Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
25635/15.3T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CERTIFICADOS DE AFORRO
SUCESSÃO POR MORTE
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO
TITULARIDADE
HERDEIRO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
CABEÇA DE CASAL
DEVER DE DILIGÊNCIA
Data do Acordão: 01/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E REPERCUSSÃO DO NEGOCIO JURÍDICO / PRESCRIÇÃO / INICIO DO CURSO DA PRESCRIÇÃO.
Doutrina:
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2012, p.327 e 331.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 306.º, N.º 1.
DL N.º 122/2003, DE 04-05: - ARTIGO 7.º, N.º 1.
CÓDIGO DE IMPOSTO DE SELO: - ARTIGOS 26.º E 28.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-05-2005, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A prescrição assenta no desvalor da inércia do titular de um direito no seu exercício e implica a afetação da sua eficácia; porém, o curso do prazo de prescrição apenas se pode iniciar quando o titular do direito esteja em condições de o exercer.

II - O prazo de 10 anos a que aludia o n.º 1 do art. 7.º do DL n.º 122/2003, de 04-05, inicia o seu decurso no momento em que o herdeiro teve conhecimento do decesso do titular dos certificados de aforro e da existência destes, porquanto só então aquele está em condições de exercer o direito ali previsto.

III - Demonstrando-se que a recorrida apenas teve conhecimento de que a sua falecida mãe era titular de certificados de aforro em 01-05-2015 e que, em 11-06-2015, requereu ao recorrente o seu reembolso, é de concluir pela improcedência da exceção perentória da prescrição, tanto mais que inexistia, à data do óbito, o Registo Central de Certificados de Aforro e que, em todo o caso, não impende sobre o cabeça de casal o dever de indagar, junto do IGCP, sobre a titularidade de certificados de aforro.

Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

Acordam na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

1. AA intentou contra a BB uma ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que o Réu fosse condenado a:
- reconhecer o seu direito de propriedade sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3° da petição;
- pagar-lhe o seu valor que a título de capital era de €196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), em 01.09.2015;
- pagar-lhe os juros de mora vencidos desde esta data e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Alega, em síntese, que:

- É a única herdeira dos pais, falecidos respetivamente em ....1997 e em ....2003;

- Somente em 01.05.2015 é que a Autora tomou conhecimento de que a sua mãe era dona e titular dos certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3° da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de €135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos);

- No dia 11.06.2015, a Autora reclamou o reembolso do valor dos certificados junto dos serviços da Ré, que o recusaram com fundamento na prescrição, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.

2. Citada, a Ré veio contestar, por exceção e por impugnação, invocando a exceção perentória da prescrição do direito ao reembolso dos certificados de aforro, que é de dez anos a contar da morte do aforrista, nos termos do artigo 7° do Decreto-Lei n° 172-B/86, de 30/06, na alteração introduzida pelo Decreto-Lei n° 122/2002, de 04/05 e impugnou os factos concretos invocados pela A. (na pi.) tendentes a justificar por que motivo desconhecia, à data do falecimento dos seus pais, a existência dos certificados de aforro de que sua mãe era titular e legítima proprietária, só tendo deles tomado conhecimento em 1.01-2015 e que o IGCP, desde (pelo menos) janeiro de 1997 e até setembro de 2001, enviou para a morada registada no sistema - que era a única de que dispunha - extratos da conta aforro com uma periodicidade semestral e, a partir de setembro de 2001, extratos mensais, o que fez até maio de 2012, data em que tomou conhecimento do óbito da aforrista, não tendo, ao longo dos anos, nenhuma dessas cartas vindo devolvida pelos CTT.

3. A A Autora respondeu (na Audiência prévia realizada em 23.02.2016) à matéria da exceção deduzida pela Ré.

4. Findos os articulados, o processo foi saneado - tendo-se relegado para a sentença a apreciação do mérito da exceção perentória de prescrição arguida pela Ré (por se ter entendido que o estado dos autos não permitia o conhecimento imediato do mérito da causa, designadamente, quanto à apreciação daquela exceção), definiu-se o objeto do litígio e selecionaram-se os factos já considerados assentes (por acordo das partes e por documentos dotados de força probatória plena) e os que - por se mostrarem ainda controvertidos - foram incluídos nos temas de prova.

5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que com o seguinte teor decisório:

«Pelo exposto, julgo a ação totalmente procedente por provada na íntegra e consequentemente condeno o réu a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre os certificados de aforro identificados no artigo 3º da petição e a pagar-lhe o correspondente valor de € 196.810,99 (cento e noventa e seis mil oitocentos e dez euros e noventa e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora vencidos desde 01.09.2015 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Custas a cargo do réu (artº 527º./1/2 do C.P.C.).»

           6. Inconformado, o Réu interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa.

            7. A Relação de Lisboa veio a julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmou integralmente a sentença recorrida.

8. Inconformado com tal decisão, o Réu veio interpor recurso de revista excecional, tendo a Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil admitido o recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. Em face de tudo o que acima se expôs, entende o Recorrente que o entendimento vertido no acórdão do TRL ora recorrido deve ser alterado no sentido da interpretação do acórdão-fundamento desse douto STJ, determinando-se em consonância quer o prazo de prescrição aplicável aos certificados de aforro, nos termos do disposto no artº7º do Decreto – Lei nº172-B/86, de 30 de junho, em conjugação com o disposto no artigo 306º do CC, se inicia com o óbito do aforrista, independentemente de qualquer conhecimento (desconhecimento) dos herdeiros, e só se suspende ou interrompe nos termos definidos no código civil.

2ª. Não obstante, deve, ainda, determinar-se que as normas legais que impõem aos herdeiros a obtenção de conhecimento sobre a existência de certificados de aforro do falecido decorrem dos artigos 26º e 28º do Código de Imposto de Selo e que a prestação de informações pelo IGCP sobre certificados de aforro – que são bens escriturais, nominativos, reembolsáveis e apenas transmissíveis por morte – não se iniciou com a publicação do Decreto – Lei nº47/2008, de 13 de junho e a instituição do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, antes pelo contrário, sempre foi possível desde a criação destes produtos financeiros em 1960.

E conclui que deve ser decretada procedente “a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e, consequentemente, revogar o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ora recorrido”.

9. A Recorrida veio contra-alegar, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões (excluídas as conclusões relacionadas com a admissão do recurso):

1ª. A questão a decidir, pelo TRL, era desde quando é contado o prazo de 10 anos para os herdeiros do titular de certificados de aforro requererem a transmissão da totalidade das unidades que a compõem.

2ª. Analisada a questão, o douto acórdão recorrido conclui que "0 termo inicial do prazo para a extinção de direitos consagrada no nº 2 do artº. 7.º do Decreto- Lei n.º 172-B/86, de 30 de junho dependia do conhecimento do óbito e da existência dos certificados de aforro", considerando ainda que a orientação jurisprudencial adotada pelo douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/11/2005 se mantinha válida.

3ª. No entanto, a Recorrente continua a defender que o prazo de prescrição dos certificados de aforro, no caso de óbito do titular, começa a correr a partir do decesso, independentemente do seu conhecimento pelos herdeiros, contrariando, assim, e mais uma vez, a fundamentação expandida na douta sentença proferida na lª. Instância e confirmada pelo douto acórdão do TRL.

4ª. Tendo em conta que lhe estava vedado o recurso de revista em virtude da "dupla conforme" prevista no art.º 671.º, n.º 3 do CPC, veio a Recorrente alegar que há contradição entre dois acórdãos, o recorrido e o proferido pelo Venerando STJ em 22/09/2016, pois este efetuou uma interpretação contrária na matéria porque determinou que o inicio do prazo de prescrição, conforme decorre do art.º 306.º do Código Civil corre " ... independentemente do conhecimento que disso possa ter o respetivo credor ... ".

5ª. Ora à Recorrente não assiste qualquer razão.

6ª. É letra de lei expressa, que "o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido" (cfr. n.º 1 do artº. 306.º do Código Civil), ou seja, enquanto o titular do direito não tem conhecimento da sua existência, não começa a correr o prazo de prescrição.

7ª. Constituindo a prescrição um facto extintivo do direito, esta está diretamente ligada à inércia do respetivo titular em fazer valer o seu direito, como se de uma sanção se tratasse, pelo não exercício atempado do mesmo; assim, não se pode afirmar que há negligência por parte do titular de um direito em exercê-lo quando ele o não pode fazer valer por causas objetivas.

8ª. Os direitos que o n.º 1 do art.º 7.º do Regime Jurídico dos Certificados de Aforro reconhece, eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro, a qual ocorreu em 19/11/2003; porém, não se pode iniciar contagem do prazo prescricional, nos termos do art.º 306.º do Código Civil, até à descoberta dos certificados de aforro em questão, descoberta esta que só ocorreu por parte da Autora/Recorrida em 01 de maio de 2015, desconhecendo, e conforme já "provado" sem culpa, a sua existência até então.

9ª. Por outro lado, a Recorrente considera que a Recorrida não cumpriu corretamente as obrigações legais de participação e de relacionar os bens por óbito desta, bem como de solicitar ao IGCP a respetiva certidão sobre a existência de certificados de aforro, diligências que lhe competiam enquanto herdeira.

10ª. Para tal considera que além de os herdeiros terem ao seu dispor o registo central, criado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, que aditou ao Decreto-Lei nº122/2002, de 04 de Maio o artº. 9.º A, alega que o herdeiro estava obrigado a participar os bens e a relacionar os mesmos por morte do progenitor, nos termos do disposto no art.º 26.º do Código do Imposto de Selo (CIS); mais, alega que se o herdeiro cumprir esta disposição legal terá de pedir ao IGCP uma certidão que titule a existência de certificados de aforro e, então, tomará conhecimento dos mesmos.

11ª. Também aqui não assiste razão, porque a Recorrida não podia, em dezembro de 2003, data da participação do óbito da sua mãe às finanças, recorrer ao Registo Central de Certificados de Aforro porque este apenas foi criado pelo Decreto-Lei n.º 47/2008, de 13 de março, ou seja, mais de 4 anos depois da morte da aforrista.

12ª. Por outro lado, aquando do óbito da aforrista em 19/11/2003 e consequente participação em 17/12/2003, pela ora Recorrida, às finanças, o Código do Imposto de Selo (criado pelo DL n.º287/2003, de 12 de novembro e entrou em vigor em 01 de janeiro de 2004) não se encontrava em vigor; a legislação aplicável, à data, era o Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações e não o CIS.

13ª. Assim, o art.º 26.º do CIS não estava em vigor, assim como não estava em vigor o modelo oficial de participação referido no n.º 2 do mesmo artigo e que consta da Portaria n.º 895/2004, de 22 de julho, portaria esta, à data, ainda inexistente.

14ª. Sem dúvida que a participação do óbito e apresentação da relação de bens às finanças pelos herdeiros de um de cujus é, e sempre foi, obrigatória e já constava do Código do Imposto Municipal de SISA e do Imposto sobre Sucessões e Doações, mas, tais obrigações foram integralmente cumpridas pela Recorrida no que respeita ao óbito da sua mãe, conforme documentos juntos aos autos em 1.ª Instância.

15ª. Por outro lado, é pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que o prazo de prescrição só começa a correr a partir do momento em que o titular do direito o conhece.

16ª. Recorrendo apenas às mais recentes decisões e tendo em conta os doutos acórdãos proferidos no âmbito de processos em que foi discutido o momento em que os herdeiros podiam efetivamente reclamar o resgate dos certificados de aforro, indicamos, a título de exemplo os seguintes: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Dezembro de 2006, no âmbito do processo com o n.9 8477/2006-8; Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 01 de Outubro de 2015, no âmbito do processo com o nº. 0619/15; Sentença do Tribunal Administrativo Central de Lisboa e Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de Março de 2015, no âmbito do processo com o nº 11913/15;

17ª. Segundo este último acórdão, dúvidas não restam de que “o prazo de prescrição do direito dos herdeiros à transmissão para seu nome dos certificados de aforro é contado a partir da data em estes que tiveram conhecimento da existência dos certificados e não a partir da data do falecimento do titular aforrador.... Razão pela qual só a partir do momento em que o herdeiro tome conhecimento da existência de certificados de aforro subscritos pelo autor da herança é que se inicia a contagem do prazo que a lei estabelece para que possa exigir a sua transmissão para seu nome".

