Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1303/07.9TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: REVELIA
CITAÇÃO EDITAL
FALTA DE CONTESTAÇÃO
CONFISSÃO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
DESISTÊNCIA DA INSTÂNCIA
RECURSO DE REVISTA
OBJECTO DO RECURSO
OBJETO DO RECURSO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / REVELIA DO REÚ / EFEITOS DA REVELIA / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Abílio Neto, “Código de Processo Civil” Anotado, 13.ª edição, 216.
- Jacinto Rodrigues Bastos, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. III, 33.
- José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, 90.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 154.º, 567.º, 568.º, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 20.º, 204.º, 205.º.
Sumário :
I - A excepção da al. b) do art. 568.º ao regime normal da revelia constante do art. 567.º, ambos do NCPC (2013), deve ser interpretada no sentido de citado editalmente um qualquer de vários réus, e mantendo-se esse mesmo réu na situação de revelia absoluta, não se têm por confessados os factos articulados pelo autor. Não se têm por confessados quanto a todos os réus e não apenas quanto a ele, réu que foi citado editalmente.

II - A posterior desistência da instância (e mesmo do pedido) quanto ao réu citado editalmente e que permaneceu em revelia absoluta não tem qualquer consequência pregressa no efeito não cominatório que se consolidou no tempo em que a citação edital e a revelia absoluta se deparou aos restantes réus.

III - A sentença de 1.ª instância constitui objecto de análise pelo tribunal da Relação; a decisão sobre a qual se debruça o STJ é o acórdão da Relação. Por conseguinte, no que concerne à apreciação das nulidades, apenas relevam as imputadas a este.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



AA – SOCIEDADE COMERCIAL E DE REPRESENTAÇÕES, LDA

intentou acção declarativa, na forma ordinária de processo, contra

BB – THE SPORTS AND MARKETING COMPANY

CC - THE SPORTS AND MARKETING COMPANY

COMISSÃO DO CAMPEONATO DO 9.º SPORT TV/CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS WORLD CORPORATE GOLF CHALLENGE

COMISSÃO TÉCNICA DO 9.º SPORT TV/CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS GOLF CHALLENGE

DD

EE

FF

PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE GOLFE

COMISSÃO DE HANDICAPS E COURSE RATING DA …

PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE

PRESIDENTE DO CONSELHO JURISDICIONAL DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE

DIRECÇÃO DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE

pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 135 000,00 euros, a título de indemnização, as despesas que tiver que suportar com a presente acção e as quantias que sofrer, após a entrada da presente acção e que não estema abrangidas pelo pedido anterior até ao trânsito em julgado e a liquidar em sede de execução de sentença.

Em despacho saneador adrede proferido foram os réus PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO EUROPEIA DE GOLFE, COMISSÃO DE HANDICAPS E COURSE RATING DA …, PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE, PRESIDENTE DO CONSELHO JURISDICIONAL DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE e DIRECÇÃO DA FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE GOLFE absolvidos da instância (despacho do qual não foi interposto qualquer recurso). E, de seguida, fixada a matéria de facto tida por assente e elaborada a base instrutória.

Prosseguiram os autos os seus regulares termos quanto aos restantes réus e, efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida a sentença na qual a acção julgada improcedente, absolvendo-se todos estes réus dos pedidos contra eles formulados.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de fls. 2701 a 2735, datado de 27 de Janeiro de 2015, sem voto de vencido, julgou improcedente o recurso, in totum, e consequentemente manteve o decidido pelo tribunal a quo.

Em requerimento de fls. 2776 veio a autora desistir da instância e do pedido formulado contra a ré COMISSÃO TÉCNICA DO 9.º SPORT TV/CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS GOLF CHALLENGE, desistência que foi julgada válida e homologada por despacho de fls. 2844.

A mesma autora/apelante, em requerimento de fls. 2778, inconformada, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal começando, nas respectivas alegações, por arguir nulidades e omissões de pronúncia que já tinha suscitado no seu recurso de apelação, vícios que os réus/apelados repudiaram nas suas contra-alegações.

Em acórdão de fls. 2845 e 2846, o Tribunal da Relação de Lisboa, manteve o antes decidido quanto às nulidades em causa e às omissões de pronúncia. E em despacho de fls. 2853 veio a ser admitido o recurso interposto a fls. 2778.

Nas respectivas alegações, apresenta em resumo as seguintes CONCLUSÕES:

a – em virtude de os réus terem sido regularmente citados e não terem apresentado contestação, deveriam considerar-se confessados os factos articulados pela autora na petição inicial e proferir-se sentença, logo no despacho saneador, julgando a presente acção conforme for de direito;

b - In casu não se verifica nenhuma das excepções previstas no art.568ºdo NCPCivil, no sentido da inaplicabilidade do disposto no art.567º;

c – o que resulta de tais disposições legais é que se o réu (citado editalmente) não contestar não se consideram confessados os factos articulados pelo autor;

d – mas isto só em relação ao réu que foi citado editalmente, o que não acontece  quanto aos outros réus que foram citados na sua própria pessoa ou juntaram procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, considerando-se neste caso confessados os factos articulados pela autora;

e - interpretação que é reforçada pelo teor da excepção prevista na al. a) do art. 568º já que, se algum dos réus contestar, não se consideram confessados os factos que o contestante impugnar, fazendo então sentido que tal contestação aproveite aos demais réus;

f – o que não faz sentido em relação ao réu citado editalmente, in casu a 4ª ré, Comissão Técnica do 9º Sport TV/Caixa Geral de Depósitos World Challenge;

g – interpretação que sai reforçada com a desistência da autora da instância e do pedido contra esta ré;

h – toda a matéria de facto alegada pela autora deveria, por isso, ter sido julgada provada em face da falta de contestação dos réus;

i – consequentemente deveria ter sido outro o julgamento de direito, com a condenação dos réus nos pedidos;

j – o acórdão e as sentenças recorrida sofrem de nulidade por violação do disposto nas als. b ), c ) e d ) do nº1 do art.615º do NCPCivil;

l – o acórdão viola o disposto no art.154º do NCPCivil pelo facto de estar insuficientemente fundamentado;

m – a decisão recorrida não indica um único facto concreto susceptível de revelar, informar e fundamentar a real e efectiva situação, o verdadeiro motivo da não procedência da pretensão dos pedidos da recorrente, violando assim o disposto no art.205º da CRP;

n – e os arts.204º, 13º e 20º da mesma CRP.

Contra-alegam (fls. 2914) os recorridos BB, Lda, DD, FF e EE pela improcedência do recurso.

Estão cumpridos os vistos legais.

Importa decidir.

A recorrente faz apelo, na sua alegação de recurso, ao disposto nos arts. 567º, nº1 e 568º, al. b) do NCPCivil, feito entrar em vigor pela Lei nº41/2013, de 26 de Junho, mas não aplicável – assim o dispõe o nº3 do art. 5º da Lei – às normas reguladores dos actos processuais da fase dos articulados das acções declarativas.

Pouco importa, aqui, porquanto o CPCivil anterior, em vigor no tempo da propositura da acção e do desenvolvimento dessa fase processual, dispõe exactissimamente o mesmo, com o mesmíssimo texto legal, nos arts. 484º, nº1 e 485º, al. b ).

Assim, onde a recorrente invocou o art. 567º, nº1 do NCPCivil, estará a pensar-se no art. 484º, nº1 do anterior CPCivil; onde invocou a al. b) do art.568º do NCPCivil se considerará, de igual modo, a al. b) do art. 585º anterior.

Ora bem:

o art. 567º, nº1 do NCPCivil dispõe, no seu nº1se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

Mas logo o art. 568º estabelece um leque de excepções a este princípio, dizendo que não se aplica o disposto no artigo anterior (b) quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da sua incapacidade, ou houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta.

Nesta alínea (b), portanto, duas situações em que o disposto no art. 567º se não aplica:

quando o réu ou algum dos réus for incapaz, situando-se a causa no âmbito da sua incapacidade;

quando o réu ou algum dos réus | … | houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta.

Ou seja, e no que agora nos importa, quando o réu ou algum dos réus | … | houver sido citado editalmente e permaneça na situação de revelia absoluta, não se consideram confessados os factos articulados pelo autor.

Ora, em qualquer acção, os factos são os factos, e hão-de ser nela, sempre e só, os mesmos factos, sob pena de um inenarrável ataque à unidade e credibilidade do sistema.

É assim: citado editalmente um qualquer de vários réus, e mantendo-se esse mesmo réu na situação de revelia absoluta, não se têm por confessados os factos articulados pelo autor. Não se têm por confessados quanto a todos os réus; e não apenas quanto a ele, réu que foi citado editalmente.

Assim, e só assim, se pode ler a excepção da al. b ) do art. 568º ao regime normal da revelia do art. 567º.

A não funcionar a revelia apenas quanto a ele, réu citado editalmente, não haveria até necessidade de configurar uma qualquer excepção, a da al. b) do art. 568º, porquanto a norma, a do art. 567º, nº1, só comina a revelia para os casos de citação … na sua própria pessoa.

Como acentua José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, À luz do CPCivil de 2013, 3ªedição, pág. 90, o efeito cominatório não se produz perante outro eventual réu revel ainda que o litisconsórcio seja voluntário ou ocorra coligação.

Isto mesmo vem acentuado, desde logo, para o disposto na al. b ) do art.485º do CPCivil na redacção introduzida pela Reforma do Processo Civil de 1995 - Dec.lei nº329-A/95, de 12 de Dezembro – de cujo relatório consta expressamente que se julgou inoperante a revelia « em caso de haver alguns réus citados editalmente, que se mantenham em situação de revelia absoluta, o que  representando em certa medida a ultrapassagem de dúvidas que, a esse respeito, se têm verificado na vigência do actual regime, traduz a preocupação de evitar julgamentos de mérito em sentido discrepante em relação à mesma situação factual e jurídica », como chamam a atenção, nas respectivas anotações, Jacinto Rodrigues Bastos, CPCivil anotado, vol.III, pag. 33 e Abílio Neto, CPCivil anotado, 13ª edição, pág. 216, este a escrever textualmente que « basta que um dos réus esteja abrangido pela al. b ) para que seja inaplicável a todos o regime do art.484º ».

Nenhuma censura a fazer, pois, à selecção de factos assentes e à base instrutória construídas das quais veio a resultar, após o julgamento, a fundamentação de facto das decisões da 1ª instância e do acórdão recorrido.

Tanto mais que não é concebível que a posterior desistência da instância (e mesmo do pedido) quanto ao réu citado editalmente e que permaneceu em revelia absoluta possa ter qualquer consequência pregressa no efeito não cominatório que se consolidou no tempo em que a citação edital e a revelia absoluta se deparou aos restantes réus.

Essa posterior desistência não tem qualquer efeito porque o benefício da excepção da al. b) do art.485º do CPCivil (ou da al. b) do art. 568º do NCPCIVIL) se radicalizara já no património processual dos restantes réus, ao tempo em que a citação edital e a revelia se concretizaram.

E porque toda a revista vem sustentada nessa – pretendida, mas não procedente – modificação da matéria de facto, o recurso improcede na totalidade.


~~


Até porque - conforme aliás o Tribunal da Relação de Lisboa mantém no acórdão de fls. 2845 e 2846 – não se verificam, no acórdão recorrido, as pretendidas nulidades por violação do disposto nas als. b), c ) e d ) do art. 615º do NCPCivil.

Deve dizer-se, por uma questão de clareza, que a decisão sob análise por este Supremo Tribunal é tão só e apenas o acórdão recorrido (e não também, como a recorrente parece pretender, a sentença ).

A sentença de 1ª instância constituía objecto de análise pelo Tribunal da Relação; a decisão sobre a qual se debruça o Supremo Tribunal de Justiça é o acórdão da Relação. Que aliás se pronuncia detalhadamente, e sem qualquer contradição ou falta de clareza, sobre as nulidades imputadas à sentença.

Começando por reconhecer «quanto à também alegada falta de fundamentação da sentença recorrida |…| que se impunha que o Tribunal recorrido melhor explicasse porque valorou e como valorou os testemunhos e depoimentos de parte produzidos na Audiência de Discussão e Julgamento», sustentou depois que «tal insuficiência poderá/deverá ser suprida por este Tribunal de Recurso, ouvindo toda a aludida prova prestada em julgamento» e, de seguida, partiu para uma apreciação minuciosa da prova produzida (apesar de, conforme já se disse, a censura da recorrente, se centrar sobretudo nos efeitos/não efeitos da revelia do réu citado editalmente e ser esse o ponto de partida para a fixação de uma nova realidade de facto que sustentaria uma nova e diferente solução de direito).

E apreciando depois a dimensão de direito do recurso sustentou, desenvolvida e criteriosamente, a solução jurídica que suporta a vertente decisória da improcedência da acção, começando por analisar em abstracto o universo juridico-material onde deveria movimentar-se e debruçando-se depois, com pormenor, sobre o caso concreto a iluminar por tal universo.

Não há qualquer violação do disposto no art. 154º do CPCivil – o acórdão está inteiramente fundamentado – e não se vê, de todo em todo não se verifica, qualquer violação dos princípios insertos nos arts. 205º, 204º, 13º e 20º da Constituição da República.

O Tribunal da Relação (e o Tribunal de 1ª Instância também) não aplicou qualquer norma violadora da Constituição, fundamentou suficientemente a sua decisão, olhou para as partes em qualquer atitude discriminatória e elas, as partes, as recorrida e a recorrente, puderam aceder ao tribunal para a defesa dos seus direitos. Que a recorrente não tenha obtido procedência na sua pretensão é questão que não contende com qualquer princípio constitucional – ela resulta apenas da aplicação da lei, de um universo legislativo que – repete-se – em nenhum dos seus aspectos é violador da Constituição.


~~

D   E   C   I   S   à  O



Na improcedência do recurso,

nega-se a revista e confirma-se a decisão recorrida.


Custas a cargo da recorrente.

LISBOA, 21 de Abril de 2016


Pires da Rosa (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Salazar Casanova