto de grande porte, em viagens de longa duração (artigo 34º da base instrutória);

1.41. Atualmente, o autor não consegue praticar as modalidades desportivas referidas em 6.39 como anteriormente ao acidente, tendo ficado afetado por uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer fixável no grau 2, numa escala de 7 valores (artigo 35º da base instrutória);

1.42. E não consegue andar de moto mais que uma hora seguida (artigo 36º da base instrutória);

1.43. A autora saiu do carro pela janela para tentar desencarcerar o autor, seu marido (artigo 39º da base instrutória);

1.44. Fê-lo descalça (artigo 40º da base instrutória);

1.45. Por força do acidente, a autora sofreu: traumatismo craniano sem perda de conhecimento; ferida inciso-contusa frontal esquerda; traumatismo torácico-abdominal com fratura de três arcos costais esquerdos; hematomas dispersos nos membros inferiores; feridas múltiplas nas plantas de ambos os pés com inclusão de corpos estranhos, tendo-lhe sido prescrita medicação (artigos 41º e 51º, da base instrutória);

1.46. No Hospital …., a autora foi submetida a sutura da ferida frontal (artigo 42º da base instrutória);

1.47. E realizou raio-x múltiplos, análises e ecografia abdominal e renal (artigo 43º da base instrutória);

1.48. A autora teve alta no próprio dia e regressou a casa, em …., de táxi (artigos 44º e 45º da base instrutória);

1.49. No dia seguinte, a autora verificou que tinha sofrido fratura de um dente molar da arcada inferior esquerda (artigo 46º da base instrutória);

1.50. A autora recorreu a médico dentista para reconstrução da peça dentária fraturada (artigo 47º da base instrutória);

1.51. Em 29/8/2009 e em 5/9/2009, a autora continuava a sofrer de cefaleias e dores no tórax e na mão direita (artigo 48º da base instrutória);

1.52. Em ambas as datas, a autora deslocou-se ao serviço de urgência do Hospital ….. (artigo 49º da base instrutória);

1.53. Em 29/8/2009, a autora, naquela instituição hospitalar, efetuou raio-x ao tórax e à mão direita (artigo 50º da base instrutória);

1.54. A autora foi observada em consulta de ortopedia por persistir dor ao nível da zona plantar direita, após a cicatrização das feridas iniciais (artigo 52º da base instrutória);

1.55. Foi-lhe efetuada ecografia de partes moles, a qual revelou existência de pequeno corpo estranho (artigo 53º da base instrutória);

1.56. A data da consolidação das lesões sofridas pela autora foi 25/10/2009, tendo padecido de um défice funcional temporário parcial fixável em 60 dias, de um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 16 dias, e de um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 44 dias (artigos 54º e 55º da base instrutória);

1.57. A autora, na sequência do sinistro, apresentava as seguintes sequelas: dores a nível da grelha costal esquerda e cicatriz na face, ao nível da região frontal, à esquerda da linha média, com 2,5 cms de comprimento (artigo 56º da base instrutória), pós fratura- dor torácica exacerbada com o esforço;

1.58. Por força das dores ao nível da grelha costal esquerda, a autora ficou afetada por um défice da integridade física-psíquica fixável em 1 ponto, o qual é compatível com a sua atividade habitual (artigo 83º da base instrutória);

1.59. Por força das lesões sofridas com o embate, a autora sofreu dores fixáveis no grau 2, numa escala de 7 valores (artigo 83º da base instrutória);

1.60. Por força da cicatriz supra mencionada, a autora está afetada por um dano estético permanente fixável no grau 2, numa escala de 7 valores (5.58);

1.61. A autora sente-se vexada e incomodada com a cicatriz que apresenta na região supra-ciliar (artigo 86º da base instrutória);

1.62. A autora modificou o seu estilo de cabelo para esconder a cicatriz supra-ciliar (artigo 57º da base instrutória);

1.63. O autor, à data do acidente, dispunha de um rendimento anual de € 24.016,98 (artigo 58º da base instrutória);

1.64. O autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física fixável em 11 pontos, que é compatível com o exercício da sua atividade habitual, mas implica esforços suplementares, sendo de perspetivar a existência de dano futuro (artigo 59º da base instrutória) – alterado pelo Tribunal da Relação ….;

1.65. O autor despendeu por força do sinistro: a) € 90,00, relativos a consulta médica em 8/3/2011; b) € 30,00 relativos a consulta médica realizada em 30/3/2012; c) € 568,00 relativos a despesas de ginásio (artigo 59º da base instrutória);

1.66. Em deslocações para tratamentos e natação, entre 24/4/2010 e 30/4/2011, o autor percorreu em viatura própria uma distância que em concreto não foi possível apurar (artigos 61º a 64º da base instrutória);

1.67. Por força do período em que esteve impossibilitado de trabalhar de 18/3/2011 e 8/4/2011, o autor deixou de auferir a quantia de € 218,45 (artigo 65º da base instrutória);

1.68. O autor é docente do Quadro de Nomeação Definitiva …, em serviço na Escola Secundária …, em … (artigo 66º da base instrutória);

1.69. No ano letivo de 2012/2013, o autor encontrava-se destacado na … (artigo 67º da base instrutória);

1.70. O autor esteve ausente do serviço, por força do sinistro, no período compreendido entre 28 de agosto de 2009 e 31 de maio de 2010 (artigo 68º a base instrutória);

1.71. Por força da ausência ao serviço, o autor deixou de auferir, a título de remuneração, a quantia de € 284,93 (artigo 69º da base instrutória);

1.72. O autor esteve 180 dias úteis sem trabalhar, pelo que deixou de auferir o subsídio de refeição à razão de € 4,27/dia (artigo 70º da base instrutória);

1.73. Para efeitos de antiguidade e progressão na carreira, foram-lhe descontados 231 dias de serviço (artigo 71º da base instrutória);

1.74. E para efeitos remuneratórios, o tempo de serviço a menos fez com que ficasse a auferir menos € 154,59/mês (artigo 72º da base instrutória);

1.75. O autor sofreu dores fixáveis no grau 5, numa escala de 7 valores (artigo 73º da base instrutória);

1.76. O autor necessitou de ser submetido a outra intervenção cirúrgica, que lhe causou dores (artigo 75º da base instrutória);

1.77. O autor sentiu desgosto pelas cicatrizes que apresenta e que lhe causam um dano estético permanente fixável no grau 2, numa escala de 7 valores (artigo 76º da base instrutória);

1.78. O autor sentiu-se apreensivo pela evolução da sua carreira como professor (artigo 77º da base instrutória);

1.79. À data do acidente, a autora desempenhava funções de secretária, auferindo um vencimento de € 1.044,83, acrescido de € 75,08 de subsídio de alimentação (artigo 80º da base instrutória);

1.80. No mês de setembro de 2009 foi-lhe descontada a quantia de € 391,60 do vencimento, cujo pagamento a ré entretanto efetuou (artigo 81º da base instrutória);

1.81. A autora tinha um rendimento anual de cerca € 25.313,58 (artigo 82º da base instrutória);

1.82. A autora despendeu a quantia de € 90,00 em consulta médica datada de 2/3/2010 (artigo 84º da base instrutória);

1.83. Em fase-pré judicial, e com vista à resolução extrajudicial do litígio, a ré propôs ao autor o pagamento da quantia indemnizatória global de € 15.318,18 (artigos 16º e 58º da petição inicial - facto admitido por acordo ponderado nos termos do artigo 607º, nº,4, CPC);

1.84. Em fase-pré judicial, e com vista à resolução extrajudicial do litígio, a ré propôs à autora o pagamento da quantia indemnizatória global de € 4.000,00 (artigo 90º da petição inicial- facto admitido por acordo ponderado nos termos do artigo 607º, nº4, CPC.


2. Dos danos

A Ré veio impugnar os montantes indemnizatórios fixados no Acórdão recorrido, no que concerne ao dano biológico (relativamente ao Autor) e aos danos não patrimoniais (relativamente à Autora).

Na fixação de diversos montantes indemnizatórios, o Acórdão da Relação lançou mão de juízo de equidade (artigos 496º, nº3 e 566º, nº3, do Código Civil), pelo que não cabe ao Supremo Tribunal de Justiça, por não envolver a resolução de uma questão de direito, sindicar os valores exatos dos montantes indemnizatórios concretamente arbitrados, “cingindo-se a sua apreciação ao controle dos pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado”

(Ac. do STJ, de 4 de março de 2014, acessível em www.dgsi.pt)

- cfr. Ac. do STJ, de 6 de outubro de 2016, acessível em www.dgsi.pt –

e Ac. do STJ, de 28 de janeiro de 2016, acessível em www.dgsi.pt –


Importa ter, ainda, presente que o princípio geral da obrigação de indemnizar consiste na reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigo 562º do Código Civil).

Sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, a reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro (nº 1 do artigo 566º do Código Civil).

A indemnização abrange os danos emergentes e os lucros cessantes (artigo 564º, nº1, do Código Civil) e a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (nº 2 do artigo 566º do Código Civil).

Se o montante dos danos não for determinado, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, nº 3, do Código Civil).

Por outro lado, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (nº 1 do artigo 496º do Código Civil) deve ser decidida pelo tribunal segundo um juízo de equidade, como determina o nº4 do artigo 496º do Código Civil, tendo em atenção o disposto no artigo 494º do Código Civil, isto é, o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstância do caso.

A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).

Ora “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (Acórdão do STJ, de 21 de fevereiro de 2013, acessível em www.dgsi.pt), cumprindo não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes (Ac. do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt).

Por fim, como se refere no Acórdão do STJ, de 28 de janeiro de 2016, acessível em www.dgsi.pt, “a afetação da integridade físico-psíquica (em si mesmo um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais”.

Depois, do que sumariamente se referiu supra sobre os critérios gerais a ter em consideração para fixar o quantum indemnizatório, vejamos o caso dos autos, reportando-nos às questões suscitadas pelos recorrentes.

2.1. Dano biológico

O Tribunal da Relação veio a fixar o montante da indemnização, a título de dano biológico, em  €60 000,00.

O Tribunal de 1ª instância havia fixado a indemnização em €25 000,00.

A Ré insurge-se contra a atribuição deste montante indemnizatório, reclamando que a indemnização seja fixada em montante nunca superior a €45 000,00.

Quanto ao dano patrimonial futuro, é unanimemente aceite que a força de trabalho, na medida em que propicia rendimentos, representa um bem patrimonial e que a sua afetação, por determinada incapacidade permanente de que o lesado fica a padecer, gera diminuição desses rendimentos e impõe uma maior penosidade ou exige um maior esforço àquele para obter os mesmos resultados, o que constitui um dano patrimonial futuro, a que a lei expressamente manda atender, no cálculo indemnizatório (artigo 564º, nº 2, do Código Civil). A incapacidade permanente apresenta-se, assim, de per si, como um dano patrimonial indemnizável e, não sendo possível a reconstituição natural, a indemnização devida terá de ser fixada em dinheiro (artigo 566º, nº 1, do Código Civil).

- Ac. do STJ, de 15 de setembro de 2016, acessível em www.dgsi.pt -

Assim, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação é hoje considerada, em si, um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária e outras como a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária.

Parte-se da ideia que a lesão corporal sofrida pelo lesado merece ser apreciada e o respetivo dano reparado independentemente de repercussões sobre a sua capacidade de ganho; e que sendo o normal estado de saúde a premissa indispensável para uma capacidade produtiva normal não se esgota ou consome apenas e só na capacidade produtiva.

(Ac. do STJ, de 6 de outubro de 2016, acessível em www.dgsi.pt)

O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado, repetidamente, que “uma incapacidade permanente geral, compatível com o exercício da atividade profissional habitual mas exigindo esforços suplementares para a desenvolver, é causa de danos patrimoniais futuros, indemnizáveis nos termos dos artigos 562º e segs. do Código Civil, máxime dos artigos 564º e 566º”.

(Ac. do STJ, de 20 de outubro de 2011, acessível em www.dgsi.pt)

E que os danos futuros decorrentes de uma lesão física “não se reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física; (…) por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução”

(Ac. do STJ, de 30 de outubro de 2008, acessível em www.dgsi.pt)

- no mesmo sentido, Acs. do STJ, de 30 de setembro de 2010 e de 7 de junho de 2011 -

Como se refere no Ac. do STJ, de 10 de outubro de 2012, acessível em www.dgsi.pt, “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”.


“A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expetável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”

(Ac. do STJ, de 10 de outubro de 2012, acessível em www.dgsi.pt)


Por outro lado, “A indemnização deve corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;

No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;

As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;

Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;

Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;

Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma

- Acórdão do STJ, de 5 de julho de 2007, consultável em www.dgsi.pt –

No caso presente:

A incapacidade permanente parcial fixada ao Autor AA em 11 pontos (facto provado 6.64), isto é as sequelas (no membro inferior esquerdo – cicatriz na face anterior do joelho esquerdo, linear, longitudinal, com cerca de 14 cm x1 cm, eucrómica, não retráctil e não dolorosa; - no membro inferior direito – cicatriz na face externa da coxa, no terço médio e superior, eucrómica, longitudinal, cirúrgica, com 21 cm x 0,7 cm, e distremia de 0,5 cm desde a crista ilíaca antero-posterior e o maléolo medial (88 cm à direita e 88,5 cm à esquerda) – factos provados 6.29 e 6.30) que com ele permanecem em virtude do acidente de viação, determinam para o Autor esforços suplementares para desenvolver a atividade profissional habitual, ainda que sem perda de rendimentos, sendo de perspetivar a existência de dano futuro.

Ora, estes prejuízos são indemnizáveis e não apenas aqueles que determinam a perda total ou parcial de rendimentos por força das sequelas.

O dano que integra a incapacidade permanente parcial, por determinar uma diminuição física ou psíquica, implica que o lesado não tenha tantas oportunidades de trabalho e de emprego comparativamente com o homem que não tem qualquer minoração na sua integridade física e psíquica.

Devemos, igualmente, atender à existência de dano patrimonial futuro, uma vez que estamos perante um dano permanente.

O Acórdão recorrido socorreu-se de cálculos matemáticos, conforme apontado pelo autor em sede de apelação, tendo em consideração a idade do autor, o seu rendimento anual bruto, o limite de 71 anos de idade enquanto idade ativa, e bem assim o défice funcional de 11 pontos que lhe foi fixado, com esforços acrescidos para a profissão e com perspetiva de dano futuro. Procedeu igualmente à diminuição da quantia apurada em 1/3, uma vez que o capital será recebido de uma única vez, alcançando o montante de € 52 837,35. Mais entendeu o acórdão recorrido que não deveria considerar a quantia de € 53 797,32, enquanto perda salarial mensal no montante de €154,59 (facto provado 6.74), desde a entrada da ação até ao fim da sua vida laboral, porquanto “não é certo que o Autor não venha a beneficiar durante a sua vida activa de progressão na carreira, com incremento no salário”. Ao invés, considerou que esta parcela respeitante à progressão na carreira deveria integrar o quantum indemnizatório com base na equidade, fixando, assim, a indemnização do dano biológico, na vertente patrimonial no montante total de € 60 000,00 (sessenta mil euros).

Ao proceder conforme descrito, o acórdão recorrido cumpriu os parâmetros supra indicados, tendo recorrido a cálculos matemáticos, o que também é comum e aceite neste Supremo Tribunal, conforme decidido nos Acórdãos de 29/10/2019 (processo n.º 683/11.6TBPDL.L1.S2), e de 08/01/2019 (processo n.º 4378/16.6T8VVT.G1S1), lançando, igualmente, mão da equidade.

Mais, ao realizar este juízo de equidade, o acórdão recorrido julgou com base nos critérios e orientações seguidas pela jurisprudência, não fazendo um qualquer juízo discricionário ou arbitrário, conseguindo alcançar uma solução que respeita os princípios da igualdade e proporcionalidade.

Assim, entendemos que bem andou o tribunal da Relação ao fixar a indemnização por dano biológico, na vertente patrimonial, na quantia €60 000,00, pois encontra-se provado que o Autor ficou afetado de uma incapacidade permanente parcial de 11 pontos.

Assim, dos factos provados resulta que o Autor passou a ter um défice funcional que se repercutirá nas mais diversas tarefas da vida, e no exercício da generalidade das profissões.

O Autor não ficou totalmente impedido de exercer a sua atividade profissional habitual, mas terá dificuldades acrescidas no desempenho das tarefas profissionais, tendo de despender um maior esforço.

Deste modo, perante a ausência de efetivo rebate futuro nos rendimentos do seu trabalho não tem o Autor direito a ser indemnizado, nessa vertente.

Contudo, o Autor tem, porém, direito a ser indemnizado pela incapacidade traduzida na diminuição da sua condição física, que, como tal, representa um dano específico e autonomamente indemnizável, assente na penosidade adveniente da diminuição de capacidades e do maior esforço físico que terá que desenvolver, na sua vida diária, (incapacidade permanente parcial de 11 pontos), e atendendo aos pressupostos: a idade do Autor, a sua remuneração, o caracter auxiliar das tabelas financeiras, a esperança média de vida do Autor, o receber o montante indemnizatório de uma só vez, e cumprindo não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes de forma a que não se mostre violado o princípio da igualdade, o montante indemnizatório encontrado pelo Tribunal da Relação, com recurso à equidade, mostra-se razoável, adequado e justificado, pelo que o recurso, nesta parte, deve improceder, devendo o montante indemnizatório ser fixado em €60 000,00 (sessenta mil euros).

2.2. O dano não patrimonial

A Ré insurge-se, também, contra o montante indemnizatório fixado pelo Tribunal da Relação …. (relativamente aos danos não patrimoniais reclamados pela Autora): €3 500,00, para compensação das dores sofridas pela Autora e €4 500,00, a título de dano estético e prejuízo de afirmação pessoal, pretendendo que se repristine a decisão do Tribunal de 1.ª instância.

O Tribunal de 1ª instância veio a fixar a indemnização nos montantes de, respetivamente, €2 500,00 e €3 000,00.

No que concerne a este tipo de dano, e como supra se referiu, o montante indemnizatório deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

No dano não patrimonial “inserem-se, nomeadamente, o (pretium doloris) ou compensação das dores físicas e angústias, que compreendem não só a valorização da dor física resultante dos ferimentos sofridos e dos tratamentos que implicaram, como a dor vivenciada do ponto de vista psicológico; o (pretium pulchritudinis) também designado por dano estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetrias e mutilações, com diminuição ou reflexo na beleza ou harmonia física do lesado; o dano da distração ou passatempo (em francês: dommage «d`agrément»), correspondente à privação de atividades extraprofissionais de caráter lúdico e o dano existencial ou de afirmação pessoal” (Acórdão do STJ, de 6 de outubro de 2016, acessível em www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, o Acórdão recorrido, na fixação do montante indemnizatório, considerou que os danos não patrimoniais invocados pela Autora se reportam ao quantum doloris, ao dano estético e prejuízo de afirmação pessoal.

E, como tal, no seguimento da decisão da 1.ª instância, tendo por base que a Autora nasceu em 24/07/1972, a data da consolidação das lesões, 25/10/2009 (acidente ocorrido em 27/08/2009), atendeu aos seguintes danos:

- traumatismo craniano sem perda de conhecimento; ferida inciso-contusa frontal esquerda; traumatismo torácico-abdominal com fratura de três arcos costais esquerdos, hematomas dispersos nos membros inferiores, feridas múltiplas nas plantas de ambos os pés com inclusão de corpos estranhos, tendo-lhe sido prescrita medicação (6.45);

- no Hospital de …, a autora foi submetida a sutura da ferida frontal (6.46);

- realizou raio-x múltiplos, análises e ecografia abdominal e renal (6.47);

- teve alta no próprio dia e regressou a casa, em …, de táxi (6.48);

- no dia seguinte, a autora verificou que tinha sofrido fratura de um dente molar da arcada inferior esquerda (6.49);

- recorreu a médico dentista para reconstrução da peça dentária fraturada (6.50);

- em 29/08/2009 e em 05/09/2009, continuava a sofrer de cefaleias e dores no tórax e na mão direita (6.51);

- em ambas as datas, deslocou-se ao serviço de urgência do Hospital da …. (6.52)

- em 29/08/2009, a autora, naquela instituição hospitalar, efetuou raio-x ao tórax e à mão direita (6.53);

- foi observada em consulta de ortopedia por persistir dor ao nível da zona plantar direita, após a cicatrização das feridas iniciais (6.54);

- foi-lhe efetuada ecografia de partes moles, a qual revelou existência de pequeno corpo estranho (6.55);

- A data da consolidação das lesões sofridas pela autora foi 25/10/2009, tendo padecido de um défice funcional temporário parcial fixável em 60 dias, de um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável em 16 dias, e de um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial de 44 dias (6.56);

- A Autora, na sequência do sinistro, apresentava as seguintes sequelas: dores a nível da grelha costal esquerda e cicatriz na face, ao nível da região frontal, à esquerda da linha média, com 2,5 cms de comprimento, pós fratura- dor torácica exacerbada com o esforço (6.57);

- por força das dores ao nível da grelha costal esquerda, a autora ficou afetada por um défice da integridade física-psíquica fixável em 1 ponto, o qual é compatível com a sua atividade habitual (6.58);

- por força das lesões sofridas com o embate, a autora sofreu dores fixáveis no grau 2, numa escala de 7 valores (6.59);

- por força da cicatriz supra mencionada, a autora está afetada por um dano estético permanente fixável no grau 2, numa escala de 7 valores (6.60);

- sente-se vexada e incomodada com a cicatriz que apresenta na região supra ciliar (6.61);

- a autora modificou o seu estilo de cabelo para esconder a cicatriz supra-ciliar (6.62)

O Acórdão recorrido, lançando mão da equidade, entendeu que apesar do quadro de lesões da Autora apresentar valores baixos em termos de fixação na respetiva escala – défice de integridade física e psíquica, 1 ponto (compatível com atividade habitual), dores, 2 numa escala de 7, e dano estético permanente, 2 numa escala de 7) – não pode deixar de valorar “aquilo que acima é narrado de inerente aos posteriores tratamentos a que se teve de submeter, sendo que a cicatriz com que ficou tem repercussão negativa na sua afirmação pessoal ao ponto de se sentir vexada e humilhada e de modificar o seu estilo de cabelo para a esconder”.

Também nesta parte, afigura-se-nos que o Acórdão recorrido obedeceu aos critérios supra descritos, pois enformou os factos provados com base na equidade, por se tratarem de danos não patrimoniais com gravidade tutelável pelo direito e conforme com os critérios da jurisprudência, ainda que não muito elevados, pelo que a fixação de € 8000,00 à Autora não se afigura excessiva ou despropositada, devendo, também, nesta parte, ser o Acórdão recorrido mantido.

Por outro lado, o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do veículo automóvel seguro na Ré, com violação grave das regras estradais.

Assim, tendo em consideração a idade da Autora, as circunstâncias em que ocorreu o acidente, a gravidade das lesões sofridas, e os tratamentos a que teve de se submeter, a incomodidade e desgosto que sofre, as dores sofridas, o dano estético permanente fixável no grau 2, e atendendo aos critérios seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acórdão do STJ, de 7/04/2016, consultável em www.dgsi.pt) considera-se ajustada, equilibrada e adequada a indemnização global de €8 000,00 (oito mil euros), a título de danos não patrimoniais, de acordo com critérios de equidade, pelo que, nesta parte o Acórdão recorrido também deve ser mantido.


IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista e, em consequência, confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pela Ré.

Lisboa, 23 de fevereiro de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fátima Gomes

Acácio das Neves

Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade dos Senhores Juízes Conselheiros Fátima Gomes e Acácio das Neves.