Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1246/20.0T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Descritores: LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
CONDENAÇÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DEVER DE RESPEITO
DECISÃO JUDICIAL
TRÂNSITO EM JULGADO
CONDENAÇÃO EM MULTA
REEMBOLSO DE DESPESAS
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. É sempre admissível o recurso, em um grau da decisão que condene por litigância de má-fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência. Admite-se assim o recurso no caso de a Recorrente haver sido condenada por litigância de má-fé apenas pelo TR, uma vez que o Tribunal de 1.ª instância tinha julgado improcedente este pedido de condenação da Autora.

II. O tipo central de responsabilidade civil por comportamento processual não se limita a qualificar uma qualquer conduta lesiva de bens jurídicos como consubstanciando litigância de má-fé, pois descreve também as condutas que merecem um juízo de ilicitude.

III. Tanto age de má-fé o sujeito processual que sabe que não tem razão quando pede como aquele que não devia ignorar que não tem razão.

IV. Está em causa o respeito devido aos Tribunais e às suas decisões transitadas em julgado, assim como à parte contrária.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. Cofidis (Sucursal da S.A. Francesa Cofidis) intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA e BB, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia global de € 7.561,10, acrescida de juros moratórios vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa anual de 4%, assim como de juros compulsórios à taxa anual de 5%.

2. De acordo com a petição inicial, a Autora disponibilizou aos Réus, a pedido destes, a quantia total de € 8.460,00, através de crédito em conta corrente, devendo este valor ser reembolsado em prestações mensais, tendo ainda sido contratado o seguro de vida e de proteção. A 1 de março de 2015, os Réus não pagaram a prestação que se vencia nesse mês nem as seguintes, apesar das interpelações efetuadas, ascendendo o capital em dívida a € 6.310,14, acrescido de juros de mora, contados desde essa data, no valor de € 1.250,96.

3. Ainda de acordo com o mesmo articulado, este valor é pedido aos Réus ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos arts. 473.° e ss. do CC, por estes terem a obrigação de restituir aquilo com que se locupletaram à custa da demandante Cofidis.

4. A Autora Cofidis afirma que invoca o instituto do enriquecimento sem causa apesar da sua natureza subsidiária, pois intentou, anteriormente, procedimento de injunção contra os Réus, no qual estes deduziram oposição, e ali foi proferida sentença de improcedência total da ação, por não ter sido provada a interpelação para pagamento das prestações em atraso, nem a comunicação da resolução do contrato.

5. Em consequência dessa decisão, a Autora enviou aos Réus cartas de interpelação para pagamento das prestações em dívida e, depois, cartas a comunicar a resolução do contrato de concessão de crédito. Intentou, ulteriormente, ação contra os Réus, para pagamento do capital em dívida e dos juros de mora vencidos, que foi julgada parcialmente procedente pelo Tribunal de 1.ª Instância, em que os Réus foram condenados a pagar a quantia de € 7.073,74, a título de capital, o montante de € 844,97, a título de juros de mora vencidos, e o valor de € 22,40, a título de imposto do selo.

6. Porém, o Tribunal da Relação ..., por acórdão de 19 de dezembro de 2019, decidiu revogar essa sentença em virtude da verificação da exceção de caso julgado e, por conseguinte, absolveu os Réus da instância:

Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a sentença recorrida por verificação da excepção de caso julgado e absolvem-se os recorrentes da instância.

Custas pela recorrida”.

7. A Autora alega igualmente que não dispõe de outro mecanismo legal que lhe permita obter dos Réus a restituição da quantia que lhe é devida. Daí o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa.

8. Na contestação, para além de várias exceções – v.g., a do caso julgado -, os Réus alegaram também a litigância de má-fé da Autora, pedindo a sua condenação em multa não inferior a 20 UC e em indemnização que comporte o reembolso das despesas que a sua má-fé os obrigou a efetuar até à presente data, contabilizadas no valor de € 1.680,00, e daquelas em  que ainda poderão vir a incorrer, bem como se dê conhecimento à Ordem dos Advogados dos presentes autos e de todas as suas circunstâncias, para os fins do art. 545.° do CPC.

9. Os Réus deduziram outrossim reconvenção, pedindo a condenação da Autora em indemnização pelos danos patrimoniais e compensação dos danos não patrimoniais que lhes foram causados, no valor total de € 10.000,00, acrescido de juros, e ainda a sua condenação a retirar da Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal as duas informações por si comunicadas, constantes dos mapas individuais de cada um dos Réus sobre os dois créditos neles indicados.

10. Realizada a audiência prévia, foi proferido saneador-sentença, a 14 de dezembro de 2020, não admitindo o pedido reconvencional, julgando procedente a exceção do caso julgado, absolvendo os Réus da instância e julgando improcedente o pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

11. Inconformados, os Réus interpuseram recurso de apelação.

12. Não houve contra-alegações.

13. A 17 de junho de 2021, por acórdão, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte:

Destarte, decide-se:

a) negar provimento ao recurso interposto da decisão que não admitiu a reconvencão:

b) conceder provimento ao recurso no que concerne à litigância de má fé da A. COFIDIS. a qual vai condenada, a esse título, em multa de 20 UC. e ainda no reembolso aos RR. das despesas e honorários com as suas mandatárias, em valor a liquidar no respectivo incidente, mas cujo mínimo ascende a. pelo menos. € 1.476.00.

As custas da reconvenção pelos RR.. As custas da acção pela A..

14. Não conformada, a Autora Cofidis interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões:

1. Vem a Recorrente interpor recurso do acórdão do Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no Art. 542.°, n.° 3, do CPC.

2. Condenou o Tribunal da Relação a Autora, ora Recorrente, como litigante de má-fé, nos termos do Art. 542.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), do CPC, em multa e em indemnização à parte contrária, por entender que o comportamento da Autora, ora Recorrente, advertida que estava da existência de caso julgado, deve ser considerado doloso, por consciente da falta de fundamento da sua pretensão.

3. Entende a Recorrente que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal da Relação, e salvo o devido respeito, não se verifica qualquer das situações a que alude o n.° 2 do Art. 542.°, do CPC, nomeadamente, não se encontra preenchida a sua alínea a), pelo que não deverá ser condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, conforme dispõe o n.° 1, do Art. 542.°, do CPC, uma vez que a Autora, ora Recorrente, não deduziu, com dolo ou negligência grave, uma pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.

4. Conforme referido na sentença do Tribunal de Primeira Instância, intentou a Autora, ora Recorrente, a presente acção de enriquecimento sem causa alegando na petição inicial (artigos 25.° a 31.°) "...a existência de outros dois processos por si anteriormente intentados contra os Réus, explicitando, em síntese, os termos em que o fez e qual o resultado das referidas acções - não se descortinando, assim, a ocultação ou alteração de factos relevantes para a decisão da causa nos termos expostos por estes. ".

5. A análise dos referidos artigos 25.° a 31.° da petição inicial, permite verificar que a Autora, ora Recorrente, efectivamente não ocultou nenhum facto relevante para a decisão da causa.

6. Dito isto, importa dizer que existem vários entendimentos doutrinários e jurisprudenciais quanto ao alcance e interpretação da natureza do instituto do enriquecimento sem causa (nomeadamente, quanto à consagração da subsidiariedade do enriquecimento sem causa), pelo que entende a Recorrente que andou bem o Tribunal de Primeira Instância ao referir na sua sentença que "...a Autora não deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar ou que tenha feito um uso reprovável do processo, atendendo ao desfecho dos anteriores processos, porquanto, como se viu, o referido instituto não se mostra pacificamente enquadrado e definido pela doutrina, verificando-se, inclusive, algumas decisões judiciais, pontuais, de admissibilidade do ora pretendido pela

Autora." (sublinhado nosso).

7. Veja-se, a título de exemplo, a posição de VAZ SERRA (em RU, ano 102, pág. 374), que, conforme refere o Tribunal de Primeira Instância na sua sentença, "...defende que a razão do artigo 474.°é evitar que a acção do enriquecimento sem causa seja intentada quando não se verificarem os requisitos do mesmo, perigo que trilha todas as outras acções. Porém, entende que este perigo é impedido pelos "próprios princípios de que a acção decorre e os seus requisitos", isto é, a acção de enriquecimento não pode ter lugar quando não se verifique algum dos seus requisitos. Na perspetiva deste autor uma vez preenchidos os requisitos de que depende a acção de enriquecimento sem causa a existência de possibilidade de recurso a outra acção não é fundamento para se forçar o empobrecido a optar por esta última. De facto, o empobrecido pode, simplesmente, contentar-se com o efeito da acção de enriquecimento ou mesmo preferir obter pela acção de enriquecimento o que poderia obter com outra acção.".

8. Entende, por isso, a Recorrente que independentemente do desfecho dos anteriores processos, ao intentar a presente acção de enriquecimento sem causa não deduziu (a Autora, ora Recorrente) pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, uma vez que existem vários entendimentos doutrinários quanto ao alcance e interpretação da natureza do instituto do enriquecimento sem causa (nomeadamente, quanto à consagração da subsidiariedade do enriquecimento sem causa), verifícando-se, inclusivamente, e conforme refere o Tribunal de Primeira Instância na sua sentença "...algumas decisões judiciais, pontuais, de admissibilidade do ora pretendido pela Autora.".

9. Em função do exposto, entende a Recorrente que, contrariamente ao entendimento do Tribunal da Relação, e salvo o devido respeito, não deverá ser condenada como litigante de má-fé, uma vez que sendo a questão controvertida objecto de discussão e de alguma querela doutrinária e jurisprudencial (e sendo certo que a Autora, ora Recorrente, não ocultou nenhum facto relevante para a decisão da causa), não se poderá afirmar que a Autora, ora Recorrente, com dolo ou negligência grave, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pelo que não se encontra preenchido o disposto no Art. 542.°, n.° 1 e n.° 2, alínea a), do CPC.

10. Assim sendo, a decisão em crise fez uma incorrecta interpretação dos factos e desadequada aplicação do Direito, designadamente das citadas disposições legais, que violou, devendo, por isso, ser determinada a anulação da decisão que condenou a Recorrente como litigante de má-fé em multa de 20 UC e reembolso aos Recorridos das despesas e honorários com as suas mandatárias.

NESTES   TERMOS   E  NOS   MAIS   DE DIREITO QUE V. EXAS. SUPRIRÃO:

Deve ser, por V. Exas., concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser determinada a anulação da decisão que condenou a Recorrente como litigante de má-fé em multa de 20 UC e reembolso aos Recorridos das despesas e honorários com as suas mandatárias.

Assim se fazendo JUSTIÇA

15. Os Réus responderam, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação do acórdão recorrido.

16. A 28 de setembro de 2021, o Senhor Desembargador Relator proferiu o seguinte despacho:

Notificação para exercício do direito de contraditório:

Está a revista interposta para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando-se para o efeito a norma contida no art. 542.° n.° 3 do Código de Processo Civil, visto que, nos termos gerais, não seria admissível a revista face ao valor da causa, fixado na primeira instância (por decisão não impugnada) em €7.561,10.

No entanto, a norma em discussão admite o recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé.

A questão que se coloca nos autos é que a Relação limitou-se a julgar o recurso interposto pelos RR. do saneador-sentença que não admitiu o pedido reconvencional e julgou improcedente o pedido de condenação da A. em litigância de má-fé (questão esta suscitada pelos RR. logo na sua contestação).

A intervenção da Relação limitou-se ao julgamento do recurso interposto, reapreciando a mesma questão de litigância de má-fé que a primeira instância já havia apreciado, e chegando a uma conclusão diversa. Não existiu uma pronúncia ex novo acerca desta matéria, e a condenação derivou, apenas, do julgamento do objecto do recurso, nos precisos termos fixados nas conclusões da apelação.

Ora, a norma do art. 542.° n.° 3 não parece autorizar um triplo grau de jurisdição. Prevê o duplo grau de jurisdição, mas é duvidoso - na nossa perspectiva — que autorize a revista para o Supremo do acórdão da Relação que, reapreciando a mesma questão de litigância de má-fé que a primeira instância já havia apreciado, conceda provimento ao recurso (neste caso, revertendo a decisão absolutória).

Mas, para garantir o necessário direito de contraditório às partes acerca do tema deste despacho, concede-se o prazo de 10 dias para efectuarem a respectiva pronúncia.

17. Os Réus responderam, sustentando a inadmissibilidade do recurso.

18. Muito diferentemente, a Autora preconizou a admissibilidade do recurso por si interposto.

19. A 6 de outubro de 2021, o Senhor Desembargador Relator proferiu o seguinte despacho de não admissão do recurso:

Despacho de não admissão da revista:

A revista foi interposta com fundamento no art. 542.° n.° 3 do Código de Processo Civil, pois, nos termos gerais, não seria admissível face ao valor da causa, fixado na primeira instância (por decisão não impugnada) em 6 7.561,10.

Entendemos que a norma em discussão admite o recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé. Exige um duplo grau de jurisdição, mas não estabelece um triplo grau de jurisdição em matéria de litigância de má fé.

A questão que se coloca nos autos é que a Relação limitou-se a julgar o recurso interposto pelos RR. do saneador-sentença que não admitiu o pedido reconvencional e julgou improcedente o pedido de condenação da A. em litigância de má-fé (questão esta suscitada pelos RR. logo na sua contestação).

A intervenção da Relação limitou-se ao julgamento do recurso interposto, reapreciando a mesma questão de litigância de má-fé que a primeira instância já havia apreciado, e chegando a uma conclusão diversa. Não existiu uma pronúncia ex novo acerca desta matéria, e a condenação derivou, apenas, do julgamento do objecto do recurso, nos precisos termos fixados nas conclusões da apelação.

Sendo assim, a norma do art. 542.° n.° 3 não autoriza a revista para o Supremo do acórdão da Relação que, reapreciando a mesma questão de litigância de má-fé que a primeira instância já havia apreciado, concedeu provimento ao recurso (neste caso, revertendo a decisão absolutória).

Entendendo-se que a situação dos autos não se enquadra no campo especial de aplicação daquela norma, e atendendo ao valor da causa, inferior à alçada da Relação, pão se admite a revista.

Custas pela Recorrente COFIDIS”.

20. A Autora Cofidis apresentou, então, reclamação com as seguintes Conclusões:

A) Dispõe o n.º 3, do Art. 542.º, do CPC, que “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé.” (sublinhado nosso).

B) Ora, a Reclamante foi condenada por litigância de má-fé apenas pelo Tribunal da Relação ..., uma vez que o Tribunal de 1.ª instância tinha julgado improcedente o pedido de condenação da Autora, ora Reclamante, em litigância de má-fé.

C) Assim sendo, é possível a revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação ..., uma vez que a ora Reclamante está a recorrer pela primeira vez de uma decisão que a condena em litigância de má-fé (sendo essa decisão – o acórdão do Tribunal da Relação ... - a primeira que a condena em litigância de má-fé), dado que o Tribunal de 1.ª instância julgou improcedente o pedido de condenação em litigância de má-fé.

D) Por ter sido condenada em litigância de má-fé apenas pelo Tribunal da Relação ..., pode a Autora, ora Reclamante, recorrer dessa mesma decisão, conforme lhe é permitido pelo supra referido Art. 542.º, n.º 3, do CPC.

Termos em que,

Deve ser admitido o recurso de revista apresentado pela Recorrente.

Instrução da Reclamação

Nos termos do n.º 3 ,do Art. 643.º, do CPC, junto com a presente reclamação seguem: 1. Requerimento de interposição de recurso e alegações apresentado pela Reclamante; 2. Decisão recorrida;

3. Despacho objecto da reclamação.”

21. Por seu turno, os Réus AA e BB responderam, no exercício do contraditório, pugnando pela manutenção do despacho reclamado.

22. A 2 de dezembro de 2021, a Relatora proferiu o seguinte despacho:

Nos termos expostos, defere-se a reclamação apresentada pela Autora Cofidis (Sucursal da S.A. Francesa Cofidis), admitindo-se o recurso de revista por si interposto do acórdão do Tribunal da Relação ... de 17 de junho de 2021.

Conforme o art. 643.º, n.º 6, do CPC, requisita-se o processo ao Tribunal recorrido”.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, está em causa a questão de saber se a Autora Cofidis (Sucursal da S.A. Francesa Cofidis) agiu ou não como litigante de má-fé.

III - Fundamentação

A) De Facto

Foram considerados como provados os seguintes factos:

1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica a operações de financiamento por conta de terceiros com exceção das operações de carácter puramente bancário e( por outro lado, a corretagem de seguros.

2. A autora no exercício da sua atividade comerciai, celebrou com os réus o contrato datado de 04/08/2009 e com o número ...91, que constitui o documento n.° 1, junto com a petição inicial cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

3. Do referido contrato consta, entre outros dados, como morada do 1.° Titular [AA] a Rua..., ....° ..., e onde se lê "solicito a minha reserva de 50G0€, com a prestação mensal de 115€"; "TAEG de 19,51% e TAN de 16,80%"; "os prazos deste contrato em conta corrente são indeterminados. A título meramente indicativo informamos que o prazo de reembolso, válido para a primeira utilização de qualquer montante de crédito e sem adesão ao seguro facultativo é de 71 meses"; e ainda "SIM, desejo aderir, sem seguro".

4. Nos termos das condições gerais contratadas, sendo «CLT» o cliente e «IC» a instituição de crédito, consta:

Cláusula 6.1

"A IC autoriza o CLT a utilizar o crédito concedido através da conta corrente MAXICRÉDITO, até ao montante autorizado pela IC ("Reserva")."

Cláusula 6.2

"O CLT poderá optar, durante a vigência deste contrato, pela utilização, ou não, do

crédito até ao limite máximo do crédito autorizado ("Reserva"). Enquanto não  utilizar o crédito autorizado o CLT não tem quaisquer encargos ou despesas de manutenção da "Reserva"."

Cláusula 6.3

"O crédito considera-se utilizado na data da disponibilização pela IC ao CLT da totalidade ou parte do montante de crédito em conta corrente autorizado. Para o efeito, a IC disponibilizará por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo CLT nas CP o montante por este solicitado que nunca pode ser inferior a 5.000,00 (para qualquer limite máximo autorizado)."

Cláusula 6.4

O CLT poderá utilizar como e quando entender o montante de crédito em conta corrente até ao limite autorizado, solicitando à IC a disponibilização do crédito, na

totalidade ou em frações, por transferência na conta bancária indicada nas CP. À medida que vá amortizando o capital, o CLT poderá solicitará IC reutilizações do crédito."

Cláusula 6.5A

"A movimentação da conta corrente é registada peia !C num extrato a enviar mensalmente ao CLT, em papel ou noutro suporte duradouro, devendo o CLT informar imediatamente a IC caso discorde de algum dos movimentos aí registados."

C!áusu!a7.1

"O limite máximo do crédito autorizado não pode ser ultrapassado, podendo o CLT a todo o tempo solicitar à IC a alteração desse limite ou sob proposta da IC ao CLT (...)

Cláusula 7.3

"As alterações do limite máximo do crédito em conta corrente são comunicadas peia IC pelo CLT através do extrato de conta previsto no ponto 6.5."

Cláusula 7.4

"Consideram-se aceites pelo CLT as alterações nos limites do credito autorizadas pela IC quando este faça utilizações até tais limites."

Cláusula 8.2

"A TAN ou a TAEG poderão ser alteradas por atualização das taxas praticadas pela IC, por variação do regime legal ou fiscal aplicável seja por alteração das circunstâncias em que foram fixadas ou de alguns dos encargos considerados para o seu cálculo. O CLT é avisado previamente por escrito, através do extracto mensal referido no ponto 6.5, de qualquer alteração da taxa de juro, encargos com o crédito e reembolso mínimo mensal ou outras condições de pagamento, sendo as novas condições aplicadas ao saldo devedor a partir da data de vencimento da prestação mensal seguinte.

Cláusula 8.4

"O custo do seguro de proteçâo do crédito, que é facultativo, não está incluído na TAÊG. Optando o CLT pela adesão ao seguro, o respetivo custo é imputado a prestação mensal de reembolso do crédito aumentando o prazo de reembolso."

Cláusula 9.1

"Todas as despesas, impostos ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do contrato de crédito, são da responsabilidade óa ÇLT, podendo ser cobrados pela IC nos mesmos termos e pelos mesmo meios utilizados para a cobrança das prestações de reembolso do crédito."

Cláusula 9.2

"O presente contrato tem os seguintes encargos; Preçário

- imposto de selo conta corrente' (incluído na TAEG)...

- imposto de selo sobre juros {incluído na TAE6)....

- valor cobrado a titulo de despesas de cobrança das prestações quando ã IC emite documento para pagamento através dos CTT ...(Não incluído na TAEG)...

- prémio do seguro mensal (quando aplicável, não incluído na TAEG)...

- comissão por mora (...): 4% sobre a prestação mensal em mora

- comissão por incumprimento definitivo (...); 8% sobre o montante total em dívida...

- custos de recuperação do crédito através de contencioso externo (quando aplicável - não incluído da TAEG): em caso de mora ou de incumprimento poderão ser cobrados ao CLT encargos adicionais sempre que a IC recorra a empresas terceiras para recuperação do crédito de acordo com o preçário em vigor na data da mora ou incumprimento definitivo. (...)

- comissão de reembolso antecipado (...).

Cláusula 10.1

"As prestações mensais correspondem a uma parte fixa e pré-estabelecída de valor igual a 2,3% do limite máximo do montante do crédito em conta corrente autorizado, em cada momento, sendo o número dessas prestações variável."

Cláusula 10.3

"As prestações vencem-se ao dia 1 dê cada mês e o seu pagamento é feito por débito na conta bancária do CLT indicada nas CP. O CLT obríga-se a manter a sua conta bancária provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações de reembolso."

Cláusula 12.1

"O CLT fica constituído em mora caso não efetue o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respetivo vencimento."

Cláusula 12.2

"Sobre as importâncias em mora incidirá a comissão prevista na cláusula 9.° (que inclui sobretaxa sobre juros contratuais e compensação de custos extra-judiciais para recuperação)."

Cláusula 12.3

"A IC pode capitalizar os juros remuneratórios e encargos vencidos e não pagos, adicionando tais juros ao capital em dívida, nos termos da lei."

Cláusula 12.5

"Verificada a mora em duas ou mais prestações sucessivas, cuja soma exceda 10% do montante total do crédito em dívida, a IG informará o CLT, por escrito, de que possui um prazo suplementar de 15 dias de calendário, contados da data de vencimento da segunda prestação, para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas dos encargos devidos pela mora com a expressa advertência de que, caso não o faça. a IC poderá exigir de imediato todos os montantes em dívida ou resolver o contrato."

Cláusula 16.1

"Verifica-se incumprimento definitivo por parte do CLT quando» cumulativamente í) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas, desde que o valor em conjunto das prestações em falta exceda 10% do montante total do crédito em dívida; e ii) o CLT não proceda ao pagamento das prestações em atraso no prazo concedido para o efeito pela IC nos termos do número 5 da cláusula 12.°."

Cláusula 16.2

"Com o incumprimento definitivo do contrato, é imediatamente devido o montante total em dívida que compreende os prémios de seguro (quando aplicáveis), todos os encargos vencidos, incluindo á comissão de incumprimento, juros e capital em dívida e ainda os juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida."

5. Em 22 de Setembro de 2009 o 1.° réu aderiu ao seguro de facultativo referente ao crédito disponibilizado ao abrigo do contrato referido no ponto 2.

6. Em execução do contrato referido no ponto 2, a autora disponibilizou aos réus a quantia de € 5.000,00, em 12 de agosto de 2009.

7. Em execução do contrato referido no ponto 2, a autora disponibilizou aos réus a quantia de € 3.460,00, em 25 de janeiro de 2011.

8. Em 01 de março de 2015, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga, nem as seguintes.

9. Em 1 de setembro de 2011 encontrava-se em dívida o valor de € 7,073,74.

10. A autora interpelou os réus para procederem ao pagamento dos valores em dívidas, entre outras vezes por carta de 05.02.2018, nos termos dos documentos n.° 5 e 6, juntos com a petição, mas nenhum valor foi liquidado, entretanto.

11. A autora por missiva postal datada de 27 de fevereiro de 2018 comunicou aos réus a resolução do contrato, nos termos dos documentos n.° 9 e 10.

12. Correu termos o processo n.° 37418/16...., no juiz ..., deste Juízo Local Cível, no qual a autora peticionou a condenação dos réus no pagamento da dívida aqui peticionada, tendo os réus deduzido oposição no processo em 20,06.2016.

b) Factos não provados

Não ficaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, não tendo fiado demostrado, designadamente que a autora não tenha enviado aos réus os extratos de conta referidos na cláusula 6.5 do contrato.”

Não foram considerados os factos conclusivos, as alegações de direito e os factos que não assumiram qualquer relevância para a decisão da causa, sô tendo sido selecionados, para além dos constantes dos articulados, considerando o disposto no art. 5.°, n.° 2, do C.P.C., os factos essenciais, complementares e instrumentais que se consideraram relevantes para a decisão e compreensão da matéria e litígio em causa nos presentes autos, sendo certo que, relativamente a todos os factos complementares apurados, as partes tiveram oportunidade de se pronunciar acerca dos mesmos e podem ser considerados oficiosamente pelo Tribunal, nos termos do disposto no citado art. 5.°, n.° 2, ai. b), do C.P.C.”.

B) De Direito

(In)admissibilidade do recurso

1. Conforme o despacho da Relatora de 2 de dezembro de 2021, segundo o art. 542.º, n.º 3, do CPC, “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé”.

2. Está em causa a questão da (in)admissibilidade do recurso interposto pela Autora Cofidis, por se tratar apenas de decisão de condenação desta por litigância de má-fé, autónoma em relação ao objecto principal da ação. O Tribunal da Relação ... entende que foi já assegurado um grau de recurso, tal como imperativamente estabelecido no art. 542.º, n.º 3, do CPC.

3. A Reclamante/Recorrente sustenta que a decisão da sua condenação como litigante de má-fé, contida no acórdão recorrido, não foi ainda reapreciada em sede recursória, pois que o Tribunal de 1.ª Instância proferiu decisão absolutória.

4. Com efeito, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto da decisão que não admitiu a reconvenção e concedeu provimento ao recurso no que respeita à litigância de má-fé da Autora.

5. Assim, nos termos do art. 542º, nº 3, do CPC, esta decisão é suscetível de impugnação pelo que o recurso é admissível no que toca à apreciação da decisão de condenação da Autora como litigante de má-fé[1].

6. Na verdade, é sempre admissível o recurso, em um grau (do Tribunal de 1.ª Instância para o Tribunal da Relação ou deste para o Supremo Tribunal de Justiça), da decisão que condene por litigância de má-fé, independentemente do valor da causa e da sucumbência (art. 629.º, n.º 1, do CPC). Apesar de estar em causa a condenação em obrigação pecuniária, considera-se que o juízo de censura ou reprobabilidade em que assenta deve ser sempre sindicável. Trata-se da relevância dos valores imateriais envolvidos neste tipo de condenação[2].

7. Da interpretação enunciativa do art. 542.º, n.º 3, do CPC, com base no argumento a contrario sensu, retira-se, efetivamente, que não é admissível o recurso de decisão que condene em litigância de má-fé em mais do que um grau.

8. No caso em apreço, a Reclamante/Recorrente foi condenada por litigância de má-fé apenas pelo Tribunal da Relação ..., uma vez que o Tribunal de 1.ª instância tinha julgado improcedente este pedido de condenação da Autora como litigante de má-fé.

9. Por isso, a Relatora considerou admissível, no caso dos autos, o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação ..., uma vez que a Autora/Recorrente/Reclamante está a recorrer pela primeira vez de uma decisão que a condena por litigância de má-fé. O acórdão do Tribunal da Relação ... constitui a primeira decisão que a condena por litigância de má-fé.

10. Já não seria admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, com base no art. 542.º, n.º 3, do CPC, se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... houvesse confirmado decisão do Tribunal de 1.ª Instância condenatória por litigância de má-fé - o que não sucedeu in casu.

11. O recurso limita os seus efeitos à decisão de condenação por litigância de má-fé, não impedindo o trânsito em julgado nem a eventual exequibilidade da decisão de mérito que tenha sido proferida.

Da litigância de má-fé

1. O Tribunal de 1.ª Instância baseou a sua decisão de não condenação da Autora como litigante de má-fé na consideração de que a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa não está “pacificamente enquadrada e definida pela doutrina”, pelo que não se poderia concluir que a Autora deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, ou que tenha feito um uso reprovável do processo, atendendo ao desfecho dos anteriores processos.

2. O DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, que atribuiu ao art. 456.º do anterior CPC a versão correspondente ao art. 542.º do CPC atualmente em vigor, a propósito do elemento subjetivo da litigância de má-fé, afirmava o seguinte:

Como reflexo e corolário do princípio da cooperação, consagra-se expressamente o dever de boa-fé processual, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.”

3. Em consequência da Reforma Processual de 1995/96, passaram a ser sancionadas não só as condutas processuais dolosas, mas também aquelas gravemente negligentes ou fundadas em erro grosseiro. Assim, o regime consagrado traduz uma ampliação substancial do dever de boa-fé processual, expandindo o tipo de comportamentos suscetíveis de integrar a má-fé processual, quer substancial quer instrumental, tanto na dimensão subjetiva como na objetiva.

4. O art. 542.º do CPC, depois de dispor que quem litiga de má-fé será condenado em multa e em indemnização à parte contrária, se esta a pedir  (n.º 1), descreve um conjunto de comportamentos típicos, implementadores da cláusula geral consagrada no n.º 1. O tipo central de responsabilidade civil por comportamento processual não se limita a qualificar uma qualquer conduta lesiva de bens jurídicos como consubstanciando litigância de má-fé, pois descreve também as condutas que merecem um juízo de ilicitude. A responsabilidade processual assenta no conceito de má-fé, que é depois implementado mediante a indicação de comportamentos típicos adotados pelo sujeito processual com dolo ou negligência grave[3].

5. Tanto age de má-fé o sujeito processual que sabe que não tem razão quando pede como aquele que não devia ignorar que não tem razão. Assim, atua com negligência grave a parte que não podia ignorar que deduzira uma pretensão sem fundamento, que adota um comportamento processual negligente reprovável, temerário, sem qualquer ponderação, e procede dolosamente a parte que sabe que não tem razão quando deduz determinada pretensão[4], que viola intencionalmente os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa-fé. Não se trata, em todo o caso, de mera leviandade ou imprudência[5].

6. A Autora violou a norma plasmada no art. 542.º, n.º 2, al a), do CPC, pois sabia ou não podia ignorar que a presente ação surge como absolutamente infundada. Deduziu, pois, uma pretensão cuja falta de fundamento conhecia ou não podia ignorar e insiste também na pretensão que sabe não ter fundamento.

7. O comportamento – de desforço - da Autora, oportunamente advertida da existência do caso julgado, deve ser considerado doloso ou, pelo menos, gravemente negligente, por ciente da falta de fundamento da sua pretensão. É o que resulta da apreciação da sua intervenção processual, globalmente considerada.

8. Na verdade, já no acórdão anterior, de 19 de dezembro de 2019, que decidiu a segunda ação proposta pela Autora contra os Réus, o Tribunal da Relação ... havia advertido aquela de que a sua conduta quase raiava a má-fé processual:

A A. não provou, na anterior acção, que tivesse interpelado os réus ou que tivesse resolvido o contrato, embora tenha alegado isto. Não pode, pois, ao abrigo daquele preceito legal, propor nova acção em que prova tais factos. E note-se que não altera os dados da questão a circunstância de a resolução e a interpelação dadas por provadas no presente processo terem ocorrido depois da primeira sentença quando, na acção anterior, a recorrida tinha alegado que tais factos aconteceram antes, em 2015. Para frustrar a garantia do caso julgado, bastaria a parte alegar, de cada vez que propusesse uma acção igual, novas datas, sempre posteriores à sentença anterior. Cremos que isto toca as raias da má fé e a recorrida não pode aproveitar-se disto. Como escrevem os recorrentes: «O que fez a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo foi consentir e permitir que a Recorrida, que viu frustradas as suas pretensões no processo 37418/16...., por sua única e exclusiva responsabilidade, reincidisse, até que, de tentativa em tentativa, conseguisse, finalmente, atingir o seu objectivo – e que veio efectivamente a concretizar» (conclusão XVIII). Quantas vezes poderia a A. propor a acção até obter prova?[6].

9. Recorde-se que a Autora é uma grande litigante, estando até assinalada no Portal Citius com mais de 501 ações. Conhece as regras legais, dispõe de um departamento jurídico que tem a obrigação de lhe prestar o devido aconselhamento e havia sido advertida de que a sua causa de pedir – o incumprimento do contrato de crédito n.º ...91 – estava já definitivamente julgada pela sentença de improcedência da primeira ação.

10. O Tribunal da Relação ... não pode deixar de recordar a Autora do respeito que deve à outra parte – os Réus são pessoas singulares que não dispõem dos recursos de patrocínio judicial que a Autora tem. Havendo obtido vencimento na primeira ação que lhes foi movida pela Autora, podiam e deviam ter visto a sua situação definitivamente resolvida.

11. Mesmo assim, depois de advertida, a Autora voltou a insistir na sua pretensão infundada. Em lugar de se conformar com a decisão judicial transitada em julgado, adotou um comportamento inflamatório que, ainda que eventualmente não revelador de intuito persecutório, manifesta pelo menos um acirramento litigioso absolutamente desajustado e despropositado, tal como menciona o Tribunal da Relação .... A Autora não agiu com correção, lealdade e respeito pela contraparte.

12. Consequentemente, a Autora deve ser condenada como litigante de má-fé, nos termos do art. 542.º, n.os 1 e 2, al. a), do CPC, em multa e em indemnização à parte contrária, tal como esta pediu.

13. No que respeita à multa (equivalente a pena civil), atendendo à conduta desvaliosa adotada pela Autora – i.e., ao seu comportamento doloso ou, pelo menos, gravemente negligente -, ao acirramento exacerbado contra os Réus (pessoas singulares confrontadas com uma grande litigante, dotada de avultados recursos financeiros e materiais que usa como que para pressionar de forma desproporcionada e ilegítima contrapartes contratuais) e ao claro desrespeito pelas decisões judiciais que lhe são desfavoráveis, considera-se adequada a multa peticionada, de 20 UC, aplicada pelo Tribunal da Relação ....

14. Com efeito, também se pode afirmar que a sanção por litigância de má-fé “deve ser aplicada aos casos em que se demonstre, pela conduta da parte, que ela quis, conscientemente, litigar de modo desconforme ao respeito devido não só ao tribunal, como também ao seu antagonista no processo[7]. Está, pois, em causa, o respeito devido aos Tribunais e às suas decisões transitadas em julgado. A Autora pode não apreciar a decisão que contra si foi proferida, mas esta transitou em julgado e, por conseguinte, tem de a acatar. Não pode continuar a insistir na lide, como se o resultado fosse aleatório e dependesse da sorte ou do acaso.

15. Por seu turno, no que toca à indemnização, aos Réus assiste o direito de serem reembolsados das despesas que a má-fé da Autora os obrigou a efetuar, incluindo aquelas com honorários das respetivas mandatárias – art. 543.º, n.º 1, al. a), do CPC. Nos autos está demonstrado o pagamento de provisão de despesas e de honorários que ascendem ao montante de € 1.476,00, compreendido o IVA à taxa legal. Os valores de honorários devidos até final da causa ainda não estão liquidados e, nessa parte, condena-se no valor a liquidar no respetivo incidente. Confirma-se, pois, o pedido de indemnização formulado pelos Réus, porquanto existe atuação censurável por parte da Autora - uma litigância censurável ou de má-fé -, assim como são identificados os danos sofridos.

16. Por conseguinte, julga-se totalmente improcedente o recurso de revista interposto pela Autora.

17. Por último, as taxas de justiça satisfeitas pelos Réus serão pagas de acordo com o seu vencimento na causa, inseridas na respetiva nota justificativa e entregues diretamente pela parte vencida à parte credora – arts. 25.º, n.os 1 e 2, e 26.º, n.º 2, do RCP.

IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda.se em julgar improcedente o recurso interposto pela Autora Cofidis (Sucursal da S.A. Francesa Cofidis), confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 15 de fevereiro de 2022


Maria João Vaz Tomé (relatora)

António Magalhães

Jorge Dias

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[1] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de maio de 2021 (Fátima Gomes), proc. n.º 2523/19.9T8PRD-E.P1-A.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 6 de maio de 2021 (Oliveira Abreu), proc. n.º 7200/16.0T8STB.E1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 19 de maio de 2020 (Maria Olinda Garcia), proc. n.º 5126/07.7TBSXL.L1.S1; de 4 de julho de 2019 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 7070/17.0T8VNF.G1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 19 de outubro de 2017 (Fernanda Isabel Pereira), proc. n.º 11262/79.0TVLSB-L.L1.S1; de 28 de novembro de 2017 (Helder Roque), proc. n.º 2398/11.6TBVLG-A.P1.S1; de 17 de novembro de 2015 (Silva Salazar), proc. n.º 2443/11.5TJVNF.G1.S1; de 26 de junho de 2014 (Távora Victor), proc. n.º 2733/05.6TBAMT.P1.S1; de 28 de outubro de 2014 (Gregório Silva Jesus), proc. n.º 1463/10.1TVLSB.L1.S1; de 29 de outubro de 2013 (Fernandes do Vale) , proc. n.º 31038/96.0TVLSB.S1; de 14 de fevereiro de 2012 (Helder Roque), proc. n.º 2528/06.0TBPVZ.P1.S1; de 10 de maio de 2011 (Sousa Leite), proc. n.º 1253/07.9TVPRT.P1.S1; de 12 de julho de 2011 (Gabriel Catarino), proc. n.º 2375/07.1YXLSB.L1.S1; de 6 de outubro de 2009 (Sousa Leite), proc. n.º 263/03.0TBCBR.C1.S1.
[2] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Coimbra, Almedina, 2018, p.461.
[3] Cf. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.380.
[4] Cf. Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p.346.
[5] Neste sentido, vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de fevereiro de 2015 (Silva Salazar), proc. n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[6] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de dezembro de 2019 (Paulo Amaral), proc. n.º 2216/18.4T8STB.E1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[7] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de novembro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 914/18.1T8EPS.G1.S1) – disponível para consulta in www.dgsi.pt.