Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
762/04.6TYLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: DELIBERAÇÃO SOCIAL
DECLARAÇÃO DE NULIDADE
ANULABILIDADE DE DELIBERAÇÕES.
PODERES DE COGNIÇÃO
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 10/04/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS / DELIBERAÇÕES ANULÁVEIS / DELIBERAÇÕES NULAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / SENTENÇA CONDENATÓRIA ( LIMITES DA CONDENAÇÃO ).
Doutrina:
- Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, 668/669.
- Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana, CJ Ano XVII, Tomo III, 1992, 55/64.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC):- ARTIGO 58.º, N.º1, AL. A).
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.ºS 1 E 3, 5.º, N.º 3, 552.º, N.º 1, AL. D), 609.º.
Jurisprudência Nacional:
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- VOTO VENCIDO DE TORRES PAULO AO A.U.J. DE 23 DE JANEIRO DE 2001 (RELATOR MOURA CRUZ), IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. O pedido de nulidade da deliberação social formulado nos autos é um direito com uma expressão diversa do de anulabilidade da mesma deliberação, porquanto poderia ser invocado a todo o tempo e a verificar-se, sempre poderia ser declarado oficiosamente, mesmo no caso de nem sequer ter sido equacionado pelas partes, contrariamente àqueloutro de anulabilidade decorrente do normativo inserto no artigo 58.º, n.º1, alínea a) do C.S.Comerciais.

II. Não tendo sido pedida a anulabilidade da deliberação, não sendo a mesma de conhecimento oficioso e estando a mesma fora do perímetro objectivo/processual configurado pelos Autores, escapava, de todo em todo, aos poderes de cognição – possíveis - do Tribunal, decorrentes do preceituado no artigo 5.º, n.º3 do CPCivil.

III. O conhecimento oficioso da norma jurídica aplicável, na decorrência daquele artigo 5.º, n.º3 do CPCivil n.º3, está dependente da introdução na causa dos factos essenciais à respectiva aplicação, daqui decorrendo que no plano factual, impera o ónus de alegação das partes; no plano do direito material aplicável, embora vigorando o princípio da soberania do juiz, há que ter em conta que o conhecimento oficioso se tem de circunscrever ao perímetro formado pelo objecto do processo.

IV. Significa isto que como ponto de partida, efectivamente temos como princípio estruturante em processo civil que o Tribunal não está minimamente vinculado às considerações de direito formuladas pelas partes, não estando por isso, igualmente adstrito a eventuais lapsos de qualificação jurídica.

V. Contudo, viola-se o principio da conformidade da instância na sua valência objectiva, que leva à condenação «ultra petitum», processualmente inadmissível, o conhecimento oficioso pelo Tribunal de um vício que, embora factualmente alegado, não é peticionada a respectiva consequência jurídica, a qual escapa aos poderes de cognição do tribunal.

APB

Decisão Texto Integral:

 ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M, H, A e P instauraram acção declarativa com processo ordinário contra S, SA, pedindo que seja declarada a nulidade de todas as deliberações tomadas na Assembleia Geral da Ré realizada no dia 26 de Setembro de 1994, maxime a que determinou o aumento do capital social de 74.819,68 £á (€ 15.000.000$00) para 370.403,30 £á (€ 75.000.000$00).

Alegaram para o efeito e em síntese que:

São sócios da Ré, sendo titulares de 2.550 acções, na qualidade de herdeiros do sócio A M, e de 15 acções cada um.

A Ré convocou uma assembleia geral para o dia 26 de Setembro de 1994, de cuja ordem de trabalhos fazia parte a deliberação de um aumento de capital social e consequentemente alteração dos estatutos da sociedade.

As acções encontravam-se depositadas no cofre da sociedade e que A M requereu à Ré que esta emitisse declaração de detenção das acções que o habilitassem a tomar parte dos trabalhos, tendo esta recusado faze-lo com fundamento no facto de, em virtude das acções serem ao portador, não poder certificar naquele momento os seus possuidores. Foi impedido de participar e votar na referida assembleia geral e que ao fazê-lo a Ré violou os artigos 379º, 384º e 56º, nº 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.

A Ré contestou, alegando que, em virtude das acções terem sido retiradas do cofre pelos próprios accionistas, competia a A M fazer prova dessa qualidade, o que este não logrou fazer e por isso não foi autorizado a participar por não ter feito prova da qualidade de accionista, pelo que a deliberação não esta ferida de qualquer nulidade, mas ainda que assim não se entendesse, ao terem efectuado a transacção no processo de reforma de títulos, a primeira Autora e A M aceitaram o aumento de capital, pelo que não podem nos termos do nº 3 do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais invocar a nulidade.

Os Autores replicaram, concluindo como na Petição Inicial.

Foi produzida sentença a julgar a acção procedente com a anulação da deliberação aprovada na assembleia geral da Ré de 14 de Outubro de 1994, em segunda convocatória da assembleia de 26 de Setembro de 1994, que determinou o aumento do capital social de 74.819,68 £á (€15.000.000$00) euros para 370.403,30 £á (€ 75.000.000$00).

A Ré apresentou recurso desta decisão, tendo a Apelação sido julgada procedente, revogada a decisão recorrida e absolvida aquela do pedido.

Irresignados com este desfecho vêm agora os Autores impugnar o Aresto assim produzido, apresentando as seguintes conclusões:

- O presente recurso de revista vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que revogou a sentença proferida em 1ª instância, por entender que esta teria violado o princípio do contraditório do art. 265 do CPC ao ter fundado a sua decisão numa causa de pedir diferente daquela que serviu de base ao pedido, sendo que o vício da deliberação invocado de nulidade é diferente na sua natureza e regime legal do vício de anulabilidade, o que poderia implicar uma defesa totalmente diversa, mormente a dedução de excepção de caducidade.

- Não assiste, contudo, razão atendível, consistente e sólida à douta sustentação argumentativa do Acórdão em causa, como veremos, maxime, por violação da lei substantiva (artigo 58° do CSC ) e da lei adjectiva dos artigos 3°, 265°, 552° e 615.° do CPC.

- A causa de pedir dos AA está consubstanciando no acervo factual plasmado nos artigos 5.° a 34º da petição inicial, sendo essa narrativa a decorrência do preceituado no artigo 467.°, n.º 1, al. d) e hoje plasmado no artigo 552,°, n.º 1,  al. d) do CPC

- E funda-se no impedimento da participação dos AA enquanto sócios na Assembleia Geral da Ré de 2609.1994, com a subsequente "invalidade" de todas as deliberações tornadas, ut expressamente invocado no artigo 40.º da petição inicial.

- Sendo consabido uniformemente na doutrina, de que se destacam entre outros António Montalvão Machado e Paulo Pimenta, que o Tribunal apenas está vinculado às alegações de facto das partes, uma vez que quanto às questões de direito pode conhecer delas sem limitação.

- No mesmo sentido, Lebre de Freitas sustenta que, ao contrário do que acontece com a causa de pedir, a fundamentação de direito da petição não condiciona o conteúdo da sentença e o Juiz permanece livre na indagação, interpretação e aplicação do Direito.

- A causa de pedir na presente acção é só uma e traduz-se na alegação fáctica do impedimento de participação dos sócios na Assembleia de Geral de 26.09.1994 com a inerente "invalidade" das deliberações sociais tomadas a jusante.

- Ou seja, qualificar a invalidade de uma deliberação como muito bem fez o Tribunal da 1.ª Instância, como nula, anulável ou inexistente, não interfere com a causa de pedir, nem implica qualquer alteração ou modificação da mesma.

- A pari, inexiste qualquer violação do princípio do contraditório (artigo 3.° do CPC) porquanto a Ré foi citada para contestar a acção e pronunciou-se em todos azimutes sobre a articulação fáctica e de Direito.

- E se o quisesse poderia ter discutido a qualificação jurídica da invalidade das deliberações invocada pelos AA., erigindo nomeadamente a excepção de caducidade, caso entendesse que a qualificação da invalidade seria a da anulabilidade, o que não fez.

- Do mesmo passo, se quisesse fazer valer a sua pretensão, deveria ter invocado a nulidade da sentença no Recurso interposto para a Relação, ao abrigo do artigo 615.°, n.º1, al. e) do CPC, por apreciação do objecto diverso do pedido, o que igualmente não fez.

- Nenhum reparo podendo ser feito ao Tribunal da 1ª Instância, ao invés do que sucede com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao sentenciar que o Tribunal não está sujeito às alegações das partes quanto à aplicação das regras de Direito, e ao declarar a anulabilidade da deliberação do aumento de capital social da Ré.

- O Acórdão recorrido violou, inter alia, o artigo 58.°, n.º 1, al. a) do CSC, e os artigos 3.º (a contrario sensu) 552.°, n.º 1, al. d), 265.°, n.º 1 e 615, n.º 1, al. e) todos do CPC, pelo que se impõe a sua revogação.

Nas contra alegações a Ré pugna pela improcedência do recurso.

II A única questão que se põe no âmbito do presente recurso é a de saber se o Tribunal poderia ou não poderia concluir pela anulabilidade da deliberação social tomada, ao invés da nulidade da mesma como peticionado foi.

As instâncias deram como assentes os seguintes factos:

- A Ré é uma sociedade anónima constituída por escritura pública de 13 de Fevereiro de 1932 e registada na Conservatória do Registo Comercial de ….

- O seu capital social de 500.000$00 (€2.493,99) foi posteriormente aumentado por escritura pública de 21 de Abril de 1972, outorgada no 12º Cartório Notarial de Lisboa, para 15.000.000$00 (€74.819,68), representado por 30.000 acções no valor nominal de 500$00/€2,49 cada uma.

- O seu escopo social é o exercício da indústria hoteleira; o exercício do comércio a ela inerente, e todo o demais comércio e indústria que lhe convenha e que com aqueles comércio ou indústria se relacionem ou as completem pelo que poderá adquirir todos e quaisquer bens móveis e imóveis, privilégios e outros direitos que sejam necessários para o preenchimento do mesmo objecto, podendo exercê-lo directamente ou associada a outrem.

- O artigo 16º do contrato de sociedade da Ré tem o seguinte teor:

“A Assembleia geral, ordinária ou extraordinária, será constituída pelos accionistas possuidores de, pelo menos, quarenta acções nominativas ou ao portador, contando que umas e outras já se achem averbadas nos competentes registos ou depositadas nos cofres da sociedade ou estabelecimento bancário, com uma antecedência não inferior a oito dias da data marcada em 1ª convocação”.

- A Ré dedica-se à exploração do Hotel …, situado em….

- Os Autores são titulares de 2.550 acções, no valor nominal de €4,99, ao portador, na qualidade de Herdeiros do sócio A M, falecido em 21 de Janeiro de 2003.

- E ainda cada, por si, titular de 15 acções, no valor nominal de €4,99, ao portador.

- O marido da 1ª Autora e ascendente dos demais Autores, A M era accionista da Ré e neto do seu sócio fundador, accionista maioritário e administrador A M, entretanto já falecido.

- Em 18 de Novembro de 1954, o avô de A M instituiu por testamento, relativamente a quota disponível da sua herança, um fideicomisso a favor dos seus bisnetos, filhos daquele, e aqui Autores, e de seus irmãos M e A M L, a quem designou fiduciários, referente a metade de todos os seus bens, qualquer que seja a sua natureza ou espécie.

- Na sequência do estipulado nesse testamento, coube ao marido e pai dos Autores e a seus dois referidos irmãos após a morte de seu avô ocorrida em 8 de Maio de 1955, um lote de 7650 acções da Ré que eram representativas de 26% do capital social.

- Após a morte de A M sucedeu-lhe no cargo de Administrador da Ré, seu filho único F, pai de A M, sogro e avô dos ora Autores, também já falecido.

- A M detinha 2550 acções da Ré que adquirira em 1957, ainda em vida de seu pai F que veio a falecer em 19 de Janeiro de 1979, e que era, a essa data, titular de 64% do capital social.

- A irmã de A M, M F era detentora de 420 acções do capital social da Ré.

- Na sequência da morte do avô dos Autores F M correu termos pelo Tribunal de … um inventário facultativo para partilha da respectiva herança, onde foram relacionadas - verba nº 10 - 19.200 acções da Ré de sua propriedade, que representavam 64% do capital social.

- M F A, casada com o avô dos Autores em terceiras núpcias dele, foi a cabeça de casal nesse inventário e na partilha concluída em 1988 tendo-lhe sido adjudicada a verba respeitante as sobreditas 19.200 acções da Ré pertencentes a herança de seu falecido marido, no valor de 64% do capital social.

- O capital social da Ré ficou distribuído do seguinte modo:

- M F A 19.200 acções

- A M 2.550 acções

- M F 420 acções

- Acções sujeitas ao fideicomisso 7.650 acções

- Restantes acções divididas: 30 lotes por seis titulares 180 acções

TOTAL: 30.000 acções.

- Após o falecimento do sogro da 1ª Autora e avó dos restantes Autores em 19 de Janeiro de 1979, os títulos das acções emitidas pela Ré e pertencentes, respectivamente, ao marido da 1ª Autora e pai dos demais Autores e das pertencentes em comunhão indivisa a este e seus irmãos foram guardados no cofre da sociedade, confiados a guarda da respectiva administração.

- As acções, que o antedito finado parente dos Autores possuía em compropriedade com os seus irmãos, relativas ao fideicomisso, foram registadas no livro de registo de acções.

- Durante os anos em que decorreu o inventário por morte do avô dos Autores, a Administradora da sociedade, M F, sempre reconheceu o ascendente dos Autores, e seus irmãos como legítimos detentores das acções em 10, o ascendente dos Autores como legítimo detentor das acções referidas em 12 e ainda a irmã deste, M F L, como possuidora das acções mencionadas em 13.

- Até meados de 1984, o marido e pai dos Autores e seus dois referidos irmãos sempre intervieram nas assembleias gerais da Ré, assinando o livro de presenças, tomando parte nas deliberações e votações, assinando e muitas vezes escrevendo as próprias actas.

- Sempre que houve distribuição de lucros pelos accionistas, o parente dos Autores em nome próprio e os seus dois irmãos com ele, em comunhão indivisa, foram chamados a recebê-los e pagaram os respectivos impostos.

- A Ré, por convocatória datada de 10 de Agosto de 1994, publicada no Diário da Republica, …, viria a convocar uma Assembleia Geral, pelas 10 horas, do dia 26 de Setembro de 1994, de cuja ordem de trabalhos fazia parte a deliberação de um aumento de capital social e consequentemente alteração dos estatutos da sociedade.

- Da convocatória referida em 21 constava, além do mais:

“Podem participar e exercer o seu direito de voto nesta assembleia todos os accionistas que possuam um mínimo de 40 acções, contando que façam prova de que as mesmas se encontram registadas ou depositadas nos cofres da sociedade ou instituição financeira, com uma antecedência não inferior a oito dias da data marcada em primeira convocação nos termos dos artigos 16º e 20º dos estatutos. No caso da assembleia geral ora convocada não poder funcionar por falta do quorum exigido, procedo desde já, nos termos do artigo 383º, nº 4 do Código das Sociedades Comerciais, a uma segunda convocação para o dia 14 de Outubro de 1994, a mesma hora, no mesmo local e com a mesma ordem do dia, podendo então a assembleia deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital de que forem titulares”.

- Dado tratar-se de uma deliberação com implicações na alteração da percentagem de participação no capital social de cada accionista, o falecido marido e pai dos Autores e seus irmãos propuseram-se tomar parte nos trabalhos como representantes no fideicomisso, e em nome próprio no caso do cônjuge e ascendente dos Autores.

- Para o efeito, deliberaram o marido da 1ª Autora e pai dos restantes Autores e seu irmão Alberto confiar a sua representação conjunta nessa Assembleia ao primeiro.

- Na sequência do referido em 24 e 25, aquele dirigiu à Administração da Ré as cartas datadas de 26 de Agosto de 1994 e 1 de Setembro de 1994, requerendo a declaração de detenção das acções que possui em nome próprio e ainda das que detém conjuntamente com os seus irmãos em regime de fideicomisso, bem como dos respectivos números de emissão, que o habilitassem a tomar parte dos trabalhos.

- A Administração da Ré, em 15 de Setembro de 1994, escreveu-lhe uma carta informando-o de que em virtude das acções serem ao portador não poderia certificar naquele momento os seus possuidores.

- Em resposta a nova insistência do mesmo, por carta datada de 19 de Setembro de 1994, a Ré voltaria a reiterar em carta de 21 de Setembro de 1994 o desconhecimento da detenção das acções a quo por parte do marido da 1ª A. e pai dos 2º, 3º e 4º. Autores, e deste e seus irmãos, advertindo-os de que “aos accionistas que compete fazer prova perante a sociedade da posse actual dos títulos ao portador da mesma, de forma a poderem exercer os seus direitos de sócios”. 29. Apesar de o marido e pai dos Autores se ter deslocado ao local da reunião da Ré, foi ali impedido fisicamente de participar, por não ser sócio.

- Da Assembleia Geral da Ré realizada em 26 de Setembro de 1994 foi elaborada acta, com o seguinte teor:

“Aos vinte e seis dias do mês de Setembro de mil novecentos e noventa e quatro, pelas dez horas, reuniu-se na sua sede social, sita na Avenida …, a Assembleia Geral de accionistas da Stellamare, S.A. (…) conforme aviso convocatório publicado respectivamente no Diário da República, … e no Jornal … de vinte e cinco de Agosto de mil novecentos e noventa e quatro.

Presidiu a reunião o Senhor Presidente da mesa da Assembleia Geral, Doutor …, o qual ao organizar a lista de presenças verificou que se encontrava na sala de reuniões Senhor … que declarou que pretendia estar presente e participar nesta Assembleia Geral, por si próprio e em representação de um fideicomisso.

Como dos documentos que instruíam o processo da Assembleia Geral não constava qualquer referência, quer a ele, quer aos fiduciários que ele dizia representar, como accionistas da sociedade e dado que as acções desta são todas ao portador e não se encontram actualmente sujeitas ao regime de registo ou deposito, o Senhor Presidente interpelou-o no sentido do mesmo fazer ali de imediato a prova de que quer ele, quer as pessoas que dizia representar, eram actuais possuidores de acções da S, S.A., em que medida o eram, e bem assim em como havia sido dado cumprimento aos requisitos exigidos pelo Artigo dezasseis dos Estatutos.

Uma vez que tal prova não foi por ele feita, o Senhor Presidente decidiu não ter aquele Senhor, nestas condições, direito a estar presente e participar nesta Reunião da Assembleia Geral, com fundamento no disposto nos artigos trezentos e quarenta e dois número um do Código Civil, trezentos e vinte e sete número um, última parte, trezentos e trinta e oito numero um, trezentos e setenta e nove numero um do Código das Sociedades Comerciais e dezasseis dos Estatutos da Sociedade, decisão esta que lhe foi logo comunicada. De seguida, o Senhor Presidente, após ter verificado o livro de presenças e pelos demais documentos que instruíam o processo da Assembleia Geral, que não estavam presentes nem representados accionistas cujas acções correspondessem ao quorum exigido pelo artigo dezoito dos Estatutos, declarou que a Assembleia Geral não se considerava validamente constituída para poder deliberar em primeira convocação e que por essa razão iria reunir de novo em segunda convocação no próximo dias catorze de Outubro de mil novecentos e noventa e quatro, a mesma hora, no mesmo local e com a mesma ordem do dia, conforme constava ja do acima referido Aviso Convocatório (…).

Como mais nada houvesse a tratar, o Senhor Presidente da mesa deu como encerrada a sessão pelas dez horas e quinze minutos, após o que se lavrou a presente acta que vai por ele ser assinada”.

- Da Assembleia Geral da Ré realizada em 14 de Outubro de 1994 foi elaborada acta, com o seguinte teor:

“Aos catorze dias do mês de Outubro de mil novecentos e noventa e quatro, pelas dez horas, reuniu em segunda convocação a Assembleia Geral de accionistas da S, S.A. (…) na sua sede social, sita na Avenida …, conforme aviso convocatório publicado respectivamente no Diário da Republica, … e no Jornal … de vinte e cinco de Agosto do mesmo ano, com a seguinte ordem do dia:

Deliberar sobre uma proposta do Conselho de Administração de aumento do capital social e consequente alteração do artigo 5º dos estatutos.

Presidiu à reunião o Senhor Presidente da mesa da Assembleia Geral, Doutor …, o qual foi secretariado pelo secretário da mesa e accionista L.

Quando o Senhor Presidente organizava a lista de presenças entrou na sala da reunião uma pessoa que se identificou como sendo o Senhor A que declarou pretender participar na Assembleia Geral, em seu nome próprio e em representação dos irmãos.

Consultados os documentos que instruíam o processo da Assembleia Geral, o Senhor Presidente constatou que das mesmas não havia alguma que fizesse referência aquele senhor quer como accionista, quer como representante de quem quer que fosse. Não foi, também, entregue na sede da Sociedade dentro do prazo imposto pelo parágrafo segundo do artigo 16º dos Estatutos, qualquer carta mandadeira dirigida ao Presidente da mesa, em que o referido senhor fosse nomeado representante de accionistas, nem este exibiu ou entregou, na altura da reunião, ao Presidente da Mesa, quaisquer documentos que comprovassem ser possuidor de acções da sociedade ou representante de accionistas

Considerando que as acções da Sociedade são todas ao portador e não se encontram sujeitas ao regime legal de registo ou de depósito, o Senhor Presidente da Mesa interpelou-o no sentido do mesmo fazer ali, de imediato, a prova de que, quer ele, quer as pessoas que dizia representar, eram actuais possuidores de acções da S, S.A., e bem assim em como havia sido dado cumprimento aos requisitos exigidos pelo Artigo 16º dos Estatutos.

Uma vez que ele não fez a prova exigida, o Senhor Presidente decidiu não ter aquele Senhor, nestas condições, direito a participar nesta Reunião da Assembleia Geral, com fundamento no disposto nos artigos 342 número 1 do Código Civil, 327 número 1, última parte, 338 número 1, 379 numero 1, 380 números 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais e 16 dos Estatutos da Sociedade.

Desta decisão do Presidente da Mesa foi-lhe dado imediato conhecimento, bem como aos accionistas presentes.

De seguida, o Senhor Presidente, após ter verificado pelo livro de presenças e pelos demais documentos que instruíam o processo da Assembleia Geral, que estavam presentes e representados accionistas cujas acções correspondiam ao quorum constitutivo e deliberativo previsto respectivamente nos artigos 383 número 3 e 386 número 4 do Código das Sociedades Comerciais, declarou aberta a sessão.

O Senhor Presidente da mesa passou, então, à apreciação da Assembleia a ponto único da ordem do dia, para o que mandou o Secretario proceder a leitura em voz alta da seguinte proposta apresentada pelo Conselho de Administração:

(…)Após haver apreciado e discutido esta proposta do Conselho de Administração a Assembleia Geral deliberou por unanimidade o seguinte:

I - Proceder ao aumento do capital social da S, S.A. de 15.000.000$00 para 75.000.000$00 nas seguintes condições:

1 - Modalidade do aumento de capital: por novas entradas.

2 - Montante do aumento: 60.000.000$00.

2.1. -V Não sendo o aumento de capital totalmente subscrito, ficará o mesmo limitado às subscrições recolhidas.

3 - Montante Nominal das novas participações - Acções de valor nominal de 1.000$00 cada uma.

4 - Natureza das novas entradas: dinheiro.

5 - As acções não terão ágio.

6 - As entradas em dinheiro devem ser efectuadas dentro dos seguintes prazos:

6.1 - 30.000.000$00 no acto da subscrição.

6.2 - 10.000.000$00 até ao dia 30 de Abril de 1995.

6.3 - 10.000.000$00 até ao dia 30 de Outubro de 1995.

6.4 - 10.000.000$00 até ao dia 30 de Março de 1996.

7 - Participação no aumento de capital os accionistas que exerçam o seu direito de preferência.

II - Que em consequência do aumento de capital atrás deliberado, fosse alterado o artigo 5º dos Estatutos da Sociedade que passará a ter a seguinte redacção:

“O Capital Social e de setenta e cinco milhões de escudos, representado por setenta e cinco mil acções de valor nominal de 1.000$00 cada uma, e esta integralmente subscrito e realizado em quarenta e cinco milhões de escudos pelos sócios.

O Senhor Presidente pediu de seguida a palavra para na sua qualidade de accionista apresentar a seguinte proposta:

Em consequência do aumento de capital, da alteração do artigo 5º dos Estatutos que acaba de ser aprovada e ainda por imposição do número 5 do artigo 533 conjugado com o número 2 do artigo 276 do Código das Sociedades Comerciais, tem de ser alterado o valor nominal das acções em circulação de 500$00 por acções novas de 1.000$00, na proporção de duas daquelas por cada uma destas.

Esta operação de substituição de acções deverá ser feita pelos accionistas na tesouraria da sociedade, dentro de prazo a fixar pelo Conselho de Administração em Anúncio a publicar para esse fim.

Posta esta proposta a votação foi a mesma aprovada por unanimidade.

Como mais nada houvesse a tratar, o Senhor Presidente da mesa deu como encerrada a sessão pelas onze horas, após o que se lavrou a presente acta que vai por ele e pelo secretário da mesa ser assinada“.

- Confrontados com tal impedimento, o pai dos 2º 3º e 4º Autores e sua esposa, a 1ª Autora, através do Processo Especial de Reforma de Títulos, que correu termos pelo … Juízo Cível do Tribunal …, através de transacção homologada nesses autos, viram-lhe ser reconhecida a qualidade de sócios, a eles próprios, a H, a A e a P.

Na transacção referida foi acordado:

“1º - Autores e Ré reconhecem a existência de 5.400 acções no valor nominal de mil escudos (actualmente convertido em euros) correspondentes as 10.800 cuja reforma se requeria nos presentes autos, as quais estão em poder da Ré.

2º - Dessas 5.400 acções pertencem ao Autor A e esposa 2.565, estando 1.275 afectas ao fideicomisso, 1.275 acções próprias dos Autores e as restantes 15 correspondentes a 1/6 do grupo de 90, correspondentes as 180 velhas referidas no artº 14º da petição inicial.

3º - A M F cabem 1.485 acções estando 1.275 afectas ao fideicomisso.

4º - A A M M cabem 1.275 acções que estão afectas ao fideicomisso.

5º - A H cabem 15 acções.

6º - A A M cabem tambem15 acções.

7º - A A M B cabem igualmente15 acções.

8º - A J cabem também 15 acções.

9º - A M F M cabem 15 acções”.

Vejamos.

A decisão recorrida, assenta no seguinte raciocínio: «(…) A deliberação social em causa data de 14 de Outubro de 1994.

A acção entrou em juízo em 7 de Julho de 2004, quase dez anos após.

Fundou-se exclusivamente no vício da nulidade da deliberação, ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº 1, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, que prescreve: “São nulas as deliberações dos sócios: Tomadas em assembleia geral não convocada, salvo se todos os sócios estiverem presentes ou representados”.

Tratando-se do vício de nulidade, referiram os AA., no seu artigo 52º da petição inicial: “..estão em tempo, na medida em que a nulidade da deliberação em crise é invocável a todo o tempo por qualquer interessado – artigo 286º do Código Civil, podendo inclusive ser declarada oficiosamente pelo Tribunal”.

A Ré, na sua contestação, opôs-se à verificação desta forma de invalidade da deliberação, pressupondo a tempestividade da sua invocação, uma vez que estava em causa o vício da nulidade da deliberação social, invocável a todo o tempo.

O tribunal a quo, na sua decisão, considerou não se verificar a nulidade da deliberação social, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo 56º do Código das Sociedades Comerciais, o que por si seria suficiente para, por si, determinar a inevitável improcedência do peticionado. Não obstante, o mesmo tribunal declarou anulável – e anulou – a mesma deliberação social com fundamento na alínea a) do nº 1 do artigo 58º do Código das Sociedades Comerciais, onde se refere: “são anuláveis as deliberações que: violem disposições quer da lei, quando ao caso não caiba a nulidade, nos termos do artigo 56º, quer do contrato de sociedade”.

Parece-nos claro que não o poderia ter feito.

A causa de pedir apresentada nos presentes autos encontrava-se estruturada com fundamento num determinado vício específico – a nulidade da deliberação social – que, atenta a sua natureza e regime legal, prejudicava a defesa por via da excepção de caducidade.

Tratando-se de nulidade da deliberação social, os AA. não se encontram temporalmente condicionados na interposição da presente demanda. Era invocável a todo o tempo, sem qualquer limite.

A Ré defendeu-se nesse mesmo pressuposto - que constituía aliás a única causa de pedir na presente acção.

Não é compreensível, portanto, que se veja surpreendida, em sede de prolação de sentença, com a declaração de um vício diverso – a anulabilidade da deliberação social - que a ser, como seria mister, invocado na petição inicial, poderia naturalmente implicar uma defesa totalmente diversa, mormente através da eventual dedução da excepção da caducidade, atendendo à enorme dilação temporal entre a data da deliberação e a da interposição da presente acção (quase dez anos).

A decisão recorrida constitui, portanto, uma intolerável violação do princípio do contraditório e assenta numa causa de pedir substantivamente diferente daquela que serviu de base ao pedido, o que é interdito nos termos do artigo 265º, nº 1 do actual Código de Processo Civil, tal como acontecia à luz do regime processual ao tempo da entrada da acção em juízo (cfr respectivo artigo 273º, na redacção do Decreto-lei nº 180/96, de 25 de Setembro e alterações subsequentes).

Procede, portanto, a presente apelação, determinando-se a absolvição da Ré do pedido.(…)».

Os Autores impugnam a fundamentação expendida no Aresto produzido, porquanto na sua tese estando a causa de pedir consubstanciada no acervo factual plasmado nos artigos 5.° a 34º da petição inicial, sendo essa narrativa a decorrência do preceituado no artigo 552,°, n.º 1,  alínea d) do CPCivil e fundando-se no impedimento da participação daqueles, enquanto sócios, na Assembleia Geral da Ré de 26 de Setembro de1994, com a subsequente invalidade de todas as deliberações tomadas e sendo consabido que o Tribunal apenas está vinculado às alegações de facto das partes, uma vez que quanto às questões de direito pode conhecer delas sem limitação, o que significa que qualificar a invalidade de uma deliberação como nula, anulável ou inexistente, não interfere com a causa de pedir, nem implica qualquer alteração ou modificação da mesma.

Quid inde?

 

Como deflui da Petição Inicial e se mostra assente, a causa de pedir nos presentes autos, encontra-se espelhada na materialidade constante nos artigos 5º a 34º daquele articulado, destinada à comprovação pelos Autores da sua qualidade de sócios da Ré, impedidos de participarem na deliberação cuja nulidade peticionaram.

A indicada materialidade, tendo em atenção o enunciado legal no que concerne aos requisitos na Petição Inicial, encontra-se aí devidamente enunciada, de harmonia com o preceituado no artigo 552º,1, alínea d) do CPCivil.

Contudo, como deflui daquele apontado normativo, a Petição Inicial tem de obedecer a vários requisitos, que passam, também, pela formulação do pedido: isto é, o pedido é requisito essencial da Petição Inicial; e, o pedido formulado pelos Autores na presente acção foi o da declaração da nulidade da deliberação social tomada na AG da Ré realizada no dia 26 de Setembro de 1994, maxime a que determinou o aumento do capital social de 74.819,68 £á (€ 15.000.000$00) para 370.403,30 £á (€ 75.000.000$00).

Foi este o pedido, específico e preciso, que foi efectuado pelos Autores.

Face à causa de pedir e pedido enunciados pelos Autores, a Ré apresentou a sua defesa impugnando toda aquela factualidade invocada, tendo concluído pela improcedência da acção.

Em sede de sentença final, o Tribunal concluiu que a materialidade factual apurada, embora não conduzisse à nulidade da deliberação, como pedido fora, conduzia antes à anulabilidade e, verificada esta, declarou-a, estando nesta declaração o aporema daqui.

A favor da mesma manifestam-se os Autores/Recorrentes,  esgrimindo a inexistência de qualquer violação do princípio do contraditório, porquanto a Ré foi citada para contestar a acção e pronunciou-se em todos azimutes sobre a articulação fáctica e de direito, acrescendo que se o quisesse poderia ter discutido a qualificação jurídica da invalidade das deliberações.

Esta simplicidade argumentativa, numa primeira leitura, até parece acolher a simpatia da Lei processual, pois o normativo inserto no artigo 5º, nº3 do CPCivil dispõe que «O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.», sendo certo que a factualidade integrante do vício da anulabilidade verificado havia sido toda carreada para os autos na oportunidade devida e dela a Ré teve conhecimento aquando o seu chamamento à acção, tendo na altura exercido o respectivo contraditório.

Mas não é essa a solução erigida pela Lei processual.

O conhecimento oficioso da norma jurídica aplicável, na decorrência daquele nº3, está dependente da introdução na causa dos factos essenciais à respectiva aplicação, daqui decorrendo que no plano factual, impera o ónus de alegação das partes; no plano do direito, embora vigorando o principio da soberania do juiz, há que ter em conta, no plano do direito material aplicável, que o conhecimento oficioso se tem de circunscrever ao perímetro formado pelo objecto do processo, cfr lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, 668/669.

Significa isto que como ponto de partida, efectivamente temos como princípio estruturante em processo civil que o Tribunal não está minimamente vinculado às considerações de direito formuladas pelas partes, não estando por isso, igualmente adstrito a eventuais lapsos de qualificação jurídica.

Situação completamente diversa é a que resulta da formulação de um pedido materialmente desconforme com o direito aplicável, não resultando aqui de um problema de qualificação, mas antes de uma questão de pedido substancial, cfr a este propósito o voto vencido de Torres Paulo ao AUJ de 23 de Janeiro de 2001 (Relator Moura Cruz), in www.dgsi.pt, num caso de impugnação paulina em que havia sido requerida a nulidade e o STJ entendeu que tal pedido poderia ser corrigido oficiosamente para ineficácia; Menezes Cordeiro, Impugnação Pauliana, CJ Ano XVII, Tomo III, 1992, 55/64.

O pedido de nulidade da deliberação social tomada pela Ré em 26 de Setembro de 1994, formulado na presente acção pelos Autores, aqui Recorrentes, é um direito com uma expressão diversa, daquele que lhes assistia, porquanto poderia ser invocado a todo o tempo e a verificar-se, sempre poderia ser declarado oficiosamente, mesmo no caso de nem sequer ter sido equacionado pelas partes, contrariamente à anulabilidade decorrente do normativo inserto no artigo 58º, nº1, alínea a) do CSComerciais, decretada in casu.

E, nestes termos, pour cause, não tendo sido pedida a anulabilidade da deliberação, não sendo a mesma de conhecimento oficioso e estando a mesma fora do perímetro objectivo/processual configurado pelos Autores, escapava, de todo em todo, aos poderes de cognição – possíveis - do Tribunal, decorrentes do preceituado no artigo 5º, nº3 do CPCivil.

Aliás, se assim não fosse, estar-se-ia a instituir um atropelo aos princípios da necessidade do pedido e da respectiva contradição, bem como a introduzir uma excepção inadmissível aos limites da condenação, impostos pelo nº1 dos artigos 3º e 609º do CPCivil.

Poder-se-ia, quiçá, admitir que a anulabilidade pudesse ter sido equacionada pelo primeiro grau, caso antes da prolação da sentença e verificado que tivesse sido que o vício invocado não enquadrava a nulidade, mas antes a anulabilidade, o Meritíssimo Juiz tivesse ordenado a notificação das partes para se pronunciarem a respeito, dando assim integral cumprimento ao preceituado no artigo 3º, nº3 do CPCivil.

É que, neste caso, muito embora a declaração de anulabilidade não tivesse sido peticionada e a sua declaração não fosse, como não é, de conhecimento oficioso, ter-se-ia dado oportunidade às partes, mormente à Ré, para se pronunciarem sobre a mesma, maxime, sobre a sua efectiva operância face à extinção do direito de acção, nos termos do artigo 59º, nº1 do CSComerciais, há muito ocorrido, sempre se dizendo ex abundanti que a propositura desta acção passados dez anos sobre a deliberação impugnada, poderia, quiçá, enquadrar um verdadeiro abuso de direito, questão esta que aqui se não coloca, por ausência de elementos que integrem o conceito (a não ser o excessivo lapso de tempo que mediou entre a deliberação e a instauração da acção).

Concluindo, foi violado pelo primeiro grau o principio da conformidade da instância na sua valência objectiva, o que levou à condenação «ultra petitum», processualmente inadmissível, e por isso devidamente sancionada pelo segundo grau, o que conduz necessariamente à improcedência das conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 4 de Outubro de 2016

Ana Paula Boularot - (Relatora)

Pinto de Almeida

Júlio Gomes