Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2693/11.4TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO
ARRENDAMENTO COMERCIAL
ESBULHO DO LOCADO
INDEMNIZAÇÃO DO LOCATÁRIO
DEVER LATERAL DE PREVENÇÃO DE DANOS
RENDAS EM DÍVIDA
CAUÇÃO
FIANÇA
INTERESSE DEPENDENTE
APROVEITAMENTO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / EXTENSÃO DO RECURSO AOS COMPARTES NÃO RECORRENTES / DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO ( DELIMITAÇÃO OBJETIVA DO RECURSO).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 634.º, N.º2, AL. B), 635.º, N.º5.
Sumário :
I. Não é possível, na fase de recurso, convolar oficiosamente de uma pretensão expressamente estribada na lesão de um direito de propriedade da A. sobre determinado bem desaparecido para uma pretensão indemnizatória decorrente da existência de um hipotético direito pessoal de gozo sobre tal bem, por isso envolver alteração do núcleo essencial da causa petendi efectivamente invocada.

II. A partir do momento em que a locadora passou a dispor exclusivamente do locado, privando totalmente a contraparte da possibilidade física de a ele aceder, ficou vinculada a um dever acessório ou lateral de prevenção ou contenção de danos nos objectos aí deixados, fundado no princípio da boa fé , sendo-lhe exigível que vigiasse adequadamente esse local que ocupou e sobre o qual detinha um domínio exclusivo e os bens nele existentes, cumprindo-lhe advertir a A. para as previsíveis consequências da interrupção do fornecimento de energia, resultante da falta de pagamento de determinada factura pelo locatário: não o tendo feito, ocorre uma situação de concorrência de causas e culpas na produção do dano decorrente da inutilização dos bens.

III. Tendo o devedor principal - apesar de não condenado, por razões estritamente procedimentais (decretamento da insolvência), no pedido reconvencional referente a determinadas rendas - impugnado a decisão que as considerara em dívida, com vista a obter a restituição caução prestada - e obtendo nesta sede provimento a apelação por si interposta – deve a decisão proferida pela Relação repercutir-se na esfera jurídica do fiador não recorrente, aproveitando-lhe, nos termos da al. b) do nº 2 do art. 634º, a decisão favorável, obtida pelo devedor principal na controvérsia referente à restituição da caução prestada.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




1. AA - Restauração, Lda, intentou ação declarativa, na forma ordinária, contra BB, Lda, pedindo a condenação desta sociedade a aceitar a manutenção do contrato de arrendamento em litígio nos presentes autos e a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 36.000,00 acrescida dos respetivos juros de mora desde a data de 13.11.2011 .


Para tal, alegou que, no dia 3 de Dezembro de 2010, celebrou com a Ré um contrato de arrendamento não habitacional que teve como objecto a exploração do estabelecimento comercial restaurante/bar, com a denominação “CC” e, atualmente “DD” e respectivas garagens;

No dia 13 de Novembro de 2011, a sócia e gerente da A. recebeu um email, através do qual a Ré informava a A. de que havia mudado as fechaduras do estabelecimento comercial supra referido e que lhe estava interdita a entrada no mesmo, o que de facto sucedeu, pois a Ré alterou as fechaduras, colocou cadeados e barrotes de madeira por dentro das portas.

Consequentemente, a A. intentou uma providência cautelar de restituição provisória de posse que correu termos sob o n.º 2395/11.1 na 10.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª secção, a qual foi decretada, tendo a restituição ocorrido em 5 de Dezembro de 2011;


Em virtude do encerramento do estabelecimento comercial, resultante da conduta da Ré, a A. sofreu os prejuízos que especifica.


A Ré contestou, por excepção e por impugnação, requereu a intervenção principal da fiadora da A., EE, e deduziu pedido reconvencional, pedindo a condenação no pagamento da quantia de € 191.127,47 decorrentes do incumprimento de obrigações resultantes do contrato de arrendamento, e de € 22.500,00 a título de lucros cessantes, devendo a caução existente ser debitada, a final, àqueles montantes.


A A. replicou, ampliando o pedido formulado na petição inicial e requerendo:

- que a manutenção do contrato de arrendamento seja considerada até ao dia 29 de Fevereiro de 2012;

- a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de lucros cessantes, a quantia de € 199.900,00 acrescida de juros de mora ;

- a condenação da Ré a pagar-lhe, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 85.970,28

- o montante, a apurar em execução de sentença, referente aos créditos salariais devidos aos trabalhadores da Autora e motivados pelo encerramento do estabelecimento comercial e consequente cessação dos contratos de trabalho.


A Ré treplicou pedindo a improcedência de todos os pedidos formulados pela A.


A intervenção principal de EE foi admitida, a qual, ao intervir, declarou «fazer seus os articulados subscritos pela AA, Lda» .


A A. AA – Restauração, Lda, foi declarada insolvente sendo a respetiva massa insolvente representada nos autos pelo respetivo adminidtrador de insolvência.


Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença do seguinte teor:

1. “Declara extinta a instância reconvencional relativamente à AA - Restauração, Lda.;

2. Declara a presente ação parcialmente procedente e, em conformidade:


2.1. Condena a Ré BB a reconhecer que o contrato que outorgou com a A. AA, Lda vigorou até 28 de Fevereiro de 2012, inclusive;


2.2. Condena a Ré a pagar à A. AA Restauração, Lda:


2.2.1. A quantia de e seis mil euros (€ 6.000,00) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento;


2.2.2. A quantia de dois mil, quinhentos e oitenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos (€ 2.586,95), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento;


2.2.3. A quantia correspondente ao valor das louças propriedade da A. a apurar em sede de liquidação de sentença e com o limite de € 7.151,69;


2.3. Condena a Ré BB a restituir à A. AA-Restauração, Lda a quantia de trinta euros (€ 30,00);

3. Julga parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a Interveniente EE a pagar à Reconvinda o valor de dois mil seiscentos e cinquenta e três euros e setenta e um cêntimos (€ 2.653,71), correspondente à diferença entre o valor da caução prestada (€ 30.000,00) e o valor das rendas e respetivas penalizações, quotas de condomínio e notas de crédito em dívida (€ 32.653,71).


4. Absolve ambas as Partes dos pedidos de condenação por litigância de má-fé”.


2. Inconformadas com o assim decidido, apelaram, quer a Ré, quer a A., impugnando, desde logo, a decisão proferida em sede de matéria de facto, a qual procedeu em parte, o que ditou a estabilização do seguinte quadro factual para o litígio:


I FACTOS PROVADOS

1. No dia 3 de Dezembro de 2010, a Autora AA – Restauração, Lda celebrou com a Ré BB, Lda o contrato anexo à PI como documento n.° 1 (fls. 13 e ss.) e à Contestação como documento n.° 2 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. A) dos Factos Assentes)


2. No supra referido contrato, que as partes denominaram de “Contrato de Arrendamento de Estabelecimento Comercial”, Autora e Ré declararam que «Pelo presente contrato a Primeira Outorgante dá de arrendamento à Segunda Outorgante, a qual por seu turno toma livre e expressamente, a exploração do estabelecimento comercial e respectivas garagens, identificadas acima, bem como todo o equipamento e mobiliário melhor identificado no Anexo A.»; (al. B) dos Factos Assentes)


3. A cláusula segunda do supra referido contrato tem a seguinte redacção: «CLÁUSULA SEGUNDA

1. Em contrapartida do ora acordado Arrendamento, a SEGUNDA OUTORGANTE pagará mensalmente à PRIMEIRA OUTORGANTE, a título de renda os seguintes valores:

a) No primeiro ano de arrendamento a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros);

b) No segundo ano de arrendamento a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);

c) No terceiro ano de arrendamento a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros); (...).» (al. B-1 dos Factos Assentes)


4. A Autora entregou à Ré, a título de caução, o valor de € 30.000,00; (al. J1 dos Factos Assentes)


5. Ao fazer o inventário dos bens/equipamentos do estabelecimento comercial, após a tomada de posse do mesmo, a Autora detetou a falta de diversos bens que estavam elencados no Anexo A do contrato; (art. 27.° da PI)


6. Em carta datada de 8 de Fevereiro de 2011 e enviada à Ré, a Autora discriminou exaustivamente os materiais/equipamentos que dizia estarem em falta no estabelecimento comercial, solicitando que o capital dos bens a segurar fosse reduzido em conformidade; (art. 28.° da Base Instrutória)


7. Em 22 de Fevereiro de 2011, por email, a Ré interpelou a Autora para proceder ao reembolso do valor despendido com o imposto de selo do contrato celebrado entre as partes, para remeter-lhe o comprovativo da contratação de seguro bem como o comprovativo do pagamento das quotas do condomínio, conforme documento n.° 3 anexo à Contestação (fls. 139) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. C) dos Factos Assentes)


8. No dia 23 de Março de 2011, a Ré remeteu à Autora as notas de débito n.°s 1, 2, 3, 4 e 5, no valor global de € 4.139,27, a primeira relativa ao imposto de selo do contrato supra referido, a segunda referente às despesas havidas com o projecto de arquitectura prévio ao pedido de licenciamento da actividade, a terceira referente a despesas com a instrução do processo camarário para o licenciamento da actividade de restauração, a quarta relativa a despesas com o licenciamento da utilização de toldos com publicidade e a quinta referente ao pagamento do seguro multiriscos, conforme documento n.° 4 anexo à Contestação (fls. 140-151) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. C1 dos Factos Assentes)


9. A Ré diligenciou no sentido de encontrar um escritório de arquitetos que executasse o projeto de licenciamento da atividade de restauração; (art. 9.° da BI)


10. No dia 30 de Março de 2011, a Autora devolveu as notas de débito supra mencionadas, alegando que as notas de débito n.°s 2, 3 e 5 não eram da sua responsabilidade; (al. D) dos Factos Assentes)


11. A Ré respondeu-lhe mediante carta datada de 7 de Abril de 2011, junta à Contestação como documento n.° 5 (fls. 152-154) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. E) dos Factos Assentes)


12. Nos dias 25 de Maio e 2 de Junho de 2011, respectivamente, a Ré remeteu à Autora as notas de débito n.°s 6 e 7, ambas relativas ao licenciamento da esplanada aberta, conforme documentos n.°s 6 e 7 anexos à Contestação (fls. 158-162) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. F) dos Factos Assentes)


13. A nota de débito n.º 6 foi paga pela Autora no dia 13 de Junho de 2011; (art. 34.° da BI))


14. A Ré enviou à Autora uma carta datada de 14 de Julho de 2011, interpelando-a para proceder ao pagamento da quantia de € 6.749,16, conforme documento n.° 8 anexo à Contestação (fls. 167 e 168), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. G) dos Factos Assentes)


15. Consta da supra referida carta o seguinte «(...) Por esta ficam, desde já V. Exas. interpelados para proceder ao pagamento do € 6.749,16 (..) que dizem respeito a:

a) Condomínios de Maio, Junho e Julho (3x 685,99€)=2.055,00

b) Nota de débito do imposto de selo – 500,00 €

c) Seguro – (Não foi comprovado seguro a nosso favor) nota de débito n.º 5 no valor de 1.693,30

d) Licença de utilização:

- Execução do projecto: 1.210,00€

- Análise do projecto na CML: 576,00€

e) Letreiros diversos (fachadas, portas, toldos, etc):

- Valor dos dispositivos: 349,44€

- Valor das taxas administrativas: 365,42€

Para o efeito é-lhe conferido o prazo de 8 dias para efectuar o respectivo depósito ou transferência para a conta fornecida em comunicação anterior, sob pena de não o fazendo, nos vermos obrigados a recorrer às competentes instâncias judiciais.»; (al. H) dos Factos Assentes)


16. A carta supra referida foi recebida pela Autora; (al. I) dos Factos Assentes)


17. Também no dia 14 de Julho de 2011, a Ré enviou a carta junta à Contestação como documento n.º 9 (fls. 173-174) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. J) dos Factos Assentes)


18. Consta da supra referida missiva o seguinte:

«Assunto: DENÚNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, mediante comunicação ao arrendatário.

(…)

«3) Pela nossa carta referência 36 data de hoje cumpre-nos informar de que a falta de pagamento das verbas aí indicadas, e no prazo aí previsto, motiva o incumprimento do contrato, nos termos acima descritos.

4) Assim nos termos da cláusula nona do referido contrato de arrendamento, caso não proceda ao pagamento integral da verba aí solicitada, vimos-lhe conceder o prazo de 45 dias para proceder à devolução dos imóveis na vossa posse.

5) Caso não procedam à entrega voluntária do estabelecimento comercial, conforme já expressa e voluntariamente convencionado entre as partes iremos proceder à remoção das fechaduras, impedindo a entrada e utilização do estabelecimento por V. Exas.»; (al. L) dos Factos Assentes)


19. A carta referida supra não foi, à data, recebida pela Autora; (al. M) dos Factos Assentes)


20. Em 19 de Setembro de 2011, a Ré enviou o email anexo à Contestação como documento n.º 10 (fls. 179) dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. N) dos Factos Assentes)


21. Consta da supra referida missiva o seguinte:

«(...)

Na qualidade de sócios/gerentes, da empresa AA, Lda., vimos pelo presente solicitar o pagamento imediato de:

1) Condomínios de Maio, Junho, Julho, Agosto e Setembro – 5 x 685,00 =3.425,00 euros

2) Despesas referente à nossa carta de 14 de Julho e de diversos emails (imposto de selo, 500,00, Seguro 1.693,30, licença de utilização 1.210,00 + 576,00, licenças de dispositivos 349,44, taxas administrativas CML 365,42 = 4.694,16

3) Renda referente ao mês de Setembro de 2011 no valor de 5.000,00;

4) Pelo não pagamento atempado da renda nos termos da cláusula terceira parágrafo 7.º, do contrato de arrendamento e nos termos do artigo 1041 do Código Civil 2.500,00.

5) Nos termos da cláusula nona parágrafo 5.º de contrato de arrendamento, pagamento de juros de mora à taxa supletiva comercial (8%) referente a um mês = 50,00. O que totaliza até esta data o valor de 15.669,16 (...)».


22. Mediante email de 20 de Setembro de 2011, a Autora respondeu à missiva supra referida, nos termos que constam do documento n.º 11 anexo à Contestação (fls. 180) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. O) dos Factos Assentes)


23. Consta do supra referido email o seguinte:

«(...)

Começo por lhe pedir desculpas pelo atraso nos pagamentos.

(...)

Peço-lhe por favor que considere aceitar o pagamento imediato de 3 meses de condomínio. Prometo também pagar amanhã € 5.000,00 de renda (preciso de mais 1 dia). Quanto ao restante, preciso realmente de mais tempo porque não tenho meios neste momento. (...)»;


24. Em 20 de Setembro de 2011, a Autora procedeu ao pagamento do condomínio referente aos meses de Maio, Junho e Julho de 2011 e comunicou à Ré esse pagamento; (art. 36.° da BI)


25. Em data não determinada do mês de Setembro 2011, a Autora e a Ré chegaram a acordo quanto ao pagamento da quantia de € 4.694,16 o qual deveria ser efetuado até ao dia 31 de Dezembro de 2011, bem como quanto ao pagamento da renda de Setembro (arts. 2.°, 3.° e 37.° da BI)


26. Em 21 de Setembro, a Autora procedeu ao pagamento da renda referente ao mês de Setembro de 2011, tendo a Ré prescindido da penalização de 50% por efeito da mora; (art. 39.° da BI)


27. A Autora procedeu ao pagamento do condomínio do mês de Agosto, no dia 23 de Setembro;


28. Em 3 de Outubro de 2011, a Ré enviou o email anexo à Contestação como documento n.° 12 (fls. 181) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. P) dos Factos Assentes)


29. Consta do supra referido email o seguinte:

«(...)

Na sequência das nossas diversas solicitações, lembramos que nos devem comunicar com urgência o plano de pagamentos, ou proceder ao pagamento, referente aos valores em dívida:

1) Condomínios de Setembro e Outubro 2x685,00 =1.370,00 Euros

2) Despesas referente à nossa carta de 14 de Julho e de diversos emails (imposto de selo, 500,00, Seguro 1.693,30, licença de utilização 1.210,00 + 576,00, licenças de dispositivos 349,44, taxas administrativas CML 365,42 = 4.694,16

3) Renda referente ao mês de Outubro de 2011 no valor de 5.000,00;

4) Seguro do recheio do restaurante, parcela referentes ao período do recibo 2011-09-22 a 2011-12-22, que solicitámos à nossa companhia que passasse a cobrar por trimestre e não anual. No valor trimestral de 359,00

O que totaliza até esta data o valor de 11.423,25. (...)»;


30. Em resposta ao email supra referido, a A. (e não a Ré, como por manifesto lapso ali consta), enviou o email de 4 de Outubro de 2011, constante de fls. 181 (documento n.° 12 anexo à Contestação) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. Q) dos Factos Assentes)


31. Do supra referido email consta o seguinte:

«(...)

Relativamente ao seu email infra informo o seguinte:

- o condomínio de Setembro será pago até à próxima 5.ª feira;

- o condomínio de Outubro será pago dentro do prazo legal, até ao dia 8;

- a renda de Outubro será também paga dentro do prazo legal, até dia 8;

-relativamente aos restantes valores (4.694,16), conforme acordado com a EE, serão liquidados em prestações aos dias 15 de cada mês até final do ano.

(...)»;


32. A renda do mês de Outubro e o condomínio do mês de Setembro foram pagos no dia 8 de Outubro de 2012; (art. 42.° da BI)


33. Em 18 de Outubro de 2011, a Ré enviou à Autora o email junto a fls. 182 dos autos, (documento n.° 13 anexo à Contestação), com o seguinte teor:

«(...)

Lembramos que foi acordado pagar não só até ao dia 8 o valor do condomínio (685,00), como também até ao dia 15 o valor de 1.564,72 correspondente a 1/3 da dívida de 4.694,16. Agradecemos por isso o pagamento urgente dos valores referidos.

(...)»; (al. R dos Factos Assentes)


34. No dia 26 de Outubro de 2011, a Autora enviou à Ré um email, propondo uma renda mensal de € 4.000,00 a partir de Dezembro de 2011 e até final de 2012, conforme documento n.° 14 anexo à Contestação (fls. 183) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. S) dos Factos Assentes)


35. Em 30 de Outubro de 2011, a Ré enviou à Autora o email anexo à Contestação como documento n.° 14 (fls. 183) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. T) dos Factos Assentes)


36. Consta do email supra referido, o seguinte:

«(...)

Lembramos que decorreram já os 45 dias previstos na cláusula nona do contrato por incumprimento do pagamento solicitado na carta de 14 de Junho do corrente ano.

(...)

Lembramos igualmente que a caução contratual não se destina a garantir rendas ou dívidas, mas unicamente a garantir que o imóvel e a totalidade do equipamento será entregue no estado em que se encontrava, quer em qualidade quer em quantidade, a quando da assinatura do contrato. (...).»;


37. Mediante carta datada de 31 de Outubro de 2011, a Autora comunicou à Ré a denúncia do contrato celebrado em 3 de Dezembro de 2010 «com efeitos ao dia 28 de Fevereiro de 2012» e, ainda, que «a partir do próximo mês de Novembro de 2011, a ora signatária deixará de pagar as rendas devidas ao abrigo do contrato, uma vez que a título de caução foi entregue, na data da assinatura do mesmo, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), ficando assim cobertas as rendas até ao final do contrato, com um crédito a favor da ora signatária no valor de € 2.500,00.», conforme documento junto a fls. 83 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. U) dos Factos Assentes)


38. A Ré recebeu a carta supra referida em 2 de Novembro de 2012; (al. V) dos Factos Assentes)


39. No dia 13 de Novembro de 2011, a sócia-gerente da Autora recebeu um email enviado pela Ré, o qual se encontra anexo à PI como documento n.° 2 (fls. 23 e 24) e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. X) dos Factos Assentes)


40. No supra referido e-mail, a Ré informa que mudou as fechaduras dos imóveis sitos no Largo do Picadeiro n.º 8 B, 8 C em Lisboa, bem como das respectivas garagens e que a entrada da Autora nos referidos imóveis lhe está interdita; (al. Z) dos Factos Assentes)


41. A Ré colocou cadeados e barrotes de madeira por dentro das portas dos imóveis supra referidos; (al. A1 dos Factos Assentes)


42. Em consequência da conduta Ré supra descrita, a Autora perdeu um patrocínio da sociedade FF, (no valor de € 6.000,00); (art. 5.° da BI)


43. A Autora intentou um procedimento cautelar de restituição provisória de posse, o qual correu termos sob o n.º 2395/11.1 na 2.ª secção da 10.ª vara cível de Lisboa; (al. B2 dos Factos Assentes)


44. A providência solicitada foi decretada; (al. C2 dos Factos Assentes)


45. No dia 5 de Dezembro de 2011, a posse dos imóveis objecto do contrato referido na al. A) foi restituída à Autora; (al. D1 dos Factos Assentes)


46. A Autora tinha aprovisionado o seu restaurante de todos os bens alimentares necessários ao seu funcionamento de atendimento ao público; (art. 26.° da BI)


47. Na data em que a Autora tomou posse do imóvel, 5 de Dezembro de 2011 (e não 2012, como por manifesto lapso ali consta), verificou que os bens alimentares tinham desaparecido, que as prateleiras estavam completamente vazias e os frigoríficos e arcas congeladoras estavam vazios e desligados e todas as bebidas deixadas à consignação pelas Caves Aliança Bacalhôa e ainda outras bebidas que já tinham sido abertas no bar tinham desaparecido; (arts. 6.°, 25.° e 43.° da Base Instrutória)


48. A Autora não dispunha de dinheiro para adquirir novos stocks, razão pela qual ficou impedida de abrir o estabelecimento; (arts. 45.° e 46.°da BI)


49. “Para além dos bens supra referidos faltavam três máquinas registadoras, dois terminais de pagamento automático, um propriedade do Banco GG e outro propriedade da Caixa HH, diverso material de louça, propriedade da Autora, dois computadores portáteis da marca Asus, dois PC, o livro de reservas, uma máquina de café Nespresso, uma impressora de cartões plásticos, marca Fargo DTC 1000 e consumíveis, estes últimos propriedade da II, Lda, uma mesa de mistura de som, um amplificador e um computador portátil de regulação de luzes (arts. 44.°,55.°, 57.°, 59.°, 60.°da BI)”.


50. O estabelecimento comercial a que alude a al. A) dos Factos Assentes servia pratos de cozinha de autor, utilizando produtos alimentares de qualidade superior e no seu stock de bens alimentares incluíam-se desde os frescos perecíveis como legumes, leite ou frutas, aos não perecíveis como os azeites, óleos, vinagres, massas, arroz, açúcar, sal, farinhas, frutos secos e todo o tipo de temperos, e os congelados tipo peixes, carnes, mariscos e moluscos; (arts. 21.° e 24.° da BI)


51. O restaurante “DD” era conhecido pela sua cozinha sofisticada e de alta qualidade, sendo referenciado por vários órgãos de comunicação social como um restaurante de luxo; (art. 22.° da BI)


52. O restaurante supra referido tinha capacidade para servir 100 pessoas de cada vez; (art. 23.° da BI)


53. Até à data de 12 de Novembro de 2011, o restaurante encontrava-se em perfeitas condições de funcionamento tendo nessa data estado aberto ao público e servido refeições; (art. 47.° da BI)


54. A impressora de cartões plásticos e os consumíveis tinham sido adquiridos pelo preço de € 2.586,95; (art. 57.° da BI)


55. A Autora já tinha reservas com início na última semana de Novembro de 2011, com festas e grupos de natal de empresas e particulares, em número não apurado; (arts. 61.° e 62.°da BI)


56. O custo das refeições variava entre € 20,00 ao almoço e € 30,00 ao jantar e o menu de degustação tinha um custo de € 25,00;


57. A Autora tinha confirmados almoços e jantares no mês de Dezembro, em número não apurado (arts. 63.° e 64.° da BI)


58. A Autora tinha confirmadas Passagens de Ano, a € 75,00 por refeição; (art. 65.° da BI)


59. Os vinhos fornecidos pelas Caves Aliança Bacalhôa que a Ré retirou do locado foram colocados pela Ré num armazém de sua propriedade; (als. L1 e M1 dos Factos Assentes)


60. Os dois terminais de pagamento automático que se encontravam no locado estão guardados no armazém da Ré, bem como um computador portátil da marca Asus; (als. N1 e P1 dos Factos Assentes)


61. A Ré encontrou no locado € 30,00 que guardou no seu armazém; (al. O1 dos Factos Assentes)


62. A Autora não pagou a quota de condomínio referente ao mês de Outubro de 2011; (al. F1 dos Factos Assentes)


63. A Autora aceitou ser devedora do imposto de selo, solicitando apenas à Ré que lhe fizesse chegar o NIB a fim de efetuar o seu pagamento; (art. 31.° da BI)


64. A Autora não pagou o imposto de selo no valor de € 500,00; (al. G1 dos Factos Assentes)


65. A Autora não pagou as rendas dos meses de Novembro e Dezembro de 2011 e de Janeiro e Fevereiro de 2012, nem as respetivas penalizações; (al. H1 dos Factos Assentes)


66. A Autora informou a Ré que já tinha contratado o seguro em causa e que a Ré poderia requerer o estorno do prémio pago; (art. 33.° da BI)


67. O pedido de autorização para a utilização de toldos e publicidade a que alude a nota de crédito n.° 3 supra referida foi feito com o conhecimento e conivência da Autora; (al. I1 dos Factos Assentes)


68. A Ré contratou o seguro cujo objeto era o mobiliário e equipamentos existentes no n.° 8 A e 8 B do Largo do …, em Lisboa (art. 11.° da BI)


69. No dia 29 de Fevereiro de 2012, a Autora entregou à Ré as chaves dos imóveis supra referidos, no escritório da mandatária da primeira; (al. E1 dos Factos Assentes)


70. Quando a Ré voltou a ter a posse do imóvel – depois da entrega das chaves do mesmo - havia armários com portas partidas, um toldo danificado, vidros de balcões partidos, o alarme tinha a tampa danificada e partida, a central de alarme estava danificada e o sistema de rega estava danificado; (art. 15.° da BI)


71. A reparação do sistema de deteção de intrusão e controlo de acesso foi orçada em € 7.505,00 mais IVA; (art. 16.° da BI)


72. O custo das reparações discriminadas no orçamento anexo à Contestação como documento n.° 17 (fls. 259 a 264) cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido foi estimado em € 95.000,00 mais IVA, compreendendo as intervenções que constam do art. 78.° da Contestação (fls. 64 a 69); (arts. 17.° e 18.° da BI).


73. O prazo previsto para a duração das obras orçadas terão era de, pelo menos, 90 dias; (art. 19.° da BI)


74. Durante o período de execução das obras discriminadas no orçamento supra referido, a Ré não poderia arrendar o imóvel; (art. 20.° da BI)


75. A Ré disponibilizou-se para devolver os vinhos pelo menos uma vez, mas após a conferência do estado do imóvel e dos equipamentos e bens do estabelecimento; (art. 68.° da BI)


76. Houve um corte de energia no locado em 17.11.2011 na sequência da falta de pagamento de uma fatura e em virtude desse corte os bens perecíveis estragaram-se (art. 69.° da BI)


77. O computador portátil de regulação de luzes é propriedade da Ré bem como os dois PC; (art. 71.° da BI).


78. Quando a Ré voltou a ter a posse do imóvel não se encontravam no imóvel todos os bens que constam do anexo A do contrato outorgado entre as Partes; (art. 14.° da BI)


II - Não se provou que:


1/ A Ré sempre informou a Autora que o estabelecimento comercial tinha a necessária licença de utilização; (art. 1.° da BI)


2/ Em 14 de Julho de 2011, a Autora e a Ré já haviam chegado a acordo quanto aos pagamentos que a Autora aceitava como sendo devidos à segunda; (art. 2.° da BI)


3/ A Ré nunca comunicou à Autora a sua perda de interesse na manutenção no contrato; (art. 4.° da BI)


4/ O valor dos bens alimentares que desapareceram era de € 30.000,00; (art. 8.° da BI)


5/ Sem redação


6/ Os arquitetos foram ao imóvel já na vigência do contrato e com o conhecimento direto e presença da Autora com o fim de executarem o projeto de licenciamento da atividade de restauração; (art. 9.° da BI)


7/A Ré contratou ela própria um seguro porque sabia que a Autora não tinha diligenciado nesse sentido; (art. 11.° da BI)


8/ Os bens referidos no art. 14.º da BI tinham o valor total de € 88.122,47; (art. 14.° da BI)


9/ Entre a data em que foi efetuado o inventário dos bens e o da data da assinatura do contrato e consequente tomada de posse do estabelecimento, a Ré retirou do mesmo os bens referidos na carta supra mencionada; (art. 30.° da BI)


10/ O original da nota de débito referente ao imposto de selo foi remetido através de carta de 23.03.2011; (art. 32.° da BI)


11/ O objecto da nota de crédito n.° 7 é exactamente o mesmo do da nota de crédito n.° 6; (art. 35.° da BI)


12/As três máquinas registadoras e os dois PC eram propriedade da Autora, assim como dois computadores portáteis da marca Asus, uma mesa de mistura de som, um amplificador, um computador portátil de regulação de luzes; (art. 44.° da BI)


13/ Os vinhos fornecidos pelas caves alianças tinham o valor de € 16.622,23, os dois computadores portáteis tinham o valor aproximado de € 1.800,00, a mesa de mistura de som tinham um valor aproximado de € 2.700,00, o amplificador tinha um valor aproximado de € 800,00, os dois PC tinham um valor aproximado de € 1.600,00, o computador portátil de regulação de luzes tinha um valor aproximado de € 1.000,00, as máquinas registadores tinham um valor aproximado de € 10.800,00 e o valor da máquina de café Nespresso era de € 1.245,00, o POS propriedade do Banco JJ tem o valor de € 1.420,00, as louças, talheres e copos que faltavam tinham o valor de € 7.151,69;


14/ Encontravam-se no cofre € 3.000,00;


15/ A faturação previsível de Janeiro e de Fevereiro de 2012 era de € 19.000,00, respetivamente; (arts. 66.° e 67.° da BI)

4. No termo da apreciação das questões jurídicas suscitadas, proferiu a Relação decisão do seguinte teor:


Julga-se parcialmente procedente a Apelação apresentada pela A., nos termos acima delineados, alterando-se consequentemente a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância, que passa a ter o seguinte teor:

 

1. Declara-se extinta a instância reconvencional relativamente à AA - Restauração, Lda. (mantida a decisão inicial);


2. Declara-se a presente ação parcialmente procedente e, em conformidade:


2.1. Condena-se a Ré BB a reconhecer que o contrato que outorgou com a A. AA, Lda vigorou até 28 de Fevereiro de 2012, inclusive (mantida a decisão inicial);


2.2. Condena-se a Ré a pagar à A. AA Restauração, Lda:


2.2.1. A quantia de e seis mil euros (€ 6.000,00) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento (mantida a decisão inicial);


2.2.2. A quantia de dois mil, quinhentos e oitenta e seis euros e noventa e cinco cêntimos (€ 2.586,95), acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal civil, contados desde a data da citação e até integral pagamento (mantida a decisão inicial);


2.2.3. A quantia correspondente ao valor das louças propriedade da A. a apurar em sede de liquidação de sentença e com o limite de € 7.151,69 (mantida a decisão inicial);


2.3. A quantia corrrespondente aos bens alimentares perecíveis que se encotnravam no restaurante à data da sua ocupação – 13 de Novembro de 2011 -, a apurar em liuqidação de sentença e com o limite de € 30.000,00 (decisão proferida neste Tribunal de recurso);


2.4. Condena a Ré BB a restituir à A. AA-Restauração, Lda a quantia de trinta euros (€ 30,00) (mantida a decisão inicial);


3. Julga-se parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando-se a interveniente principal, EE, a pagar à Ré a quantia de € 9.343,71 00 (decisão proferida neste Tribunal de recurso);


3.1. Procedendo à compensação deste valor devido à Ré com o valor da caução prestada pela A. (€ 30.000,00), condena-se a Ré a pagar à A. a quantia de de € 20.656,29 (vinte mil, seiscentos e cinquenta e seis euros e vinte e nove centavos) - (decisão proferida neste Tribunal de recurso);


3.2. Absolve-se a Interveniente EE do demais pedido reconvencional (decisão proferida neste Tribunal de recurso);



 4. Tal conteudo decisório assentou – no que respeitra às questões suscitadas na presente revista – na seguinte fundamentação essencial:


Desde já se consigna que, não tendo a 2.ª A. interposto recurso, a decisão proferida quanto a mesma, condenando-a em parte do pedido reconvencional, encontra-se já transitada em julgado, não podendo já ser reapreciada em sede de recurso a pedido da 1.ª A., absolvida que foi da instância reconvencional, questão que será analisada aquando da apreciação do recurso interposto por esta última. Tal facto não obsta, porém, que apreciadas as questões jurídicas colocadas pelas partes, não se altere, em conformidade com essa análise, a decisão final proferida, nomeadamente quanto à interveniente principal.

(…)

Acontece, porém, que a Interveniente EE não recorreu da decisão proferida e esta não abrange o património e/ou a pessoa da A. Como tal, está este Tribunal de recurso impedido de conhecer desse pedido formulado pela A. por se entender que a mesma não goza de legitimidade para suscitar a sua reapreciação, nos termos do disposto no artigo 631.º do Código de Processo Civil Revisto. Esta decisão não implica que este Tribunal, aquando da apreciação de todas as questões colocadas pelas partes recorrentes, não tenha um outro entendimento quanto aos valores a compensar e chegue a uma conclusão distinta daquela que foi encontrada pelo Tribunal de 1.ª Instância, relativamente à condenação da interveniente principal.

 (…)

Pretende ainda a Ré a sua absolvição da condenação na quantia de € 2.586,95 acrescida de juros de mora calculados desde a data da citação e até integral pagamento, uma vez que esse valor corresponde  ao desaparecimento de uma impressora de cartões de plásticos e consumíveis que não eram propriedade da A., mas sim de uma entidade terceira, no caso, a II, Lda.

Conforme já tivemos oportunidade de referir na apreciação quanto à matéria de facto, tem razão a Ré neste ponto em particular, relativamente à titularidade destes bens.

Com efeito, o que se provou foi o valor desses bens e o seu desaparecimento, assim como o facto de tais bens estarem na posse da A. antes do esbulho violento levado a cabo pela Ré no dia 13 de Novembro de 2011 e terem desaparecido no momento em que ocorreu a restituição provisória da posse, em 05 de Dezembro de 2011.

É certo que se desconhece a que título essa máquina e consumíveis estavam na posse da A., mas a verdade é que mesmo que ali estivessem a título de empréstimo, sempre esta última tinha a obrigação legal de proceder á sua restituição ao respetivo titular ainda que tal desaparecimento dos bens decorresse de facto que não lhe fosse imputável – artigo 1149.º do Código Civil.


Assim sendo, quer se considerasse a titularidade destes bens como pertencendo á A. [o que não foi objeto de prova], quer se considerasse que estávamos perante um empréstimo [mútuo ainda que gratuito], sempre a A. mantém a obrigação de proceder a sua restituição ao titular dos bens e, como tal, sempre a Ré, causadora de tal desaparecimento, tem de ser responsabilizada pelo pagamento correspondente ao valor de tais bens.

Assim sendo, ainda que por fundamento distinto, mantém-se a condenação da Ré no pagamento à A. da quantia de € 2.586,95 acrescida de juros de mora calculados desde a data da citação e até integral pagamento.

(…)

Assim, pretende a A. que a Ré seja condenada a indemnizá-la pelos bens alimentares perecíveis e bebidas desaparecidas do estabelecimento, no montante de € 30.000,00.

Neste Ponto, entendeu o Tribunal de 1.ª Instância que, quanto ao desaparecimento dos bens perecíveis, únicos que estavam em causa no processo [veja-se o artigo 41.º da petição inicial em que apenas estes bens ali são considerados], não se verifica qualquer nexo causal entre a atuação da Ré e o dano sofrido pela A. uma vez que essa deterioração dos alimentos ficou a dever-se a um corte de eletricidade ocorrido a 17 de Novembro de 2011, por falta de pagamento da respetiva fatura por parte da A. que, contratualmente, era a responsável pela sua liquidação.

Recorde-se que, nessa data, a A. estava impedida de aceder ao locado uma vez que, a 13 de Novembro de 2011 a Ré tinha invadido o estabelecimento, mudado as fechaduras dos imóveis, colocado cadeados e barrotes de madeira por dentro das portas e segurança privada no seu exterior, impedido a A. e os seus colaboradores de ali entrarem, situação que se manteve até ao dia 05 de Dezembro de 2011, altura em que, no que aqui agora importa analisar, já ali não se encontrava qualquer bem alimentar – quer os perecíveis, quer os demais.

Importa desde já delimitar que o conhecimento da questão suscitada está circunscrito apenas aos bens perecíveis, únicos que foram peticionados na ação, não obstante a existência de prova positiva quanto ao desaparecimento dos demais bens. Com efeito, o conhecimento das questões por parte do Tribunal está condicionado ao princípio do pedido, ou seja, à alegação dos factos pelas partes e à formulação do respetivo pedido em conformidade com essa alegação. Como já acima deixamos expresso, tendo a A. cingido o seu pedido aos bens perecíveis – realidade que não sofreu alteração na réplica apresentada quando ampliou os pedidos inicialmente formulados -, serão apenas estes os considerados nesta ação e recurso. 

Esclarecido este ponto, cumpre analisar se a A. tem ou não direito ao ressarcimento dos alimentos perecíveis existentes no estabelecimento e que se estragaram com o corte de eletricidade por falta de pagamento da fatura respetiva.

Da matéria de facto dada como provada e não provada resulta claro que, até ao dia 13 de Novembro de 2011, o restaurante estava dotado de todos os bens alimentares necessários à confeção dos pratos de autor ali servidos e em quantidade para poder atender cerca de cem pessoas de cada vez. Desaparecida a totalidade de todos esses bens alimentares – perecíveis e não perecíveis – certo é também que se desconhece o valor de tais bens - Pontos 46, 47, 50, 51, 52 e 53 dos Factos Provados e 4.º do Factos Não Provados.

Percorrendo toda a factualidade dada como provada e não provada nos autos, podemos verificar que em nenhuma dessas rúbricas está mencionado que, à data em que a Ré esbulhou a A. do locado, encontravam-se no seu interior, entre outros bens, toda a documentação comercial da A. e, entre ela, a correspondente aos pagamentos a efetuar, nomeadamente, a fatura de eletricidade aqui em causa.

É certo que à data do esbulho [13 de Novembro de 2011] a A. encontrava-se ainda em prazo para proceder ao pagamento da fatura de eletricidade, cujo termo do prazo ocorria a 17 de Novembro de 2011. Certo é também que sempre o poderia ter realizado, ainda que sem a competente fatura logo que se dirigisse a um posto de pagamento identificando a consumidora. Certo é também que o não fez. Mas era-lhe exigível esse comportamento? Salvo o devido respeito, entendemos que não.

Imputar à A. a responsabilidade de tal ausência de pagamento como causa dos danos provocados nos alimentos (deterioração) é, salvo o devido respeito, esquecer que foi a Ré que procedeu ilícita e culposamente ao esbulho violento do local em que se encontrava a funcionar o restaurante e onde, por sua vez, se encontravam as câmaras de congelação dos produtos perecíveis, para confecionar os pratos servidos no restaurante. É em relação a este facto – esbulho violento - que deve ser estabelecido o nexo causal e que, no presente caso, entendemos que se mostra corretamente estabelecido. Desde que a Ré pratica o facto ilícito e culposo de ocupação do locado, torna-se responsável pela conservação e guarda de todos os bens e/ou produtos que ali se encontram. Estamos a falar de bens materiais mas pense-se, pro exemplo, que ali e encontravam animais e tenha-se presente a solução que se iria encontrar para o caso. 


Por outro lado, entendemos que a falta de pagamento da fatura de eletricidade é, na verdade, um falso problema. Tenha-se presente que a Ré fez desaparecer todos os bens do locado – perecíveis e não perecíveis – tendo a A. encontrado aquele espaço de prateleiras vazias, sendo que antes dessa ocupação esse mesmo espaço estava devidamente aprovisionado, tinha géneros alimentícios e bebidas cujo valor tinha sido estabelecido, por acordo das partes, em € 38.300,00 – valor constante do contrato celebrado entre as partes (cláusula 3.ª, Ponto 6 do Contrato dos autos).

De todos esses bens – perecíveis e não perecíveis – até ao momento a Ré nada entregou à A. nem tão pouco procedeu ao seu ressarcimento junto da mesma pelo que, ainda que não tivesse havido o corte de eletricidade mencionado nos autos, todos esses bens perecíveis teriam seguido o mesmo destino dos demais bens não perecíveis, ou seja, estavam ausentes do domínio da A. e sem terem sido objeto de indemnização.

Por fim, acresce que a obrigação do senhorio que esbulha violentamente o inquilino, é a de guardar e preservar os bens que encontre no locado, como já acima deixamos expresso, elaborando um Auto em que conste a identificação e estado dos mesmos [em paralelo com o despejo habitacional, veja-se a obrigatoriedade de elaboração de um Auto de Arrolamento, sendo certo que nesta última situação o inquilino tem conhecimento da diligência de despejo, situação que não é aquela que estamos a analisar, em que a A. foi surpreendida perante um facto consumado), procedimento esse que a Ré não teve sequer o cuidado de realizar, situação agravada neste caso pelo facto de não ter sequer procedido à entrega dos bens à Ré (relativamente aos não perecíveis), constituindo-se, assim, na obrigação de a indemnizar.


Concluindo, deve a Ré ser condenada no pagamento á A. do valor do bens alimentares perecíveis (únicos reclamados nesta ação), a apurar em liquidação de sentença, com o limite de €. 30.000,00.

(…)

Esta situação, que foi criada e mantida pela Ré, não pode justificar a imposição à A. de cumprimento contratual no que se reporta ao pagamento das rendas que se venceram entre 05 de Dezembro de 2011 a 28 de Fevereiro de 2012. Relativamente a esta questão tem a A. razão uma vez que também aqui estamos a presenciar prejuízos que decorrem da ilícita e culposa atuação da Ré e que, neste particular, não podem traduzir-se num benefício para a mesma.

Assim sendo, às quantias consideradas como devidas à Ré e que foram objeto de compensação com a caução prestada pela A., há que deduzir-se o montante destas rendas, num total de € 23.310,00. Este valor deve, assim, ser deduzido aos créditos devidos á Ré e que o Tribunal de 1.ª Instância calculou em € 32.653,71 [valor que não foi objeto de impugnação e que contemplava o valor dessas mesmas rendas e das demais quantias constantes das notas de crédito juntas aos autos, estas últimas num total de € 9.343,71].

Esta situação determina que, contrariamente ao inicialmente decidido, seja a A. a beneficiar de um crédito perante a Ré, crédito esse que se traduz no montante de € 20.656,29 (vinte mil, seiscentos e cinquenta e seis euros e vinte e nove centavos), correspondente à diferença entre o valor a pagar à Ré e o remanescente do crédito decorrente da caução por si prestada no contrato.


Com esta decisão não há já lugar à condenação da interveniente principal Fátima Lopes uma vez que, todos os créditos de que goza a Ré encontram-se já cobertos pela caução prestada pela A.. Impõem-se, assim, a alteração da condenação proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância contra a interveniente principal, não obstante aquela não ter interposto recurso da decisão final. 



      4. Inconformada, apelou a R., encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões, que lhe delimitam o objecto:

A. A decisão recorrida é ilegal por erro na interpretação e aplicação do direito, tanto por violação da lei processual como substantiva

B. O Tribunal a quo alterou a redação do Ponto 49 dos Factos Provados, retirando a menção à impressora da "relação de bens" da Autora, uma vez que consta dos autos prova de que a mesma não é propriedade da Autora, porém, manteve (com fundamentação diferente) a condenação da Ré a indemnizar a Autora do seu valor, porque presumiu estar na sua posse por empréstimo;

C. Ao presumir um empréstimo, o Tribunal a quo violou o princípio do dispositivo, porque pressupôs factos que não só não foram alegados, como são contrários à alegação da Autora;

D. A existência de um empréstimo (em lugar da alegada propriedade) não é uma questão de qualificação jurídica, depende da alegação de factos concretos e, por isso, não está na disponibilidade do julgador aventar tal hipótese;

E. Talvez mais grave, nestes mesmos autos, em situação igual, o Tribunal proferiu a decisão oposta: confirmou a decisão da primeira instância, que indeferiu a pretensão indemnizatória da Autora por entender que, estando provado que os computadores que a Autora alegou serem seus eram na verdade propriedade de terceiro, não podia a Autora ser indemnizada pelo seu valor;

F. Assim, além de violar o princípio do dispositivo, a decisão é jurídica e valorativamente contraditória, o que a torna ininteligível;

G. O Tribunal da Relação alterou a decisão da primeira instância, condenando a Ré a indemnizar a Autora pelo valor dos bens perecíveis, porém, não se preocupou em verificar se havia ou não nexo de causalidade entre o esbulho ilícito e o dano verificado;

H. O Tribunal a quo ignorou que a prova da causa naturalística dos danos (a falta de eletricidade) resulta do Ponto 76 da decisão da matéria de facto;

I. E não verificou se o esbulho, eleito como nova causa naturalística, seria ou não causa adequada dos danos;

J. Por estes motivos, a decisão é nula por oposição com a fundamentação de facto, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615° do Código do Processo Civil, e ilegal, por violação do disposto nos artigos 483.° e 563.° do Código Civil;

K. Mesmo que o esbulho fosse a causa dos danos (que não é), nunca seria causa adequada, pois não é previsível que, por conta de estar impedida de aceder ao imóvel, a Autora deixe de pagar as suas dívidas vencidas, em perfeita indiferença quer para com os seus compromissos contratuais, quer para com a conservação dos bens que sabia lá estarem;

L. O Réu não pode considerar-se depositário dos bens perecíveis, por não existir qualquer fonte legal ou convencional de depósito;

M. Mesmo que se considerasse haver dever de guarda do Réu (que não se admite), o incumprimento deste dever não seria causa adequada do perecimento dos bens, pois não podia o Réu prever que a Autora ia optar por não pagar a eletricidade, nem, muito menos, lhe era exigível que a pagasse no seu lugar (até porque nem sabia de tal divida);

N. Portanto, os factos são incontornáveis: a causa dos danos foi o facto da Autora não ter pago a eletricidade, não foi o esbulho, mas mesmo que tivesse sido, não haveria nexo de causalidade;

O. Caso assim não se entenda (o que não se concede), sempre teria de se ponderar que a Autora concorreu de forma determinante para a produção dos danos sofridos, devendo portanto a indemnização ser excluída por culpa do lesado, nos termos do artigo 570.° do Código Civil;

P. O Tribunal a quo decidiu ainda alterar a condenação do pedido reconvencional, apesar de reconhecer que (i) a Recorrente não tinha legitimidade para requerer a sua alteração e que (ii) a matéria da reconvenção já estava decidida por caso julgado;

Q. Consequentemente, o Acórdão recorrido viola a autoridade de caso ulgado e simultaneamente o disposto no n.° 1 do artigo 613.° e o no artigo  631.°, ambos do Código do Processo Civil.

Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e o Acórdão do Tribunal a quo ser revogado no que respeita as decisões dos por tos 2.2.2, 2.3, 3 e 3.1, com as legais consequências.

Valor do Recurso: € 55.896,95.


5. Na sentença proferida em 1ª instância, tinha a R. sido condenada a indemnizar a A. pelo valor de uma impressora que – sendo dela propriedade – tinha desaparecido durante o esbulho do locado, imputável à R.; a Relação alterou, quanto a este ponto específico, a matéria de facto, de modo a não resultar provado que a dita impressora fosse propriedade da A, alterando o ponto 49 da matéria de facto provada.; porém, manteve a condenação da R. a indemnizar a A. desse valor com base numa fundamentação jurídica substancialmente diversa – que abre a porta à possibilidade de revista normal, apesar da dupla conformidade dos segmentos decisórios, - traduzida , não na lesão do indemonstrado direito de propriedade, mas na impossibilidade de cumprimento por parte da A. da obrigação de restituir tal bem ao legítimo proprietário, no quadro de um possível contrato de comodato.

Quanto a este ponto, considera-se que assiste razão à entidade recorrente, já que o raciocínio seguido pela Relação acabou por envolver uma alteração do núcleo essencial da causa de pedir da pretensão indemnizatória efectivamente formulada pela A. – que assentava na invocação da lesão do seu direito de propriedade sobre o bem em causa: para além de não constar da matéria de facto a existência de um qualquer contrato de comodato referente a esse bem, verifica-se que não era possível, na fase de recurso, convolar oficiosamente de uma pretensão expressamente estribada na lesão de um direito de propriedade da A. sobre o bem desaparecido para uma pretensão indemnizatória decorrente de um hipotético direito pessoal de gozo, por tal envolver alteração do núcleo essencial da causa petendi efectivamente invocada, obviamente inviável na fase de recurso.

A segunda questão suscitada pela recorrente tem a ver com a inovatória condenação no pagamento de indemnização devida pela deterioração dos bens perecíveis, existentes nas arcas frigoríficas do estabelecimento explorado pela A.: na verdade, enquanto a sentença proferida na 1ª instância entendeu que a causa adequada de tal dano radicou em comportamento da própria A. que - ao deixar de pagar tempestivamente a factura do consumo de electricidade vencida em Novembro, - despoletou o corte de abastecimento de energia, o acórdão proferido pela Relação entendeu que a causa determinante desse dano radicou antes no esbulho do locado, ocorrido alguns dias antes do vencimento da referida factura, não sendo exigível à A., nessas precisas circunstâncias, em que havia sido privada da posse do locado por facto imputável à R., a liquidação e pagamento atempado dos débitos de fornecimento de energia.

Note-se que- perante o ponto 76 da matéria de facto, a causa determinante do perecimento e inutilização de tais bens foi o corte de energia subsequente ao não pagamento da factura em 17/11/11 - o que naturalmente retira interesse e autonomia ao facto do desaparecimento dos bens em causa durante o período de esbulho: o desaparecimento dos bens perecíveis já estragados não podia, na verdade, traduzir um dano adicional à sua irremediável deterioração, decorrente da paragem do sistema de refrigeração…

Ora, quanto a este ponto, entende-se que o quadro jurídico que retrata mais adequadamente a especificidade da situação litigiosa é o da concorrência de causas e de culpas quanto à deterioração de tais bens: por um lado, é evidente que a mera situação de privação do locado não era, só por si, idónea para dispensar a A. do pagamento de anteriores facturas de fornecimento de energia, referentes a período temporal em que ainda explorava o estabelecimento - sendo-lhe, nessa medida, ainda imputáveis as consequências de tal incumprimento; mas, por outro lado, é evidente que – a partir do momento em que a R. passou a dispor exclusivamente do locado, privando totalmente, em termos factuais, a contraparte da possibilidade física de a ele aceder – ficou vinculada a um dever acessório ou lateral de prevenção ou contenção de danos nos objectos aí deixados; e, deste modo, o princípio da boa fé exigia-lhe que – ao ter assumido unilateralmente o controlo e domínio físico do local explorado pela A. - vigiasse adequadamente esse local que ocupou e sobre o qual detinha um domínio exclusivo e os bens nele existentes, cumprindo-lhe, ao menos, advertir a A. para as previsíveis consequências da interrupção do fornecimento de energia, que devia ter verificado: Ora, não o tendo feito, responde pelas consequências da violação de tal dever lateral de protecção, emergente do princípio da boa fé, fixando-se em 50% a percentagem de culpa a cargo de cada um dos contraentes quanto ao facto que desencadeou causalmente o dano ora em apreciação.


6. A interveniente principal, EE havia sido demandada em sede reconvencional, na qualidade de fiadora da A. relativamente aos débitos emergentes de rendas em dívida e outras despesas constantes de notas de débito emitidas pela R.

Na sentença proferida em 1ª instância, considerou-se que tais valores – inexigíveis da própria A., em consequência da extinção da instância reconvencional, decorrente do decretamento da insolvência – perfaziam €32.653,71 (incluindo o montante de €24.750,00 de rendas em dívida), condenando-se consequentemente a fiadora/reconvinda a satisfazer a diferença entre tal valor, por ela pessoalmente garantido, e o valor da caução prestada (€ 30.000,00).

Não foi interposto recurso de tal decisão condenatória pela interveniente/reconvinda.

No recurso de apelação, interposto apenas pela A., reiterou esta o pedido de restituição do valor da caução prestada, no montante de €30.000,00, sustentando que carecia de fundamento o invocado débito de rendas vencidas entre 5/12/11 e 28/2/12.



A Relação considerou tal argumentação em parte procedente, entendendo não ter fundamento a imposição à A. do pagamento de tais rendas, atenta a situação de esbulho e de inviabilização da exploração do estabelecimento, imputável à R.: e, assim, abateu o referido valor das rendas, pretensamente em dívida, ao valor calculado na 1ª instância, apenas tendo a R. direito ao montante de €9.343,71, referente a valores constantes das notas de débito emitidas.

E daí que - operando a compensação entre os valores da caução prestada e dos débitos judicialmente reconhecidos e garantidos pelas reconvindas - considerasse que a A. beneficiava, afinal, de um crédito no montante de €20.656,29.


Tal decisão foi projectada na esfera jurídica da interveniente/fiadora, apesar de esta não ter recorrido da sentença condenatória: na verdade, a sua condenação na 1ª instância resultara do reconhecimento de que existiria um valor de rendas em dívida de €23.310,00, naturalmente incluído na caução prestada, ao passo que a Relação acabou por considerar inexistente tal débito, decorrente de  rendas vencidas entre 5/12/11 e 28/2/12 – o que naturalmente implicou que esse montante deixasse de estar abrangido na caução prestada pela locatária.


É contra esta decisão que se insurge a recorrente, sustentando que a formação de caso julgado material sobre a condenação proferida na reconvenção, decorrente de a interveniente, condenada na qualidade de fiadora, não ter apelado, inviabilizaria de pleno que a alteração do valor das rendas em dívida, agora ditada pelo acórdão recorrido, se pudesse ainda repercutir na esfera jurídica da fiadora, definitivamente condenada no pedido reconvencional.


Efectivamente – e como dá, aliás, nota o acórdão recorrido – os efeitos do julgado, na parte não recorrida de determinada decisão, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo, nos termos previstos no nº 5 do art. 635º do CPC.


Importa, porém, verificar se – apesar de a fiadora não ter efectivamente recorrido da sua condenação - não lhe poderá aproveitar o recurso interposto pela própria A., devedora principal das rendas em dívida, nomeadamente nos termos previstos na al. b) do nº2 do art. 634º do CPC, já que o interesse do fiador se configura obviamente como dependente ou subordinado, relativamente à situação jurídica do principal devedor.


A particularidade do caso dos autos radica no facto de – em consequência da insolvência decretada – a A., como principal devedora das rendas, não ter sido condenada no pedido reconvencional, que apenas procedeu em parte contra a fiadora, após descontado o valor considerado em dívida na caução prestada: porém, como atrás se salientou, a questão referente à existência e montante de rendas em dívida acabou por integrar efectivamente o objecto da apelação interposta pela A., em consequência de esta dissentir da perda da caução prestada, peticionando a respectiva restituição, por não se conformar com a existência dos montantes alegadamente em dívida, por aquela cobertos ou garantidos: ou seja, a A. não impugnou obviamente uma inexistente condenação no pedido reconvencional que, por razões procedimentais, não chegou a ser proferida no seu confronto, mas acabou, por outra via, – através do pedido de restituição da caução prestada - por impugnar a decisão que considerara em dívida o valor de €23.310,00, proveniente de rendas alegadamente vencidas; e obteve nesta sede provimento, por considerar a Relação que se não podia justificar a imposição à A. de cumprimento contratual no que se reporta às rendas vencidas no dito período de tempo, abatendo consequentemente tal montante ao valor da caução prestada.


Ora, poderá esta decisão, favorável à A., repercutir-se ainda, pela via da referida al. b) do nº2 do art. 634º, na esfera jurídica da fiadora, a esta aproveitando reflexamente, segundo um princípio de realidade do recurso, a decisão que considerou inexistente o débito de €23.310,00?


Considera-se que, nestas peculiares circunstâncias – em que o devedor principal, apesar de não condenado, por razões estritamente procedimentais, no pedido reconvencional referente a determinadas rendas, acabou por impugnar a decisão que as considerara em dívida, vendo-as descontadas na caução prestada e obtendo nesta sede provimento a apelação por si interposta – deve a decisão proferida pela Relação repercutir-se ainda na esfera jurídica do fiador não recorrente, aproveitando-lhe, assim, a decisão favorável, obtida pelo devedor principal, na controvérsia referente à restituição da caução prestada.

E, nesta perspectiva, considera-se que nenhuma censura merece o decidido pela Relação no acórdão recorrido.



7. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se em parte, provimento à revista, revogando a condenação constante do ponto 2.2.2 do segmento decisório do acórdão recorrido e alterando a que consta do ponto 2.3., em termos de:

- improceder o pedido indemnizatório de €2.586,95, referente ao desaparecimento de impressora cuja propriedade a A. não demonstrou;

- manter-se a condenação da R. a indemnizar a A. por quantia correspondente aos bens alimentares perecíveis que se encontravam no restaurante à data da sua ocupação – 13/11/2011 – a apurar em liquidação e com o limite de €15.000,00, decorrente da concorrência de culpa do lesado na respectiva deterioração.

E confirmando, em tudo o demais, o decidido no acórdão recorrido.

Custas da presente revista, em partes iguais, por recorrente e recorrida, atendendo-se ao valor indicado pela recorrente.


Lisboa, 23 de Junho de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor