Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2498/17.9T8CSC.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
ARRENDATÁRIO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
REVOGAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
NEGÓCIO FORMAL
LICITAÇÃO
PREÇO
RENÚNCIA
ABUSO DO DIREITO
TU QUOQUE
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
LEGITIMIDADE PASSIVA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ERRO DE ESCRITA
Data do Acordão: 06/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA DA 2ª R
Sumário :
I. Nos negócios formais, o resultado alcançado mediante a aplicação dos arts. 236.º 2 237.º do CC não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

II. É manifesta a vontade das partes de cessação de um contrato de arrendamento anteriormente celebrado quando, num contrato subsequente, declaram expressamente revogá-lo.

III. As partes não se limitam a introduzir variações no conteúdo do contrato de arrendamento inicialmente celebrado quando visam a sua própria existência.

IV. Se as partes, por comum acordo, revogam o contrato, cessa a relação jurídica. Não faz sentido afirmar a extinção do contrato por revogação e a subsistência da relação jurídica que foi por ele constituída. Não há relação contratual sem contrato.

V. Não subsistindo o novo contrato de arrendamento há mais de três anos (art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, na versão aplicável ao caso dos autos), o arrendatário não é titular do direito de preferência.

VI. A licitação é a origem mais frequente de divergência entre o preço do projeto do contrato que é objeto de preferência e o valor desta.

VII. O valor da preferência é igual ao montante de cada um dos lanços. VIII. A declaração de não comparência e a não comparência efetiva na outorga da escritura pública de compra e venda têm o sentido de renúncia ao exercício do direito de preferência, tal como resulta da licitação.

IX. A modalidade de tu quoque do abuso do direito conduz à improcedência de pedidos abusivamente deduzidos.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,




I - Relatório

1. Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., intentou contra a Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q.,  ação de preferência, peticionando:

- o reconhecimento do seu direito de preferência na venda do Edifício ..... e, em consequência, o direito de para si o haver pelo preço de € 1.000.000,00, substituindo-se à segunda Ré na escritura de compra e venda;

- a condenação da 2.ª Ré a entregar-lhe o referido edifício;

- o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2.ª Ré tenha promovido a seu favor em consequência da aquisição do mesmo prédio;

- a condenação da 2.ª Ré a entregar-lhe todas as rendas que haja recebido, em virtude dos contratos de arrendamento em curso, desde a aquisição do imóvel em causa até à sua entrega.

2. Alegou, em síntese, que:

- por contrato de arrendamento urbano não habitacional, celebrado a 19 de abril de 2012, tornou-se arrendatária de parte da fração autónoma designada pela letra “R”, referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios do prédio urbano designado por Edifício ......., sito em .....;

- esse contrato foi objecto de aditamento para revisão da renda a 3 de abril de 2013;

- a 1 de fevereiro de 2016, interveio na celebração de contrato de cedência temporária de espaço relativamente a áreas para arrecadação no mesmo edifício;

- a 17 de fevereiro de 2016, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015, tornou-se, além de arrendatária de parte da fração autónoma designada pela letra “R” (que já era desde 2012), também arrendatária de parte das frações autónomas designadas pelas letras “S”, “T”, “N”, “O” e “Q”;

- a 15 de fevereiro de 2017, foi celebrada, entre a 1ª e a 2ª Rés, escritura pública de compra e venda do Edifício ..... por € 1.000.000,00, em violação da disciplina jurídica do instituto do direito de preferência.

3. A 1.ª Ré - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. - apresentou contestação, excecionando o mérito da pretensão da Autora. Alegou, em síntese, que é parte ilegítima, que a Autora não tem interesse em agir, que o invocado direito de preferência, se existisse, teria caducado por falta de depósito da totalidade do preço (€ 3.050.000,00 e respetivas despesas), que a Autora renunciou expressamente ao exercício do direito de preferência e que o seu comportamento é claramente abusivo.

4. A 2.ª Ré - Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. - apresentou contestação, excecionando o mérito da pretensão da Autora. Alegou, em síntese, que a posição jurídica da Autora como arrendatária, reportada ao contrato de arrendamento celebrado a 17 de fevereiro de 2016, tendo como objecto frações autónomas do Edifício ..... designadas pelas letras “R”, “S”, “T”, “N”, “O” e “Q”, não lhe permitia exercer o direito de preferência, pois que ainda não havia decorrido o prazo de três anos estabelecido no art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC. Referiu que este contrato revogou aquele celebrado a 19 de abril de 2012. Mencionou ainda que a Autora perdeu o direito legal de preferência, pois que não compareceu, a 13 de fevereiro de 2017, às 11 horas, na ....., n.º .., em …, no ato de outorga da escritura de compra e venda pelo preço de € 3.050.000,00, preço oferecido pela Autora em licitação efetuada a 8 de fevereiro de 2017, com a Rasgo – Publicidade, Lda.; que a Autora venceu a referida licitação, mas não chegou a celebrar qualquer negócio de compra e venda. Invoca, por último, que o exercício do alegado direito de preferência constitui abuso do direito.

5. Por seu turno, a Autora respondeu, pugnando pela improcedência das invocadas exceções, nos moldes referidos a fls. 230 a 233, que se dão por reproduzidos.

6. Foram juntos pelas partes diversos pareceres jurídicos.

7. Foi realizada audiência prévia, não tendo sido possível conciliar as partes.

8. A 22 de outubro de 2018, o Tribunal de 1.ª Instância, no saneador-sentença, decidiu o seguinte:

“Nestes termos e em função do exposto, julgando a presente improcedente, o Tribunal decide:

a) Julgar improcedentes todas as excepções invocadas pelas rés.

b) Julgar procedente o peticionado pela autora e, em consequência:

 1 - Reconhecer o seu direito de preferência na venda do Edifício ..... e, em consequência, o direito de para si o haver, pelo preço de um milhão de euros, substituindo-se à segunda ré, na escritura de compra e venda;

2 - Condenar a segunda ré a entregar-lhe o mesmo;

3 - Ordenar o cancelamento de todos e quaisquer registos que a segunda ré tenha promovido a seu favor em consequência da aquisição do referido prédio;

4 - Condenar a segunda ré a entregar-lhe todas as rendas, que haja recebido, desde a aquisição do referido imóvel, até à entrega do imóvel em virtude dos contratos de arrendamento em curso.

c) Julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela ré Portfolio e, em consequência, absolver a mesma do pagamento da quantia de € 3 050 000.

d) Julgar procedente pedido reconvencional deduzido pela ré Portfuel e, em consequência, condenar a mesma a pagar àquela a quantia de € 1 525 599, 70, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até efectivo pagamento.

Custas do pedido principal pelas rés (1/2 para cada) - cfr. artigo 527.º, ns. 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Custas do pedido reconvencional deduzido pela ré Portfolio, a cargo desta. Custas do pedido reconvencional deduzido pela ré Portfuel a cargo da autora.

Registe e Notifique.

9. Não conformadas com a decisão, as Rés Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q., interpuseram recurso de apelação.

10. A Autora contra-alegou.

11. Por acórdão de 11 de dezembro, com voto de vencido, o Tribunal da Relação de ….. decidiu o seguinte:

Assim, de harmonia com as disposições legais citadas, decide-se negar provimento às apelações das RR. e não tomar conhecimento no que concerne a custas da apelação da R., Portfólio da, confirmando-se, pois, pelas razões que ficam expostas, a decisão recorrida.

Custas do recurso, a cargo das recorrentes.

12. Irresignada com a decisão, a 1.ª Ré - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. - interpôs recurso de revista, apresentando as seguinte Conclusões:

7.1.      DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

1. O presente recurso de revista é admissível, pois não só versa sobre o mérito da causa, como não constitui um caso de dupla conforme, uma vez que apesar de o Acórdão Recorrido ter confirmado a decisão do Tribunal de Primeira Instância, contou com um voto de vencido da Exam. Juíza Desembargadora Dina Maria Monteiro que discorda em absoluto da decisão que veio a ser tomada pelo Tribunal da Relação (cfr. artigo 671.º, n.º 3, do CPC).

2. Além disso, o presente recurso é manifestamente tempestivo e cumpre com os critérios do valor da acção e da sucumbência, uma vez que o valor do pedido principal (da RECORRIDA) é de € 1.000.000,00, sendo o valor do pedido reconvencional formulado pela RECORRENTE de € 3.050.000,00 (cfr. artigos 638.º, 138.º e 629.º, n.º 1, do CPC).

7.2.    DA ALTERAÇÃO À MATÉRIA DE FACTO

3. Em primeiro lugar, no que respeita à decisão da matéria de facto, as instâncias recorridas andaram mal ao não terem dado como provado que “[a]pós ter comunicado que não iria comparecer para outorgar a escritura de compra e venda do IMÓVEL pelo preço de € 3.050.000,00, a A. negociou com a R. Portfolio para adquirir o IMÓVEL por um preço situado entre os € 1.100.000,00 e €1.500.000,00”, fazendo errada interpretação e aplicação do preceito vertido no artigo 358.º do Código Civil.

4. Desde logo, porque este facto emerge de confissão judicial sem reservas da RECORRIDA (cfr., inter alia, artigo 17.º da petição inicial), bem como de documento junto aos autos com a petição inicial (cfr. DOC. 10 junto com a petição inicial) não impugnado.

5. Por conseguinte, ao abrigo do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal da Justiça pode conhecer do pedido de alteração da matéria de facto aqui

formulado, porquanto resulta de confissão, ou seja, de facto que emerge de meio de prova com força probatória plena.

6. Adicionalmente, a inclusão do referido facto no elenco da factualidade assente assume enorme relevância na medida em que permite trazer à luz, por um lado, que a RECORRIDA renunciou ao direito de preferência e, por outro lado, que a RECORRIDA actuou em abuso de direito ao dar início aos presentes autos com o fim de exercer o seu putativo direito de preferência.

7. Note-se que se o aludido facto tivesse sido levado em devida conta pelas instâncias recorridas, isso determinaria uma decisão em sentido diametralmente oposto, ou seja, no sentido da improcedência da presente acção de preferência.

7.3.   DA ILEGITIMIDADE PASSIVA

8. Em segundo lugar, no que respeita à excepção de ilegitimidade passiva da RECORRENTE, as instâncias recorridas andaram mal ao não absolverem a RECORRENTE da instância, por terem a considerado parte legítima nos autos, fazendo uma errada interpretação e aplicação ao caso dos autos do preceito vertido nos artigos 30.º, 577.º e 278.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

9. A correcta interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º do CPC, determina que a RECORRENTE seja absolvida da instância, bastando olhar aos pedidos formulados nos autos pela RECORRIDA e às decisões das instâncias recorridas para se compreender (i) que nenhum pedido foi, a qualquer título, deduzido pela RECORRIDA contra a RECORRENTE e (ii) que da procedência da acção de preferência não resulta nenhum prejuízo (ou sequer impacto) para a RECORRENTE.

10. Na verdade, a RECORRENTE não tem qualquer interesse, directo ou indirecto, em contradizer os pedidos da RECORRIDA. Veja-se que até o ressarcimento dos putativos danos sofridos pela RECORRIDA em decorrência da pretensa violação do direito de preferência (consubstanciados no não recebimento de rendas) é reclamado apenas e directamente pedido à PORTFUEL.

11. E, também não se diga, que o mero facto de a RECORRIDA ter atribuído à RECORRENTE o papel de sujeito processual determina que a RECORRENTE seja parte legítima, pois a análise e apreciação da legitimidade passiva da RECORRENTE, no caso concreto, leva-nos a constatar que, de facto, a RECORRENTE não tem qualquer interesse directo em contradizer, sendo-lhe o resultado da presente acção totalmente indiferente.

12. Acresce que, no caso concreto, também não estamos perante uma situação de litisconsórcio passivo necessário, ficando o efeito útil da decisão suficientemente acautelado pela presença da PORTFUEL nos autos, designadamente por nenhuma consequência jurídica poder advir para a RECORRENTE (caso esteja ausente da acção)

13. Por outro lado, evitar uma contradição de julgados também não pode servir de justificação para a legitimidade processual da Recorrente, uma vez que no caso dos autos não se vislumbram quaisquer putativos danos (além do não recebimento de rendas) que a RECORRIDA pudesse legitimamente invocar contra a RECORRENTE com fundamento na pretensa violação do direito de preferência.

14. De todo o exposto resulta que, no caso concreto, a RECORRENTE carece de legitimidade passiva, o que consubstancia, nos termos da alínea e) do artigo 577.º do CPC, uma excepção dilatória nominada, excepção esta de conhecimento oficioso (cfr. artigo 578.º do CPC), e que determina a imediata absolvição da RECORRENTE da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do CPC.

7.4.    DA FALTA DE INTERESSE EM AGIR

15. Já no que diz respeito à excepção de falta de interesse em agir da RECORRENTE, as instâncias recorridas andaram mal ao absolveram a RECORRENTE da instância, por terem considerado que a RECORRENTE tinha interesse em agir, fazendo uma errada interpretação e aplicação ao caso dos autos do preceito vertido nos artigos 577.º e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC.

16. No ACÓRDÃO RECORRIDO, o Tribunal da Relação de ….. justificou a sua decisão referindo que: “(…) é o obrigado à preferência que tem o ónus de comunicar a perspectiva da alienação e de viabilizar a integridade do direito de preferência. Desta forma, pensamos ter ficado demonstrado o interesse em agir por parte da R. Portfolio.” (cfr. página 39 do ACÓRDÃO RECORRIDO).