18ª. Mais recentemente, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Setembro de 2017, no âmbito do processo com o n.º 16519/15, que estabeleceu que enquanto os herdeiros não tenham conhecimento dos investimentos financeiros da pessoa falecida, o prazo de prescrição não se pode iniciar.

19ª. Assim, dúvidas não restam de que a jurisprudência recente "confirma" a decisão do douto acórdão recorrido, sendo certo que o douto acórdão-fundamento não está em desacordo com a interpretação dada ao art.s 306.º do Código Civil uma vez que não existem aspetos de identidade com o acórdão recorrido, pois não existe a "exigível" identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação.

20ª. Além de não existir a "exigível" identidade de situação de facto subjacente a essa aplicação, a Recorrente nem se quer a alega concretamente (cfr. pontos XXIV e XXIV e ponto XXVIII das alegações de recurso).

21ª. Em momento algum das suas alegações, a Recorrente alega o objeto do litígio e a questão concreta a resolver e que está subjacente a cada um dos acórdãos que afirma estarem em contradição e cuja alegação é o objeto do presente recurso de revista excecional.

22ª. Assim, a Recorrente não cumpriu o ónus que lhe é imposto pela alínea c) do n.º 2 do art.º 672.º do CPC., tendo omitido a completa e relevante referência aos quadros factuais dos dois acórdãos em que existem qualificações jurídicas alegadamente inconciliáveis.

23ª. A verdade é que a base factual que deu origem à decisão do acórdão-fundamento não tem qualquer relação com certificados de aforro, nos termos do disposto no art.º 7.º do DL n.º 172-B/86, de 30 de junho, pelo que não pode o mesmo, só porque também se decide sobre a prescrição referida no artº. 306.º do CC, aplicar-se ao caso dos presentes autos alterando, por si só, a decisão do douto acórdão recorrido.

Conclui pela improcedência do recurso.

10. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a exceção de prescrição do direito da Recorrida.


III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. No dia 19.11.2003, faleceu AA, no estado de viúva de CC, cujo óbito ocorreu em ....1997.

1.2. A autora foi habilitada como única herdeira de AA e de CC, seus pais.

1.3. À data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3° da petição, correspondentes a 21.748 unidades no valor total de €135.807,97 (cento e trinta e cinco mil oitocentos e sete euros e noventa e sete cêntimos).

1.4. A mãe da autora, viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC não mencionou os certificados de aforro objeto dos autos na relação de bens junta como documento n° 14 apresentada em 04.08.1997.

1.5. Após o óbito da mãe, a autora instaurou no Serviço de Finanças da ..., em 17.12.2003, o processo de imposto sucessório junto como documento n° 13 com o n° 12026, que se encontra liquidado e arquivado.

1.6. Na respetiva relação de bens, a autora não mencionou os certificados de aforro identificados na alínea C) – 1.3. -, que não constavam igualmente da relação de bens que foi apresentada pela viúva e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC.

1.7. O réu enviou para a morada registada no sistema — Rua ..., entre janeiro de 1997 e setembro de 2001, extratos da conta aforro com uma periodicidade semestral e a partir dessa data extratos trimestrais, até maio de 2012, data em que o réu tomou conhecimento do óbito da aforrista.

1.8. O óbito da mãe da autora, em 19.11.2003, chegou ao conhecimento do réu após informação transmitida pelo Instituto de Registo e Notariado em meados de 2012.

1.9. Com base nesta informação, no dia 09.05.2012, a conta aforro da mãe da autora foi imobilizada.

1.10. O réu enviou para a morada registada no sistema — Rua ..., a carta registada com aviso de receção, junta como documento n° 7, dirigida aos herdeiros da falecida aforrista alertando para o prazo de prescrição que iria ocorrer no dia 19.11.2013.

1.11. A aludida carta foi devolvida em 26.09.2013 ao réu, com a indicação de não ter sido reclamada.

1.12. Nesta ocasião, o réu recebeu a devolução da referida carta e o registo junto como documento oito, datado de 26.09.2013, com a indicação de não reclamada.

1.13. A residência da mãe da autora e identificada na alínea G) da Matéria de Facto Assente foi vendida no segundo semestre do ano de 2008, nomeadamente em 2 de Outubro de 2008, conforme escritura de compra e venda de fls. 84 a 89 lavrada pelo Cartório da Notária ... em Lisboa.

1.14. A mãe da autora entregou à sua irmã, DD, os nove certificados de aforro identificados na alínea C), informando-a que a filha (ora autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los.

1.15. Na altura, pediu-lhe que os entregasse à filha no ano em que completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário.

1.16. A tia da autora, DD, cumpriu a promessa e, no dia 01.05.2015, entregou à sobrinha (a ora autora) os referidos certificados de aforro,

1.17. Quando esta a visitou, num fim de semana prolongado, em ....

1.18. Muito feliz com a revelação, a autora trouxe consigo os certificados de aforro e no dia 11.06.2015 dirigiu-se às instalações do réu onde solicitou o reembolso do correspondente valor.

1.19. Tal pedido foi verbalmente recusado, e por carta de 26.08.2015, com o fundamento de que tinham prescrito, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.

1.20. A autora é mencionada na qualidade de movimentadora em todos os nove certificados de aforro.

1.21. A informação sobre a existência dos certificados de aforro é acessível, mediante a consulta pelo interessado da informação disponível no registo central de certificados de aforro.


1. Do mérito do recurso
1.1. Da prescrição

O Tribunal da Relação de Lisboa julgou como não verificada a exceção de prescrição invocada pelo Recorrente, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância.

Consideraram as instâncias que o início da contagem do prazo de prescrição, no âmbito dos certificados de aforro, série B, ocorreu quando a Autora teve conhecimento do óbito e da existência dos certificados; bem como não seria possível invocar a existência da base de dados de registo de certificados de aforro criado pelo Decreto – Lei nº47/2008.

Por sua vez, o Recorrente considera que a contagem do prazo de prescrição se inicia com a morte do aforrista.

Ora, sobre esta questão existem diversas decisões dos Tribunais Superiores (verificando-se uma situação de unanimidade das decisões publicadas) – quer do STJ, quer dos Tribunais da Relação, quer do STA – que apontam para o início da contagem do prazo de prescrição no sentido defendido pelas instâncias.

No caso presente, não se verifica qualquer razão para divergir da apontada unanimidade.

Vejamos.

Encontra-se provado que à data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descrito no artigo 3º, correspondentes a 21 748 unidades no total de €135 807,97.

A autorização de emissão desta série de certificados de aforro foi dada pelo Decreto – Lei nº172-B/86, de 30 de junho.

Os certificados de aforro são nominativos, reembolsáveis, só transmissíveis por morte e assentados apenas a pessoas singulares (nº1 do artigo 3º do citado Decreto – Lei).

Nos termos do disposto no artigo 7º do diploma referido, por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de cinco anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado (nº1).

Findo o prazo de cinco anos referido, consideram-se prescritos a favor do Fundo de Regularização da Dívida Pública os valores de reembolso dos respetivos certificados, sendo, no entanto, aplicáveis as demais disposições em vigor relativas à prescrição (nº2).

Contudo, o nº1 do artigo 7º citado veio a ser alterado, sendo que, na data do óbito da mãe da Autora, a redação era a seguinte:

Por morte do titular de um certificado de aforro, poderão os herdeiros requerer, dentro do prazo de 10 anos, a transmissão da totalidade das unidades que o constituem, efetivada pela emissão de novos certificados, que manterão a data da emissão dos que lhes deram origem, ou o respetivo reembolso, pelo valor que o certificado tiver à data em que o reembolso for autorizado. (redação dada pelo Decreto – Lei nº122/2002, de 4 de maio)

Deste modo, os herdeiros deverão requerer no prazo de 10 anos a transmissão da totalidade das unidades que constituem os certificados de aforro ou o respetivo reembolso, aplicando-se, contudo as regras da prescrição, sendo aplicável o regime geral da prescrição por expressa remessa da citada disposição legal.

No caso presente, as partes não questionam a aplicação das regras da prescrição, mas o Réu, pondo em causa a decisão das instâncias, questiona o início da contagem do prazo de prescrição.

Como refere Pedro Pais de Vasconcelos, a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita.

A prescrição resulta da desvaloração da inércia do titular no exercício do direito. Tem também uma utilidade importante de dispensar o devedor de cumprir, depois de esgotado o prazo legal.

A prescrição supõe a inércia do titular do direito. Por isso, o seu prazo não começa a correr enquanto o direito não puder ser exercido. Esta é a regra fundamental que rege o início do curso do prazo da prescrição.

- Teoria Geral do Direito Civil, 2012, págs.327 e 331 –

Prescreve o nº1 do artigo 306º do Código Civil que o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.

Em caso idêntico ao dos presentes autos (mas estando em causa o prazo de 5 anos contido na redação anterior do citado nº1 do artigo 7º), decidiu o STJ que “ninguém pode exercer um direito que não conhece ter, que não sabe que lhe assiste.

Se, desconhecendo-o, o prazo se escoou não se pode verdadeiramente falar de inércia (há apenas decurso de um lapso de tempo) e, menos ainda, de negligência, sendo que pela prescrição se sanciona a inércia negligente do titular do direito.

Por outras palavras e reportando-se directamente à situação de facto colocada nesta acção – os direitos que o nº1 reconhece (à emissão de novos certificados ou ao seu levantamento) eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro.

Logo à partida, pressupõe isto conhecerem os herdeiros a existência da subscrição de certificados de aforro pelo de cujus. Só assim, tomam conhecimento que, pela sua morte, ficam titulares daqueles direitos conferidos pelo art. 7-1 do dec-lei 172-B/86.

O facto «morte do subscritor» é, em si, neutro, nada lhes diz relativamente à existência da subscrição de certificados de aforro pelo de cujus. Mas, se conjugados e conhecidos, deixam de ser inócuos – facultam aos herdeiros o conhecimento de um direito e da sua titularidade, impossibilitando-os de, mais tarde, invocarem quer a ignorância da lei quer a sua má interpretação (CC-6).”

- Acórdão de 5 de maio de 2005, consultável em www.dgsi.pt

No caso presente, encontra-se provado que no dia 19.11.2003, faleceu AA, no estado de viúva de CC, cujo óbito ocorreu em 16.07.1997.

A Autora foi habilitada como única herdeira de AA e de CC, seus pais.

À data do óbito, AA era titular dos nove certificados de aforro da Série B descritos no artigo 3º da petição, correspondentes a 21 748 unidades no valor total de €135 807,97.

A mãe da Autora entregou à sua irmã, DD, os nove certificados de aforro, informando-a que a filha (ora Autora) deles não tinha conhecimento, apesar de a ter colocado como pessoa autorizada a movimentá-los.

Na altura, pediu-lhe que os entregasse à filha no ano em que completasse cinquenta anos de idade, como prenda de aniversário.

A tia da Autora, DD, cumpriu a promessa e, no dia 01.05.2015, entregou à sobrinha (a ora autora) os referidos certificados de aforro.

A Autora, no dia 11.06.2015, dirigiu-se às instalações do réu onde solicitou o reembolso do correspondente valor.

Tal pedido foi verbalmente recusado, e por carta de 26.08.2015, com fundamento de que tinham prescrito, por terem decorrido mais de dez anos sobre a data do óbito da sua mãe.

Assim, perante o que atrás se referiu e estes factos provados, temos de concluir pela improcedência da exceção de prescrição arguida pelo Réu, porquanto a Autora só poderia exercer o seu direito (não a partir da ocorrência do óbito da sua mãe, titular dos nove certificados de aforro, Série B) quando teve conhecimento da existência dos certificados de aforro.

A Autora só teve conhecimento em 1 de maio de 2015 e em 11 de junho de 2015 veio a reclamar o reembolso, o que lhe foi negado pelo Réu.

Isto é, desde que teve conhecimento dos certificados de aforro, momento em que poderia exercer o seu direito, até ao momento em que reclamou o reembolso junto do Réu, não decorreu o prazo de 10 anos, mas somente um pouco mais de um mês.

Desta forma, não pode proceder a exceção de prescrição.

O Réu/Recorrente apresenta, nas suas alegações de recurso de revista, a seguinte conclusão:

“Não obstante, deve, ainda, determinar-se que as normas legais que impõem aos herdeiros a obtenção de conhecimento sobre a existência de certificados de aforro do falecido decorrem dos artigos 26º e 28º do Código de Imposto de Selo e que a prestação de informações pelo IGCP sobre certificados de aforro – que são bens escriturais, nominativos, reembolsáveis e apenas transmissíveis por morte – não se iniciou com a publicação do Decreto – Lei nº47/2008, de 13 de junho e a instituição do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, antes pelo contrário, sempre foi possível desde a criação destes produtos financeiros em 1960”.

Esta questão só pode ser apreciada no sentido em que se pode concluir que, sendo diligente, a Autora poderia ter tido conhecimento dos certificados de aforro em momento anterior e poderia assim exercer o seu direito antes do decurso do prazo de 10 a contar da data do óbito de sua mãe.

Ora, em primeiro lugar, importa ter presente que a mãe da Autora, AA, titular dos certificados de aforro, Série B, faleceu no dia 19/11/2003 e que a Autora, como se encontra provado, instaurou no Serviço de Finanças da Amadora, em 17.12.2003, o processo de imposto sucessório junto como documento nº13 com o nº12026, que se encontra liquidado e arquivado.

Assim, e tendo em consideração a data do óbito da titular dos certificados de aforro e a data da participação do óbito efectuada ao Serviço de Finanças da Amadora por parte da Autora, podemos afirmar que em nenhuma circunstância a Autora poderia socorrer-se do designado “Registo Central de Certificados de Aforro”, como referem as instâncias, porquanto o mesmo só foi instituído pelo Decreto – Lei nº47/2008, de 13 de março, isto é, muito depois do óbito da titular dos certificado e do prazo para a participação do óbito às Finanças que os herdeiros têm.

No que concerne aos artigos 26º e 28º do Código de Imposto de Selo, que no entender do Recorrente impõem a obrigação, aquando da participação do óbito às Finanças, de apresentar certidão passada pelo Instituto de Gestão do Crédito Público da cotação de títulos ou certificados de dívida pública e de outros valores mobiliários, importa referir que:

- as disposições invocadas não se mostravam em vigor aquando da ocorrência quer do óbito quer da participação às Finanças, encontrando-se antes em vigor o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações;

- por outro lado, essas disposições legais não impõem que, aquando da participação às Finanças, o cabeça de casal (no caso presente, a Autora) tenha de apresentar essa certidão; o que se mostra imposto é a obrigatoriedade de apresentação da certidão desde que o cabeça de casal, na relação de bens, relacione esses títulos ou certificados de dívida pública e outros valores mobiliários.

O Recorrente refere que sempre foi possível a prestação de informações pelo IGCP sobre certificados de aforro desde a criação destes produtos financeiros em 1960 e que o procedimento relativo à prestação de informações sobre certificados de aforro aos herdeiros já constava das diversas instruções que publica há vários anos em Diário da República.

Ora, o que está em causa nos presentes autos, não é a questão de falta de informação por parte do IGCP aos herdeiros, mas o conhecimento da existência dos certificados de aforro por parte destes.

  Ao cabeça de casal não está imposta, em qualquer disposição legal, a obrigatoriedade de diligenciar, antes de apresentar a relação de bens nas Finanças, junto do IGCP para saber da eventual existência de certificados de aforro, nem o facto de não diligenciar se pode considerar como comportamento negligente.

Por fim, importa esclarecer uma questão que o Recorrente coloca nas suas alegações, que pretende ser um obstáculo ao reembolso e que consiste na previsão do artigo 63º-A do Código do Imposto de Selo, que impede qualquer entidade de autorizar o levantamento de quaisquer títulos e certificados de dívida pública sem que o requerente demonstre que o imposto de selo se encontra pago ou o requerente está isento.

Como bem sabe o Recorrente, que pretende levantar questões que retardem o reembolso, estamos em presença de duas situações distintas, isto é, a Autora tem direito ao reembolso dos títulos de certificados de aforro, que se concretizará quando demonstrar que procedeu ao pagamento do imposto de selo ou que está isento do pagamento do imposto de selo relativamente ao montante dos certificados de aforro de que a mãe da Autora era titular.

Assim, o recurso deve improceder.


IV. Decisão
Posto o que precede, nega-se a revista, confirmando-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente.


Lisboa, 8 de janeiro de 2019

(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)

Pedro Lima Gonçalves (Relator)


Fátima Gomes

Acácio das Neves

(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico)