Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
16066/16.9T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR
PROCEDIMENTO PARA RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DE CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
- António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, p. 610;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, p. 949;
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, p. 384.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 340.º, ALÍNEA G), 394.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), 395.º, N.º 1, 396.º, 397.º, 398.º E 399.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
Sumário :

I. O art.º 395.º, nº1, do Código do Trabalho exige que a comunicação do trabalhador ao empregador com vista à resolução do contrato de trabalho deve conter a indicação sucinta dos factos que a justificam.

II. Cumpre a referida disposição legal a comunicação enviada pelo trabalhador ao empregador, na qual fez consignar que pretende a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho, por motivo de violação do direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para a qual foi contratado, na medida em que indica de forma sucinta o fundamento da resolução, com recurso a uma expressão de base factual.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                      

I

           

Relatório:

           1. AA, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra BB, Lda., pedindo, para além do mais, que se declare a licitude da resolução do contrato de trabalho por si operada com as legais consequências.

           Para o efeito, alegou em síntese, que foi admitido pela ré em 1 de junho de 2009 e que, em 25 de maio de 2016, comunicou à ré a resolução do contrato de trabalho, invocando justa causa, nos termos do art.º 394.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho.

           

2. A Ré contestou, alegando em síntese que não existia justa causa para a resolução do contrato de trabalho, sendo certo que a comunicação da resolução do contrato é vaga e conclusiva, não contendo qualquer facto concreto nem referências temporais.

           

3. Realizado o julgamento foi proferida sentença que decidiu, para além do mais, declarar que a resolução do contrato de trabalho operada pelo autor foi com justa causa, por violação culposa de garantias legais e convencionais do trabalhador.

           4. Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, tendo formulado as seguintes conclusões:

           a) A Carta enviada pelo Recorrido à Recorrente não especifica qualquer facto concreto. Aquele limitou-se a uma alegação conclusiva.

b) Existiu uma preterição dos requisitos de natureza procedimental, previstos no n.° 1 do artigo 395.° do Código do Trabalho.

c) Verificada a preterição dos requisitos formais constantes n.º 1 do artigo 395.° do CT, tem de ser declarada a ilicitude da resolução do contrato de trabalho do Autor, ainda que por razões meramente formais.

            5. O Tribunal da Relação decidiu revogar a sentença recorrida na parte em que:

– Declarou que a resolução do contrato de trabalho operada pelo autor foi com justa causa, por violação culposa de garantias legais e convencionais do trabalhador;

– Condenou a ré no pagamento ao autor de uma indemnização pela resolução do contrato com justa causa no montante de 8 400,00 EUR;

            – Julgou a reconvenção totalmente improcedente absolvendo o autor do pedido de indemnização formulado pela ré.

           Quanto ao mais a sentença foi mantida, tendo o pedido reconvencional sido julgado totalmente procedente, condenando-se o autor a pagar à ré uma indemnização no montante de 2 400.00 EUR, nos termos do art.º 401.º do Código do Trabalho.

            6. Inconformado com esta decisão, o autor interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

A. Por Acórdão, datado de 05 de março de 2018, decidiu o Tribunal a quo:

- Revogar parcialmente a sentença recorrida, quanto ao decidido nos pontos "ii" e "iii" da 1.ª parte do seu dispositivo e totalmente a 2.ª parte;

- Julgar a reconvenção totalmente procedente e, por via disso, condenar o autor numa indemnização no montante de 2 400,00 EUR.

B. Concluindo o Tribunal a quo que a asserção «por motivo de violação do meu direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para que fui contratado» constante da motivação de resolução do contrato de trabalho operada pelo Autor, ora Recorrente, não seria atendível para justificar a justa causa, por não preencher o requisito de «indicação sucinta dos factos» que justificam a resolução previsto no n.º 1 do art.º 395.º do Código do Trabalho.

C. O Recorrente não se conforma com a referida decisão.

Assim, e salvo melhor opinião,

D. As conclusões vertidas no douto Acórdão resultam de uma interpretação errada do n.º 1 do art.º 395.º do CT.

E. Ao decidir que a declaração «por motivo de violação do meu direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para que fui contratado» é «mera conclusão» / «juízo conclusivo», que não constitui «invocação de qualquer facto», o douto Acórdão entende erradamente a referida motivação.

F. Ao decidir que os «factos» indicados pelo Autor/Recorrente não são atendíveis, o douto Acórdão incorre em contradição manifesta, pois reconhece-os como «factos» e não como «mera conclusão» / «juízo conclusivo».

G. Ao decidir que os factos indicados pelo Autor/Recorrente não são atendíveis para justificarem a justa causa, por não serem «concretos», o douto Acórdão qualifica erradamente os referidos factos.

H. O entendimento que o douto Acórdão faz do n.º 1 do art.º 395.º do CT viola princípios fundamentais do direito da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nomeadamente os princípios da clareza das leis, da segurança jurídica e da confiança legítima.

I. Ao interpretar ultra legem o conceito de «factos» constante do n.º 1 do art.° 395.° do CT, o douto Acórdão cria jurisprudencialmente direito que viola direito da União e frustra a sua aplicação.

J. O Recorrente cumpriu o ónus a que estava obrigado pelo n.º 1 do art.° 395.° do CT.

Nestes termos, e nos demais de direito, deverá a decisão do Tribunal da Relação do Porto ser revogada e substituída por outra que confirme a sentença do Tribunal de 1.ª Instância.

7. Subsidiariamente, o Recorrente requereu o envio de pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° do Tratado de Funcionamento da União Europeia, visando obter a opinião desse Tribunal sobre a compatibilidade da decisão do Tribunal da Relação do Porto com o direito da União.

8. A ré não contra-alegou.

9. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve ser negada a revista.

10. Nas suas conclusões, o recorrente suscita a questão de saber se a comunicação que enviou ao empregador para resolver o contrato de trabalho está ou não conformidade com a exigência do art.º 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, na parte em que impõe que nesse documento escrito se faça a indicação sucinta dos factos que justificam a resolução do contrato.

                                              

                                                                       II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da Relação considerou que os factos provados, (transcritos nos termos em que foram declarados provados na sentença recorrida) com interesse para a decisão da causa, são os seguintes:

Da petição Inicial

1 - A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à prestação de serviços de segurança privada – acordo.

2 - A R. é gerida pela sócia CC (detentora de 2% das quotas e gerente) e pelo sócio DD (detentor de 98% das quotas e gerente de facto), cfr. certidão permanente de fls. 220 e seguintes.

3 - No âmbito dessa atividade a R. admitiu o A. ao seu serviço em 1 de junho de 2009, em regime de contrato de trabalho a termo certo – acordo e contrato de trabalho junto a fls. 17.

4 - Cometendo-lhe o exercício das funções de «Paquete», que nunca foram exercidas, pois desde logo exerceu as funções de vigilante de portaria (Porteiro), aliás indicadas no primeiro recibo de vencimento e seguintes – acordo e contrato de trabalho junto fls.17.

5 - A remuneração mensal ilíquida ao tempo acordada foram 475,00 EUR, acrescida de subsídio de alimentação 5,43 EUR por dia de trabalho efetivo e de subsídios de férias e de Natal – acordo e contrato de trabalho junto a fls. 17.

6 - A partir de 1/6/2010 a R. cometeu ao A. novas responsabilidades que incluíam a coordenação dos vigilantes empregados pela empresa, atribuindo-lhe um aumento salarial de 57 %, e passando a remunerá-lo com o montante mensal ilíquido de 747,50 EUR, acrescido de subsídio de alimentação fixo (pago independentemente do número de dias de trabalho prestados) de 128,73 EUR – acordo e recibo de fls. 28.

7 - A partir de 1/1/2011 cometeu-lhe as funções de «Supervisor» previstas e descritas na Alínea C) do Anexo I, correspondentes ao nível VI da tabela salarial que consta da Alínea A) do Anexo II do CCT de 2011 – acordo e fls. 64 e seguintes.

8 - Atribuindo-lhe um aumento salarial de 60%, e passando a remunerá-lo com o montante mensal ilíquido de 1 200,00 EUR, acrescido de subsídio de alimentação fixo de 128,73 EUR, ajustado em 3/3/2014 para 128,92 EUR – acordo e recibos de fls.31 e fls. 50.

9 - Nenhuma das alterações contratuais foi reduzida a escrito – acordo.

10 - Para o exercício das funções de Supervisor a R. confiou ao A. um veículo de serviço, um telemóvel (n.º de assinante ...) e as chaves da sede da empresa – acordo.

11 - O A. passou a controlar a elaboração das escalas de serviço do pessoal operacional da empresa – acordo e doc. de fls. 107.

12 - A dar formação aos vigilantes por ocasião da ocupação de novos postos (cfr. doc. fls. 109 e depoimento prestado por EE).

13 -A apoiar e inspecionar os postos de vigilância, nomeadamente em períodos noturnos e durante os dias de encerramento dos clientes (cfr. docs. de fls. 111, 113 e 115).

14 - A assessorar o Diretor de Segurança na gestão de todos os aspetos operacionais (cfr. doc. 10 e depoimento prestado por EE).

15 - A representar a R. nos procedimentos de resolução e transferência de postos (depoimento de CC).

16 - E até, na qualidade de Supervisor expressamente referida pela R., a servir de intermediário na receção das chaves em poder do então Diretor de Segurança (cfr. docs. fls. 119, 120 e 123).

17 - Ainda que tal não fizesse parte das funções previstas no CCT para os Supervisores, o A. executou voluntariamente serviços de estática para suprir faltas e sobrecargas de trabalho, poupando assim a empresa às consequências de incumprimentos contratuais, e garantindo-lhe continuidade de faturação (depoimento de DD e depoimento de parte de CC).

18 - Desde a data de admissão, sempre o A. cumpriu com zelo, diligência e assiduidade superior à devida todas as tarefas que lhe eram cometidas, zelando pelo desenvolvimento da empresa, não lhe tendo jamais a R. formulado quaisquer reparos ou dirigido críticas (cfr. depoimento de parte de CC e depoimento de DD).

19 - A R. remunerou regularmente o A. pelas horas suplementares prestadas pelo menos até 1 de fevereiro de 2016 (acordo parcial).

20 - O alvará foi obtido em 17/12/2015.

21 - A partir de abril de 2016, os gerentes de direito e de facto adotaram em relação ao A. uma atitude conflituosa e humilhante.

22 - Provavelmente devido às relações de boa colaboração que o A. mantinha com o arquiteto FF, ao tempo Diretor de Segurança da R., com quem ambos os gerentes estavam em litígio.

23 - A R. afastou progressivamente o A. das funções de Supervisor, passando a incluí-lo no planeamento para a execução de serviços de vigilância básica (cfr. docs. de fls. 125, 127 e 130 verso).

24 - Sem que para tal obtivesse o seu acordo, apesar de tais atividades não fazerem parte das funções previstas no CCT para os Supervisores,

25 - O A. foi resistindo a todas essas atuações, tentando preservar o seu emprego.

26 - No decurso da primeira quinzena de maio de 2016, a gerente de direito, CC apresentou ao A. um «Acordo» datado de 1 de fevereiro de 2016 e já assinado por ela própria (cfr. fls. 131 verso), em que lhe era fixada retroativamente a função de «Controlador/Vigilante-chefe» e estipulado o regime de isenção de horário de trabalho na modalidade de não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.

27 - Considerando que com tal alteração deixaria de ter remuneração pelas horas suplementares prestadas, e ainda que tal constituía degradação do seu nível profissional, o A. recusou assinar esse documento,

28 - E em 16 de maio pediu, por e-mail ao então Diretor de Segurança GG, cópia dos seus registos de tempo de trabalho desde 1 de fevereiro do mesmo ano (cfr. fls. 132 verso).

29 - O Diretor de Segurança GG retransmitiu o e-mail aos gerentes (cfr. doc. de fls. 132 verso).

30 - No mesmo dia, os gerentes da ré decidiram, unilateralmente, impor ao A. o gozo de férias, no período compreendido entre 16 a 20 de maio.

31 - E de lhe exigir que no dia 17 de maio entregasse na sede da R. o veículo e telemóvel da empresa (cfr. docs. de fls. 133 verso e 134 verso).

32 - Desprovendo o A. de meios indispensáveis ao exercício das funções de Supervisor, a R. materializou a decisão de lhe retirar o exercício das mesmas, sem motivação de qualquer natureza.

33 - Comprometendo irremediavelmente a relação de confiança entre as partes.

34 - O que levou o A. a resolver o contrato de trabalho com justa causa, nos termos do n.º 1 e da al. b) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho,

35 - O que fez em 25/5/2016 por carta registada (cfr. doc. 135 verso).

36 – Tendo indicado que o fazia «por motivo de violação do meu direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para que fui contratado».

37 – Tal missiva foi recebida pela R. em 27/5/2016 (cfr. fls. 136).

38 - Em 1/6/2016 a R. respondeu à missiva do autor, sustentando «refutamos de forma expressa e inequívoca o que aí vem descrito, dado que o contrato celebrado em 01 de agosto de 2015, conforme por Vossa Ex.ª é referido refere-se à atividade de “vigilante”, atividade essa que Vossa Ex.ª nunca foi impedido de ser levada a cabo» fls. 137.

39 - A R. não pagou ao A. o saldo de férias não gozadas referentes ao trabalho prestado de 1 de janeiro a 22 de maio de 2016, num total de: 473,00 EUR.

40 - A R. não enviou ao A. os documentos indicados nos artigos 341.º do CT e n.º 1 do art.º 43.º do DL nº 220/2006, de 3 de novembro, causando atraso na obtenção do subsídio de desemprego.

Da Contestação

42 - Em 24 maio do presente ano a Ré solicitou ao Autor, por e-mail e a outros trabalhadores a entrega do seu certificado de registo criminal – cfr. doc. de fls.195.

43 - Imprescindível para a manutenção da licença/autorização concedida pelo Ministério da Administração Interna.

44 - O Autor foi condenado pela prática de um crime de detenção ilegal de arma por sentença transitada em julgado.

45 – Por requerimento que deu entrada em juízo em 06 de maio de 2016, o autor requereu junto do juiz do Processo n.º 415/13.4PFVNG que fosse ordenada a não transcrição da sentença nos certificados de registo criminal – fls.249 e 250.

45 – Por despacho proferido em 01 de junho de 2016, foi decidido não transcrever nos CRC para efeitos de emprego a condenação referida no número que antecede. – fls. 237.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação declarativa de condenação instaurada em 10 de outubro de 2016, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 5 de março de 2018

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;           

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu a questão suscitada neste recurso de revista, e que cumpre solucionar, consiste em saber se a comunicação que o autor enviou à ré para resolver o contrato de trabalho está ou não em conformidade com a exigência do art.º 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho, na parte em que impõe que nesse documento escrito se faça a indicação sucinta dos factos que justificam a resolução do contrato.

            A resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no art.º 340.º, al. g), do Código do Trabalho (CT).

Como refere António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 610.) a resolução pelo trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio, operando a resolução imediatamente o seu efeito extintivo.

A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 394.º a 399.º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 396.º do referido diploma, pressupõe sempre que este proponha uma ação declarativa de processo comum, invocando factualidade suscetível de integrar justa causa de resolução do contrato de trabalho, pedindo que se declare a licitude da resolução e a condenação da indemnização respetiva.

Como é o trabalhador que está a invocar o direito, no caso à indemnização, cabe-lhe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil). Por isso, o citado autor, na obra mencionada, frisa que para que a resolução seja lícita é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa.

O art.º 394.º, n.º 2, do Código do Trabalho de 2009, estatui que constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:

a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;

b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador;

c) Aplicação de sanção abusiva;

d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho;

e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador;

f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, incluindo a prática de assédio denunciada ao serviço com competência inspetiva na área laboral, praticada pelo empregador ou seu representante.

Estamos perante situações de justa causa subjetiva que se reportam a um comportamento do empregador que consubstancia uma violação culposa dos seus deveres contratuais.

Para a apreciação concreta da justa causa o art.º 394.º, n.º 4, do Código do Trabalho, remete, com as necessárias adaptações, para os termos do n.º 3, do art.º 351.º, do mesmo diploma legal, respeitante ao despedimento promovido pelo empregador.

A doutrina e a jurisprudência, numa elaboração já sedimentada, têm salientado a necessidade de preenchimento de três requisitos com vista à configuração de uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador.

Logo à partida exige-se um requisito objetivo que consiste num comportamento do empregador violador dos direitos do trabalhador.

Depois, exige-se um requisito de natureza subjetiva que consiste na atribuição a título de culpa desse comportamento ao empregador.

Finalmente exige-se um terceiro requisito que relaciona o comportamento do empregador com a relação laboral, de forma a tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência dessa relação. 

Quanto ao procedimento, a resolução por justa causa depende da observação do previsto no art.º 395.º do Código do Trabalho que, logo no seu n.º 1, refere que «O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos».

Por seu turno, o art.º 398.º do Código do Trabalho, sob e epígrafe «Impugnação da resolução», estatui no seu n.º 3 que «Na ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º».

Maria do Rosário Palma Ramalho (Tratado de Direito do Trabalho, Parte II - Situações Laborais Individuais, 6ª Edição, Almedina, pág.949), referindo-se ao art.º 395.º do Código do Trabalho, observa que «Nos termos desta norma, a declaração de resolução deve ser emitida sob forma escrita e com a indicação sucinta dos respetivos factos justificativos (art.º 395.º n.º 1). Apesar da referência da lei ao carácter “sucinto” desta indicação, a descrição clara dos factos justificativos da resolução é importante, uma vez que, em caso de impugnação judicial da resolução, são estes factos os únicos atendíveis pelo tribunal, nos termos do art.º 398.º n.º 3».

João Leal Amado (Contrato de Trabalho, Noções básicas, 2016, Almedina, pág. 384) ao referir-se ao procedimento para resolução do contrato sublinha que «Não é, pois, indispensável proceder a uma descrição circunstanciada dos factos, bastando uma indicação sucinta dos mesmos, de modo a permitir, se necessário, a apreciação judicial da justa causa invocada pelo trabalhador».

O mesmo autor, em nota de rodapé, acrescenta que «Isso mesmo resulta do n.º 3 do art.º 398.º, norma relativa à impugnação da resolução pelo empregador, na qual se esclarece que em tal ação judicial apenas são atendíveis para justificar a resolução os factos constantes da comunicação escrita prevista no art.º 395.º, n.º 1».

No caso concreto, como se pode observar através do ponto 36 dos factos provados e mais impressivamente pela carta junta aos autos a fols.135, o autor, quanto ao fundamento da resolução, consignou o seguinte:

Pela presente comunico-vos a resolução imediata, com justa causa, do contrato de trabalho celebrado no dia 1 de junho de 2009, nos termos do n.º 1 e da alínea b) do n.º 2 do art.º 394.º do Código do Trabalho, por motivo de violação do meu direito de continuar a exercer efetivamente a atividade para que fui contratado.

Por seu turno, a ré respondeu a esta missiva do autor consignando:

«Refutamos de forma expressa e inequívoca o que aí vem descrito, dado que o contrato celebrado em 1 de agosto de 2015, conforme por Vossa Ex.ª é referido refere-se à atividade de "vigilante", atividade essa que Vossa Ex.ª nunca foi impedido de ser levada a cabo

É verdade que a carta enviada pelo autor à ré para resolver o contrato de trabalho não efetua uma descrição circunstanciada dos factos, mas acaba por indicar de forma sucinta o fundamento da resolução com recurso a uma expressão de base factual, de fácil compreensão.

A resposta da ré à missiva do autor é elucidativa de que aquela foi compreendida em toda a sua dimensão, pois numa primeira linha a mesma foi refutada, acrescentando-se que o autor nunca foi impedido de exercer a atividade de vigilante para que foi contratado.

Colocada a questão nestes termos e face à posição assumida pela ré, temos de concluir que a comunicação da resolução do contrato de trabalho, remetida pelo autor à ré, cumpriu o exigido pelo art.º 395.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

O pedido de envio de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça, formulado pelo recorrente, visando obter a opinião desse Tribunal sobre a compatibilidade da decisão recorrida com o direito da União Europeia, fica prejudicado.

                                                           III

Decisão:

           Face ao exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença proferida pela 1.ª instância.

Custas na 2.ª instância e neste Supremo Tribunal de Justiça a cargo da ré.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 31 de outubro de 2018.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha