Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09A0682
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
PRESTAÇÕES A CARGO DO FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS
MOMENTO A PARTIR DO QUAL SÃO DEVIDAS
Nº do Documento: SJ200907070006826
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DR Iª SÉRIE,150,05-08-2009,P.5084-5094
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I – A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em plenário das Secções Cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça:


Por requerimento de 20 de Junho de 2007 (fls 121), AA, mãe do menor BB, veio instaurar o presente incidente de incumprimento de prestação alimentícia, alegando, em síntese, o seguinte:
- por acordo exarado nos presentes autos e judicialmente homologado, CC, pai do referido menor, ficou obrigado a depositar, mensalmente, na conta bancária da requerente, até ao dia 8 de cada mês, a título de alimentos, a quantia de 110 euros, com início no mês de Dezembro de 2006;
- o requerido nunca procedeu a qualquer depósito;
- a requerente tem como única fonte de rendimento o seu salário, no valor de 450 euros por mês;
- o seu agregado familiar é composto por duas pessoas.
Concluiu, pedindo:
a) – Ao abrigo do disposto nos arts. 1º e 3º, nºs 1 e 2 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro e art. 3º do Dec-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, se decida, com a devida urgência, que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, deve prestar alimentos ao menor BB, em substituição do requerido, proferindo-se se necessário, decisão provisória;
b) – Caso assim se não entenda, sejam tomadas as medidas necessárias e adequadas ao cumprimento coercivo dos alimentos vencidos e vincendos, de acordo com o estipulado no art. 189º do Dec-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro;
c) – Com base no art. 181º do citado Dec-Lei nº 314/78, se condene o requerido no pagamento ao menor de uma indemnização, em montante nunca inferior a 500 euros.

Cumprido o disposto no art. 181º, nº2, da OTM, o requerido veio dizer que não tem capacidade económica para pagar a prestação estipulada, pois encontra-se desempregado e não aufere qualquer subsídio de desemprego, garantindo a sua subsistência com a ajuda de sua mãe.

Após a realização das diligências julgadas convenientes para apuramento da situação económica do requerido, foi proferida a decisão de fls 147, ao abrigo do art. 3º, nº2, da Lei 75/98, de 19 de Novembro, que fixou em 110 euros mensais a prestação provisória a pagar pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social a favor do referido menor.

Oportunamente, foi proferida a decisão definitiva de fls 186 e segs, que fixou em 125 euros mensais a prestação devida pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor do menor BB, desde a data da apresentação do pedido em apreço, sem prejuízo dos montantes já pagos a título provisório, sendo este montante actualizado anualmente, de acordo com o índice inflacionário que se houver verificado no ano anterior.

Inconformado, agravou o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, por considerar que os alimentos a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não são devidos desde a data da apresentação do respectivo pedido, mas apenas a partir do mês seguinte ao da notificação da respectiva decisão judicial ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

A Relação de Guimarães, através do seu Acórdão de 4-12-08, concedeu provimento ao agravo e revogou a decisão recorrida, na parte em que condenou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde a data da entrada do pedido, ficando o Fundo obrigado a pagar as prestações fixadas a partir do mês seguinte ao da notificação da decisão da 1ª instância.

Agora, foi o Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto das Secções Cíveis da Relação de Guimarães que, com fundamento no art. 678º, nº4, do C.P.C., veio interpor recurso de agravo para este Supremo Tribunal de Justiça, por o Acórdão recorrido se encontrar em total oposição com o Acórdão da mesma Relação de 9-10-08, proferido no processo nº 1752/08, da 2ª Secção, no qual se julgou que tais prestações se vencem desde a data da formulação do respectivo pedido.
Pede que se proceda a agravo ampliado, para efeito de uniformização da jurisprudência, nos termos dos arts 732º-A e 762º, nº3, do Cód. Proc. Civil, atenta a jurisprudência divergente sobre a mesma questão de direito, proferida pelas Relações e pelo Supremo Tribunal de Justiça, propondo a fixação da seguinte jurisprudência:
“As prestações de alimentos a menor fixadas pelo tribunal em substituição do devedor, asseguradas pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, cujo pagamento é efectuado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, nos termos previstos no art. 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, são devidas a partir da entrada do requerimento nos respectivos autos de incumprimento”.

Alegando no agravo, o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, resumidamente, conclui:
1- Excluídas as prestações alimentícias vencidas e não pagas pela pessoa judicialmente obrigada, importa determinar o momento a partir do qual o Fundo se encontra obrigado, avançando-se, em regra, duas posições: a partir da entrada do requerimento para a intervenção do Fundo ou a partir da data da notificação da decisão judicial.
2- Salvo melhor opinião, entendemos mais justa e consentânea com o espírito da lei a tese que faz retroagir os efeitos da decisão de intervenção do Fundo à data da entrada do respectivo requerimento.
3 – O art. 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, que estabelece que o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não baliza o momento em que nasce a obrigação do Fundo, apenas se reportando ao momento em que o C.R.S.S. está obrigado a cumprir a decisão do tribunal.
4 – A verificação dos pressupostos da intervenção do Fundo pode implicar uma demorada tramitação processual, não se compreendendo que o menor, durante esse lapso de tempo, que pode ser longo, não beneficie da prestação alimentar.
5 – Tanto a Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, com o Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, são omissos sobre o momento a partir do qual as prestações alimentares são devidas.
6 – Verifica-se uma lacuna da lei, que exige a aplicação, pela via da analogia, do art. 2006º do Código Civil, uma vez que procedem aqui as razões justificativas da regulamentação prevista para os alimentos naquele dispositivo, que diz que os alimentos são devidos desde a data da propositura da acção.
7 – Assim, o momento em que as prestações se começam a vencer só poderá ser o definido no art. 2006º do Código Civil, ou seja, desde a data da entrada da acção em juízo, que, neste caso, é desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervenção do Fundo.
8 – Considera violados os arts. 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, 3º, 4º e 5º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, 2006º do Código Civil, 401º, nº1, do Código do Processo Civil, e 24º, nº1 e 69º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

Não houve contra-alegações.

O Ex.mo Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou o julgamento ampliado do agravo, para efeito de uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts 732º-A e 762º, nº3, do C.P.C.


O Ex.mo Procurador Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, considerando ser o Ministério Público o recorrente, com posição processualmente bem definida quanto ao objecto do recurso, teve por prejudicada a emissão de parecer prevista no art. 732º-B, nº1, do C.P.C.


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


A Relação considerou provados os factos seguintes:

1- Mediante acordo, homologado por sentença, o menor BB foi confiado à guarda da sua mãe, AA.

2 – Mais foi determinado que o pai, CC, pagasse a título de alimentos, ao mesmo menor, a quantia mensal de 110 euros, até ao dia 8 de cada mês, mediante depósito bancário, quantia esta actualizável anualmente de acordo com os índices da inflação registados.

3 – O requerido nunca pagou a referida prestação de alimentos.

4 – Esporadicamente, atribuiu algum dinheiro ao menor para aquisição de peças de vestuário e compra de medicamentos.

5 – O requerido integra o agregado familiar de sua mãe, viúva, reformada,

6 – Está inactivo há cerca de três anos.

7 – Esporadicamente, trabalha na construção civil, auferindo cerca de 35 euros por dia.

8 – Por vezes, faz trabalhos ocasionais no sector têxtil, auferindo cerca de 3,50 euros, por hora.

9 – Beneficia do apoio dos irmãos, amigos e namoradas.

10 – Não se sente motivado para o exercício de uma actividade profissional.

11 – O menor reside com a progenitora em casa pertencente aos pais desta.

12 – Frequenta o sexto ano de escolaridade, na Escola C+ S de Manhente.

13 – Na sequência de uma tentativa de suicídio, o menor é acompanhado pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de S. Marcos.

14 – A mãe do menor, que trabalha como operária têxtil, encontra-se actualmente desempregada .

15 – Aufere um salário de desemprego, no valor de 407 euros.

16 – Apresenta problemas de saúde do foro psiquiátrico, sendo acompanhada pelo Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de S. Marços e pelo Grupo de Acção Social Cristã.

17 - A mãe do menor despende mensalmente 100 euros na prestação da sua viatura, 80 euros em água, luz e gás e 26 euros em medicação.

A única questão a apreciar consiste em saber se as prestações alimentares a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores são devidas desde a data da entrada em juízo do requerimento para a intervenção do Fundo ou a partir da notificação da decisão judicial que julgue o incidente do incumprimento.

Vejamos:

Tem sido objecto de controvérsia jurisprudencial a determinação do momento a partir do qual o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores se encontra obrigado.
No sentido de que o Fundo fica obrigado a partir da entrada em juízo do requerimento para sua intervenção decidiram, entre outros: Acórdão da Relação de Guimarães de 9-10-08, proferido no Proc. nº 1752/08, da 2ª Secção (Acórdão fundamento); Acórdãos da Relação do Porto de 8-3-07, Proc. nº 0731236, e de 14-12-06, Proc. nº 0636008; Acórdãos da Relação de Coimbra de 12-4-05, Proc. nº 265/05, e de 3-5-06, Proc. nº 805/06; Acórdãos da Relação de Guimarães de 1-6-05, Proc nº 805/06, e de 8-11-07, Proc. nº 1823/07.
Na esteira de que o Fundo só se encontra obrigado a partir da data da decisão do respectivo incidente de incumprimento, julgaram, entre outros: Acórdãos da Relação do Porto de 25-5-04, Proc. nº 0422350, e de 25-9-06, Proc. nº 0654366; Acórdãos da Relação de Guimarães de 12-1-05, Proc. nº 2211/04, e de 11-5-03, Proc. nº1524/03; Acórdão da Relação de Lisboa de 6-3-08, Proc. nº 1608/08.

Ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, decidiram no sentido do nascimento da obrigação do Fundo com a decisão que julgue o requerimento de incumprimento do devedor originário, entre outros: Ac. de 27-1-04, Proc. nº 03A3648; de 6-7-06, Proc. nº 05B4278; de 27-9-07 ( Col. Ac. S.T.J., XV, 3º, 63); de 10-7-08, Proc. nº 08A1860 ( este relatado pelo mesmo relator e publicado na Col. Ac. S.T.J., XVI, 2º, 170) ; e de 30-9-08, Proc. nº 08A2953.
No sentido de que o Fundo fica obrigado desde a data da instauração do respectivo incidente de incumprimento, julgaram: Ac. de 3-6-08, Col. Ac. S.T.J., XVI, 2º, 93 ; também de 10-7-08, Proc. nº 08A1907; e de 19-10-09, Proc. nº 448/09, da 2ª Secção .

Que posição seguir?

Não garantindo o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores o pagamento da prestação de alimentos não cumprida pelo responsável legal e assegurando antes uma prestação própria e diferente daquela, fixada oportunamente pelo tribunal, acolheremos a tese de que a sua obrigação só nasce com a decisão que, apreciando os respectivos pressupostos, julgue o incidente de incumprimento do devedor originário, e a sua exigibilidade ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, em conformidade com o decidido no citado Acórdão de 10-7-08, Proc. nº 08A1860, relatado pelo mesmo relator, que seguiremos de perto.

O art. 1º da citada Lei nº 75/98, dispõe:
“Quando uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Dec-Lei nº 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação “.
Esta prestação nova não tem que ser, necessariamente, equivalente à que estava a cargo do progenitor.
O art. 2º da referida Lei nº 75/98 enuncia os critérios para fixação do montante das prestações a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores e define um tecto limite, para o qual terá de se produzir prova, nos termos do art. 4º, nº1, do Dec-Lei nº 164/99, de 13 de Maio.
A garantia de alimentos devidos a menores cria, assim, uma nova prestação social, que, de acordo com o preâmbulo do mencionado Dec-Lei nº 164/99, “traduz um avanço qualitativo inovador na política social desenvolvida pelo Estado, ao mesmo tempo que se dá cumprimento ao objectivo do reforço da protecção social devida a menores “.
Deste modo, atribui-se ao Estado, nos casos em que os alimentos judicialmente fixados ao filho menor não podem ser cobrados nos termos do art. 189º da OTM, o dever de garantir o pagamento até efectiva satisfação da obrigação pelo progenitor devedor, ficando sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas as prestações, com vista a ser reembolsado do que pagou – art. 5 º do Dec-lei nº 164/99.
Perante o elevado número de situações de incumprimento das prestações alimentares, a Lei nº 75/98 criou o Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, gerido pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com o
objectivo de assegurar, através do Estado, direitos constitucionalmente garantidos, como sejam, o direito à vida ( que implica o acesso a condições de subsistência mínimas) e o direito das crianças ao seu desenvolvimento integral, consagrados nos arts 24º, nº1 e 69º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
A obrigação de prestação de alimentos a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma, embora subsidiária, da do devedor originário dos alimentos, no sentido de que o Estado não se vincula a suportar os precisos alimentos incumpridos, mas antes a suportar alimentos fixados ex novo.
A prestação de alimentos incumprida pelo primitivo devedor funciona apenas como um pressuposto justificativo da intervenção subsidiária do Estado para satisfação de uma necessidade actual do menor.
Consequentemente, o Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.
A garantia de alimentos a menores foi regulamentada pelo citado Dec-Lei nº 164/99, que estabelece os pressupostos e requisitos da sua atribuição – art. 3º.
O seu art. 4º, nº5, prevê que o Centro Regional de Segurança Social inicia o pagamento das prestações, por conta do Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
Inexistindo, anteriormente à decisão do requerimento do incidente de incumprimento, qualquer obrigação do Fundo pela satisfação da prestação alimentar, não tem este que assegurar o pagamento das prestações vencidas e não pagas antes desse momento, pelas quais é responsável o devedor que a tal estava obrigado.
Por outro lado, a obrigação do Fundo é uma obrigação criada ex novo pela decisão que a determina e, por isso, só nasce nesse momento, com pressupostos legais próprios, podendo ter um conteúdo diferente da obrigação de alimentos do originário devedor.
Várias soluções poderiam ser concebidas pelo legislador, para fixação do momento a partir do qual são devidos os alimentos, como anotam Pires de Lima e Antunes Varela ( Código Civil Anotado, Vol. V, pág. 585).
O art. 2006º do Cód. Civil, ao dispor que “os alimentos são devidos desde a data da proposição da acção”, pressupõe que o obrigado a alimentos, uma vez demandado, podia e devia voluntariamente reconhecer a obrigação e cumpri-la.
Daí que seja razoável e justo fazer retroagir a fixação dos alimentos ao momento da instauração da acção.
No caso do Fundo, é diferente a razão de ser da sua intervenção, cuja obrigação tem o carácter de prestação social.
A sua responsabilidade apenas se constitui com a decisão que aprecia os pressupostos para sua intervenção e o condena no pagamento de certa prestação, cuja exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
O Fundo, quando assegura o pagamento de prestações alimentícias, fá-lo no cumprimento de uma obrigação própria e não alheia.
A actualidade das prestações que satisfaz afere-se pela verificação judicial da existência cumulativa dos pressupostos e requisitos legais, legitimadores da intervenção do Fundo – arts 1º e 3º da Lei nº 75/98 e 2º e 9º do Dec-Lei nº 164/99.
O montante dos alimentos imposto ao Fundo é fixado no incidente de incumprimento e só então se torna líquido e exigível, como direito social do alimentando (Remédio Marques, Algumas Notas sobre Alimentos Devidos a Menores, pág. 221 e segs).
A obrigação do Fundo não existe enquanto não for apurado o incumprimento do originário devedor e demais pressupostos legais, de tal modo que tal obrigação só é criada com a decisão do respectivo incidente.
Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei - art. 10º, nº2, do C.C.
Assim, a analogia das situações mede-se “em função das razões justificativas da solução fixada na lei e não por obediência à mera semelhança formal das situações “ ( Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed. pág. 59).
Daí que a doutrina do citado art. 2006º não seja aplicável por analogia, pois a sua ratio não tem correspondência com a situação do Fundo.
Não valem relativamente ao Fundo as razões justificativas da previsão do art. 2006º do C.C., que faz retroagir a obrigação de alimentos à data da propositura da acção.
Não há paridade entre o dever paternal e o dever do Estado quanto a alimentos, pois não há qualquer semelhança entre a razão de ser da prestação de alimentos fixada ao abrigo das disposições do Código Civil e a fixada no âmbito do Fundo.
Enquanto o art. 2006º está intimamente ligado ao vínculo familiar, nos termos do art. 2009º do C.C. (e daí que, quando a acção é proposta, os alimentos já seriam devidos), a Lei nº 75/98 cria uma obrigação nova, imposta a entidade que, antes da respectiva decisão, não tinha qualquer obrigação de os prestar.
Acresce que o Fundo, enquanto interveniente no incidente, é chamado aos autos apenas com a notificação da decisão do tribunal.
Todo o processado do incidente do incumprimento da obrigação alimentar pelo devedor originário decorre sem o conhecimento do Fundo e sem qualquer intervenção da sua parte.
Não colhe o argumento de que, com o entendimento defendido, a obrigação de prestar fica na dependência da maior ou menor celeridade processual, o que resultaria em prejuízo dos menores e em violação do princípio da igualdade, conforme a maior ou menor celeridade processual.
Efectivamente, a Lei nº 75/98 acautela a situação dos menores, face a uma possível demora na tramitação do incidente, ao prever no nº2, do seu art. 3º, que o Juiz pode estabelecer uma prestação de alimentos provisória, quando a pretensão do requerente for justificada e urgente.
Foi, aliás, o que aconteceu no caso concreto.
E, como é sabido, não há lugar, em caso algum, à restituição dos alimentos provisórios recebidos – art. 2007º, nº2, do C.C.
Em face do exposto, é de concluir que a responsabilidade do Fundo só nasce com a decisão que julgue o requerimento do incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal.
Deve ser acatada esta opção legislativa, independentemente do juízo de bondade e de justiça que sobre a mesma se possa fazer.
Não pode convocar-se o regime de outras prestações de carácter social, a cargo do Estado, designadamente do rendimento social de inserção, por o legislador ter aí optado, expressamente, por solução diversa.
Com efeito, no âmbito do rendimento social de inserção, o art. 17º, nº6, da Lei nº 13/2003, de 21 de Maio, estabelece que a decisão quanto ao pagamento desta prestação produz efeitos desde a data da recepção do requerimento.
Consequentemente, não se mostram violados os arts 24º, nº1 e 69º, nºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, nem os demais preceitos legais invocados pelo recorrente.

Termos em que acordam em negar provimento ao agravo, confirmando o Acórdão recorrido, sem custas, por o Ministério Público delas se encontrar isento, e uniformizam a jurisprudência nos termos seguintes:

A obrigação de prestação de alimentos a menor, assegurada pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor, nos termos previstos nos artigos 1º da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, e 2º e 4º, nº5, do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.



Lisboa, 07 de Julho de 2009

Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Santos Bernardino
Nuno Cameira
Alves Velho
Moreira Camilo
Pires da Rosa (Com declaração que junto)
Bettencourt de Faria (Vencido, conforme o voto da Exma. Cons. Maria dos Prazeres Beleza)
Sousa Leite
Salreta Pereira (Voto vencido nos termos da declaração apresentada pelo Exma. Conselheira Maria dos Prazeres Beleza)
Custódio Montes
Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
João Bernardo (Vencido conforme voto que junto)
Urbano Dias
João Camilo
Paulo Sá ( Vencido, conforme voto que junto)
Mora Miranda
Alberto Sobrinho
Oliveira Rocha
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Vencida, conforme declaração junta)
Oliveira Vasconcelos (Conforme voto vencido)
Fonseca Ramos (Junto declaração de voto)
Mário Cruz (Vencido nos termos da declaração de voto do Conselheiro Fonseca Ramos)
Cardoso de Albuquerque
Garcia Calejo
Serra Baptista
Lázaro Faria (De acordo com a decl. voto da Conselheira Beleza)
Hélder Roque (Vencido conforme a declaração de voto que junto)
Salazar Casanova
Álvaro Rodrigues (Vencido nos termos da declaração junta)
Lopes do Rego


- Declaração de voto
(acentuando que a decisão prevista no artº 3º, nº 2 da Lei 75/98 deve ser entendida para o juíz, não apenas como uma faculdade, mas como uma obrigação procurada para os casos de justificação e urgência)
7 de Julho de 2009
Pires da Rosa

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- Votei vencido por razões situadas em plano constitucional.
I-
No topo dos direitos fundamentais, a criança tem direito à vida
- artigo 24.° da CRP.
Do mesmo modo, tem direito à dignidade enquanto pessoa
humana -artigo 1.°. .
Para além deles, estatui o artigo 69.º n.°l, que:
"As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista
ao seu desenvolvimento integral... "
E no n.°2 que:
"O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou
por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal. "
II-
O direito à vida envolve o direito à sobrevivência e até, no
dizer deste tribunal, o direito à "qualidade de vida" - (Ac. de 26.4.1995, na
CJ STJ, Ano III, I, 155).
Quanto à dignidade da pessoa humana, já se tem o Tribunal
Constitucional pronunciado, a propósito dos limites da penhorabilidade,
incluindo naquela um substrato de "subsistência mínima"- Cfr-se, por todos,
o Ac. n.°l 77/2002, que se pode ver no respectivo sítio. Com aplauso de Cris-
tina Queiroz nos seguintes termos:
"Nesta perspectiva, será de aplaudir a decisão do Tribunal
Constitucional que acentuou esta última dimensão ao proceder à delimita-
ção do conceito jurídico-constitucional de "pessoa" e respectiva "dignida-
de", por referência a um substrato de "mínima subsistência" sem o qual, na
verdade, por diversos que sejam os conteúdos, estes terão de ser aferidos
por um mínimo constitutivo no quadro de uma vivência social." (Direitos
Fundamentais Sociais, 21).
Em anotação àquele artigo 69.°, escrevem Gomes Canotilho e
Vital Moreira:
"A noção constitucional de "desenvolvimento integral" (n.°1 "in
fine") - que deve ser aproximada da noção de "desenvolvimento da per-
sonalidade (art. 26.°, n.°2) - assenta em dois pressupostos: por um lado, a
garantia da dignidade da pessoa humana (cfr. artigo 1.°), elemento "está-
tico", mas fundamental para o alicerçamento do direito ao desenvolvimen-
to; por outro lado, a consideração da criança como pessoa em formação,
elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de
todas as suas virtualidades."
III-
Prende-se, então, o nosso caso com os direitos fundamentais à
vida e à dignidade da pessoa, acrescentando-lhe a especificidade própria
da criança e da situação que a lei 75/98, de 19.11 tipifica para que o Esta-
do assegure as prestações nela referidas.
"Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberda-
des e garantias são directamente aplicáveis..." dispõe o artigo 18.°.
Mais dispondo o artigo 17.°, sempre da CRP, que o regime dos
direitos, liberdade e garantias se aplica também aos "direitos fundamentais
de natureza análoga", nestes se integrando, se autonomizado relativamen-
te àqueles direitos à vida e à dignidade da pessoa humana, o direito da
criança a que o Estado lhe assegure as prestações, quando falham a da
pessoa "judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor... e o alimen-
tado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional,
nem beneficie, nessa medida, de rendimentos de outrem a cuja guarda se
encontre..." (artigo 1.° da Lei n.° 75/98, de 19.11).
IV-
Daqui entendo resultar que é inconstitucional a interpretação
da lei ordinária no sentido de que as prestações asseguradas pelo Estado
não sejam devidas a partir da apresentação do requerimento respectivo.
Mais entendendo que, dentro dos casos subsumíveis na referida
lei, o presente assume particular relevância em termos de direitos do menor,
por se tratar duma criança já com uma tentativa de suicídio, com acom-
panhamento psiquiátrico inerente, vivendo com sua mãe que tem proble-
mas do mesmo foro e está desempregada, recebendo 407 euros por mês,
sem que se refira sequer outra fonte de rendimento.
7.7.09
João Luis Marques Bernardo

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- Votei vencido, por entender que a prestação social instituída pela Lei n.° 75/98
veio, nos termos do respectivo preâmbulo, dar satisfação a recomendações da
União Europeia, no sentido de o Estado assumir, de forma substitutiva, a falta
das prestações alimentares devidas a menores.
Ora, quer o diploma fundamental quer o decreto-lei que o regulamenta não
escamoteiam que o que está na base da prestação social é o incumprimento da obrigação de alimentos.
O Código Civil fez da matéria dos alimentos um título autónomo, na expressão de PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, que defendem {Código Civil Anotado, vol. V, Coimbra Editora Coimbra, 1995, p. 574) que "o regime fixado
nos artigos 2003.° e segs. só abrange directamente, como logo se deduz da sua implantação legislativa, a obrigação alimentícia cujas raízes mergulham no leito das instituições familiares (seja do casamento, seja da filiação ou da
adopção). Quanto à obrigação alimentícia proveniente doutras paragens, só estará sujeita à disciplina contida neste Título, não por aplicação directa dos preceitos que o integram, mas através do canal da analogia que leve até junto
dela a água normativa que fecunda a relação de nascente familiar. O próprio artigo 2014.° fornece, aliás, nesse sentido, a orientação metodológica mais adequada."
A força expressiva deste texto foi ignorada e também a relevância da norma do artigo 2014.° citada.
A recusa do recurso à analogia parece-me um ponto débil da argumentação,
porquanto não se nega a lacuna mas a falta de razões justificativas da equiparação da situação em apreço à disciplina do Código Civil.
A nosso ver, as razões justificativas não apenas existem, como impõem a adopção de um regime similar ao previsto no artigo 2006.° do Código Civil.
A posição assumida não é compatível com o pagamento pelo Fundo de uma prestação alimentar, a título provisório, isto é, não fundada em qualquer decisão judicial, sendo certo que, no caso em apreço, ao contrário da situação
normal de pedido de prestação alimentar, nem sequer se sabe se se verificam os pressupostos da prestação social. Ou seja, o menor que pede alimentos tem que invocar a sua necessidade e a capacidade de quem deva prestá-los. Ora,
nos termos do art.° 1.° da Lei 75/98, a prestação social depende de prova de haver decisão a obrigar alguém à prestação de alimentos, do incumprimento por parte deste obrigado e de o menor não dispor de rendimentos superiores ao salário mínimo nacional.
Pode não haver prestação social a título definitivo, por não se ter feito a prova necessária.
Mas, entretanto, o menor pode ter estado a receber uma prestação social, a título provisório, cuja fundamentação, a nosso ver, contra lógica do acórdão, só pode fundar-se na natureza alimentar da referida prestação.
Por tais motivos, votaria no sentido proposto pelo Ministério Público.
7.7.09
Paulo Armínio de Oliveira e Sá

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- Processo nº 682/09

Vencida. Teria concedido provimento ao recurso, condenando o Fundo de Garantia de
Alimentos devidos a Menores a suportar as prestações vencidas desde a data da entrada do
pedido e uniformizando jurisprudência nesse sentido.
Em síntese, pelas razões seguintes:
- Nem a Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, nem o Decreto-Lei n° 164/99, de 13 de
Maio, fixam o momento a partir do qual são devidas as prestações a cargo do Fundo. O n° 5
do artigo 4° do Decreto-Lei n° 164/99 apenas dispõe sobre a data a partir da qual deve ter
início "o pagamento das prestações", assim esclarecendo que não há que esperar pelo
trânsito em julgado da decisão que as fixou, nem que averiguar dos efeitos de um eventual
recurso interposto;
- Deve pois aplicar-se, por analogia (não é aqui possível recorrer à remissão do n° 2 do
artigo 2014° do Código Civil) a regra constante do artigo 2006° do Código Civil, por
procederem as razões que justificam a fixação do momento da "proposição da acção " (aqui,
da entrada em juízo do requerimento de intervenção do Fundo), e que se reconduzem à
situação de necessidade em que, em qualquer caso, se encontra o titular do direito a alimentos.
Não procede o argumento de que "não há paridade entre o dever paternal e o dever
do Estado quanto a alimentos". Com efeito, no âmbito do "deverpaternal" os alimentos não
são devidos apenas desde a propositura da acção correspondente, já que integram tal dever
independentemente de qualquer acção. E, de qualquer modo, há que ter em conta que o
regime definido pelo artigo 2006° do Código Civil não é aplicável, apenas, quando a
obrigação de alimentos se insere no âmbito de relações familiares, como se pode verificar, por
exemplo, pelo n° 2 do citado artigo 2014°;
- É essa interpretação, que protege contra a demora da decisão, que está de acordo com
a razão de ser da assunção, pelo Estado, da obrigação de assegurar o direito a prestações de
alimentos a menores em caso de incumprimento do correspondente dever, em execução da
tarefa constitucionalmente definida de proteger as crianças "com vista ao seu
desenvolvimento integral" (artigo 69° da Constituição e preâmbulo do Decreto-Lei n°
164/99);
- E a única interpretação que permite fundamentar a possibilidade de imposição ao
Fundo da obrigação de pagamento de uma prestação de alimentos provisória, enquanto não
houver decisão (n° 2 do artigo 3° da Lei n° 75/98). Se "a obrigação do Fundo não existe
enquanto não for apurado o incumprimento do originário devedor e demais pressupostos
legais", apenas sendo "criada com a decisão do respectivo incidente ", como se escreveu no
acórdão, não tem fundamento aquela obrigação.
Não contraria esta observação a circunstância de em caso algum haver lugar à
restituição dos alimentos provisórios, se vier a apurar-se não ser procedente a pretensão de
prestação de alimentos (n° 2 do artigo 2007° do Código Civil). Na verdade, refiro-me agora à
hipótese de vir a proceder o pedido deduzido contra o Fundo, e de, entretanto, terem sido
pagos alimentos provisórios;
- Está de acordo com a solução expressa na lei para a determinação do momento a
partir do qual é devido o rendimento social de inserção, como se observa no acórdão-
fundamento, tendo toda a razão de ser a analogia nele feita com a obrigação agora em causa,
dada a razão de ser de ambas as obrigações assumidas pelo Estado;
- A natureza "independente e autónoma, embora subsidiária" da obrigação do Fundo,
que não se discute, não se opõe a esta solução; se não fosse "independente e autónoma", o
Fundo haveria de responder pelas prestações que o obrigado aos alimentos não realizou, desde
o momento do incumprimento, e não apenas desde a data do requerimento da sua intervenção.
Altero, assim, o que votei no processo n° 2498/07, no qual intervim como adjunta.
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

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- Agravo ampliado 682/09 - 6a secção
Declaração de voto
Votei vencido pelas razões referidas no acórdão proferido na revista 448/09, de
que fui relator e que a seguir se expõem.
Nos termos do artigo 1º da Lei 75/98, de 19/11, quando a pessoa judicialmente
obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as
quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189° do Decreto-Lei 314/78, de
27/10 e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional
nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o
Estado assegura as prestações previstas naquela lei até ao inicio do efectivo
cumprimento da obrigação.
Esta prestação social, a cargo do Estado, encontra fundamento no direito das
crianças à protecção, consagrado constitucionalmente (artigo 69°) que, como se
explicita no preâmbulo do Decreto-Lei 164/99, de 13/5, não pode deixar de comportar a
faculdade de requerer à sociedade e ao próprio Estado as prestações que proporcionem
as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna.
Ora entendemos que a prestação do Fundo é devida a partir da data ou do mês
seguinte ao requerimento que lhe foi endereçado, através do tribunal, para proceder ao
pagamento das prestações alimentares.
Por várias razões.
A primeira razão é porque a questão não vem expressamente resolvida nos
diplomas que regulam a intervenção do Fundo, acima referidos, pelo que não é possível
com base numa interpretação apenas literal determinar o sentido a dar à questão.
A isto não obsta o disposto no n.°5 do artigo 4o do citado Decreto-Lei 164/99, pois
o facto de este determinar que o pagamento só se inicia no mês seguinte ao da
notificação da decisão do tribunal não quer necessariamente significar que o mesmo de
reporte apenas a prestações futuras.
O pagamento que se inicia pode dizer respeito a prestações passadas.
A segunda razão é porque hão se pode entender que as prestações anteriores ao
pedido de mtervenção do Fundo estão abrangidas pela sua responsabilidade, uma vez
que esta intervenção só tem lugar quando a carência do beneficiário a alimentos é feita
sentir em juízo através do requerimento que vai desencadear o processo em ordem à
fixação de uma prestação mensal a cargo do Fundo, que se pretende adequada a
colmatar as necessidades do menor em montante que, se bem que tendencialmente
equivalente à do obrigado, não está, em principio, limitada pela mesma.
Isto quer dizer que é sobre a factualidade exposta no requerimento em que se pede
a sua intervenção que vai incidir primordialmente o inquérito a que alude o n.°l do
artigo 4° do referido Decreto-Lei 164/99, pelo que o Fundo não tem que ocupar-se de
necessidades e faltas ocorridas anteriormente, que se presumem superadas.
Do que resulta que o Fundo não pode ser considerado responsável quanto ao
pagamento das prestações não pagas pelo devedor antes do requerimento a solicitar a
sua intervenção.
Mas se não pode ser responsável por estas prestações pretéritas, já pode e deve ser
responsável pelas prestações pretéritas que se vencerem desde a data em que foi feito o
pedido da sua intervenção.
Na verdade, para alem do que se disse sobre a inexistência de qualquer imposição
da lei em sentido contrário e tendo em atenção que os diversos processos podem ter
trâmites de averiguação mais ou menos complexos - sem aqui cuidarmos, por ser
completamente indiferente à questão que nos ocupa, das razões dessa maior ou menor
complexidade ou a quem atribui-la - a entender-se que as prestações a que o Fundo
estava obrigado só eram aquelas que se vencessem depois da notificação da decisão que
impôs esse pagamento, então teríamos uma situação patente de desigualdade entre os
diversos requerentes da intervenção do Fundo, que receberiam prestações consoante os
processos de averiguação referidos no artigo 4º do Decreto-Lei 164/99 fossem mais ou menos demorados.
Ou seja, receberiam mais prestações se os processos fossem rápidos e menos se os processos fossem demorados.
Dito doutro modo: em igualdade de circunstâncias quanto à necessidade da
rJfestaçãò alimentar, dois menores podiam ser favorecidos ou prejudicados pela aplicação da lei.
Ora um dos princípios estruturantes do regime geral dos direitos fundamentais é o principio da igualdade.
Este princípio postula, além do que "todos os cidadãos são iguais perante a lei", que esta lei, ela própria, deve tratar por igual todos os cidadãos.
Ou seja, a criação de um direito igual para todos os cidadãos.
Ou ainda de outra forma: para todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultado jurídicos - Gomes
Canotilho "in" Direito Constitucional, 6ª edição, página 563.
A entender-se que o Fundo só estava obrigado a assegurar as prestações que se vencessem após a decisão sobre o pedido da sua intervenção, tal violaria o princípio da igualdade, nos termos acima descritos.
Se a lei fosse aplicada de acordo com esta interpretação, um menor, sem haver qualquer justificação para isso e sem ter qualquer influência nesse resultado, poderia ficar beneficiado ou prejudicado em relação a outro.
Repetimos: sem haver qualquer justificação para essa discriminação.
Concederia, pois, provimento ao agravo e decidiria que a data a partir da qual o Fundo devia assegurar as prestações à menor era a data em foi requerida ao Tribunal a
intervenção desse Fundo.
Oliveira Vasconcelos

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- Voto de vencido
Sem desdouro pela tese que fez vencimento, entendo que a prestação a cargo
FGADM, enquanto garante duma prestação social da maior relevância - trata-se de
prestação alimentícia devida a menores - nasce na data em que deu entrada em juízo o
pedido incidental de condenação do Fundo, ante o incumprimento do progenitor condenado..
Renovo aqui alguns dos fundamentos do Acórdão deste Supremo Tribunal de
10.7.2008 - que relatei, versando o tema sub judice - acessível in www.dgsi.pt -
Proc.08A1907 - a que acrescentarei algumas outras considerações:
"Não é novidade para ninguém que, a par dos clássicos direitos fundamentais que constituem
categorias jurídico-constitucionais, outras categorias de direitos fundados na dignidade humana se
afirmam como "expressão da soberania do Estado" - traduzindo "direitos a prestações" que são
deveres fundamentais.
"Os direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do
particular a obter algo através do Estado (saúde, educação, segurança social) ...
[...] A função de prestação dos direitos fundamentais anda associada a três
núcleos problemáticos dos direitos sociais, económicos e culturais: ao problema
dos direitos sociais originários, ou seja, se os particulares podem derivar
directamente das normas constitucionais pretensões prestacionais (ex: derivar da
norma consagradora do direito à habitação uma pretensão traduzida no "direito de
exigir" uma casa); ao problema dos direitos sociais derivados que se reconduz ao
direito de exigir uma actuação legislativa concretizadora das "normas
constitucionais sociais" (sob pena de omissão inconstitucional) e no direito de
exigir e obter a participação igual nas prestações criadas (ex: prestações médicas
e hospitalares existentes); ao problema de saber se as normas consagradoras de
direitos fundamentais sociais tem uma dimensão objectiva juridicamente vinculativa
dos poderes públicos no sentido de obrigarem estes (independentemente de direitos
subjectivos ou pretensões subjectivas dos indivíduos) a políticas sociais activas
conducentes ã criação de instituições (ex: hospitais, escolas), serviços (ex:
serviços de segurança social) e fornecimento de prestações (ex: rendimento mínimo,
subsídio de desemprego, bolsas de estudo, habitações económicas).
A resposta aos dois primeiros problemas é discutível.
Relativamente à última questão, é líquido que as normas consagradoras de
direitos sociais, económicos e culturais da Constituição Portuguesa de 1976
individualizam e impõem políticas públicas socialmente activas".
[...] Uma das funções dos direitos fundamentais ultimamente mais acentuada pela doutrina (sobretudo a doutrina norte-americana) é a que se pode chamar função de não discriminação.
A partir do princípio da igualdade e dos direitos de igualdade específicos consagrados na constituição, a doutrina deriva esta função primária e básica dos
direitos fundamentais: assegurar que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos
fundamentalmente iguais [...]". - "Direito Constitucional e Teoria da Constituição" - Gomes Canotilho, in "Direito Constitucional e Teoria da Constituição" 6ª edição, págs.408 e 409.
Temos, assim, que a Constituição da República impõe a realização de políticas públicas
socialmente activas destinadas a proteger titulares de direitos fundamentais.
Neste âmbito, a nosso ver, entronca a questão que nos ocupa, a dos alimentos devidos a
menores carenciados e, daí, a Lei de Garantia de Alimentos - Lei 75/98, de 19.11 e o DL. 164/99, de
13 de Maio.
No Preâmbulo deste último diploma, que regulamentou aquela Lei, pode ler-se:
"A Constituição da República Portuguesa consagra expressamente o direito das
crianças à protecção, como função da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu
desenvolvimento integral (artigo 69°).
Ainda que assumindo uma dimensão programática, este direito impõe ao Estado os
deveres de assegurar a garantia da dignidade da criança como pessoa em formação a quem deve
ser concedida a necessária protecção. Desta concepção resultam direitos individuais, desde logo
o direito a alimentos, pressuposto necessário dos demais e decorrência, ele mesmo, do direito à
vida (artigo 24°).
Este direito traduz-se no acesso a condições de subsistência mínimas, o que em
especial no caso das crianças, não pode deixar de comportar a faculdade de requerer à
sociedade, e em última instância, ao próprio Estado as prestações existenciais que,
proporcionem as condições essenciais ao seu desenvolvimento e a uma vida digna".
Depois de afirmar que o diploma cria uma nova prestação social, atribui-se ao Fundo de
Garantia "assegurar o pagamento das prestações de alimentos em caso de incumprimento da
obrigação pelo respectivo devedor".
Não está em causa que se verifica a necessidade de alimentos pelos menores e que a pessoa
judicialmente obrigada - o pai - os não pode prestar desde o momento da condenação inicial - art.l°
da Lei 75/98, de 19.11.
O art.5° do DL.164/99, de 13.5, estabelece no seu n°l -" O Fundo fica sub-rogado em todos
os direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo
reembolso ".
A Relação invocou o n°5 do art. 4o do DL citado, que estatui:
"O centro regional de segurança social inicia o pagamento das prestações, por conta do
Fundo, no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal".
Daí, que tenha concluído, que o FGADM apenas está obrigado a pagar as prestações
alimentares decretadas no incidente de incumprimento, no mês seguinte ao da notificação dessa
decisão judicial ao CRS S.
Com o devido respeito, de modo algum o preceito em causa baliza o momento em que nasce
a obrigação do Fundo, sob o ponto de vista substancial, antes se reportando ao
momento em que o CRSS está obrigado a cumprir a decisão do Tribunal.
Estabelecendo o art. 5º, n°l, do DL referido, que o Fundo fica sub-rogado em todos os
direitos do menor a quem sejam atribuídas prestações, não só não discrimina o momento em que tal
direito nasce, como, tratando-se duma prestação social ligada a um direito fundamental, tem de se
considerar que a sub-rogação abrange, pelo menos, as prestações devidas desde a data em que foi
requerido o incidente de incumprimento.
Para haver sub-rogação legal tem de haver um terceiro que cumpre a prestação que a outrem
incumbia, cumprimento esse que resulta da lei.
" Nela não há, ou não se exige acordo entre o terceiro que paga e o credor, ou entre aquele e o
devedor; pelo simples facto do pagamento efectuado por terceiro, dadas certas circunstâncias, é a lei que
considera este sub-rogado, nos direitos do credor" - Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil
Anotado", nota 1, ao art.592°.
Afirmar que o Estado, com os referidos diplomas legais, não se quis substituir ao devedor
para garantir o pagamento das prestações devidas é afirmação que apenas deve ter como limite
temporal o definido no art. 11º do DL. 164/99, de 13.5; de outro modo, como se entenderia o cariz
necessariamente substitutivo e de garantia do Fundo em relação às prestações já devidas, mas que
não puderam ser coercivamente cobradas?
A natureza social do direito em causa postula interpretação que salvaguarde o direito
do menor a uma prestação iá existente, mas não satisfeita, sendo que a intervenção do Fundo de Garantia é supletiva e só ocorre, na veste de garante, porque o devedor principal a
incumpriu.
Sinal de que o DL citado admite algum grau de retroactividade, se assim nos podemos expressar, é o facto do preâmbulo aludir ao "enfraquecimento no cumprimento dos deveres inerentes ao poder paternal, nomeadamente ao que se refere à prestação de alimentos", o que evidencia que o legislador quis atalhar a situações balizadas pela data da denúncia do incumprimento e pedido de intervenção do garante.
O art. 2006° do Código Civil estabelece:
"Os alimentos são devidos desde a proposição da acção ou, estando já fixados pelo tribunal
ou por acordo, desde o momento em que o devedor se constituiu em mora.
O Fundo é garante das prestações, desde a data em que o direito em relação a ele entrou na
esfera jurídica do menor credor, com a verificada impossibilidade de obter o pagamento do devedor
originário.
Agindo o Fundo em substituição do devedor, age, autonomamente, mas tendo por base
uma obrigação de garantia, que nasce no momento em que o devedor entra em situação de
incumprimento, pois, de outro modo, não cumpriria a sua função de garante, que é, por
definição, supletiva, substitutiva.
Como vimos, o momento genético da obrigação do Fundo, nada tem que ver com o momento
que a lei estipula como termo inicial do pagamento a seu cargo, que deve iniciar-se, no mês seguinte
ao da notificação pelo tribunal - n°5 do art.5° do referido DL.
O diploma não diz que as prestações são devidas pelo Fundo a partir daquele momento,
afirma, antes, que o pagamento se inicia no mês seguinte àquela notificação.
O momento em que a prestação é devida só pode ser, na nossa perspectiva, o definido no
art.2006° do Código Civil.
Mas será que, no caso, não deve ser aplicado por analogia o art. 2006° do Código Civil?
Como se sabe a analogia "traduz-se fundamentalmente na transposição, para as hipóteses
omissas, das estatuições formuladas na lei a propósito de casos previstos, quando uma e outros
razoavelmente — atenta a semelhança dos interesses em jogo — mereçam a mesma regulamentação"
Manuel de Andrade, "Noções Elementares de Processo Civil", 1979,35.
Antunes Varela, in RLJ, 115.°-348) - escreve:
"A aplicação de qualquet norma, por analogia, não assenta em qualquer similitude de
carácter lógico-formal entre a situação omissa e a situação contemplada nessa norma.
Essencial para a aplicação analógica é que a razão substancial justificativa da solução
contida na norma proceda em relação ao caso omisso, mesmo que entre este e o caso regulado
existam diferenças formais ou substanciais irrecusáveis", (sublinhamos)
No caso, mais que a analogia legis há que fazer apelo à analogia juris ante a lacuna que a
nosso ver existe quanto a saber quando nasce a obrigação do FGDAM.
A analogia juris faz apelo aos princípios fundamentais do sistema jurídico, o que deve ser
entendido, segundo as regras da hermenêutica jurídica, tendo em conta a unidade do sistema jurídico,
e a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu
pensamento em termos adequados - art. 9º do Código Civil.
Ora, em matéria de alimentos e incumprimento da obrigação a cargo do alimentante, rege na
lei geral o art. 2006° do Código Civil.
Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado", V volume, pág. 585 e 586,
quanto à questão de saber desde quando são devidos os alimentos, apontam hipóteses passíveis de
consideração, afirmando:
" O art. 2006° optou por uma terceira solução, uma espécie de caminho intermédio, que é a de
considerar os alimentos devidos desde a data da proposição da acção, mesmo que a situação de carência
remonte a data anterior.
Entende-se, por um lado, que, comprovando-se em juízo a situação de carência do autor, o
demandado de algum modo podia e devia contar com a sua obrigação de supri-la, desde a data em que
soou a campainha de alarme que é a proposição da acção...".
Digamos que esta é trave mestra que só excepcionalmente deve ser afastada.
Salvo o devido respeito, considerar que a obrigação do Fundo só nasce com a decisão que
julgar o incidente do incumprimento do obrigado a alimentos, com o fundamento que a obrigação do
Fundo é uma obrigação nova, autónoma da do obrigado, e que Tribunal pode condenar numa pensão
provisória, em caso de urgência, não havendo lugar à aplicação analógica do art. 2006° do Código
Civil, é secundarizar a natureza da prestação - trata-se de alimentos devidos a menores - que por
força do incumprimento do devedor condenado, fica desprovido de qualquer meio para acudir às
suas necessidades vitais.
A prestação alimentícia prende-se com o assegurar de uma existência digna, visa assegurar
"condições de subsistência mínimas".
Esta consideração e a razão da instituição do Fundo, criando uma nova prestação social em
que o Estado se constitui garante do devedor original, importa, desde logo, que se considere na senda
de Varela - citado comentário na RLJ - que são irrelevantes diferenças formais ou substanciais
irrecusáveis entre o caso omisso e o caso regulado.
O facto de o garante poder ser responsabilizado em medida não coincidente com a prestação
do devedor inadimplente não se afigura relevante,
É incongruente, dada a natureza da prestação social em causa, que para o Fundo garante da
prestação que o devedor principal deixa de cumprir, o momento constitutivo da sua obrigação de
garantia seja a decisão judicial cujos efeitos só vigoram desde aí.
Será que a ratio legis do normativo que estabeleceu regulamentou a responsabilidade do
FGADM é compatível com a existência de um hiato, mais ou menos longo, entre o incumprimento e
a entrada em acção do Fundo deixando médio tempore o alimentando sem qualquer protecção
alimentícia?
O facto do incidente ter natureza urgente e poder ser fixada provisoriamente uma pensão não
são argumentos relevantes, porque a celeridade não sendo um dado inquestionável, faz com que a
assistência ao credor dos alimentos fique dependente da maior ou menor rapidez da decisão
incidental.
Pense-se na hipótese em que um menor tem 16 anos e é peticionada a intervenção do Fundo.
Se o Tribunal demorar dois anos a instruir o incidente (não se trata de hipótese académica,
nem de argumento ad terrorem) e, entretanto, a decisão for proferida quando tiver atingido a
maioridade, se se considerar que o direito do Fundo nasce com a decisão incidental e notificação ao
Fundo [que só inicia o pagamento no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal], o
alimentando, pura e simplesmente, viu ser-lhe coarctado um direito fundamental.
A consideração que a obrigação do Fundo é uma obrigação própria que só nasce se
verificados os requisitos legais, desconsidera e coloca em pé de igualdade todos os requisitos de que
depende a responsabilização daquela entidade, secundarizando que o principal requisito é o
incumprimento do devedor obrigado a alimentos, e que o Fundo é garante legal dessa obrigação.
Este requisito maior emerge da natureza da prestação e da necessidade social de protecção
postulada pela Constituição quando no art. 69°, n°l, estabelece que - "As crianças têm direito à
protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente
contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão... ".
Por isso, mais que a ponderação de argumentos de natureza formal, entendemos que
preponderam a ratio legis do preceito, o carácter social da prestação e a sua natureza e os valores em
jogo, não sendo de admitir que, entre uma solução que atendendo a critérios prevalentemente
formais nega um direito, e outra que o concede baseada na teleologia da norma, prevaleça aqueloutra,
que, salvo o devido respeito, desampara um direito fundamental - o direito a alimentos devidos a
menores.
Não entender assim considerando inaplicável a norma do art. 2006° do Código Civil, seria
violar o princípio constitucional da igualdade - art. 13° da Constituição da República.
O credor de alimentos encontraria mais protecção ao abrigo daquela norma que ao abrigo de
um diploma que, expressamente, em obediência a princípios constitucionais, criou uma nova
prestação social a cargo do Estado, visando obviar com celeridade a situações de desprotecção num
domínio tão sensível como é o que está em causa - assegurar ao menor a garantia de pagamento de
prestações alimentícias em caso de incumprimento.
Estando em causa a interpretação de diplomas que conferem direitos socais.
constitucionalmente garantidos, a interpretação deve acolher um sentido que melhor se compagine
com os fins que a norma visa.
Recusar ao menor o pagamento de dívidas alimentares vencidas desde a propositura do
incidente do incumprimento é, pura e simplesmente, recusar-lhe um direito social derivado, com
matriz constitucional, relacionado com direitos fundamentais.
Na dúvida, os direitos devem prevalecer sobre restrições - "in dúbio pro libertate."
"O princípio da interpretação conforme a constituição é um instrumento hermenêutico de
conhecimento das normas constitucionais que impõe o recurso a estas para determinar e apreciar o
conteúdo intrínseco da lei.
Desta forma, o princípio da interpretação conforme a Constituição é mais um princípio de
prevalência normativo-vertical ou de integração hierárquico-normativa de que um simples princípio de
conservação de normas". - Gomes Canotilho, obra citada, pág.1294.
Interpretar os diplomas em questão, conformemente à Constituição da República, tendo sido,
no caso em apreço, intenção expressa do legislador ordinário, criar uma nova prestação social, a
cargo do Estado, importa que se afirme a prevalência de interpretação que não esvazie de conteúdo a
protecção de direitos fundamentais/direitos a prestações, como é o direito de protecção da criança, na
vertente do direito a alimentos, que engloba o direito à saúde e à educação, sem dúvida merecedores
da mais elevada protecção.
Neste entendimento, decidimos que as prestações devidas pelo FGDAM, nascem no
momento em que ingressou em juízo o pedido de intervenção do Fundo, caso a decisão seja
condenatória.
Entendemos, pelo exposto, que deveria ser uniformizada jurisprudência no sentido
propugnado pelo Ex. Magistrado do Ministério Público.
Lx. 7.7.2009
A. Fonseca Ramos

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- Dispõem os artigos 1 da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, 2°,
n° 2 e :3o, n°s 1 e 2, do DL n°164/99, de 13 de Maio, que "...o
Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao
início do efectivo cumprimento da obrigação".
Tendo o legislador definido o limite temporal final da
intervenção do FGADM, porque não estabeleceu, expressamente, o
início dó pagamento das prestações a seu cargo?
É que tal não se encontra na letra do artigo 4º, n° 5, do DL n°
164/99, de 13 de Maio, que estipula que o pagamento das
prestações a seu cargo tem início "...no mês seguinte ao da
notificação da decisão do tribunal", que contende apenas com á
execução burocrática do processo de pagamento.
Mas antes tem a ver com a natureza da obrigação, a cargo do
FGADM.
O FGADM responsabiliza-se, perante o credor (menor
beneficiário), pelo pagamento de uma obrigação própria, ainda que
relacionada com a dívida originária do garantido, e não pelo
cumprimento de uma obrigação alheia (do garantido, devedor de
alimentos), se este o não fizer, nos termos devidos.
E com o pagamento efectuado pelo garante ao credor
beneficiário, extingue-sé, nessa medida, a obrigação do devedor
garantido para com o seu credor, ficando o garante sub-rogado nos
direitos; do credor beneficiário, recorrendo, imediatamente, à
execução judicial, para assegurar o reembolso das quantias pagas.
Éesta a natureza jurídica da prestação, a cargo do FGADM,
ou seja, uma garantia autónoma ou independente, ainda que
subsidiária, não contratual, distinta da garantia típica dá fiança.
Verificados os pressupostos substantivos da legitimidade da
intervenção subsidiária e substitutiva do FGADM, consagrados
pelos artigos 1º, da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, 2º, n° 2 e 3o,
n°s 1 e 2, do DL n° 164/99, de 13 de Maio, de natureza cumulativa,
designadamente, o incumprimento pelo obrigado quanto à
satisfação de uma necessidade actual de alimentos do menor, logo
que o Tribunal reconheça que o devedor originário deu início ao
incumprimento, nasce o direito do credor à obtenção da garantia do
FGADM.
Assim sendo, propugnaria pela uniformização judicial no
sentido de que «a obrigação de prestação de alimentos a menores,
assegurados pelo FGADM, em substituição do devedor, nos termos
dos artigos 1o, da Lei n° 75/98, de 19 de Novembro, 2o, n° 2 e 3°,
n°s 1 e 2, do DL n° 164/99, de 13 de Maio, nasce com o
reconhecimento pelo Tribunal da verificação dos pressupostos
substantivos legitimadores da sua intervenção, abrangendo as
prestações vencidas e não pagas pelo obrigado originário, e as
vincendas».
Helder Roque

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- Declaração de Voto
Votei vencido, na medida em que subscrevo na íntegra a declaração de voto
do Exm° Senhor Conselheiro Fernando Oliveira Vasconcelos, por perfilhar
a mesma posição, aliás assumida por mim já em anterior decisão proferida
no corrente ano.
Lisboa, 7 de Julho de 2009
Álvaro da Cunha Gomes Rodrigues