17. Não procede a argumentação do ACÓRDÃO RECORRIDO, porque apesar de o obrigado à preferência (a RECORRENTE) ter “o ónus de comunicar a perspectiva da alienação e de viabilizar a integridade do direito de preferência”, da factualidade provada (cfr. factos provados n.º 8, 10, 13 e 14) resulta que esse ónus foi integralmente cumprido nos precisos termos da lei pela RECORRENTE, não havendo qualquer incumprimento que lhe possa ser imputado para efeitos da presente acção.

18. Mas ainda que assim não fosse (sem conceder), o argumento invocado não revela para a análise aqui em causa, pois que não é o “ónus de comunicar” da RECORRENTE que determina se esta possui ou não interesse em agir na presente acção.

19. O que determina o interesse em agir (ou a sua falta) são os efeitos práticos que desta acção possam decorrer para a RECORRENTE e, bem assim, a efectiva utilidade da tutela jurisdicional que a RECORRIDA poderá retirar desta acção em relação à RECORRENTE

20. E, olhando-se ao caso dos autos, resulta cristalino que basta a intervenção da PORTFUEL para assegurar a procedência dos pedidos da RECORRIDA e o efeito útil da decisão a final proferida, não havendo necessidade objectiva e justificada de demandar a RECORRENTE na presente acção, o que redunda na sua falta de interesse em agir.

21. De todo o exposto resulta que, no caso concreto, a RECORRENTE carece de interesse em agir, o que consubstancia uma excepção dilatória inominada, que determina a imediata absolvição da RECORRENTE da instância, nos termos e para os efeitos do artigo 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC.

A entender-se de modo diverso, sem conceder,

7.5. DA INADMISSIBILIDADE DA ACÇÃO DE PREFERÊNCIA

22. É inquestionável que o ACÓRDÃO RECORRIDO enferma de erro de julgamento ao declarar procedente a acção de preferência.

23. Com efeito, as instâncias recorridas entenderam – com o devido respeito, erradamente – que o direito de preferência da RECORRIDA se mantinha, mesmo quando esta optou por não o exercer nos termos da licitação.

24. Assim, a questão de fundo é precisamente saber qual é a consequência de a RECORRIDA não ter exercido o direito de preferência (porque não quis) nos termos da licitação: o direito de preferência mantém-se ou extingue-se?

25. No entender da RECORRENTE, e conforme decorre do artigo 1032.º do CPC, o direito de preferência da RECORRIDA extinguiu-se em consequência da comunicação de que não iria comparecer, bem comodo facto de não ter efectivamente comparecido para outorgar o contrato de aquisição do IMÓVEL, motivo pelo qual a presenta acção se afigura inadmissível.

26. Cumpre aqui esclarecer que a perda do direito de preferência pela RECORRIDA implica que a RECORRIDA não tenha apenas perdido o direito de preferir pelo valor de € 3.050.000,00, tendo perdido o direito de preferência por qualquer valor, sendo por inadmissível a presente acção de preferência.

27. Dito isto, em primeiro lugar, em face da factualidade provada nos autos, dúvidas não subsistem de que a RECORRIDA efectivamente renunciou ao direito de preferência, não mais podendo exercê-lo, sequer por meio da acção de preferência.

28. Estamos perante um caso de direitos de preferência alternativos, sendo o procedimento previsto a licitação entre preferentes (cfr. o disposto no artigo 419.º, n.º 2 do Código Civil e no artigo 1032.º do CPC), resultando do regime legal que da licitação resulta um preferente vencedor e, no caso de não exercício do direito de preferência, o mesmo é devolvido ao preferente vencido que tenha oferecido o lance imediatamente inferior, e assim sucessivamente.

29. A solução apontada pelo regime legal é precisamente a perda sucessiva dos preferentes licitantes à medida que não vão exercendo o direito de preferência em conformidade com a licitação.

30. Acresce que, sobre o procedimento a adoptar na licitação (as regras) a lei é silente, podendo as partes, de acordo com o princípio da autonomia privada fixar o que lhes aprouver(conquanto não viole lei imperativa).

31. Ora, tal como se provou, tanto as regras da licitação como o procedimento a observar subsequentemente foram expressamente definidos e aceites, de um lado, pela RECORRENTE e, de outro lado, pela RECORRIDA e pela RASGO, o que se afigura admissível em face do disposto no artigo 405.º do Código Civil.

32. Isto é, de um lado, na comunicação enviada em 03-02-2017 a RECORRENTE fez constar a sua proposta relativamente às regras da licitação e ao procedimento a observar, assim como às consequências emergentes para as preferentes da não outorga por si da escritura pública de compra e venda nos termos da licitação.

33. De outro lado, a RECORRIDA, em 08-02-2017, perante notário, declarou (conjuntamente com a outra preferente) conhecer e aceitar as regras da licitação vertidas na carta de 03-02-2017, tal como consta expressamente das páginas 8, 9 e 12 a 15 do documento n.º 9 junto com a petição inicial (um certificado notarial).

34. Dúvidas não subsistem de que, no caso dos autos, o acordo celebrado pelas partes é meramente confirmativo e dilucidativo do regime legal, tendo as partes, ademais, expressamente definido e acordado quais as consequências do não exercício do direito de preferência nos termos da licitação.

35. Inquestionável é, também, que o conteúdo do acordo é o da carta-proposta, devidamente interpretada, como é sempre que o acordo se forme por simples aceitação da proposta. Esse conteúdo compreende dois pontos: 1.º - o modo de licitação (…) [e] 2.º- a cominação da perda do direito para a não comparência de qualquer dos preferentes nas escrituras públicas de compra e venda da totalidade do prédio.

36. Não menos importante é referir aqui que a RECORRIDA, aliás, como refere o ACÓRDÃO RECORRIDO nunca questionou a validade e eficácia do aludido acordo.

37. A esta luz, dúvidas não subsistem que as partes acordaram que, caso o direito de preferência não fosse exercido nos termos da licitação, tal implicaria a perda do direito de preferência. Isto quer o não exercício do direito fosse por parte da preferente vencedora (in casu, a RASGO), quer fosse por parte da preferente vencida (in casu, a RECORRIDA).

38. E, assim, é evidente que, tendo-lhe sido devolvido o direito, ao ter declarado que não iria comparecer na escritura de compra e venda do IMÓVEL pelo valor resultante da licitação (€ 3.050.000,00) a RECORRIDA renunciou ao direito de preferência (não mais podendo exercê-lo, em paridade com o que sucede com a outra preferente, a RASGO).

39. Além de não ter qualquer suporte legal/contratual, a procedência de acção de preferência pelo valor de € 1.000.000,00, nas circunstâncias do caso concreto, atenta contra os mais elementares princípios do ordenamento jurídico português, criando benefícios injustificados entre preferentes na mesma situação e com o mesmo comportamento.

40. Ademais, a solução apontada pelo ACÓRDÃO RECORRIDO redunda num total desrespeito pela autonomia das partes e a grosseira violação do princípio pacta sunt servanda, mais potenciando abusos e fraudes no regime da preferência em que tivesse havido licitações entre vários pretensos detentores desse direito.

41. Acresce que, o entendimento que subjaz ao ACÓRDÃO RECORRIDO levaria a uma situação de total incerteza e insegurança (i) para terceiros preferentes, (ii) para o proprietário do bem que assim nunca saberia em que momento e como o direito de preferência poderia ser exercido e por quem e (iii) para o pretendente comprador não preferente.

42. E obviamente que desrespeitar a licitação efectuada, implica que o direito de preferência nunca se extingue, havendo uma constante necessidade de se retomar o início do processo, acabando por se traduzir numa restrição intolerável ao direito de propriedade, vendo-se o proprietário impedido ad eternum do poder de disposição sem que qualquer fundamento legal ou contratual – como bem se entendeu no voto de vencido ao ACÓRDÃO RECORRIDO.

43. Pelo que, chegados a este ponto, é forçoso que se conclua que a declaração de não comparência e a não comparência efectiva têm, segundo a compreensão normal, e neste contexto em concreto, o sentido de renúncia ao exercício dos respectivos direitos de preferência, tal como resultaram da licitação.

44. Sem embargo, e ainda que dúvidas pudessem existir sobre se a RECORRIDA teria ou não renunciado ao direito de preferência, tal resultaria inequívoco do facto de a RECORRIDA – depois de ter comunicado que não ia exercer o seu direito de preferência nos termos da licitação – ter encetado negociações com a RECORRENTE para comprar o IMÓVEL por um preço entre os € 1.100.000,00 e € 1.500.000,00.

45. Perante a factualidade dos autos, estamos evidentemente perante uma renúncia tácita, ou seja, numa situação em que a RECORRIDA adoptou um comportamento do qual se infere com toda a probabilidade e segurança a sua vontade negocial (cfr. o disposto no artigo 217.º do Código Civil).

46. De facto, um declaratário normal na posição da RECORRENTE, tendo em consideração a postura negocial da RECORRIDA após esta (i) ter aceite as regras da licitação e procedimento subsequente e (ii) ter comunicado que não ia celebrar a escritura de compra e venda do IMÓVEL pelo último lanço oferecido, apenas poderia entender que a mesma havia renunciado ao direito de preferência na alienação do IMÓVEL.

47. E esta renúncia é válida e eficaz, porquanto a RECORRIDA esteve desde sempre na posse de todos os elementos essenciais para formar a vontade de exercer a preferência e, no concreto caso, das consequências do não exercício do direito de preferência pelo preço resultante da licitação, isto é, de € 3.050.000,00.

48. À luz do exposto, conclui-se que a RECORRIDA renunciou ao direito de preferência na compra do IMÓVEL e, por isso, não lhe era admissível o recurso à presente acção, a qual outro fim não merece que não a total improcedência.

I. Em segundo lugar, sem conceder, sempre se diria que a RECORRIDA, em face do concreto circunstancialismo dos autos, teria visto o seu direito de preferência extinto por caducidade.

49. Para o que ao caso importa, a RECORRIDA aceitou expressamente as regras da licitação, o procedimento subsequente e a consequência do não exercício do direito de preferência pelos preferentes em conformidade com a licitação (cfr. factos provados n.os 8, 13 e 14).

50. Tal procedimento foi ao encontro daquilo que constava do acordo celebrado, para o caso de a RASGO não exercer o direito de preferência em conformidade com a licitação (ou seja, pelo lanço vencedor, de € 3.100.000,00).

51. Pelo que, sendo admissível que as partes estipulem casos especiais de caducidade (cfr. o disposto no n.º 1 do artigo 330.º do Código Civil), a omissão de comparência na escritura agendada de acordo com o anteriormente estipulado e após devidamente notificada para o efeito, sempre teria o efeito de caducidade do direito, à semelhança do efeito cominado por lei para a omissão de declaração de preferência (cfr. o disposto no artigo 416.º, n.º 2 do Código Civil).

52. Termos em que o direito de preferência da RECORRIDA sempre teria caducado em 13-02-2017, em virtude da não comparência da RECORRIDA para exercer o direito de preferência.

53. E, ainda que ficcionando – como as instâncias recorridas parecem fazer – que a RECORRIDA manteria, ainda assim, o direito a preferir pelo valor de € 1.000.000,00 (no que não se concede e apenas por excessiva cautela do patrocínio se equaciona), a verdade é que o direito da RECORRIDA teria caducado em 15-02-2017.

54. Dúvidas não subsistem que, desde o primeiro momento (25-01-2017), a RECORRIDA conhecia os termos em que a transacção iria ser efectivada com a PORTFUEL, assim como a data em que tal ocorreria (cfr. pontos 8 e 9 dos factos provados).

55. Sabia, também, a RECORRIDA, pelo menos desde o dia 08-02-2017, que caso o direito de preferência não fosse exercido nos termos da licitação por qualquer dos preferentes, a RECORRENTE iria outorgar a escritura de compra e venda do IMÓVEL, pelo preço de € 1.000.000,00, com a PORTFUEL o dia 15-02-2017 – tal como veio a suceder.

56. Na posse destes elementos – e de todos os elementos que lhe permitiam formar a vontade de exercer o seu putativo direito de preferência –, a RECORRIDA limitou-se, primeiro, a comunicar que não iria preferir na aquisição do IMÓVEL nos termos da licitação e, seguidamente, negociou a aquisição do IMÓVEL, sempre, por preço superior a € 1.000.000,00.

57. Porém, não resulta provado – nem tal aconteceu – que a RECORRIDA tenha comunicado à RECORRENTE que iria comparecer no dia 15-02-2017 para exercer o seu pretenso direito de preferência pelo valor de € 1.000.000,00 ou que tenha comparecido naquele momento para procurar acautelar o direito (que apenas agora) vem defender que lhe assistia.

58. Também não se provou – nem tal sucedeu – que a RECORRIDA tenha lançado mão de qualquer expediente, incluindo em sede cautelar, para procurar acautelar o direito de preferência que (apenas agora) parece entender assistir-lhe, procurando impedir a venda do IMÓVEL à PORTFUEL.

59. Pelo que, sempre seria inequívoco que – não tendo a RECORRIDA a ele renunciado – o putativo direito de preferência da RECORRIDA havia caducado em 15-02-2017, não podendo a mesma prevalecer-se da presente acção de preferência com o fim de o exercer, a qual outro fim não merece que não a total improcedência.

60. E, em qualquer caso, cumpre esclarecer que a perda do direito de preferência pela RECORRIDA implica que a RECORRIDA não tenha apenas perdido o direito de preferir pelo valor de € 3.050.000,00, tendo perdido o direito de preferência por qualquer valor, sendo inadmissível a presente acção de preferência, a qual deve (também por isso) improceder.

Subsidiariamente, sem conceder,

7.6. DO COMPORTAMENTO ABUSIVO DA RECORRIDA

61. Perante a factualidade concreta dos autos, ainda que se entendesse que a RECORRIDA mantinha o direito a preferir na aquisição do IMÓVEL pelo preço de € 1.000.000,00, sempre o comportamento da RECORRIDA nos presentes autos se configuraria como abusivo.

62. Em primeiro lugar, sempre se diga que a conduta da RECORRIDA ao intentar a presente acção consubstancia um exercício abusivo do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

63. Com efeito, por um lado, a RECORRIDA (i) ao saber da existência de outro preferente na alienação do IMÓVEL, aceitou com ele participar na licitação; (ii) aceitou expressamente as regras da licitação e procedimento subsequente vertido nas comunicações de 03-02-2017; (iii) em concreto, aceitou que, caso nenhuma das preferentes exercesse o direito de preferência nos termos da licitação, que a RECORRENTE celebraria o contrato de compra e venda do IMÓVEL com a PORTFUEL, em 15-02-2017, pelo preço de € 1.000.000,00 e (iv) comunicou previamente à RECORRENTE que não iria celebrar o negócio de alienação do IMÓVEL nos termos da licitação.

64. Por outro lado, a RECORRIDA, depois de comunicar que não iria celebrar o negócio de alienação do IMÓVEL nos termos da licitação, procurou negociar com a RECORRENTE a aquisição do IMÓVEL por um preço entre € 1.100.000,00 e € 1.500.000,00, em qualquer dos casos sempre superior aos € 1.000.000,00 e nada mais comunicou à RECORRENTE para, por qualquer meio, salvaguardar o seu putativo direito de preferência que (apenas agora) vem defender que lhe assiste e foi violado.

65. A conduta supra descrita da RECORRIDA levou a que a RECORRENTE – justificada e razoavelmente – entendesse que a RECORRIDA não iria exercer o seu direito de preferência, pelo que a RECORRENTE poderia honrar o compromisso contratual que tinha com a PORTFUEL, ou seja, outorgara escritura de compra e venda do IMÓVEL com a PORTFUEL.

66. Note-se que, uma coisa era a RECORRIDA sabendo que – na ausência do exercício do direito de preferência por qualquer dos preferentes nos termos da liquidação – a RECORRENTE iria celebrar a escritura de compra e venda do IMÓVEL com a PORTFUEL, nos termos e condições que lhe foram reiteradamente transmitidos, ter imediatamente comunicado à RECORRENTE que mantinha o propósito de exercer a preferência e substituir-se à PORTFUEL na escritura de compra e venda aprazada.

67. Outra coisa distinta é a RECORRENTE conformar-se (ao menos aparentemente) com a perda do direito de preferência e procurar negociar a aquisição do IMÓVEL por preço superior ao que agora – e quase à bica do prazo de caducidade previsto no artigo 1410.º do Código Civil - vem, por meio desta acção tentar exercer o direito de preferência.

68. É assim evidente o abuso de direito da RECORRIDA, na modalidade de venire contra factum proprium, devendo a acção improceder, sob pena da violação do disposto no artigo 334.º do Código Civil.

69. Em segundo lugar, a conduta da RECORRIDA ao intentar a presente acção consubstancia um exercício abusivo do direito, na modalidade de tu quoque.

70. Caso a RECORRIDA não houvesse renunciado ao direito de preferência – no que não se concede –, o facto é que a RECORRIDA acordou nas regras da licitação e do procedimento subsequente e, no final do dia, não compareceu para exercer a preferência nos termos daí resultantes.

71. Além disso – e não obstante ser incontornável que o negócio que foi celebrado em 15-02-2017 entre a RECORRENTE e A PORTFUEL corresponde precisamente ao que vinha sendo comunicado desde 25-01-2017 –, e depois de não ter comparecido para exercer a preferência, a RECORRIDA negociou ainda a aquisição do IMÓVEL por um preço entre os € 1.100.000,00 e € 1.500.000,00, do modo que entendeu adequado para se substituir à PORTFUEL na aquisição do IMÓVEL.

72. Acresce a isto que, a RECORRENTE não compareceu no dia, hora e local em que seria outorgada a escritura de compra e venda do IMÓVEL entre a RECORRENTE e a PORTFUEL, nem lançou mão de qualquer procedimento ou notificação com o fim de impedir a alienação do IMÓVEL, nos termos que naquela data tão bem eram por si conhecidos.

73. À luz do exposto é forçoso concluir pelo abuso de direito da RECORRIDA, na modalidade de tu quoque, devendo a acção improceder, sob pena da violação do disposto no artigo 334.º do Código Civil.

Normas jurídicas violadas: nos artigos 334.º, 405.º, 416.º, 419.º, n.º 2 e 1410.º do Código Civil e dos artigos 30.º, 577.º e 278.º, n.º 1, alíneas d) e e), 1032.º do Código de Processo Civil.

POR TODO O EXPOSTO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE,DE FACTO E DE DIREITO,E,EM CONSEQUÊNCIA:

a)  Ser alterada a decisão sobre a matéria de facto, aditando-se ao elenco dos factos provados que “[a]pós ter comunicado que não iria comparecer para outorgar a escritura de compra e venda do IMÓVEL pelo preço de € 3.050.000,00, a A. negociou com a R. Portfolio para adquirir o IMÓVEL por um preço situado entre os € 1.100.000,00 e €1.500.000,00” – cfr. subcapítulo 6.1 supra;

b) Ser declarada procedente a excepção de ilegitimidade passiva da RECORRENTE, por provada, e em consequência ser a RECORRENTE absolvida da instância – cfr. capítulo 6.2 supra; e /ou

c) Ser declarada procedente a excepção inominada de falta de interesse em agir da RECORRENTE, por provada, e em consequência ser a RECORRENTE absolvida da instância – cfr. capítulo 6.3 supra.

Caso assim não se entenda,

d) Ser revogado o ACÓRDÃO RECORRIDO e substituído por outro que declare improcedente a acção de preferência, com as demais consequências legais que ao caso cabem - cfr. subcapítulo 6.4 supra.

Subsidiariamente,

e) Ser revogado o ACÓRDÃO RECORRIDO e substituído por outro que declare abusivo o comportamento da RECORRIDA e, em consequência, declare improcedente a acção de preferência, com as demais consequências legais que ao caso cabem - cfr. subcapítulo 6.5 supra”.

13. Também não conformada com o acórdão do Tribunal da Relação de ….., a 2.ª Ré - Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. - interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões:

1. Como se verifica através da leitura do douto acórdão recorrido, o Venerando Tribunal da Relação ….. não se pronunciou sobre a questão suscitada no recurso de apelação da ora recorrente, a propósito da impugnação da matéria de facto, no sentido da eliminação da segunda alínea c) e actual facto provado n.º 4.

2. Essa falta de pronúncia é causa de nulidade do douto acórdão recorrido, por força do disposto nas alíneas d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos em 2.ª Instância, por força do disposto no art.º 666.º do mesmo Código.

3. O que, a não ter sido suprido pelo Venerando Tribunal da Relação de ….., deve ser reconhecido e declarado por esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, ordenando a baixa do processo à 2.ª Instância, a fim de serem sanado o vício e proferido novo douto acórdão. Caso assim se não entenda, o que apenas por mera cautela se admite, mas sem conceder,

4. O (primeiro) contrato de arrendamento celebrado entre a então senhoria e a autora em 19 de Abril de 2012 constituiu uma determinada relação locatícia, que tinha por base parte de uma fracção autónoma (a “R”) do Edifício ....., melhor identificado nos autos, relação essa que terminou em 30 de Novembro de 2015, por revogação expressa das partes e sem salvaguarda de quaisquer efeitos do mesmo, o que, se pretendesse, as partes podiam ter previsto de forma diferente.

5. O (segundo) contrato de arrendamento celebrado entre a então senhoria do imóvel em causa e a autora, em 17 de Fevereiro de 2016, com efeitos retroagidos a 1 de Dezembro de 2015, constituiu uma nova relação locatícia, completamente distinta da anterior, designadamente no que se refere ao objecto (diversas fracções autónomas do supra aludido Edifício), à renda unitária fixada e ao regime da cessação.

6. Para efeitos de direito de preferência na venda da totalidade das fracções autónomas que integram o Edifício em causa (que ocorreu a 15 de Fevereiro de 2017), é necessário que o preferente seja o arrendatário actual (à data) do local arrendado e que esse arrendamento perdure ininterruptamente há mais de três anos.

7. Essa é a melhor e a única interpretação correcta do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 1091.º do CC.

8. A revogação operada pelas partes ao primeiro contrato de arrendamento celebrado teve como consequência directa e necessária a existência de duas relações locatícias distintas, interrompendo a primeira e separando-a juridicamente da segunda, de tal forma que, relativamente à única fracção autónoma abrangida pelos dois contratos de arrendamento (a “R”) foi dado como provado, no facto provado n.º 5, que, com a celebração do segundo contrato de arrendamento, a autora assumiu a posição de arrendatária, entre outras, de parte da fracção designada pela letra “R”.

9. Se a autora assumiu a posição de arrendatária de parte da fracção “R”, com a celebração do contrato de arrendamento de 17 de Fevereiro de 2016, é inequívoco que, na altura, não tinha essa posição.

10. Face ao exposto, para efeitos de saber se a autora tinha direito de preferência na venda da totalidade das fracções autónomas do referido Edifício, que ocorreu em 15 de Fevereiro de 2017, não é permitido adicionar os períodos de vigência dos dois contratos de arrendamento.

11. A autora, à data da venda, era arrendatária de diversas fracções do referido Edifício desde 1 de Dezembro de 2015, ou seja, há pouco mais de um ano, motivo por que não era titular de direito de preferência legal naquela venda.

12. Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido violou o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 1091.º do CC e, bem assim, o disposto nos art.ºs 405.º, 236.º, 238.º, 406.º e 1082.º, todos do mesmo Código.

13. Deve, por isso, ser revogado, nessa parte, o douto acórdão recorrido, devendo considerar-se procedente a excepção dilatória inominada da inexistência do direito legal de preferência da A., enquanto requisito de admissibilidade da presente acção de preferência, ou, em alternativa, que parece ser mais correcta, improcedente a acção, por inexistência material do direito de preferência legal invocado, com as consequências legais, respectivamente, a absolvição das rés da instância ou a absolvição das rés dos pedidos contra ela formulados. Caso assim também se não entenda, o que, uma vez mais, apenas por mera cautela a ora recorrente admite, mas igualmente sem conceder,

14. Tendo a autora e a sociedade Rasgo manifestado pretenderem exercer o direito de preferência na venda da totalidade das fracções do Edifício em causa, pelo preço de € 1.000.000,00, era obrigatório proceder-se a licitação, revertendo o excesso para a alienante (cfr. o disposto no n.º 2 do art.º 419.º do CC).

15. Essa licitação entre ambas teve lugar em 8 de Fevereiro de 2017, com base em regras por ambas expressamente aceites, tendo a Rasgo oferecido o lanço mais elevado (€ 3.100.000,00).

16. Como a Rasgo não compareceu à celebração da escritura pública de compra e venda, perdeu, definitiva e irremediavelmente o seu direito de preferência, tal como previsto nas regras da licitação, tendo-se o direito devolvido à autora pelo seu lanço mais elevado e imediatamente inferior ao da Rasgo (€ 3.050.000,00), uma vez mais conforme previsto nas regras da licitação e, acima de tudo, por força do disposto, a nível substantivo, no n.º 2 do art.º 419.º do CC e, a nível adjectivo, nos n.ºs 3 e 4 do art.º 1032.º do CPC. Todavia,

17. Também a autora não compareceu à celebração da escritura de compra e venda, motivo  por que igualmente perdeu, definitiva e irremediavelmente, o direito de preferência que lhe havia sido concedido pela alienante, também por força das regras da licitação comunicadas por carta da 1.ª ré, de 3 de Fevereiro de 2017 e do regime estabelecido nos supra citados n.º 2 do art.º 419.º do CC e n.ºs 3 e 4 do art.º 1032.º do CPC.

18. A partir do momento em que foi necessário, por força da lei, recorrer a licitação, que se realizou entre os dois preferentes, a autora deixou, em qualquer circunstância, de ter direito de referência na venda da totalidade das fracções do Edifício em causa à ora recorrente, pelo preço de € 1.000.000,00.

19. A perda/renúncia ao direito de preferência consubstancia uma excepção peremptória que dá lugar à absolvição das rés dos pedidos contra elas formulados.

20. Ao decidir pela improcedência de tal excepção, o douto acórdão recorrido violou as regras e normas mencionadas nas antecedentes conclusões, devendo, por isso, tal decisão ser revogada e substituída por outra que julgue essa excepção procedente, com as legais consequências. Caso assim também tal não se entenda, o que, à semelhança das anteriores, apenas por mera cautela a ora recorrente admite, mas do mesmo modo sem conceder,

21. Sempre teria a autora actuado com manifesto abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao aceitar expressamente as regras da licitação e ao passar a pagar as rendas à ora recorrente, sem qualquer oposição ou manifestação em sentido contrário, vindo agora a propor a presente acção de preferência por referência ao preço de € 1.000.000,00, o que, após a licitação, nunca revelou pretender, muito pelo contrário, tendo tentado negociar essa aquisição por um valor entre € 1.100.000,00 e € 1.500.000,00.

22. O que tudo a ora recorrente requer que seja reconhecido e decretado por esse Colendo Supremo Tribunal de Justiça, com as relações de subsidiariedade, cumulação ou alternância deduzidas e com as legais consequências.

Termos em que, e nos mais de direito aplicável, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista, decretando-se, se for o caso, a nulidade do douto acórdão recorrido e, a final, absolvendo-se as rés da instância ou dos pedidos contra ela formulados, nos moldes também supra expostos, assim fazendo V. Exas., Colendos Conselheiros, a costumada, necessária, desejada e Indispensável JUSTIÇA!!!

14. A Autora/Recorrida Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., apresentou contra-alegações, oferecendo as seguintes Conclusões:

1 - A Matéria de Facto dada como provada no presente processo, encontra-se definitivamente assente;

2 - A "LSREF3 REO Mixed Portfolio, S.A.'\ Ia Ré e Recorrente no presente processo é parte legítima no mesmo e necessária na presente demanda, nos termos do artigo 30°, do CPC;

3 - A então "Magnetocare, Lda" e hoje em dia "FLOW - Comércio de Produtos Ortopédicos, S.A.", A./Recorrida, é arrendatária de parte do Edifício ............. desde 2012, pelo que em Fevereiro de 2017, o local já se encontrava arrendado á A./Recorrida há mais de 3 anos, pelo que se encontrava preenchido o requisito constante da alínea a), do n° 1, do artigo 1091° do Código Civil, razão pela qual este direito se encontrava há muito na esfera jurídica da "Magnetocare, Lda" (hoje "FLOW, S.A.");

4 - A licitação entre Preferentes, é apenas um momento do processo que se desenvolve com vista á concretização de um Direito de Preferência, quando existem direitos conflituantes que não podem ser exercidos em conjunto nem hierarquizados;

5 - No caso, terminada a licitação, o último lance foi da "Rasgo" que desistiu, pelo que o Direito de Preferência devolveu-se á A./Recorrida "Magnetocare, Lda" (hoje "FLOW, S.A");

6 - Devolveu-se para ser exercido nas condições oferecidas ao 3o adquirente "Portfuel" e não em condições mais gravosas, uma vez que a Lei prevê que o titular do Direito de Preferência venha a adquirir o imóvel nas condições que se encontram contratadas com o 3o - no caso a "Portfuel";

7 - O direito da A./Recorrida "Magentocare, Lda" (hoje "FLOW, S.A.") não caducou, nem esta renunciou àquele;

8 - Não houve por parte da A./Recorrida qualquer actuação que possa enquadrar-se no âmbito do Abuso de Direito, não se encontrando preenchidos os pressupostos previstos no artigo 334° do CC;

9 - Deve ser negado provimento aos Recursos de Revista interpostos por ambas as Recorrentes, confírmando-se o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de ….. que havia já confirmado a Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de …..

Termos em que, assim decidindo, e, julgando totalmente improcedentes os presentes Recursos de Revista, farão Vs. Exas. Venerandos Juízes Conselheiros do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, costumada JUSTIÇA.”


II – Questões a decidir

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes (arts. 635.º, n.os 3 e 4, e 639.º n,os 1 e 3, do CPC), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso e de o conhecimento de algumas questões poder resultar prejudicado, estão em causa as seguintes questões:

- No recurso interposto pela 1.ª Ré LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A.:

a) impugnação da decisão da matéria de facto – segundo a Recorrente, deve ser considerada como provada, por confissão judicial (art. 358.º do CC), a factualidade referente às negociações entre a Autora e a 1.ª Ré com vista à aquisição do imóvel por um preço situado entre os valores de € 1.100.000,00 e € 1.500.000,00, depois de a Autora haver comunicado que não iria comparecer para outorgar a escritura de compra e venda do imóvel pelo preço de € 3.050.000,00;

b) ilegitimidade passiva da 1.ª Ré e falta de interesse em agir da Autora na presente ação de preferência;

c) extinção do direito de preferência da Autora por renúncia tácita, resultante da comunicação de que não iria comparecer na outorga da escritura de compra e venda do imóvel pelo preço de € 3.050.000,00 e da sua efetiva falta de comparência;

d) extinção do direito de preferência da Autora por caducidade, em virtude da sua falta de comparência na celebração do contrato de compra e venda para exercer o direito de preferência;

e) abuso do direito por parte da Autora ao intentar a presente ação, nas modalidades de venire contra factum proprium e de tu quoque.

- no recurso interposto pela 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda.:

a) nulidade do acórdão por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) relativamente à questão suscitada no recurso de apelação, interposto pela Recorrente, a propósito da impugnação da matéria de facto, no sentido da eliminação da segunda alínea c) e atual facto provado sob o n.º 4;

b) inexistência do direito legal de preferência invocado pela Autora nos termos do art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC;

c) perda/renúncia ao direito de preferência em virtude da falta de comparência da Autora na outorga da escritura de compra e venda;

d) abuso do direito da Autora ao intentar a presente ação, na modalidade de venire contra factum proprium.


III – Fundamentação

A) De Facto

De acordo com as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de ….., foram dados como provados os seguintes factos:

“1. No dia 15.2.17 foi celebrada escritura pública de compra e venda entre a 1ª e a 2ª ré, tendo o Edifício ....., identificado em 2) e 5) sido vendido, por aquela a esta, por um milhão de euros - (anterior primeira alínea d)).

2. Em 19.4.12, a autora celebrou com a Aplicação Urbana V – Investimento Imobiliário, SA, um acordo que ambas designaram por “contrato de arrendamento não habitacional”, cujo teor se encontra discriminado a fls. 11 a 14 e, se dá por integralmente reproduzido, salientando-se que, a autora assumiu a posição de arrendatária de parte da fracção autónoma designada pelas letra “R”, referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios, sito no prédio urbano designado por “…”, sito no ........., ........, Lote .., ….., descrito na CRP…., com o nº .....1130 e inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de …. sob o artº …. – (anterior alínea a)).

3. O acordo referido supra foi objecto de aditamento para revisão do valor da renda em 3.4.13 – (anterior alínea d)).

4. Em 1.2.16 a autora celebrou um acordo com o Condomínio do Edifício ...... que as partes denominaram de “contrato de cedência temporária de espaço”, cujo teor, constante de fls. 15 vs. a 24, se dá por integralmente reproduzido – (anterior alínea c)).

5. Em 17.2.16, a autora celebrou com a Aplicação Urbana V -Investimento Imobiliário, SA, um acordo que ambas designaram por "contrato de arrendamento não habitacional", cujo teor se encontra discriminado a fls. 25 a 30 e, se dá por integralmente reproduzido, salientando-se que, a autora assumiu a posição de arrendatária de parte das frações autónomas designadas pelas letras "R", e “S”, referentes ao oitavo piso, letras A e B, na parte destinada a escritórios e de parte das frações "I, N, O e Q", referentes a lugares de estacionamentos, sitas no prédio urbano designado por “......”, sito no ........., ........, Lote .., …., descrito na CRP  ….., com o n° .......1130 e inscrito na matriz predial respetiva da freguesia  …. sob o art° 2243 - (anterior alínea d)).

6. Neste último acordo, as partes apuseram uma cláusula, com o seguinte teor: “É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional, nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional actualmente em vigor entre as partes – (anterior alínea e)).

7. Do doc. fls. 42 verso a 43 verso, que damos por reproduzido, consta nomeadamente que em Fevereiro de 2016, aquando da aquisição do Edifício ....... pela ré Portfolio, foi a autora notificada na qualidade de arrendatária [de parte da fracção autónoma identificada pela letra «R» no Edifício ...... nos termos do contrato de arrendamento para fim não habitacional datado de 19 de Abril de 2012, aditado em 3 de Abril de 2013], para exercer o direito de preferência na aquisição então escriturada por € 2. 333.700, tendo a autora decidido não exercer tal direito, pelo que o prédio em questão, veio a ser adquirido pela segunda ré (Portfolio) - (anterior alínea f)).

8. O doc. fls. 44 a 45, que damos por reproduzido, corporiza uma carta datada de 25.1.17 onde consta nomeadamente ter sido a autora notificada pela R. Portfolio, para exercer o seu direito de preferência, em virtude da perspectiva de alienação à ré Portfuel, do mesmo prédio pelo montante de um milhão de euros, fazendo-se referência ao contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado em 17 de Fevereiro de 2016 entre a Aplicação Urbana V -Investimento Imobiliário, S.A. e a A. - (anterior alínea g)).

9. A autora comunicou à ré Portfolio a intenção de exercer tal direito (g) por e mail e por carta - (anterior alínea h)).

10. Alguns dias mais tarde, foi a autora notificada de que, outra arrendatária - Rasgo-Publicidade, Ld-, havia exercido o seu direito de preferência pelo indicado valor de um milhão de euros e que era necessário proceder-se a licitação entre as titulares do direito, o que veio a suceder em 8.2.17 - (anterior alínea i)).

11. Na licitação, após vários lances, o prédio em causa foi adjudicado à Rasgo-Publicidade, Lds, por € 3 100 000 (três milhões e cem mil euros) – (anterior alínea j)).

12. A Rasgo não compareceu à escritura de compra e venda designada para o dia 10.2.17 – (anterior alínea k)).

13. A ré Portfolio notificou a autora para exercer o seu direito pelo valor do seu último lance - três milhões e cinquenta mil euros – (anterior alínea l)).

14. Na missiva, datada de 3.2.17, enviada pela ré Portfolio à autora, à sociedade Rasgo e à ré Portfuel, mencionada no ponto 10, consta o seguinte:

A escritura pública de compra e venda da totalidade do prédio será outorgada no dia 10.2.17, às 11 horas, na......., n° .., …... Caso o preferente comprador [Rasgo] não compareça na hora e local indicados ou, comparecendo, não outorgue a escritura pública de compra e venda da totalidade do prédio, perderá o direito a concluir a transação, considerando-se então o outro preferente notificado para comparecer no dia 13.2.2017, às 11 horas, na......, n° .., ….., para outorgar a escritura pública de compra e venda da totalidade do prédio (...).

Por fim, caso o outro preferente também não compareça na hora e local indicados, a senhoria e a Portfuel, Lda - outorgarão a escritura pública de compra e venda da totalidade do prédio, nos termos indicados nas notificações, no dia 14.2.17, às 11 horas, na Rua ....., n.º .." - (anterior alínea m)).

 

15. A autora informou previamente a ré Portfolio de que não iria comparecer na ......., .., ….., no dia 13.2.17, para realização de escritura nos moldes supra descritos, o que, efectivamente, veio a suceder – (anterior alínea d)).

16. No dia 15.2.17 foi celebrada escritura pública de compra e venda entre a 1.ª e a 2.ª ré, tendo o Edifício ......., identificado nos pontos n.ºs 2 e 5 sido vendido, por aquela a esta, por um milhão de euros - (anterior alínea o)).

17. As RR celebraram um CPCV junto como documento n° 3 com a contestação apresentada pela R. Mixed Portfolio, do qual resulta nomeadamente que:

(i) "No âmbito das negociações tendentes à venda do Imóvel, em 24 de Janeiro de 2017, a Ré Mixed Portfolio e a Ré Portfuel celebraram o CPCV, nos termos do qual a primeira prometeu a vender à segunda o Imóvel, tendo esta prometido comprá-lo (conforme resulta do DOC. 3 junto com a contestação da R. Portfolio)" - cfr. 113° da contestação apresentada pela Recorrente;

(ii) "De acordo com o CPCV, ficou definido que a escritura pública de compra e venda do Imóvel seria outorgada até ao dia 15 de Fevereiro de 2017, desde que a condição prevista na cláusula 4.1. fosse devidamente preenchida (cfr. cláusula 3.1.2 do CPCV) " - cfr. artigo 115oda contestação apresentada pela recorrente;

(iii) "As contraentes [leia-se as RR nesta ação] acordam e aceitam expressamente que a assinatura do contrato de compra e venda está sujeita à anterior renuncia, pelas entidades públicas e pelos arrendatários indicados no anexo 4.1, aos direitos de preferência sobre a compra e venda dos imóveis, ou ao não exercício desses direitos de preferência no prazo legal imperativo que for aplicável" — cfr. artigo 116° da contestação apresentada pela recorrente.

(iv) "do referido anexo 4.1 ao CPCV contavam como arrendatários: (i) a A., (ii) a Rasgo-Publicidade-Lda. ("Rasgo") e (iii) a Type Solution, S.A. (cfr. anexo 4.1. ao CPCV) " - cfr. artigo 117o da contestação da recorrente; "no CPCV ficou também definido que, na eventualidade de a R. Mixed Portfolio não cumprir a sua obrigação de celebrar o contrato de compra e venda do imóvel a R. Portfuel poderia exigir-lhe, no máximo, €400.000,00, correspondentes ao: (i) pagamento do sinal, ou seja, €200.000,00; e (ii) pagamento de uma indeminização correspondente ao montante pago a título de sinal, por danos emergentes e lucros cessantes (cfr. cláusula 7.3. do CPCV) " - cfr. artigo 122° da contestação da recorrente4 - (pretendido aditamento da alínea p)).

18. A fls. 8 mostra-se comprovado que, em 27.07.17 (dia da propositura da acção), a A. depositou um milhão de euros, correspondente ao valor da transmissão do imóvel em apreço documentada nos autos.”

B) De Direito

1. Estão em causa dois recursos de revista interpostos, respetivamente, pela 1.ª Ré  LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e pela 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., do acórdão do Tribunal da Relação de ….. que, com um voto de vencido, confirmou integralmente o saneador-sentença proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância.

2. Por acórdão proferido em conferência, a 29 de setembro de 2020, o Tribunal da Relação de ….. procedeu à retificação de vários lapsos de escrita, na sequência do recurso de revista interposto pela 2.ª Ré - Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda..

3. O Tribunal de 1.ª Instância decidiu:

a) julgar improcedentes todas as exceções invocadas pelas Rés;

b) julgar procedente o peticionado pela Autora e, em consequência:

i) reconhecer o seu direito de preferência na venda do Edifício ..... e, por conseguinte, o direito de para si o haver pelo preço de € 1.000.000,00, substituindo-se à 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda.  na escritura de compra e venda;

ii)   condenar a 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. - a entregar-lhe o referido imóvel;

iii)  ordenar o cancelamento de todos e quaisquer registos que a 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. tenha promovido a seu favor em consequência da aquisição do referido prédio;

iv)  condenar a 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. a entregar-lhe todas as rendas que haja recebido, em virtude dos contratos de arrendamento em curso, desde a aquisição do mesmo imóvel até à sua entrega;

c) julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pela 1.ª Ré LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A. e, por conseguinte, absolver a mesma do pagamento da quantia de € 3.050.000,00;

d) julgar procedente o pedido reconvencional deduzido pela 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. e, por isso, condenar a mesma a pagar à Autora a quantia de € 1.525.599,70, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até efetivo pagamento.

(In)admissibilidade dos recursos

1. De acordo com o art. 671.º, n.º 3, do CPC, não é admissível revista regra ou normal do acórdão que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª Instância, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível.

2. Uma vez que o acórdão recorrido contou com um voto de vencido, segundo o qual a ação deveria improceder na totalidade, absolvendo-se as Rés do pedido, não se verifica a existência de dupla conforme.

3. Não existe, assim, qualquer obstáculo à admissibilidade de ambos os recursos de revista.

Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia

1. A 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., no seu recurso de revista, invoca a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) no que respeita à questão suscitada no recurso de apelação, por si interposto, a propósito da impugnação da matéria de facto, no sentido da eliminação da segunda alínea c) e atual facto provado sob o n.º 4.

2. De acordo com a 2.ª Ré/Recorrente, a referida alínea c) tem o seguinte teor:

Em 1.2.16 a autora celebrou um acordo com o Condomínio do Edifício ...... que as partes denominaram de “contrato de cedência temporária de espaço”, cujo teor, constante de fls. 15 vs. a 24, se dá por integralmente reproduzido.

3. A 2.ª Ré/Recorrente refere-se à alínea c) dos factos assentes pelo Tribunal de 1.ª Instância na parte respeitante à apreciação das exceções da renúncia ao direito de preferência e do abuso do direito, com a redação supra mencionada (que a 2.ª Ré/Recorrente denominou como “segunda alínea c)”.

4. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação ….. pronunciou-se expressamente sobre a eliminação da alínea c) dos factos considerados assentes pelo Tribunal de 1.ª Instância. Contudo, na transcrição dessa alínea, a alínea c) dos factos assentes pelo Tribunal de 1.ª Instância surge na parte relativa à apreciação da exceção da  caducidade do direito de preferência à luz do prazo previsto no art. 1091.º, n.º 1, al. c), do CC, com a seguinte redação:

Neste último acordo, as partes apuseram uma cláusula, com o seguinte teor: É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional, nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional actualmente em vigor entre as partes”.

5. A confusão emerge do facto de o Tribunal de 1.ª Instância, em vez de elencar de forma unitária os factos que considerava assentes com relevância para o julgamento da causa, haver antes optado por indicar de forma separada os factos que julgava assentes, em primeiro lugar, a propósito da apreciação da exceção que denominou como “caducidade do direito de preferência à luz do prazo a que alude o art.º 1091.º, n.º 1, al. c) do C.C., invocada pela ré Portfuel” e, em segundo lugar, a respeito da valoração das exceções que denominou como “renúncia ao direito de preferência e abuso de direito”. Procedeu, porém, a essa indicação com recurso à mesma sequência alfabética e com duplicação parcial dos factos, o que dificulta a identificação da matéria de facto impugnada.

6. Por acórdão proferido em conferência, a 29 de setembro de 2020, o Tribunal da Relação ….. pronunciou-se sobre a referida nulidade por omissão de pronúncia, ponderando tratar-se de erro de transcrição da referida alínea c), retificando esse lapso de escrita e considerando que, a fls. 434 verso, onde se encontra escrito:

Neste último acordo as partes apuseram uma cláusula com o seguinte teor: «É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional, nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional atualmente em vigor entre as partes»”,

Passa a estar o seguinte texto:

Em 1.2.16 a autora celebrou um acordo com o Condomínio do Edifício ..... que as partes denominaram de "contrato de cedência temporária de espaço", cujo teor, constante de fls. 15 vs. a 24, se dá por integralmente reproduzido - (anterior alínea c))”.

7. Deste modo, com a retificação do referido lapso de escrita, torna-se evidente que o Tribunal da Relação de ….. tomou posição sobre a factualidade concretamente impugnada pela 2.ª Ré/Recorrente. Não se verifica, assim, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.

(I)legitimidade processual da 1.ª Ré e falta de interesse em agir da Autora

1. No seu recurso de revista, a 1.ª Ré Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. invoca as exceções da sua ilegitimidade processual e de falta de interesse em agir da Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda..

2. Alega, no que respeita à ilegitimidade processual, que a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. não deduziu contra si qualquer pedido e que, da procedência da presente ação de preferência, não resulta para si qualquer prejuízo (ou, sequer, qualquer efeito). Na verdade, até o ressarcimento dos danos pretensamente sofridos pela Autora (consubstanciados na não perceção de rendas) em virtude da alegada violação do direito de preferência é exigido apenas da 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., ficando o efeito útil da decisão suficientemente acautelado pela presença desta Ré.

3. No que toca à exceção da falta de interesse em agir, a 1.ª Ré/Recorrente Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. reitera o mesmo tipo de argumentação, sustentando que o que determina o interesse em agir (ou a sua falta) são os efeitos práticos que desta ação possam decorrer para si e, também, a utilidade efetiva da tutela jurisdicional que a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. poderá retirar da mesma lide. No caso dos autos, afigura-se, todavia, suficiente a intervenção da 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. para assegurar a procedência dos pedidos e o efeito útil da decisão a final proferida.

4. Cremos não assistir qualquer razão à 1.ª Ré/Recorrente Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A..

5. A presente lide é configurada como uma típica acção de preferência em que a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. alega que foi vendido o prédio urbano em que é arrendatária de algumas frações autónomas, pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferência na respetiva venda.

6. Apesar da antiga controvérsia jurisprudencial sobre a questão de saber se a ação de preferência deve ser intentada apenas contra o adquirente ou também contra o alienante, adota-se a posição segundo a qual, neste tipo de ações, se verifica a existência de litisconsórcio necessário passivo, devendo ser demandados tanto o alienante como o adquirente.

7. Com efeito:

“a) a indicação directa, contida no texto do artigo 1410 do Código Civil, de que os Réus na acção de preferência são dois - o adquirente e o alienante - de valor decisivo em face das circunstâncias históricas em que, através dos trabalhos preparatórios do novo Código Civil oportunamente divulgados junto do grande público, a norma foi elaborada;

b) a manifesta demonstração, resultante da mais perfeita estruturação da relação de preferência traçada nos artigos 416 a 418 e 1410 do mesmo diploma, de que a acção de preferência tem como pressuposto necessário um facto ilícito praticado pelo alienante;

c) a complementação, já operada no Código de Processo Civil de 1961, do precário e insuficiente critério de interesse directo em contradizer, como sinal revelador da legitimidade do Réu, através dos recursos aos sujeitos da relação material controvertida, na definição da titularidade do interesse relevante para o efeito restrito da legitimidade, por não haver dúvida de que o alienante é um dos sujeitos da complexa relação material de preferência debatida na acção;

d) o facto, incontestável, de a tese até hoje dominante, que apenas admite a legitimidade do alienante na acção de preferência, quando o Autor contra ele deduza pedido de indemnização, constituir uma porta aberta aos casos julgados contraditórios, quando o preferente ou o adquirente destronado pretendam mais adiante ressarcir-se dos danos que sofreram com o comportamento ilícito do alienante;

e) a circunstâncias de o não chamamento obrigatório do alienante a participar na acção de preferência dar como resultado, além de outros, que as custas da acção não sejam pagas por quem verdadeiramente deu causa ao processo, contra o princípio básico da responsabilidade pelo pagamento das custas”[1].

8. Não se verifica, por conseguinte, a exceção de ilegitimidade passiva da 1.ª Ré/Recorrente Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A..

9. Pelas mesmas razões não se verifica também a exceção de falta de interesse em agir da Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda..


(In)existência do direito (concreto) legal de preferência

1. Uma vez que a causa de pedir da presente ação assenta no direito legal de preferência invocado pela Autora, importa, antes de mais, apreciar a (in)existência desse direito na sua esfera jurídica, pois dessa titularidade depende a valoração de todas as restantes questões suscitadas nos recursos de revista em apreço.

2. A 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. alega que a Autora não é titular de qualquer direito de preferência, porquanto na data da alienação do imóvel (15 de fevereiro de 2017) não cumpria o requisito de ser arrendatária há mais de três anos, previsto no art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC (na redação aplicável ao caso dos autos).

3. De acordo com a 2.º Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., o primeiro contrato de arrendamento, celebrado entre a então senhoria Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. a 19 de abril de 2012, constituiu uma determinada relação locatícia - que tinha por objeto parte de uma fração autónoma (“R”) do Edifício ............. – que cessou a 30 de novembro de 2015 por revogação expressa das partes e sem salvaguarda de quaisquer efeitos da mesma. O segundo contrato de arrendamento, celebrado entre a então senhoria do imóvel em causa e a Autora, a17 de fevereiro de 2016, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015, constituiu uma nova relação locatícia, totalmente distinta da anterior, designadamente no que respeita ao objecto (diversas frações autónomas do referido edifício), à renda unitária fixada e ao regime de cessação. Assim, do segundo contrato de arrendamento e da sua cláusula revogatória do primeiro contrato resulta direta e necessariamente a existência de duas relações locatícias diferentes: de um lado, aquela decorrente do contrato celebrado a 19 de abril de 2012, agora extinta e, de outro, aqueloutra constituída pelo contrato concluído a 17 de fevereiro de 2016, atualmente vigente. Daqui deriva outrossim a separação jurídica das duas relações arrendatícias.

4. Conclui a 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda. que, em ordem a saber se a Autora era ou não titular do direito de preferência na venda da totalidade das frações autónomas do referido edifício, efetuada a 15 de fevereiro de 2017, não se podem somar os períodos de vigência dos dois contratos de arrendamento. Deste modo, a Autora, ao tempo da venda, era arrendatária de diversas frações do referido edifício desde 1 de dezembro de 2015, i.e., há pouco mais de um ano. Não era, por isso, titular de direito legal de preferência naquela venda.

5. Está em causa a interpretação do art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, na redação introduzida pelo NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro), não se aplicando ao caso dos autos a nova redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, que entrou em vigor a 30 de outubro de 2018.

a) Art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC (ou do art. 47.º, n.º 1, do RAU), na parte em que exige o decurso de período mínimo de tempo para a constituição do direito (concreto) de preferência na esfera jurídica do arrendatário

1. De acordo com o art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, “O arrendatário tem direito de preferência: a) Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de três anos

2. Anteriormente, o art. 47.º, n.º 1, do RAU (aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de outubro) estabelecia que “o arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma tem o direito de preferência na compra e venda ou na dação em cumprimento do local arrendado há mais de um ano.

3. Com interesse para a resolução desta questão, resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 15.2.17 foi celebrada escritura pública de compra e venda entre a 1.ª e a 2.ª ré, tendo o Edifício ............., identificado em a) e b) sido vendido, por aquela a esta, por um milhão de euros -(anterior primeira alínea d)).

2. Em 19.4.12, a autora celebrou com a Aplicação Urbana V -Investimento Imobiliário, SA, um acordo que ambas designaram por "contrato de arrendamento não habitacional", cujo teor se encontra discriminado a fls. 11 a 14 e, se dá por integralmente reproduzido, salientando-se que, a autora assumiu a posição de arrendatária de parte da fracção autónoma designada pela letra "R", referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios, sito no prédio urbano designado por “........”, sito no .............., ..........., Lote .., ….., descrito na CRP ....., com o n° .../....1130 e inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de .... sob o art° …. - (anterior alínea a)).

3. O acordo referido supra foi objecto de aditamento para revisão do valor da renda em 3.4.13 - (anterior alínea b)).

4. Em 1.2.16 a autora celebrou um acordo com o Condomínio do Edifício ............. que as partes denominaram de "contrato de cedência temporária de espaço", cujo teor, constante de fls. 15 vs. a 24, se dá por integralmente reproduzido - (anterior alínea c)).

5. Em 17.2.16, a autora celebrou com a Aplicação Urbana V -Investimento Imobiliário, SA, um acordo que ambas designaram por "contrato de arrendamento não habitacional", cujo teor se encontra discriminado a fls. 25 a 30 e, se dá por integralmente reproduzido, salientando-se que, a autora assumiu a posição de arrendatária de parte das fracções autónomas designadas pelas letra "R", referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios e, "S, T, N, O e Q", referentes a lugares de estacionamentos, sitas no prédio urbano designado por “........”, sito no .............., ..........., Lote .., …., descrito na CRP ....., com o n° .../....1130 e inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de .... sob o art° …. - (anterior alínea d)).

6. Neste último acordo, as partes apuseram uma cláusula, com o seguinte teor: "É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional, nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional actualmente em vigor entre as partes - (anterior alínea e)).

4. Importa, pois, conhecer a ratio legis subjacente à consagração do requisito “local arrendado há mais de três anos”.

5. A doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça têm entendido que o preceito do art. 1091.º,n.º 1, al. a), do CC (ou do art. 47.º, n.º 1, do RAU), pressupõe uma duração mínima do contrato do arrendamento, independentemente das modificações objetivas ou subjetivas do respetivo vínculo contratual.

6. Note-se que o n.º 1 do artigo 47.º limita o direito de preferência (embora de forma inábil, como infelizmente acontece em numerosas disposições do diploma!) ao arrendatário cujo contrato tenha mais de um ano duração. Claro que uma coisa é o local estar arrendado há mais de um ano: e outra coisa é tê-lo o arrendatário (que pretende exercer a preferência na venda ou dação em pagamento) tomado de arrendamento há mais de um ano. Mas é esta última a exigência que a lei pretende estabelecer, como se depreende do texto do artigo 1117.º, n.º 1, do Código Civil, embora a língua lhe não tenha chegado para dizer[2].

7. Diferentemente do que se passava com o arrendamento habitacional, exige agora a lei que o contrato de arrendamento tenha mais de um ano de existência em relação ao preferente[3].

8. Também “seguramente que o contrato deverá ter sido celebrado há mais de um ano[4].

9. Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, num caso em que houve cessão da posição contratual de arrendatário num contrato de arrendamento para o exercício de profissão liberal, discutindo-se o direito de preferência invocado pelo cessionário, ao abrigo do antigo art. 47.º, n.º 1, do RAU, que havia sucedido na posição do anterior arrendatário, defendeu-se o seguinte:

Não pode, pois, deixar de interpretar-se a exigência temporal - aliás expressa, objectivamente, referida ao local arrendado - exarada na parte final do nº1 do art.47º RAU como relativa à duração do contrato-base, e, assim, como reportada à data do início do arrendamento, e não à de eventual sucessão no mesmo, quando transmitido. De facto irrelevantes eventuais modificações subjectivas, tanto quanto se logra alcançar, em vista desde logo, da própria letra daquela disposição legal (cfr. também art. 9º C.Civ.), o que a lei teve em vista foi a consolidação - mínima, enfim - da situação de arrendamento do local em questão. Não a da posição do arrendatário em concreto; cabendo, aliás, notar que a natureza intuitu personae do arrendamento tem sido afirmada em relação ao arrendamento para habitação, e não quando se destine a qualquer outro fim. (...) “o que a lei exige é que o contrato de arrendamento tenha mais de um ano de existência é o que diz Pais de Sousa, "Anotações ao Regime do Arrendamento Urbano", 3ª ed., 135-2. Não exige que a titularidade do arrendamento permaneça igual por esse prazo.[5].

10. (…) a exigência de um contrato de arrendamento com mais de um ano de vigência, basta independentemente da modificação de algum do seu clausulado[6].

11. O que releva é, pois, a duração do mesmo contrato de arrendamento pelo período de tempo exigido pela lei, apesar das modificações contratuais objetivas ou subjetivas – e não da revogação de um contrato e celebração de outro - que possam haver tido lugar durante esse período.

12. Entende-se, assim, que se exige a manutenção do mesmo contrato de arrendamento pelo período de tempo legalmente exigido, ou seja, no caso dos autos, pelo período de três anos, considerando a norma legal em vigor à data da manifestação da pretensão de alienação do imóvel e do exercício do alegado direito de preferência.

6. Resulta da factualidade provada a revogação expressa, por mútuo acordo das partes, do contrato de arrendamento celebrado a 19 de abril de 2012, assim como a celebração de um novo contrato de arrendamento a 17 de fevereiro de 2016, entre as mesmas partes, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015 -  como decorre com toda a clareza do texto deste segundo contrato (cláusula 4.ª, n.º 1).

7. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação ….. considerou que, sendo a existência de uma relação locatícia há mais de três anos pressuposto da titularidade de direito de preferência do arrendatário urbano, “é pertinente deixar claro que o que releva é a concreta relação contratual entre as partes e não tanto as sucessivas qualificações que as mesmas forem fazendo ao longo da mesma relação contratual. A esta luz,  é, pois,  irrelevante que as partes  tenham celebrado sucessivos contratos de arrendamento, sendo certo que o que é determinante é que a A. é detentora da qualidade de arrendatária no mesmo edifício, desde 2012, e não apenas de 2016.

8. É certo que, via de regra, a relação arrendatícia decorre da celebração de contrato de arrendamento. É igualmente certo que a lei pode dispor sobre o conteúdo das relações jurídicas, abstraindo ou não, dos factos que lhes deram origem, v.g., atribuindo, a uma das partes, direito de preferência na venda do imóvel arrendado. O contrato, enquanto mecanismo de realização do princípio da autonomia privada, e a lei modelam e enformam o conteúdo das relações jurídicas estabelecidas negocialmente. O direito de preferência cuja titularidade a Autora se arroga tem a sua fonte na lei. A norma que o prevê apenas se aplica a relações jurídicas que não hajam sido entretanto extintas. Se as partes, por comum acordo, revogam o contrato, cessa a relação jurídica. Não faria sentido afirmar a extinção do contrato por revogação e a subsistência da relação jurídica que foi por ele constituída. Tal resultado não estaria de acordo com a vontade manifestada pelas partes, não respeitaria a sua liberdade de pôr termo ao contrato e à relação jurídica por ele criada. Nesta sede, afigura-se artificial a separação ente contrato enquanto negócio (facto jurídico) e contrato enquanto relação jurídica. Não se pode reconhecer vida própria à relação jurídica, emancipando-a totalmente do negócio (facto jurídico) que lhe deu origem. A revogação opera sobre o negócio jurídico e sobre a relação jurídica, pois as partes deixaram de querer o negócio e a relação jurídica. Não há relação contratual sem contrato, a ordem jurídica portuguesa não reconhece relações contratuais de facto.

9. Por seu turno, a situação típica  referida na hipótese da norma do art. 27.º, n.º 2, do DL n.º 178/86, de 3 de julho, segundo o qual “considera-se renovado por tempo indeterminado o contrato que continue a ser cumprido pelas partes após o decurso do prazo”, não se traduz numa situação paralela àquela em apreço. Desde logo, não está em causa uma hipótese de continuidade de facto da execução de um mesmo contrato de arrendamento (extinto pelo decurso do prazo). Em seguida, não teve lugar a celebração tácita de um novo contrato, por  renovação. Depois, não se trata de um novo contrato de arrendamento que prossiga uma relação contratual anterior. Note-se ainda que a lei não prevê, supletiva ou imperativamente, qualquer solução semelhante à consagrada naquele preceito para casos como o dos autos. Acresce que, consagrando o segundo contrato de arrendamento – celebrado a 17 de fevereiro de 2016 -  uma disciplina diversa daquela estabelecida no primeiro no que respeita à denúncia e à oposição à renovação, não se verifica a ratio legis daquela regra prevista para o contrato de agência. Com efeito, a razão de ser do preceito do art. 27.º, n.º 2, consiste em “(…)  impedir que o contrato de agência, depois de renovado, possa vir a cessar sem necessidade de pré-aviso, como sucederia se continuasse a tratar-se de contrato por tempo determinado, em virtude do disposto na al. a) do artigo anterior. Diferentemente, transformando-se em contrato por tempo indeterminado, só através da denúncia (…) poderá qualquer contraente pôr-lhe termo, mas já com obrigação de pré-aviso[7].

b) Interpretação da declaração negocial: “É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional (o “Contrato”), nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional actualmente em vigor entre as Partes

1. Pode dizer-se que a principal questão dos autos reside na interpretação da declaração negocial referida supra, uma vez que o sentido negocial determina, nos negócios jurídicos, os efeitos jurídicos.

15. Para o “declaratário normal” (declaratário medianamente razoável), colocado na posição do “declaratário real” (segundo o critério do art. 236.º, n.º 1, do CC) – que é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de produtos ortopédicos (a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda.) ou uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda e arrendamento de imóveis (a 1.ª Ré Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A.) – a cessação do contrato de arrendamento celebrado a 12 de abril de 2012 resulta clara da  regra contratual referida. É esse o sentido que o destinatário médio – com as características específicas e do mesmo tipo do “destinatário real” - retiraria dessa disposição contratual.

2. Nas declarações formais, o resultado a que o intérprete chegar não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de ressonância no respetivo texto, ainda que imperfeitamente expresso. Com efeito, segundo o art. 238.º, n.º 1, do CC, o sentido da declaração formal, para valer, há-de ter um mínimo de correspondência “no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”.

3. É esse o sentido que o intérprete pode atribuir à regra constante do contrato de arrendamento concluído a 17 de fevereiro de 2016. O sentido da cessação do primeiro contrato de arrendamento funda-se nos factos reveladores ou envolventes do comportamento interpretando. Outro sentido radicaria “no alvedrio do intérprete, alçado a oráculo do sistema jurídico”. A inadmissibilidade de sentidos não fundamentados nos factos decorre, necessariamente, também da existência de um método de interpretação juridicamente devido (e que não se identifica com o arbítrio do intérprete) e da natureza quer da declaração (comportamento exteriorizador da vontade negocial) quer do sentido (valoração jurídica de um comportamento ou facto)[8].

4. A colocação do “declaratário normal” na posição do “real declaratário” implica a consideração, pelo primeiro, dos elementos disponíveis para o segundo. Se o sentido com o qual a declaração negocial vai valer é um sentido deduzido (pelo “declaratário normal” do comportamento do declarante), isto significa que o sentido jurídico é um sentido que pode ser atribuído ao comportamento do declarante. Um juízo racional, baseado nos elementos atendíveis, é o único que consente a fundamentação da interpretação e, ao mesmo tempo, o respeito pelas diretrizes contidas na remissão para o sentido deduzido do comportamento por um “declaratário normal” colocado na posição do “real declaratário[9].

16. A declaração negocial vale com o sentido que um “declaratário normal”, colocado na posição do “real declaratário”, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. In casu, o declarante (as 1.ª e 2.ª Rés - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q.) podia e devia contar com a cessação do primeiro contrato de arrendamento, celebrado a 19 de abril de 2012.

5. Não se aplica, ao caso em apreço, a norma consagrada no art. 236.º, n.º 2, do CC (nem aquela contida no art. 238.º, n.º 2, do mesmo corpo de normas): falsa demonstratio non nocet. Da factualidade assente não resulta que declarante (as 1.ª e 2.ª Rés - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q.) e declaratário (as 1.ª e 2.ª Rés - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q.) se hajam exprimido e entendido bem, apesar de esse entendimento comum contrariar o uso linguístico ou o sentido normal das expressões empregues. As partes quiseram declarar o que efetivamente declararam, com o sentido correspondente ao vocábulo utilizado – revogação do contrato de arrendamento urbano não habitacional celebrado a 19 de abril de 2012.

6. As partes quiseram também celebrar um novo negócio jurídico, dotado de uma nova e diversa economia negocial, regulando de modo diferente os seus interesses.

7. Por outro lado, o método de interpretação das declarações formais é o método geral, estabelecido nos arts. 236.º e 237.º do CC. Nos negócios formais, conforme mencionado supra, o resultado alcançado mediante a aplicação destes preceitos não pode, contudo, valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. I.e., o art. 238.º do CC consagra um limite a que o resultado da interpretação alcançado, determinado ao abrigo das regras gerais, deve ser submetido. Respeitado esse limite, é esse o sentido da declaração negocial formal  - como sucede no caso dos autos a propósito da revogação do contrato concluído a 19 e abril de 2012.

8. Aliás, o “declaratário normal” de uma declaração negocial integrante de um negócio formal (maxime quando se trate de forma for legal), colocado na posição do “real declaratário”, conferirá, em regra, especial importância ao comportamento do declarante consubstanciado no documento. Por seu turno, poderia até dizer-se que o sentido juridicamente relevante do documento é o literal, pois que o art. 238.º, n.º 1, do CC, exige um mínimo de correspondência com o “texto” do documento. O sentido apurado tem um mínimo ressonância no texto do documento que se possa afirmar que esse sentido é um dos sentidos possíveis do texto do documento, ao abrigo das regras próprias da língua em que o documento se encontra redigido. O “declaratário normal” sabe que o que não encontrar correspondência ou expressão no documento corre o risco de ser não válido ou de não produzir efeitos[10]. No caso  sub judice, o “texto” do contrato comporta apenas um sentido, que é o da cessação do contrato celebrado a 19 de abril e 2012. Não resultou provado que a redação do “texto” tivesse atraiçoado o pensamento das partes. A fórmula verbal utilizada (“revoga”) não comporta, de resto, mais do que um significado.

9. É, por conseguinte, manifesta a vontade das partes de revogar o contrato de arrendamento de arrendamento urbano não habitacional anteriormente celebrado - a 19 de abril de 2012. O recurso ao vocábulo "revoga" e à expressão "revoga o contrato" afasta qualquer dúvida sobre a finalidade visada pelas partes. De resto, a manifestação dessa vontade à margem do próprio clausulado negocial do segundo contrato, como que em considerando autónomo, confere ainda mais ênfase à intenção que lhe subjaz.

10. Consequentemente, afigura-se “irrelevante que as partes tenham celebrado sucessivos contratos de arrendamento”, porquanto importa o contrato efetivamente em vigor – ainda que haja, entretanto, sido modificado. Ao tempo da alienação do imóvel, o contrato vigente era aquele celebrado a 17 de fevereiro de 2016, com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015.  Nessa altura, não havia ainda decorrido o prazo de três anos legalmente estabelecido como pressuposto do direito de preferência do arrendatário (art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC).

11. Insiste-se: não pode ignorar-se a vontade das partes, expressamente manifestada, de revogar o vínculo contratual anterior que, como tal, deixou de produzir quaisquer efeitos. A relação contratual extinta não pode, in casu, projetar, para alguns efeitos, uma pretensa continuidade que não existe.

12. Considerando a factualidade provada e, sobretudo, o texto do novo contrato de arrendamento, celebrado a 17 de fevereiro de 2016, afigura-se claro que as partes quiseram extinguir o primeiro contrato. De outro modo, as partes teriam procedido diferentemente: (i) mantendo o primeiro contrato de arrendamento referente a parte da fração “R” e celebrando um novo contrato relativamente às outras frações autónomas; (ii) conservando o primeiro contrato de arrendamento, fazendo-lhe um aditamento; (iii) revogando o primeiro contrato, mas salvaguardando a produção de alguns dos seus efeitos mesmo após a sua cessação. Todavia, nada disso foi feito. Pelo contrário, as partes declararam expressamente revogar o primeiro contrato e celebrar um novo contrato de arrendamento.

13. Se as partes houvessem pretendido manter o direito (abstrato) de preferência decorrente do primeiro contrato, teriam, certamente, agido de outro modo. Conforme o voto de vencida da Senhora Juíza Desembargadora, “neste novo Contrato de Arrendamento, e no exercício da sua liberdade contratual, as partes tiveram o cuidado de inscrever uma cláusula em que expressamente revogam o contrato anterior [celebrado em 2012 e aditado em 2013]. (…) E foi esta a vontade livremente expressa pelas partes que, se outra situação quisessem, poderiam ter excecionado algum ou alguns dos efeitos já produzidos pelo anterior Contrato. Mas não o fizeram.”

14. Na verdade, para além das possíveis soluções indicadas supra, as partes poderiam ter apenas introduzido variações no conteúdo do contrato de arrendamento inicialmente celebrado, a 19 de abril de 2012, sem tornar inútil a subsistência da disciplina contratual anteriormente estabelecida. Porém, não foi isso que fizeram. Também não renegociaram nem renovaram o contrato inicial. Na verdade,  não quiseram a manutenção da relação locatícia anterior, pois substituíram-na por outra.

15. A observância das regras hermenêuticas contidas nos arts. 236.º e ss do CC conduz precisamente a esse resultado. A intenção das partes não se afigura compatível com a conservação, total ou parcial, da relação pré-existente. Não existe uma manifestação de vontade das partes dirigida a modificar a disciplina dos seus interesses estabelecida no acordo inicial, de 19 de abril de 2012, introduzindo-lhe mutações que não incidissem sobre a fisionomia originária da relação jurídica locatícia, na qual funcionalmente se inseririam e que visariam regular, numa relação de complementaridade com o negócio primitivo. Está antes em causa uma regulamentação inovadora da relação jurídica que diz respeito à própria existência ou subsistência dessa mesma relação jurídica, não concernindo apenas e tão somente à sua disciplina. Não pode, por isso, afirmar-se que, no segundo contrato de arrendamento, concluído a 17 de fevereiro de 2016 , as partes, apesar de terem expandido o objeto do contrato (mediante a adição de outras frações) e da reformulação da disciplina contratual, mantiveram o primeiro contrato de arrendamento, concluído a 19 de abril de 2012, da fração em causa e, assim, a relação locatícia anterior, ainda que sujeita a regras diferentes.

16. A revogação do primeiro contrato extinguiu-o totalmente. As partes não salvaguardaram a subsistência de qualquer efeito, pois que, apesar de o poderem fazer, ao abrigo do princípio da autonomia privada, não salvaguardaram qualquer efeito já produzido – ou até a produzir - pelo contrato revogado. Não se trata apenas de uma nova regulamentação contratual de uma relação locatícia anterior, mas antes da sua cessação e da constituição ex novo de outra relação locatícia cujo objeto integra, também, a fração autónoma em apreço.

17. Naturalmente que, no âmbito de uma relação negocial mais ampla, poderia colocar-se a hipótese de as partes pretenderem substituir um contrato por outro sem afetar a subsistência daquela relação jurídica mais vasta, inicialmente constituída. Mas nada disso resulta da factualidade provada.

18. Além do mais, ainda que as partes não houvessem expressamente revogado o contrato anterior, sempre se poderia dizer que, no silêncio das partes a propósito da modificação/cessação desse contrato, estaria em causa a extinção de um contrato e a celebração de outro. Efetivamente, da análise dos dois contratos de arrendamento referidos nos factos provados, celebrados a 19 de abril de 2012 e a 17 de fevereiro de 2016, e cujo teor foi considerado provado, resulta a existência de diferenças substanciais – e não apenas no que respeita a elementos contratuais acessórios - no programa regulativo de cada um deles: (i) estabelecimento de um novo prazo de vinculação, quebrando-se a continuidade do prazo originariamente acordado – o primeiro contrato foi celebrado pelo prazo de três anos, com início a 1 de maio de 2012 e renovação automática por períodos de três anos; havendo-se renovado, por conseguinte, a 1 de maio de 2015, perduraria até 30 de abril de 2018; no segundo contrato, o prazo estipulado foi de 35 meses, com início a 1 de dezembro de 2015 e termo a 31de outubro de 2018, com renovação automática por períodos de três anos; (ii) alargamento substancial do objeto contratual - o primeiro contrato tinha por objeto apenas parte da fração autónoma designada pela letra “R” destinada a escritório; no segundo contrato, a Autora assumiu a posição de arrendatária de parte das frações autónomas designadas pelas letras "R", referente ao oitavo piso, letra A, na parte destinada a escritórios e, "S”, “T”, “N”, “O” e “Q", relativas a lugares de estacionamento; (iii) modificação do valor da renda – no primeiro contrato, fixada no montante mensal de € 1.344,00, depois aumentada para € 1.440,00; no segundo contrato, fruto do alargamento do objeto contratual, a renda foi fixada no valor mensal de € 2.454,00 (para a totalidade das frações objeto de arrendamento,  sem discriminação da quantia correspondente a cada uma delas), sendo o montante da primeira renda superior às restantes (€ 3.734,00); (iv) consagração de um limite mínimo para a atualização da renda (a renda apenas se atualizará quando o coeficiente de atualização legal for superior à unidade); (v) alteração do regime da denúncia não motivada (vedando-se o exercício desse direito por qualquer das partes); (vi) extensão dos prazos de pré-aviso (com alteração do respetivo regime legal supletivo) em sede de oposição à renovação; (vii) duplicação de cauções prestadas - de valor correspondente à renda (singular e global, respetivamente).

19. Levando em linha de conta as alterações substanciais introduzidas no novo contrato de arrendamento, ainda que as partes não houvessem expressamente revogado, por mútuo consenso, o primeiro contrato, sempre se afiguraria bastante discutível concluir no sentido da continuidade da relação contratual anterior. É que, em geral, no silêncio das partes quanto à manutenção do contrato originário, no caso de as alterações não se limitarem a elementos acessórios, entende-se que as partes extinguiram o contrato primitivo e celebraram um novo contrato.

20. A relação jurídica relevante constituiu-se, pois, a 17 de fevereiro de 2016, pois aquela constituída a 19 de abril de 2012 extinguiu-se com a revogação  expressa – sem qualquer reserva - do contrato que a criou que, de resto deixou de produzir quaisquer efeitos jurídicos, por vontade das partes, desde 30 de novembro de 2015. Por isso, em janeiro de 2017, a relação de arrendamento não durava há mais de três anos, razão pela qual a Autora não é titular do direito de preferência.

21. Tendo sido revogado, o contrato de arrendamento celebrado a 19 de abril de 2012 deixou de produzir quaisquer efeitos, extinguindo-se - não rigorosamente ex nunc,  uma vez que os efeitos do novo contrato foram reportados a 1 de dezembro de 2015 - todos os direitos e obrigações das partes, incluindo o direito (abstrato) de preferência do arrendatário que se tenha constituído com base nessa relação contratual, sem prejuízo de o arrendatário vir a ser titular de novo direito de preferência com base na nova relação locatícia, iniciada a 1 de dezembro de 2015. O primeiro contrato deixou de ser pressuposto do direito legal de preferência, não podendo subsumir-se à facti-species do art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, para desencadear a consequência jurídica fixada na respetiva estatuição.

22. Com interesse para a questão em apreço, importa referir que, de acordo a doutrina dominante, a teleologia subjacente ao sistema do arrendamento urbano conduz à afirmação da natureza supletiva do regime consagrado no art. 1091.º do CC nos contratos de arrendamento urbano não habitacional[11].

23. Em jeito de conclusão, tendo as partes, no caso sub judice, revogado o primeiro contrato de arrendamento e celebrado um novo contrato – com efeitos reportados a 1 de dezembro de 2015 -, extinguiram-se todos os direitos e obrigações decorrentes do contrato anterior, incluindo o direito (abstrato) de preferência da Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., como arrendatária, que se tinha constituído com base naquela relação contratual.

24. Assim, o prazo de três anos previsto no art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, na redação aplicável ao caso dos autos (a Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, que reduziu esse  prazo para dois anos, apenas entrou em vigor a 30 de outubro de 2018), apenas se iniciou em a 1 de dezembro de 2015. Uma vez que a 15 fevereiro de 2017 – data da alienação do prédio à 2.ª Ré Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. ainda não havia decorrido aquele prazo de três anos, pode concluir-se pela inexistência de qualquer direito (concreto) de preferência na esfera jurídica da Autora na alineação do prédio, motivo pelo qual a ação deverá improceder.

25. A interpretação realizada pelo acórdão recorrido não respeita, pois, a autonomia privada das partes que expressamente revogaram o vínculo contratual anterior, constituído a 19 de abril de 2012. Conforme resultou provado, a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. e a anterior proprietária - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A. - do prédio celebraram um novo contrato de arrendamento a 17 de fevereiro de 2016, no qual expressamente declararam, como que em considerando autónomo inserido no texto do contrato, que “É celebrado e aceite o presente contrato de arrendamento não habitacional (o "Contrato"), nos termos e condições seguintes, que revoga o contrato de arrendamento não habitacional actualmente em vigor entre as partes”.

26. Resulta, assim, prejudicado o conhecimento de todas as restantes questões suscitadas nos recursos de revista que dependem da existência daquele direito de preferência na esfera jurídica da Autora.

Por último,

1. Se o conhecimento desta questão não houvesse ficado prejudicado pela conclusão da inexistência do direito (concreto) de preferência da Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., sempre se poderia dizer que a sua conduta, ao intentar a presente ação e pretender exercer o direito de preferência na venda do imóvel, se consubstanciaria num exercício abusivo do direito (art. 334.º do CC), na modalidade de tu quoque,

2. O tu quoque exprime a máxima segundo a qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso: (i) prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente; (ii) exercer a posição jurídica violada pelo próprio; (iii) exigir a outrem o acatamento da situação já violada[12].

13. Na verdade, a 8 de fevereiro de 2017, realizou-se, com certificação notarial, a licitação entre os preferentes: a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., e a Rasgo – Publicidade, Lda., que, nesse ato, declararam conhecer e aceitar os termos da notificação efetuada pela 1.ª Ré/Recorrente LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A.,  a 3 de fevereiro.

14. Após vinte e dois lanços, todos com intervalos ascendentes de € 50.000,00, o prédio foi adjudicado à Rasgo – Publicidade, Lda., que, no último lanço, ofereceu o montante de € 3.100.000,00. O lanço imediatamente anterior foi feito pela Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., pela quantia de € 3.050.000,00.

15. Depois da licitação, a Rasgo – Publicidade, Lda., comunicou à 2.ª Ré/Recorrente LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., que não iria comparecer, como efetivamente não compareceu, na outorga da escritura pública de compra e venda do referido prédio.

16. Por carta de 9 de fevereiro de 2017, a 1.ª Ré/Recorrente  LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., notificou a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., para comparecer, a 13 de fevereiro, às 11 horas, em determinado local, para outorgar a escritura pública de compra e venda do prédio em causa, pelo preço global de € 3.050.000,00, correspondente ao último lanço por si efetuado e à segunda licitação mais elevada.

17. Conforme recordado num dos pareceres juntos aos autos[13], a licitação é a origem mais frequente de divergência entre o preço do projeto do contrato que é objeto de preferência e o valor desta.

18. Se, em relação ao mesmo contrato, houver uma pluralidade de sujeitos que legitimamente tenham exercido o direito de preferência e este só se puder efetivar em relação a um deles (preferência alternativa), é necessário que, por algum meio, se eleja um só preferente para celebrar o contrato preferido. A licitação é o sistema por que, via de regra, se resolve o conflito entre preferentes alternativos (cf. arts. 419.º, n.º 2, 1380.º, n.º 3, 1555.º, n.º 3, do CC; arts. 1032.º e 832.º, n.º 2, do CPC). Nestas situações, o preferente participa na licitação, em resultado da qual é selecionado ou preterido. O direito (concreto) de preferência é atribuído ao licitante que ofereça o lanço mais elevado (art. 1032.º, n.º 2, do CPC). “Havendo perda do direito atribuído, este devolve-se ao interessado que tiver oferecido o lanço imediatamente inferior, e assim sucessivamente [...]; à medida que cada um dos licitantes for perdendo o seu direito, o requerente da notificação deve pedir que o facto seja notificado ao licitante imediato" (art. 1032.º, n.º 3, do CPC). O valor da preferência é igual ao montante de cada um dos lanços, como decorre da ausência de referência a quaisquer outros valores (nomeadamente ao preço do contrato que é objeto da preferência). Assim se justifica o recurso do legislador à expressão "e assim sucessivamente", que apenas se compreende por referência à sucessão de lanços e aos respetivos montantes. No caso de a licitação por valor mais elevado subsistir, está encontrado o preferente a quem, entre todos, se confere o direito de celebrar o contrato preferido por preço igual ao do seu lanço. Se este preferente-licitante perder o seu direito, o direito de preferência será atribuído ao licitante pelo segundo valor mais elevado, por preço igual ao do seu lanço mais elevado. E assim sucessivamente, se os licitantes forem mais de dois. Os lanços de cada um dos licitantes perdem eficácia com lanços de valor mais alto, mas readquirem eficácia no caso de aqueles virem a ser ineficazes[14].

19. No caso em apreço, procedeu-se a licitação oral entre dois arrendatários – a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., e a Rasgo – Publicidade, Lda. - que declararam exercer os seus direitos de preferência na venda do prédio arrendado. O maior lanço, que atingiu o valor de € 3.100.000,00, foi oferecido pela Rasgo – Publicidade, Lda.. No lanço antecedente, a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., ofereceu o montante de € 3.050.000,00. Logo a seguir, a Rasgo – Publicidade, Lda., comunicou à vendedora/1.ª Ré/Recorrente LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., que não iria comparecer, como efetivamente não compareceu, na outorga da escritura pública de compra e venda do prédio em causa. Por conseguinte, a Rasgo – Publicidade, Lda., perdeu o seu direito de preferência por renúncia e caducidade. De acordo com o art. 1032.º, n.º 3, CPC, o direito de celebrar o contrato foi então atribuído ao licitante do lanço imediatamente inferior: á Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., que ofereceu € 3.050.000,00, sendo este o valor da preferência. Este lanço de € 3.050.000,00, feito pela Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., foi, ao tempo da sua efetuação, eficaz para lhe conferir o direito de celebrar o contrato que justificava a licitação. Todavia, sobre esse direito pendia a condição suspensiva de não surgir um lanço mais elevado. Com o lanço subsequente de € 3.100.000, feito pela Rasgo – Publicidade, Lda., o lanço de € 3.050.000, efetuado pela Autora Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., perdeu eficácia, que retomou, nos mesmos termos, logo que o lanço mais elevado se tornou ineficaz[15].

20. A declaração de não comparência e a não comparência efetiva têm, segundo a compreensão normal, no contexto, o sentido de renúncia ao exercício dos respetivos direitos de preferência, tal como resultaram da licitação[16].

21. No dia seguinte ao da licitação, por carta, a 1.ª Ré/Recorrente LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., notificou a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., para a celebração do contrato a 13 de mesmo mês. Definido que estava o seu direito de preferir, o respetivo exercício efetivo haveria de consumar-se com a celebração do contrato de compra e venda naquela data. A consequência da sua eventual falta de comparência – i.e., a celebração do contrato com a primitiva interessada (a 2.ª Ré/Recorrente Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q.) - pressupunha a perda do direito de preferência e integrava o acordo formado a partir da carta de 3 fevereiro. Na medida em que são válidas as estipulações que criem casos especiais de caducidade (art. 330.º, n.º 1, do CC), a omissão de comparência produz, consequentemente, além do efeito de renúncia, também o efeito de caducidade do direito de preferência[17].

22. A Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., não compareceu no dia, hora e local indicados pela 1.ª Ré/Recorrente LSREF3 Reo Mixed Portfolio, S.A., para a celebração da escritura pública de compra e venda. Não tendo comparecido no ato de conclusão do contrato em que concretizaria o seu direito de preferência pelo preço de € 3.050.000,00, a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., perdeu o direito de preferência na compra do imóvel em causa, tanto por renúncia como por caducidade. Não perdeu apenas o direito de preferir pelo valor de € 3.050.000,00, mas também por qualquer valor, porque era este - € 3.050.000,00 - e não outro o valor pelo qual poderia exercer o seu direito de preferência. Com efeito, ainda que fosse titular de um direito (concreto) de preferência a que não houvesse renunciado – nem tivesse caducado -, a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., tendo acordado nas regras da licitação e do procedimento subsequente, não compareceu para exercer a preferência nos termos daí resultantes[18]. Por isso, a Autora Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., não poderia, sem abuso, pretender exercer, noutro contexto, mais tarde, o “seu” direito de preferência  por um valor pelo qual não o poderia exercer.

23. Entre os corolários do abuso do direito, na modalidade de tu quoque, está a improcedência dos pedidos abusivamente deduzidos.


IV – Decisão

 Nos termos expostos, acorda-se:

a) em julgar procedente o recurso interposto pela 2.ª Ré/Recorrente - Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. - e, por conseguinte,

b) revogar o acórdão recorrido,

c) considerando-se improcedentes a ação e as reconvenções, absolvendo-se ambas as Rés/Recorrentes - Lsref3 Reo Mixed Portfolio, S.A., e Portfuel – Petróleos e Gás de Portugal, Lda., S.Q. – do pedido, e a Autora - Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda., Magnetocare, Comércio de Produtos Ortopédicos, Lda. - dos pedidos reconvencionais,

d) ficando prejudicado o conhecimento de todas as restantes questões suscitadas nos recursos interpostos.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 22 de junho de 2021.

           

1. Sumário: 1. Nos negócios formais, o resultado alcançado mediante a aplicação dos arts. 236.º 2 237.º do CC não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. É manifesta a vontade das partes de cessação de um contrato de arrendamento anteriormente celebrado quando, num contrato subsequente, declaram expressamente revogá-lo. 3. As partes não se limitam a introduzir variações no conteúdo do contrato de arrendamento inicialmente celebrado quando visam a sua própria existência. 4. Se as partes, por comum acordo, revogam o contrato, cessa a relação jurídica. Não faz sentido afirmar a extinção do contrato por revogação e a subsistência da relação jurídica que foi por ele constituída. Não há relação contratual sem contrato. 5. Não subsistindo o novo contrato de arrendamento há mais de três anos (art. 1091.º, n.º 1, al. a), do CC, na versão aplicável ao caso dos autos), o arrendatário não é titular do direito de preferência. 6. A licitação é a origem mais frequente de divergência entre o preço do projeto do contrato que é objeto de preferência e o valor desta. 7. O valor da preferência é igual ao montante de cada um dos lanços. 8. A declaração de não comparência e a não comparência efetiva na outorga da escritura pública de compra e venda têm o sentido de renúncia ao exercício do direito de preferência, tal como resulta da licitação. 9. A modalidade de tu quoque do abuso do direito conduz à improcedência de pedidos abusivamente deduzidos.


Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).


Maria João Vaz Tomé (relatora)

______

[1] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 1997 (Miranda Gusmão), proc. n.º 934/96 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.. Neste acórdão, o Supremo Tribunal de Justiça, cita a anotação de Antunes Varela (in RLJ, ano 126, p. 373) ao acórdão do mesmo Tribunal de 14 de maio de 1991,  (in BMJ n. 407, pp. 498 e ss.).
Vide, ainda, no sentido da exigência de litisconsórcio necessário passivo, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de abril de 1997 (Figueiredo de Sousa), proc. n.º 909/96 – cujo sumário se encontra disponível para consulta in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de outubro de 2008 (Maria Alexandra Santos), proc. n.º 608/08-3 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de junho de 2006 (Teles de Menezes), proc. n.º 0633488 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; Fernando Andrade ires de Lima/João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, pp.378 e ss.
Mais recentemente, a propósito da legitimidade do alienante, demandado numa ação de preferência, para recorrer de acórdão que julgou procedente a ação, conforme o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2019 (Abrantes Geraldes), proc. n.º 1274/15.8T8FAR.E1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt -, “pressupondo (a procedência da ação de preferência) a violação, por parte do transmitente, do dever de comunicação do projeto de venda e das condições essenciais do negócio, nos termos do art. 1410º do CC, não está afastada a possibilidade de a decisão que declara a sua procedência poder ser invocada pelo adquirente para eventual responsabilização por danos causalmente ligados àquela atuação. Nesta medida, de modo complementar, a legitimidade ativa da transmitente relativamente à interposição do recurso de revista também é refletida pelo prejuízo que a procedência da ação lhe poderá acarretar, tendo em conta a sujeição ao dever de comunicação, nos termos do art. 416º, nº 1, do CC.).”
[2] Cf. Fernando Andrade ires de Lima/João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p.567.
[3] Cf. António Pais de Sousa, Anotações ao regime do arrendamento urbano (R. A. U.)”, Lisboa, Rei dos Livros, 2001, p. 152; Januário da Costa Gomes, Arrendamentos comerciais, 2ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p.203.
[4] Cf. José de Oliveira Ascensão, “Direito de preferência do arrendatário”, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, volume III - Direito do Arrendamento Urbano”, Coimbra, Almedina, 2002, p..253.
[5] Cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de janeiro de 2004 (Oliveira Barros), proc. n.º 3832/03 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[6] Vide, no mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de novembro de 2009 (Sebastião Póvoas), proc. n.º 1842/04.3TVPRT.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt).
[7] Cf. António Pinto Monteiro, Contrato de agência, anotação ao Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de julho, Coimbra, Almedina, 1987, p.51.
[8] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, p.119 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[9] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, pp.135-137 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[10] Cf.  MARIA RAQUEL ALEIXO ANTUNES REI, Da interpretação da declaração negocial no Direito Civil Português, pp.224, 230 – disponível para consulta in https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/4424/1/ulsd61308_td_Maria_Rei.pdf.
[11] Cf. José Carlos Brandão Proença, “Para uma leitura restritiva da norma (artigo 1091º do código civil) relativa ao direito de preferência do arrendatário”, in Estudos em Honra do Professor Doutor José de Oliveira Ascensão, 2º vol., Coimbra, Almedina, 2008, pp.967-968 que, a propósito dos contratos para fins não habitacionais, como é o caso os presentes autos, quando celebrados ao abrigo do disposto no art. 1110.º, n.º 1, do CC ( que permite às partes estabelecer livremente as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento),  conclui que “esse plus tutelar que é o direito de preferência do arrendatário não tem justificação nos arrendamentos praticamente submetidos ao princípio da autonomia privada, como são os arrendamentos não habitacionais celebrados nos termos do artigo 1110.°, n.° 1, do Código Civil, e que foram encarados pelo legislador sem necessidade de tutelar uma parte mais frágil e como factores marcantes de dinamização do mercado habitacional. Tendo em conta que a aplicação do direito de preferência a estes contratos seria incoerente, implicaria a descaracterização da figura e iria contra a natureza e os interesses que presidiram a uma contratação querida como temporária, não vemos fundamento para considerar nula a renúncia antecipada feita pelo arrendatário ou o clausulado tendente a confirmar a referida exclusão do direito de preferência”.
 Por seu turno, Rute Teixeira Pedro, “O direito de preferência do arrendatário no ocaso do vinculismo - breves reflexões à luz da reforma de 2012”, in Cadernos de Direito Privado, nº. 42, (Ab./Jun. 2013), pp.14-26, entende mesmo que o art. 1091.º tem carácter supletivo em relação a todos os tipos de contratos de arrendamento urbano, concluindo que “a não imperatividade do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 1091.º está em sintonia com a ponderação dos interesses em causa feita pelo legislador na reforma de 2012. No regime da conformação temporal e da extinção do contrato encontramos, como vimos, vários sinais que atestam a opção pela devolução da regulação do contrato ao funcionamento da autonomia privada. É, aliás, o legislador que a revela, na alínea a) do art. 1.º da Lei n.º 31/2012, de 14/8, ao estabelecer que a lei pretende alterar “o regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento”. O legislador desprende, assim, a proteção do arrendatário da atribuição de notas vinculísticas ao regime do arrendamento e, consequentemente, da garantia de períodos alargados da vigência dos contratos e da imposição da previsão de um direito de preferência do arrendatário na venda ou dação em cumprimento do local arrendado.”
[12] Cf. António Menezes Cordeiro, “Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas”, in ROA, 2005, ano 65,  Vol. II (Set. 2005) – disponível para consulta in https://portal.oa.pt/publicacoes/revista/ano-2005/ano-65-vol-ii-set-2005/artigos-doutrinais/antonio-menezes-cordeiro-do-abuso-do-direito-estado-das-questoes-e-perspectivas-star/.
[13] Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.
[14] Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.
[15] Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.
[16] Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.
[17] À semelhança do efeito legalmente previsto para a omissão de declaração de preferência. Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.
[18] Cf. Parecer do Senhor Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida.