Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2263/16.0T8LRA.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO (CÍVEL)
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ILICITUDE
ÓNUS DA PROVA
SOCIEDADES EM RELAÇÃO DE GRUPO
CAUSA DE PEDIR
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 09/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O artigo 77º (Dever de informação) do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, preceitua no seu nº 1, que as instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.

II - O intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida. Fala-se, sob esta perspectiva, de uma “transparência informativa".

III – O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

IV – A circunstância de em Abril de 2008 ter sido sugerido ao autor, pelo gestor de conta na agência do BESOR, em Macau, que o seu dinheiro teria mais rentabilidade se o transferisse para o Banque Priveé Espírito Santo, na Suíça, que era um banco seguro do grupo BES, que lhe podia assegurar nos depósitos a prazo uma rentabilidade que rondaria os 5% ou seja, superior aos cerca de 3% que, na época, eram pagos pelo BESOR e ainda que, face a estas indicações, o autor anuiu em que fosse transferida da sua conta no BESOR para o Banque Privée a totalidade da quantia que tinha depositado no BESOR, ou seja, USD 1.000.000,00 no dia 16-04-2008, é claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

V – Este quantum de informação que o BESOR estava obrigado a prestar ao autor, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

VI – O BESOR, mediante a permissão do autor, assumiu um dever geral de conduta englobado na prevenção do risco em favor do cliente, maxime, o dever de proceder à permitida transferência bancária e de verificar que esta era vantajosa para o autor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I - RELATÓRIO


AA intentou contra o Novo Banco, SA, acção declarativa, com processo comum, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 400.000 USD, correspondentes a € 310.501,00 acrescida de € 50.377,72 de juros de mora vencidos e, ainda nos vincendos, sanção pecuniária compulsória, da quantia de € 3.000,00 por despesas que suportou com a tentativa de solução extrajudicial do litígio, acrescida de juros moratórios contados desde a citação e ainda € 5.000,00 de indemnização por danos não patrimoniais e juros desde a citação.


Alegou, em síntese, que era cliente do BESOR, o qual, em 2008, por intermédio de funcionário, o aconselhou a transferir 1.000.000 de US dólares para o Banque Privée Espírito Santo, SA, com sede na Suíça. Que neste banco, à sua revelia, foram investidos 400.000 US dólares em obrigações da ESI, sendo que no vencimento dessa obrigação, o capital não lhe foi devolvido.

O BESOR alterou a sua denominação para Novo Banco Ásia, SA, com sede em Macau, e encontra-se numa “...relação de grupo por domínio total com o réu e, por conseguinte, nos termos do artigo 501º do CSC, o Novo Banco “...é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada. Essa responsabilidade é originalmente do BESOR, actual Novo Banco Ásia SA, enquanto intermediário financeiro.

Refere ainda que lhe foi prestada informação incorrecta e falsa, lesiva dos seus interesses, pois sempre lhe foi transmitido que o seu dinheiro iria ser aplicado no depósito a prazo o que o banco sempre soube ser a preferência do A. e não em outros produtos financeiros de risco, sendo certo que à data da aquisição das obrigações – 2008 – já a realidade financeira do grupo GES era conhecida.

Mais alegou que sofreu angústia e sofrimento perante a não liquidação do capital investido e tentou extrajudicialmente a resolução do seu problema, sem êxito.


O Novo Banco, SA, contestou, alegando, em síntese, que os créditos que o autor alegadamente detém é sobre o Banque Priveé Espírito Santo, SA, e terão que ser exigidos na instância própria que não esta, sendo que já corre termos o processo de insolvência e liquidação do mesmo.

Invocou a sua ilegitimidade substantiva para ser demandado uma vez que, de acordo com a deliberação do Banco de Portugal, que delimitou o perímetro de actividade e activos e passivos do Banco e ficou excluído “quaisquer responsabilidades e contingências nomeadamente decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais e penais ou contra-ordenacionais, com excepção das contingências fiscais activas”, sendo certo que a constituição do Banco, a 3 de Agosto de 2014, é posterior à constituição do depósito bancário no Banque Priveé, que é uma entidade jurídica diferente da do réu, pelo que os factos alegados pelo autor são alheios ao réu, sendo este parte ilegítima.

Invocou também a ineptidão da petição inicial, por falta de pedido e causa de pedir, uma vez que da relação material controvertida explanada pelo autor dela não faz parte o réu, mas apenas o Banque Privée.

Quanto ao mais, impugnou toda a factualidade carreada aos autos pelo autor.

Termina, pedindo que a acção seja julgada improcedente, absolvendo-se o réu do pedido.


O autor respondeu, pugnando pela improcedência das excepções e pela procedência da acção.



No despacho saneador conheceu-se da invocada excepção da ineptidão da petição inicial invocada pelo réu, que foi julgada como improcedente.

A alegada ilegitimidade processual do réu, e pelo mesmo invocada, foi julgada como improcedente.


Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo o réu dos pedidos.


O autor recorreu e a Relação, por acórdão de 07 de Janeiro de 2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença da 1ª instância.


Novamente inconformado, o autor interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1ª - A causa de pedir do recorrente, nos presentes autos, foi a violação grave dos deveres de informação, praticada pelo BESOR, ao sugerir ao recorrente que transferisse os seus depósitos a prazo para o Banque Privée, porque os juros dos depósitos a prazo praticados pelo Banco Privée eram mais altos do que os juros praticados pelo BESOR, violação essa sempre do perfeito e completo conhecimento do BESOR, mas que o recorrente só descobriu em 2014.

2ª - E, ao abrigo dos artºs 491º e 501º do Código das Sociedade Comerciais, em 2016 o recorrente demandou o Novo Banco que, à data, era detentor de 100% do capital do BESOR, por violação grave dos deveres de informação praticada pelo BESOR nasua relação com o ora recorrente.

3ª -Tal como decorre do acórdão datado de 31/5/2005, do STJ, proferido no Processo nº 05A1413, os termos dos artºs 501º e 491º do CSC, a responsabilidade do Novo Banco sobre a sociedade dominada BESOR é directa e ilimitada, tem natureza legal, objectiva, solidária; a sociedade totalmente dominante responde pelas obrigações da sociedade dominada constituídas até à cessação da relação de domínio total, mesmo que o seu cumprimento lhe seja exigido (judicial ou extrajudicialmente), após a cessação dessa relação; é automática (surge relativamente às obrigações da sociedade dominada anteriormente constituídas a partir do momento em que a sociedade dominante adquire o domínio total daquela, ou a partir do momento da constituição da obrigação desta, relativamente às constituídas na vigência de tal relação).

4ª - Não se aplica o disposto no artigo 501º nº 2 do CSC aos presentes autos, uma vez que, atenta a sua natureza, a indemnização peticionada pelo recorrente é imediatamente exigível (artº 805º nº 2 al. b) do Código Civil).

5ª - O recorrente visa, com o presente recurso, que seja reconhecido e decidido que é ilegal qualquer interpretação extensiva ou por analogia de considerandos fácticos e das finalidades legais da Medida de Resolução do Banco de Portugal criada para outras situações que nada têm a ver com a situação dos presentes autos.

6ª - O recorrente visa ainda que seja declarada ilegal a exclusão da responsabilidade do Novo Banco, submetido ao regime jurídico dos artºs 491º e 501º do Código das Sociedades comerciais.

7ª - Que seja revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que criou a sua própria medida de resolução ad hoc para a situação dos presentes autos, e esvaziou de efeitos jurídicos as normas contidas nos artigos 491º e 501º do CSC.

8ª - O tribunal apenas seleccionou os factos que considerou essenciais para a prolação da decisão de Direito.

9ª - Entre o mais, o Tribunal da Relação de Lisboa aditou aos factos provados que desde 31/12/2014, o Novo Banco S.A. era detentor de 99,75% das acções do BESOR, a partir de 31/12/2015 o Novo Banco passou a deter 100% das acções do BESOR (ou Novo Banco Ásia), a partir de 22/5/2017 o Novo Banco passou a deter apenas 25% das acções do Novo Banco Ásia (ou BESOR) por ter vendido os restantes 75% a um grupo de investidores.

10ª - Não existe dupla conforme (Acórdão nº 1/2020, do STJ).

11ª - O tribunal de 1ª instância confundiu as entidades BESOR (do GBES) com Banque Privée (do GES), a natureza da causa de pedir do recorrente, e considerou a Medida de Resolução do Banco de Portugal directa e automaticamente aplicável ao GBES e, portanto, ao BESOR.

12ª - O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu que o Banco de Portugal não aplicou nem podia aplicar qualquer Medida de Resolução ao BESOR (cfr. pág. 35 do acórdão recorrido), mas entendeu que o Novo Banco, não obstante deter 100% do capital social do BESOR não é responsável pelo comportamento da sociedade-filha por estarem em causa factos ocorridos antes da própria constituição do Novo Banco, num momento temporal em que o BESOR fazia parte do universo do Grupo Espírito Santo (GBES) (cfr. pág. 36 Ac. TRL), sendo o Novo Banco alheio a toda esta dinâmica processual e jurídica (cfr. pág. 37 Ac.TRL).

13ª - O Tribunal da Relação de Lisboa contradiz-se nos seus próprios termos, quando afirma que o Banco de Portugal não aplicou nem podia aplicar nenhuma Medida de Resolução ao BESOR, e, em simultâneo, afirma que o passivo do BESOR associado ao direito do Recorrente não se transferiu para o Novo Banco, porque na Medida de Resolução do Banco de Portugal só se transferiram para o Novo Banco “os activos e passivos devidamente constituídos, consolidados e registados na contabilidade do BES, tendo sido transferidos pelo seu valor contabilístico” (cfr. pág. 32 Ac. TRL).

14ª - O critério do registo dos passivos estabelecido pelo Tribunal da Relação de Lisboa é irrelevante na relação Novo Banco / o BESOR porque a Medida de Resolução não foi pensada para o BESOR.

15ª - O acórdão recorrido fez uma interpretação das normas legais estabelecidas no CSC sem qualquer correspondência com a letra da lei, e sem qualquer correspondência com o pensamento legislativo expresso na letra da lei, estando-lhe vedado o recurso à analogia quer em virtude da natureza da Medida de Resolução do Banco de Portugal, quer em virtude da natureza das normas do CSC.

16ª - Não resulta da matéria de facto provada, ser necessário integrar uma “lacuna” do Código das Sociedades Comerciais para situações como a do Novo Banco, porque as normas aplicáveis ao Novo Banco são as regulam as sociedades coligadas (CAPITULO I do TITULO VI).

17ª - O presente recurso de revista justifica-se ainda porque os fundamentos que estão na base do acórdão recorrido se estribam, para além do mais, na interpretação extintiva dos efeitos jurídicos das normas excepcionais estabelecidas nos artºs 501º e 491º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e no recurso à interpretação extensiva e à analogia com outras situações em que foi aplicada Medida de Resolução do Banco de Portugal, em clara violação dos artºs 9º a 11º do Código Civil.

18ª - O presente recurso de revista justifica-se ainda porque, no entender do recorrente, é da maior relevância jurídica que a construção jurídica sobre a qual assentam os fundamentos do acórdão recorrido seja apreciada pelo Supremo Tribunal de Justiça, já que, se assim não for, se imporá, necessariamente, um largo debate pela doutrina e jurisprudência com o objectivo de obter um consenso em termos de servir de orientação, quer para as instâncias, quer para as pessoas que possam ter interesse jurídico ou profissional na resolução de tal questão, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar, das normas contidas no CAPITULO I do TITULO VI do Código das Sociedades Comerciais aplicáveis ao Novo Banco, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito.

19ª - Justifica ainda intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, a interpretação inovadora da Medida de Resolução do Banco de Portugal que resulta do Acórdão recorrido, para evitar dissonâncias interpretativas que ponham em causa a boa aplicação do Direito.

20ª - Se o Supremo Tribunal de Justiça não intervier, a forma como o Tribunal da Relação de Lisboa interpretou e aplicou as normas e os institutos jurídicos a que recorreu e aos quais subsumiu os factos que apreciou, e com base nos quais decidiu, descredibilizará directa e necessariamente as instituições ou a aplicação do direito em termos tais, que interferirão com a tranquilidade, a segurança, ou a paz social, porque em Portugal existem muitas sociedades dominantes e dominadas e muitos devedores e credores nelas envolvidos, com os inerentes direitos e deveres legais e legítimas expectativas de protecção directa e automaticamente decorrentes das normas do CSC em causa.

21ª - Mesmo que se entendesse que o Tribunal da Relação de Lisboa, poderia não aplicar directa e automaticamente ao Novo Banco as normas do CSC, e, a priori e em substituição do Banco de Portugal, e sem violar o Princípio da Separação de Poderes, pré-supor que o Banco de Portugal consideraria, se acaso alguma vez o viesse a fazer, que as prerrogativas especiais constituídas em 2014 a favor do Novo Banco quando foi criado, eram extensíveis a outras sociedade do GBES – o que não sucedeu, nem mesmo estando os presentes autos pendentes desde 2016 contra o Novo Banco –, e, nesse pré-suposto (futuro, eventual e incerto e, de resto, inexistente), desresponsabilizar o Novo Banco de responder por obrigações do BESOR, ainda assim o acórdão recorrido estaria, na prática, a criar, como criou, uma nova Medida de Resolução, ad hoc, a favor do Novo Banco, especifica para a situação dos presentes autos, que o Banco de Portugal manifestamente não quis, pois não pretendeu criar uma medida de resolução para o GBES, enquanto “Grupo Transfronteiriço”.

22ª - Justifica ainda intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, o facto de a situação dos presentes autos ser de tal modo específica, que não existe, pelo menos não se encontra jurisprudência com a qual o acórdão recorrido possa estar de acordo ou em contradição.

 23ª - Salvo quanto ao âmbito e à extensão dos artºs 501º e 491º do CSC, em que o acórdão recorrido viola directa e frontalmente o acórdão do STJ de 31/5/2005, proferido no Procº nº 05ª1413, pelo que também por este facto se justifica ainda intervenção do Supremo Tribunal de Justiça.

24ª - O recorrente, visa defender direitos privados que, na sua óptica, são relevantes para efeitos de segurança jurídica.

25ª - É pacífico que os direitos e deveres das sociedades dominantes decorrem das normas do CSC, para o bem e para o mal (CAPITULO I do TITULO VI do Código das Sociedades Comerciais).

26ª - Os direitos cuja tutela foi pedida nos presentes autos têm o seu fundamento em normas de direito substantivo (CSC) e decorrem da responsabilidade da entidade recorrida, que lhe foram negados em violação das normas dessa natureza, pelo que não podem manter-se na ordem jurídica.          

27ª - O            recorrente tem direito a ser indemnizado pelo Novo Banco, independentemente de qualquer razão subjacente, em virtude de o Novo Banco responder incondicionalmente por actos da sociedade dominada, resolvendo este, como bem entender, as questões internas que daí advenham com a sociedade-filha.

28ª - À data da instauração dos presentes autos, o Novo Banco, enquanto sociedade mãe, tinha o controlo total do BESOR e beneficiou ou pôde beneficiar dos activos do BESOR, designadamente diminuindo-os a seu favor, e é também normal que responda pelos inerentes passivos.

29ª - Direito esse que advém da circunstância de, revestindo tal crédito a natureza de passivo do BESOR, sendo o Novo Banco titular de 100% do capital social, e estabelecendo a lei – CSC – que as sociedades mães são responsáveis por dívidas das sociedades filhas, não há como não responsabilizar o Novo Banco por obrigações da sociedade dominada.

30ª - Para além de parte legítima nos presentes autos, o Novo Banco é responsável pela indemnização peticionada pelo recorrente por factos praticados pela sociedade filha antes da constituição da relação de domínio, pelo que deve ser condenado a pagar ao recorrente a indemnização peticionada.

31ª - O acórdão recorrido aponta para uma apreciação imotivável e incontrolável, e, portanto, arbitrária, da prova produzida e das normas envolvidas.

32ª - Os vícios identificados constituem causas previstas da lei, para que seja declarada a sua nulidade ou, a sua revogabilidade.

Normas violadas

O acórdão recorrido violou, entre outras, as seguintes disposições legais:

Código das Sociedade Comerciais: artºs 501º e 491º. Código Civil: artºs 9º a 11º.


Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso e, consequentemente, ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e dado provimento ao pedido formulado pelo recorrente.


Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto

Mostram-se provados os seguintes factos:

1º - O autor é titular de obrigações: Dólares – USD 400.000,00, 3,10% Espírito Santo INTL, 13/19.09.2014 MOIS USD (288472) – alterado pela Relação a fls 311.

2º - O autor iniciou a sua relação com o BESOR, desde 2007, em Macau.

3º - O autor tinha cerca de 1.000.000,00 USD depositados no BESOR.

4º - Em Abril de 2008 foi sugerido ao autor, pelo gestor de conta na agência do Besor, em Macau, que o seu dinheiro teria mais rentabilidade se o transferisse para o Banque Priveé Espirito Santo, na Suíça - alterado pela Relação a fls 312.

5º - E que o Banco Privée era um banco seguro do grupo BES.

6º - Que lhe podia assegurar nos depósitos a prazo uma rentabilidade que rondaria os 5% ou seja, superior aos cerca de 3% que, na época, eram pagos pelo BESOR.

7º - Face a estas indicações, o autor anuiu em que fosse transferida da sua conta no BESOR para o Banque Privée a totalidade da quantia que tinha depositado no BESOR, ou seja, USD 1.000.000,00 no dia 16-04-2008.

8º - A conta do autor no BESOR viria a ser creditada em vários momentos 08.01.2009; 19.06.2009; 11.02.2010; 21.03.2012; 26.09.2012 e 25.10.2013 pelos valores dos respectivos juros.

9º - Em Agosto de 2014, o autor tomou conhecimento de que parte do seu dinheiro, 400.000,00 USD estava investido em obrigações Espírito Santo INTL 13/19.09.2014 - alterado pela Relação a fls 312.

10º - O autor tem a quarta classe, elevada iliteracia financeira e perfil de investidor não qualificado, factos então do conhecimento do BESOR na pessoa do funcionário deste Banco e gestor de conta do autor - alterado pela Relação a fls 312.

11º - O autor recebeu no seu domicílio extracto e avisos de lançamento da sua conta (extractos de fls. 37 a 41 e fls. 68)

12º - No extracto referido em 9º, resulta uma autonomização conta corrente e obrigações.

13º - Por deliberação do Banco de Portugal, datada de 3 de Agosto de 2014, foi aplicada uma medida de resolução ao BES e constituído o réu como banco de transição.

14º - Desde 31.12.2014 que o capital social do BESOR era detido pelo Novo Banco, SA [que então detinha 99,75% das acções], passando, a partir de 31.12.2015, a deter 100% daquelas acções [situação que se manteve até 22 de Maio de 2017 passando, desde então, a deter 25% por ter vendido 75% do capital social do Novo Banco Ásia, SA, a um grupo de investidores liderados pela Well Link Group Holdings Limited] – Facto aditado pela Relação a fls 314.


B) Fundamentação de direito


As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil são as seguintes:

- A dupla conforme;

- A violação dos deveres de informação;


A DUPLA CONFORME


Alega o recorrente que não existe dupla conforme, tendo, por isso, o direito de interpor o presente recurso de revista.

Em síntese, referiu que a fundamentação do acórdão da Relação é essencialmente diferente da decisão proferida na 1.ª instância, ou seja, apesar de a Relação concluir pela confirmação da decisão da 1ª instância, o âmago fundamental do respectivo enquadramento jurídico é diverso do assumido e plasmado pela 1ª instância.


Cumpre decidir


Apesar da Relação ter confirmado, sem voto de vencido, a decisão de 1.ª instância, compulsado o teor das duas decisões, podemos concluir que a fundamentação das duas decisões é essencialmente diferente.


Dispõe o n.º 3 do art. 671.º do CPC que, “sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte”.


Tem sido entendido de forma reiterada pelo STJ que a “fundamentação essencialmente diferente” a que se reporta o n.º 3 do art. 671.º do CPC “não se basta com uma qualquer dissemelhança entre uma e outra das fundamentações em confronto, antes se exigindo que essa diferença seja essencial, o que não é o caso se a Relação aplicou as mesmas regras jurídicas em que assentou a decisão emitida na sentença” [1]


A 1.ª instância, apesar de considerar que o réu Novo Banco SA detém 100% do BESOR, actual Novo Banco Ásia, entendeu que a responsabilidade deste último, enquanto banqueiro e/ou intermediário financeiro, não se transmitiu para o Novo Banco, como decorre da subalínea (vii) da alínea b) do Anexo 2 à Medida de Resolução do BES, na versão consolidada de deliberação de 11/08/2014, motivo pelo qual decidiu julgar improcedente a acção logo no saneador.


Não se problematizou nessa sentença a questão de saber se a medida de Resolução do Banco de Portugal abrangia ou não o BESOR, dando-se por adquirida a resposta afirmativa.


No acórdão recorrido, conclui-se que “o Banco de Portugal não aplicou, nem podia aplicar, qualquer medida de Resolução ao BESOR.” Porém, entendeu-se que “o BESOR constitui uma entidade jurídica distinta e autónoma do BES, certo é também que o é em relação ao Novo Banco, SA, uma vez que uma realidade é o ser-se detentor do capital social de uma sociedade e outra, bem distinta, é o apuramento da responsabilidade pelos actos praticados pela sociedade BESOR em si, no caso, praticados através dos seus funcionários bancários, num momento temporal em que o BESOR fazia parte do universo do Grupo Espírito Santo e não estava ainda criado o Novo Banco, SA.”.  

Sobre a aplicação ao caso do disposto no art. 501.º do CSC, por via do art. 491.º do mesmo código (discutindo-se ainda a questão da limitação de âmbito espacial prevista no n.º 2 do art. 481.º), no acórdão recorrido escreveu-se que “à data dos factos com base nos quais se pede a condenação do Réu/Apelado, este não estava sequer constituído e, como tal, não faz sentido a pretendida aplicação das disposições constantes no artigo 481.º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais (CSC) ao caso aqui em apreciação, na interpretação ali sufragada”.


Nesta matéria, para fundamentar a não responsabilização do réu Novo Banco, à luz do regime legal societário, remete-se para a decisão de 1ª instância na parte em que na mesma se conheceu da alegada ilegitimidade processual do réu.


Ora, nessa parte, na sentença de 1.ª instância, concluiu-se que o disposto no título VI da CSC se aplica também às situações em que basta uma das sociedades coligadas ter sede em Portugal, pelo que o Novo Banco SA poderia ser responsabilizado ao abrigo desse regime.


A 1.ª instância, em sede de apreciação do mérito da acção, veio a julgar improcedente a acção por considerar que essa responsabilidade não se transmitiu para o réu em resultado da referida medida de resolução proferida pelo Banco de Portugal.


Por conseguinte, o acórdão recorrido afastou a aplicação do regime previsto no CSC, pelo que, sendo o BESOR e o réu entidades jurídicas distintas, se julgou improcedente a acção, o que acaba por constituir uma fundamentação essencialmente diversa da que foi adoptada na sentença de 1ª instância, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do art. 671.º do CPC, o que torna admissível a revista.


A VIOLAÇÃO DOS DEVERES DE INFORMAÇÃO


O princípio dispositivo que o CPC de 2013 conservou como uma das matrizes do processo civil, impõe que se respeite a definição do litígio feita pelas partes.


Entramos, assim, na questão nuclear destes autos que foi trazida várias vezes pelo autor e no acórdão da Relação e que respeita à natureza da causa de pedir de que emerge o pedido formulado.


A nossa lei consagra a teoria da substanciação, segundo a qual o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir – artigo 581º nº 4 do CPC.


Quer a doutrina, quer a jurisprudência têm considerado, dominantemente, que a causa de pedir é o facto jurídico de que emerge o direito do autor e fundamenta, portanto, a sua pretensão e traduzindo-se num facto concreto tem de ser invocada na petição ( artº 552º nº 1 alª d), e que pode ser alterada ou ampliada nos termos do nº1 do artigo 265º do Código de Processo Civil, sem o que não pode ser apreciada na sentença.

É sabido que a causa de pedir é caracterizada pela sua especificidade e adequação. Quer dizer que a causa de pedir tem de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas; não podendo apresentar-se como manifestamente irrelevante ou contraditória com o pedido.


Na petição inicial, o autor configurou a causa de pedir referindo-a a uma conduta tomada pelo BESOR (BES Oriente), afirmando que “ se não fosse a actuação do BESOR, actualmente Novo Banco Ásia, enquanto intermediário financeiro, não se verificaria a existência dos referidos prejuízos para o autor”.


Esta afirmação, retirada do artigo 11º da resposta à contestação torna-se mais esclarecida no subsequente artigo 12º, onde se afirma que: “a presente acção não visa a responsabilização do Banque Privée Espírito Santo, SA, mas sim reclamar do Novo Banco, SA, a indemnização correspondente aos danos causados ao autor pela violação dos direitos de informação por parte do BESOR (BES Oriente), actualmente  Novo Banco Ásia, SA”.

E no artigo 13º remata com a seguinte expressão: “É aí que reside a causa de pedir do autor (…)”.

Nas alegações produzidas na sequência do convite formulado no despacho de 22.03.2019 (fls 202), o autor afirmou (fls 204º vº) que “ a causa de pedir dos presentes autos não se confunde com a indevida e não consentida aplicação do dinheiro do autor em obrigações da ESI, pelo BPES. A causa de pedir dos presentes autos é, sim, a violação grave dos deveres de informação do BESOR, enquanto intermediário financeiro. Pelo que, o que se intenta é a responsabilização do Novo Banco, SA pela actuação do BESOR”.

A sentença da primeira instância considerou que “a causa de pedir invocada pelo autor alicerça-se na alegada falta de autorização do banco para investir, em 2008, o dinheiro do autor em produtos financeiros de risco, quando a informação dada pelo banco é que seriam depósitos a prazo, não tendo o BESOR informado o autor de tais investimentos e dos riscos que dai advinham, decorrendo para este a alegada responsabilidade inerente pelo exercício da sua actividade de intermediário financeiro”.

No recurso de apelação, consta expressamente dos Pontos 30 e 31 das conclusões das alegações apresentadas pelo aqui autor/Apelante, que:

A causa de pedir dos presentes autos é a violação grave dos deveres de informação, praticada pelo BESOR na sua relação com o cliente, ora recorrente.

E o réu Novo Banco S.A. está a ser demandado nos presentes autos não enquanto “sucessor” do antigo “BES”, mas enquanto dono do “BESOR”, actualmente denominado Novo Banco Ásia”.

O acórdão da Relação foi mais explicito sobre o tema, afirmando que “ Assim sendo, a realidade relativa a qual das entidades bancárias procedeu ao investimento nas obrigações mencionadas nos autos e as consequências daí decorrentes não reveste qualquer interesse para a decisão a proferir nestes autos, uma vez que o que importa analisar é a actuação do empregado bancário do BESOR que terá, ou não, determinado a transferência dos depósitos bancários daquela instituição para o  Banque Privée Espírito Santo (BPES), conforme é sustentando pelo próprio autor/apelante, matéria que pode configurar a violação grave dos deveres de informação praticados pelo BESOR em relação aos seus clientes, neste caso concreto, em relação ao aqui autor/apelante.

Sendo incontornável que é o próprio autor que reporta a existência dos factos que sustentam a causa de pedir a Abril de 2008, esta será a data que irá balizar toda a matéria a analisar, enquanto fundamento da causa de pedir por si alegada e fundamento da presente ação.

Delimitando o âmbito de conhecimento deste recurso temos, assim, que todos os factos que foram, posteriormente a esta data, praticados pelo Banque Privée Espírito Santo, SA (BPES), ligados à aplicação do capital de depósito bancário do A., em obrigações, e que poderão ter determinado, ou não, prejuízos ao mesmo, não estão em apreciação no presente recurso” – Fls 315.



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Entremos agora no tema acima enunciado: saber se houve violação dos deveres de informação do BESOR, enquanto intermediário financeiro.

O circunstancialismo legal que existia na data em que se operou a transferência (16.04.2008) é o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, na redacção do DL n.º 1/2008, de 03 de Janeiro.

Assim, interessa decidir se o BESOR (agência de Macau) violou, quanto ao autor, deveres que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro para tanto autorizado, aquando da transferência para o Banque Privée Espírito Santo, na Suíça, da quantia que o autor tinha depositado no BESOR, no montante de USD 1.000.000,00. O autor deu a sua anuência em que fosse efectuada tal transferência – Factos provados sob os nºs 4º, 5º, 6º e 7º.

Consequentemente, há que averiguar também, se o BESOR é responsável pelo pagamento da indemnização peticionada.

No enquadramento da situação não deve deixar de ser ponderada a relação bancária que, à data da propositura da acção (09.01.2017), perdurava desde Julho de 2007 entre o BESOR e o autor, com a consequente consolidação da base de confiança entre eles estabelecida.

Os Bancos são instituições de crédito que podem efectuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente actividades de intermediação financeira - cf. artigos 3º alª a) e 4° n° 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL n° 298/92, de 31 de Dezembro (RGICSF), na redacção em vigor à data dos factos e artigo 293° n° 1 alª a) do Código de Valores Mobiliários, na redacção DL n° 357-A/2007, de 31 de Outubro (Declaração de Rectificação de n° 117-A/2007, de 28 de Dezembro).

Nas relações com os autores, o BESOR, como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta fixadas no RGICSF, designadamente as constantes dos artigos 73°, 74° e 77°, na redacção então em vigor.

Assim:

Artigo 73.º (Competência técnica)

As instituições de crédito devem assegurar, em todas as actividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência.

Artigo 74.º (Outros deveres de conduta)

Os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.

Artigo 77.º (Dever de informação)

1 - As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.

2 - O Banco de Portugal regulamenta, por aviso, os requisitos mínimos que as instituições de crédito devem satisfazer na divulgação ao público das condições em que prestam os seus serviços.


O intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida. Fala-se, sob esta perspectiva, de uma “transparência informativa"[2].

Gonçalo André Castilho dos Santos[3] sustenta que: "são precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (...) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhida e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele".


António Pedro Azevedo Ferreira[4] refere que o dever geral de informar que impende sobre o banco é "forçosamente enquadrado pelo âmbito da relação negocial estabelecida entre o banco e o seu cliente, não incidindo sobre o banco relativamente a matérias que não tenham a ver, directa ou indirectamente, com tal relação. Isto é, o banco não está obrigado a tomar a iniciativa de informar o seu cliente sobre matérias que não tenham a ver com o âmbito do contrato bancário geral desenhado entre as partes, nomeadamente o banco não está obrigado a informar o cliente sobre eventuais oportunidades de negócio. Se, no entanto, o banco prestar tal tipo de informações, "motu próprio", fica naturalmente obrigado a agir com a correcção, a veracidade e a prudência que lhe são exigíveis por força da sua condição específica de profissional habilitado para o exercício da actividade, por força da confiança que tal facto inspira no cliente e por força de tal comportamento ser adoptado no âmbito de uma relação negocial de natureza vasta, complexa e diversificada.

(...). Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares: Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correcta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respectiva actuação, no âmbito daquela relação, pelos vectores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes".


Citando Menezes Cordeiro[5], " o Direito dos actos bancários é, fundamentalmente, um direito contratual: ele submete-se ao Direito das Obrigações, com os desvios ditados pela natureza comercial dos actos em causa e, ainda, com as especificidades propriamente bancárias, que tenham aplicação. Ao lado do Direito dos actos bancários, encontramos outras áreas normativas relevantes, (...) o que se poderá chamar de vinculações extra negociais, que incluem os deveres de informação e de lealdade pré contratuais e pós-eficazes (...) matéria que traduz o prolongamento dogmático dos deveres acessórios e pode ser considerada do tipo contratual".


Relativamente ao desenho do âmbito funcional do dever de informação, refere o acórdão do STJ de 11.10.2018[6], que:

O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.

Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação[7].

Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto - o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento[8].

Por outro lado, como adverte Paulo Câmara, "com a cominação de uma malha apertada de deveres ligados à informação não se anula o risco do investimento (...). Assim, são, à partida, lícitas as decisões irracionais do ponto de vista económico, ainda que potenciando prejuízos. (...)"[9].


 Também o acórdão do STJ de 30.04.2019[10] se pronunciou sobre o tema do seguinte modo:

“O dever de informação que recai sobre o intermediário, e que se destina, do ponto de vista do investidor, a permitir uma decisão de investimento consciente e, do ponto de vista do mercado e por isso mesmo, a contribuir para o seu correcto e eficiente funcionamento (cfr. nº 1 do artigo 304º do Código dos Valores Mobiliários, que impõe aos intermediários financeiros que orientem “a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”), é de intensidade inversamente proporcional aos conhecimentos específicos detidos pelo investidor, isto é, relativos ao produto em causa (…).

Procura-se, assim, esbater o desequilíbrio de conhecimentos entre esse investidor não qualificado e a contraparte no contrato de intermediação; no caso, entre os autores e o Banco. O que naturalmente não significa que os investidores não devam usar de um grau de diligência, pelo menos, mediano, na obtenção dos elementos necessários à plena compreensão do produto que subscrevem; diligência essa que há-de ser avaliada em conjunto com a confiança que efectivamente depositem (ou não) no Banco a que recorrem e nos respectivos funcionários, a quem incumbirá avaliar (categorizar) o concreto cliente e a necessidade de informação a prestar-lhe, tendo também em conta a complexidade ou o risco do produto concreto. O dever de informação “não visa (…) conformar a actuação do investidor”, como observa Gonçalo Castilho dos Santos, “A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente”, Coimbra, 2008, pág. 116, “mas apenas disponibilizar-lhe a informação relevante” para a sua decisão.

Quer a jurisprudência, quer a doutrina salientam, do lado da instituição financeira, o dever de avaliar as características do investidor e de dosear proporcionalmente o grau de informação a prestar, sobre o concreto produto em negociação e, do lado do investidor, a exigência de diligenciar no sentido de obter as informações necessárias a uma tomada de decisão devidamente esclarecida (…); embora o sistema, assente no objectivo de protecção do investidor e, por essa via, do mercado, seja antes de mais exigente com a imposição ao intermediário financeiro da obrigação de informação do investidor, mesmo que o investidor não tome a iniciativa de se informar”.

Voltando à questão de fundo, tendo em conta o núcleo essencial da matéria de facto.

Provou-se que:

1º - O autor é titular de obrigações: Dólares – USD 400.000,00, 3,10% Espírito Santo INTL, 13/19.09.2014 MOIS USD (288472).   

2º - O autor iniciou a sua relação com o BESOR, desde 2007, em Macau.

3º - O autor tinha cerca de 1.000.000,00 USD depositados no BESOR.

4º - Em Abril de 2008 foi sugerido ao autor, pelo gestor de conta na agência do Besor, em Macau, que o seu dinheiro teria mais rentabilidade se o transferisse para o Banque Priveé Espirito Santo, na Suíça.

5º - E que o Banco Privée era um banco seguro do grupo BES.

6º - Que lhe podia assegurar nos depósitos a prazo uma rentabilidade que rondaria os 5% ou seja, superior aos cerca de 3% que, na época, eram pagos pelo BESOR.

7º - Face a estas indicações, o autor anuiu em que fosse transferida da sua conta no BESOR para o Banque Privée a totalidade da quantia que tinha depositado no BESOR, ou seja, USD 1.000.000,00 no dia 16-04-2008.


Daqui decorre que o autor, em 16.04.2008, permitiu que fosse efectuada a mencionada transferência bancária.

O BESOR, enquanto intermediário financeiro, será civilmente responsável para com os danos sofridos pelo autor?


No âmbito da actividade bancária, a responsabilidade civil é realçada por diversos autores, como corolário do exercício das funções e actividade desempenhadas pelas entidades bancárias, associadas à necessidade de garantir a protecção dos interesses dos seus clientes e zelar pela boa-fé de todos aqueles que estabelecem relações económico-financeiras com recurso à actividade bancária.

Explicitando esta matéria, Almeno de Sá refere que:

O Banco, “em razão da sua profissionalidade e competência específica” … tem uma “obrigação de acautelamento dos interesses do cliente, no que respeita a todos os assuntos de carácter bancário-financeiro. Esta obrigação implica, não uma pura atitude passiva, mas antes uma actividade continuada de promoção e vigilância dos interesses do cliente, no particular domínio considerado” …

“Desta compreensão contratualista resulta que também a relação de confiança inerente a toda a vinculação bancária é colocada num plano contratual, e não meramente legal, com todas as implicações dogmático-práticas que daí necessariamente resultam”.

Conclui aquele autor que:

“Essenciais na relação Banco-cliente são procedimentos de confiança e de confidencialidade, sobretudo aquele (…) sendo de exigir ao Banco uma actuação de promoção e vigilância em ordem a preservar os interesses do seu cliente. Essa relação de confiança implica que o cliente sinta que o Banco depositário do seu dinheiro acautela os seus interesses, sendo diligente nos pagamentos à custa da conta do depositante” [11].

Os artigos 798º, 562º e 563º do Código Civil estabelecem os pressupostos da responsabilidade civil contratual ou obrigacional: (i) - o incumprimento do contrato; (ii) - por acto imputável ao devedor (culpa); (iii)             - do qual resultam danos; (iv) - havendo o nexo de causalidade entre o incumprimento e os danos.

Outro dos pressupostos da obrigação de indemnizar é a culpa do devedor no incumprimento (artº 798º CC).

No âmbito contratual, como impõe o artº 799º nº 1 do Código Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.

Há uma presunção legal “juris tantum” de culpa do devedor no incumprimento obrigacional. Consequentemente, incumbe ao devedor alegar e provar que o incumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.

Ao credor basta provar a celebração do contrato, o objecto do mesmo e o incumprimento da obrigação.

Incumbe ao lesado a prova do carácter ilícito da violação dos deveres relativos à actividade de intermediação financeira, ou seja, que o intermediário não usou da diligência que deveria ter usado, presumindo-se a culpa do intermediário financeiro, se o dano for causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais, ou, em qualquer caso, quando seja causado pela violação de deveres de informação.


Respondendo à pergunta anterior, tendo em atenção o núcleo essencial dos factos, podemos concluir que o BESOR, mediante a permissão do autor, assumiu um dever geral de conduta englobado na prevenção do risco em favor do cliente, maxime, o dever de proceder à permitida transferência bancária e de verificar que esta era vantajosa para o autor.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, há que relembrar o núcleo essencial da matéria de facto para que possamos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte BESOR, enquanto intermediário financeiro. Impõe-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efectivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Posto isto, há que reconhecer desde já, que, no caso sub judice, a matéria de facto provada não permite imputar ao BESOR qualquer violação dos deveres que sobre si impendiam, mormente deveres de informação, ou que não tenha observado os ditames impostos pela boa-fé, de acordo com os padrões de diligência, lealdade e transparência exigíveis.

A transferência da quantia referida em 7º foi feita com a anuência do próprio autor, que visou obter uma rentabilidade superior à que lhe era oferecida pelo BESOR (5% em vez dos 3%) – Facto provado sob o nº 6º.

Daqui decorre, com toda a evidência, que nenhuma responsabilidade se lhe poderá apontar, sendo os factos claramente insuficientes para configurar uma violação do dever de informação a que o BESOR estava obrigado em 16.04.2008, enquanto intermediário financeiro e instituição bancária.

Mas será o réu, Novo Banco, SA, responsável perante o autor, conforme este alega, na medida em que o BESOR violou, inequivocamente, os deveres de informação a que estava adstrito enquanto intermediário financeiro?

Ou seja, encontrando-se o BESOR (actualmente Novo Banco Ásia, SA, com sede em Macau) numa relação de grupo por domínio total com o réu, é este responsável, nos termos do artº 501º do CSC, aplicável por via do artº 491º do mesmo Código, pelas obrigações da sociedade subordinada enquanto intermediário financeiro?

Está provado que:

- Desde 31.12.2014 que o capital social do BESOR era detido pelo Novo Banco, SA [que então detinha 99,75% das acções], passando, a partir de 31.12.2015, a deter 100% daquelas acções [situação que se manteve até 22 de Maio de 2017 passando, desde então, a deter 25% por ter vendido 75% do capital social do Novo Banco Ásia, SA, a um grupo de investidores liderados pela Well Link Group Holdings Limited] – Facto nº 14º aditado pela Relação a fls 314.

Tal facto não pode determinar automaticamente a responsabilidade do réu Novo Banco, SA, pelo comportamento do BESOR que, aliás, consideramos lícito (não violou o direito de informação).

Consta dos autos que o Novo Banco foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03 de Agosto de 2014 – doc fls 97 a 100.

No Anexo 2 - (b) (vii) - à referida deliberação consta que não são transferidas para o Novo Banco “quaisquer responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo” - fls 107 e vº.

No texto consolidado de 11 de Agosto de 2014, aquela alínea (b) (vii) passou a ter a seguinte redacção:

quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas” - fls 115 a 117.

Por outro lado, a clarificação dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 29 de Dezembro de 2015 à alª b) do nº 1 do Anexo 2 da Deliberação de 03 de Agosto de 2014, estipula que não foram transferidos quaisquer passivos ou elementos extrapatrimoniais do BES que fossem contingentes ou desconhecidos à data de 03.08.2014, independentemente da sua natureza e de se encontrarem ou não registados na contabilidade do BES – fls 120 a 122.

À data da constituição do Novo Banco, SA, (03.08.2014) já o autor havia transferido o montante referido em 7º dos factos provados para o Banque Privée Espírito Santo, SA, o que ocorreu em 16.04.2008.

Por conseguinte, o réu Novo Banco é alheio a toda a factualidade alegada na petição inicial e provada sob os nºs 1º a 7º dos factos provados, nomeadamente no seu nº 7, na medida em que os mesmos não respeitam a qualquer facto ou circunstância que o Novo Banco haja actuado.

Por outro lado, seguramente que a formalização da transferência para o Banque Privée Espírito Santo, SA foi efectuada de acordo com as práticas então em vigor respeitantes ao normal exercício da actividade bancária.

Ora, como já deixámos dito, a conduta do BESOR não pode considerar-se ilícita. Consequentemente, nenhuma responsabilidade terá o réu Novo Banco, em conformidade com o disposto no nº 1 do artigo 501º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do artigo 491º do mesmo Código.

Ora, o mencionado artigo 501º, sob a epígrafe (Responsabilidade para com os credores da sociedade subordinada), preceitua no seu nº 1 o seguinte:

“A sociedade directora é responsável pelas obrigações da sociedade subordinada, constituídas antes ou depois da celebração do contrato de subordinação, até ao termo deste”.

Como já referimos, não havendo ilicitude no comportamento do BESOR, por violação do direito à informação, a conclusão só poderá ser a de que o réu, Novo Banco, não pode ser responsável por uma obrigação que não existe. Além disso, à data dos factos, o Novo Banco não era sequer uma sociedade dominante nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 488º do CSC, porque não tinha ainda sido constituído, o que só veio a ocorrer em 03.08.2014.

Assim, o autor não é credor do réu Novo Banco, mas do sobredito Banque Privée Espírito Santo, SA.

Diremos ainda para finalizar que, todos os factos que foram, posteriormente a 16 de Abril de 2008, praticados pelo Banque Privée Espírito Santo, SA (BPES), ligados à aplicação do capital de depósito bancário do autor, em obrigações, e que poderão ter determinado, ou não, prejuízos ao mesmo, não estão em apreciação na presente revista.


SUMÁRIO

(i) - O artigo 77º (Dever de informação) do RGICSF, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31 de Dezembro, preceitua no seu nº 1, que as  instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes.

(ii) - O intermediário financeiro deve informar espontânea e detalhadamente o cliente sobre todas as características de cada instrumento financeiro cuja negociação seja equacionada, com vista a proporcionar uma decisão de investimento informada e esclarecida. Fala-se, sob esta perspectiva, de uma “transparência informativa".

(iii) – O dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa – em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento.

(iv) – A circunstância de em Abril de 2008 ter sido sugerido ao autor, pelo gestor de conta na agência do BESOR, em Macau, que o seu dinheiro teria mais rentabilidade se o transferisse para o Banque Priveé Espírito Santo, na Suíça, que era um banco seguro do grupo BES, que lhe podia assegurar nos depósitos a prazo uma rentabilidade que rondaria os 5% ou seja, superior aos cerca de 3% que, na época, eram pagos pelo BESOR e ainda que, face a estas indicações, o autor anuiu em que fosse transferida da sua conta no BESOR para o Banque Privée a totalidade da quantia que tinha depositado no BESOR, ou seja, USD 1.000.000,00 no dia 16-04-2008, é claramente insuficiente para configurar uma violação do dever de informação.

(v) – Este quantum de informação que o BESOR estava obrigado a prestar ao autor, no quadro da relação jurídica que o ligava aos seus clientes, inclui todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada.

(vi) – O BESOR, mediante a permissão do autor, assumiu um dever geral de conduta englobado na prevenção do risco em favor do cliente, maxime, o dever de proceder à permitida transferência bancária e de verificar que esta era vantajosa para o autor.


III – DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 10 de Setembro de 2020


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)


Nuno Manuel Pinto Oliveira


Ferreira Lopes


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[1] Acórdão do STJ de 17-10-2019, Procº n.º 7223/12.8TBSXL-A.L1.S1 in www.dgsi.pt/jstj
[2] Sofia Nascimento Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Investimentos Mobiliários, Almedina, Fevereiro, 2001, pág. 37 e ss.
[3] A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 135.
[4] A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.
[5] Direito Bancário, in Suplemento da Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 1997, pág 24.
[6] Procº nº 2339/16.4T8LRA.C2.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[7] Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro perante o Cliente, Estudos sobre o Mercado de Valores Mobiliários, Coimbra, 2008, págs. 85-86.
[8] Cf., a propósito, Felipe Canabarro Teixeira, Os deveres de informação dos intermediários em relação aos seus clientes e a sua responsabilidade civil, em Caderno de Mercado dos Valores Mobiliários, n" 31, de Dezembro de 2008, págs. 74 e segs.
[9] Manual dos Direitos dos Valores Mobiliários, Almedina, 2ª edição, pág. 684.
[10] Procº nº 2632/16. 6T8LRA.L1.S1, in www.dgsi.pt/jstj
[11] Direito Bancário”, págs. 19 e segts.