Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3236/11.5TBMAI-A.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
CASO JULGADO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
EXTEMPORANEIDADE
REQUISITOS
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA / RECURSOS / REVISÃO.
Doutrina:
-Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), p. 335, 337, 362 e 388.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 619.º, 621.º, 627.º, N.º 2, 641.º, N.º 2, ALÍNEA A), 696.º, ALÍNEA E), 697.º, N.º 2 E 702.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 23-01-2012, PROCESSO N.º 3236/11.5TBMAI.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 12-09-2017
Sumário :   
I. O recurso extraordinário de revisão, previsto e regulado nos artigos 627.º, n.º 2, e 696.º a 702.º do CPC, consiste num meio excecional impugnativo que tem por finalidade a destruição do caso julgado de uma decisão judicial já transitada com base nalgum dos fundamentos taxativamente configurados no indicado artigo 696.º.

II. A sua justificação assenta em particulares exigências de justiça material que se entende deverem prevalecer sobre as razões de segurança ou de certeza asseguradas pelo instituto do caso julgado.

III. Para conciliar tais exigências de justiça com as razões de segurança e certeza jurídica, a lei estabelece prazos para a interposição do recurso nos termos do artigo 697.º, n.º 2, do CPC, com a ressalva, porém, da tutela dos direitos de personalidade.

IV. Em face dessas razões, não é licito excluir a aplicação de tais prazos a qualquer categoria de recorrentes.

V. No caso de revisão fundada na falta ou nulidade de citação do réu para a ação declarativa em que foi proferida a decisão revidenda, conforme o previsto na alínea e) do art.º 696.º do CPC, quem tem legitimidade para recorrer é precisamente o réu que não foi citado ou o foi irregularmente naquela ação e que se tem por afetado pelo caso julgado ali formado.

VI. A decisão que julgue procedente a oposição à execução com fundamento na falta ou nulidade da citação do réu para a ação declarativa em que foi proferida a sentença exequenda contém em si um pronunciamento decisório, ainda que implícito, sobre a verificação do vício em causa e, consequentemente, sobre a destruição do caso julgado dessa sentença.

VII. Assim, uma tal decisão tem efeito de autoridade de caso julgado, nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC, quanto à destruição do próprio caso julgado da sentença exequenda, fundada no vício invocado, o que é vinculativo para as partes envolvidas.

VIII. Por virtude dessa decisão, o autor da ação declarativa fica liberto da exceção de caso julgado que recaía sobre a sentença exequenda, o que o legitima a renovar a instância declarativa em que esta foi proferida, promovendo aí a nova citação do réu com vista a obter nova sentença condenatória, ou, em alternativa, a instaurar nova ação contra o mesmo réu.

IX. Tanto a extemporaneidade do recurso extraordinário de revisão como a ilegitimidade do recorrente constituem requisitos de admissibilidade desse meio recursório, cuja consequência é a de indeferimento do recurso, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC, ou, subsequentemente, a de não tomar conhecimento do seu objeto, que não de improcedência da revisão.  

Decisão Texto Integral:
Acordam da 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

 

I – Relatório

1. AA e cônjuge BB interpuseram, em 06/05/2016, contra CC, junto da Instância Local, Secção Cível, da …, na Comarca do Porto, recurso extraordinário de revisão da sentença, transitada em julgado em 23/01/2012, proferida no âmbito de uma ação declarativa, instaurada pelos ora recorrentes contra DD e mulher EE e ainda contra o aqui recorrido CC, que correu termos no processo n.º 3236/11.5TBMAI, nos termos da qual foi declarado resolvido um contrato de arrendamento e decretado o despejo do imóvel arrendado, bem como condenados os ali réus, solidariamente, no pagamento das rendas vencidas até à data da apresentação da petição inicial, no montante de € 20.400,00 e nas vincendas.

Alegam os recorrentes, para tanto, em síntese, que:

- A referida sentença condenatória foi dada à execução para pagamento de quantia certa, instaurada pelos ora recorrentes contra o aqui recorrido, tendo este, na qualidade de executado, deduzido oposição àquela execução, invocando a nulidade da sua citação para a ação declarativa, o que levou à procedência dessa oposição e à consequente extinção da execução;

- Assim a configurada nulidade da citação do réu e ora recorrido para a anterior ação declarativa e a situação de revelia do mesmo naquela ação é fundamento do ora interposto recurso extraordinário de revisão da sentença ali proferida.

Concluíram os recorrentes a pedir que se anule a citação considerada relativamente ao ora recorrido naquela ação declarativa, bem como os termos subsequentes da mesma ação, incluindo a sentença ali proferida, e se ordene nova citação do mesmo recorrido para contestar a dita ação.

2. O recorrido deduziu resposta invocando a caducidade do direito dos recorrentes, ao que os recorrentes responderam, sustentando a improcedência da exceção de caducidade invocada.

3. Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 53-53-B/v.º, datada de 04/01/2017, a julgar procedente o recurso, declarando nulos todos os atos da ação declarativa em causa subsequentes à citação do réu ora recorrido, revogando a sentença revidenda e determinando nova citação do mesmo réu para a referida ação declarativa.

4. Inconformado com tal decisão, o recorrido apelou para o Tribunal da Relação do Porto que, através do acórdão proferido a fls. 90-98, datado de 12/09/2017, revogou a sentença recorrida e, em sua substituição, julgou improcedente o presente recurso extraordinário de revisão com os fundamentos concorrentes da sua extemporaneidade e na falta de legitimidade dos Recorrentes.

5. Desta feita, vêm agora os recorrentes pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Busca o acórdão recorrido fundamento na caducidade do direito à interposição do recurso extraordinário de revisão, atendendo ao prazo previsto no art.º 697.º, n.º 2, do CPC, e na falta de legitimidade dos AA./Recorridos, atendendo ao disposto no art.º 631.º, n.ºs 1 e 2, do CPC;

2.ª - Visam os recorrentes com o presente recurso a revogação do acórdão proferido, que julgando pela procedência do recurso apresentado pelo R./Recorrente CC, revoga a sentença proferida em sede de recurso de revisão, substituindo-a por outra que julga improcedente o recurso extraordinário de revisão, com fundamento em errónea aplicação /interpretação dos referidos preceitos legais;

Da caducidade

3.ª- Dentro dos 60 dias após o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos n.º 824/12.6TBMA1 - Apenso B, que correu termos pelo Tribunal Judicial da … - Juízo de Execução, por requerimento de 01/08/2014, os autores, ora recorrentes requereram fosse declarada nos autos principais a nulidade de todo o processado, a partir do momento em que, nos mesmos autos, se omitiu a citação válida e regular do recorrido e ordenada a citação do réu, ora, recorrido;

4.ª - No mesmo requerimento foi requerido a junção aos autos da certidão judicial eletrónica da sentença proferida nos autos n.º 824/ 12.6TBMAl - Apenso B, que correu termos pelo Tribunal Judicial da … - Juízo de Execução, a qual vieram os recorrentes juntar ao recurso de revisão;

5.ª - Invocada nos autos principais a declaração de nulidade de todo o processado e requerida a citação do réu, ora recorrido, mostrava-se, ao tempo, injustificada e desnecessário a interposição do recurso de revisão;

6.ª - Sobre a invocada declaração de nulidade de todo o processado e a requerida citação do réu, ora, recorrido, só cerca de um ano e 7 meses após, veio a ser proferido despacho com elaboração CITIUS de 08/03/016, do qual resultou o indeferimento dos pedidos formulados, no requerimento do ora recorrentes de 01.08.2014, "... sem prejuízo de o interessado poder fazer uso do disposto no artigo 696.º do CPC”;

7.ª - Foi este despacho que sustentou a necessidade de revisão da sentença proferida nos autos principais e, bem assim, conhecimento do facto que serviu de base à mesma;

8.ª - E, assim, dentro de 60 dias após a prolação de tal despacho, vieram os ora recorrentes interpor o recurso extraordinário de revisão, o qual deu entrada em juízo em 06.05.2016 e, portanto, dentro do prazo a que alude o artigo 697.º, n.º 2, alínea c), do CPC;

9.ª - Neste sentido, veja-se acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/07/2010, proferido no âmbito do Proc.º n.º 169/06. 0TBAGN - A.C1), onde pode ler-se:

“ No que respeita ao prazo de interposição do recurso extraordinário de revisão, dispõe o n.º 2, aI. d), do art.º 772.º que o recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de 5 anos sobre o trânsito em julgado, sendo de 60 dias o prazo Rua de interposição, contados a partir do momento em que o recorrente obteve o documento ou teve conhecimento do facto que serve de base à revisão.

III - Quando estipulou que o prazo de interposição do recurso de revisão é de 60 dias, contados desde que a parte obteve o documento, pretendeu o legislador abranger os pedidos de revisão fundados na situação prevista na al. c) do art.º 771.º, ou seja a apresentação do documento superveniente que, por si só, seja capaz de modificar a decisão em sentido mais favorável ao recorrente.

IV - Atenta a noção de documento contida no art.º 352.º CC, uma sentença não pode qualificar-se como documento para efeitos do disposto na citada al. c), nem da al. d) do n.º 2 do art.º 772.º.

V - Fundando-se o pedido de revisão na falta ou nulidade da citação para a acção, aplica-se a segunda situação prevista nessa al. d): os 60 dias contam-se a partir do conhecimento pelo recorrente "do facto que serve de base à revisão". (Ac. TRC de 14.07.2010 in www.dgsi.pt);

Sem prescindir,

10.ª - Sem prejuízo do que vem de alegar, sempre se dirá como na sentença proferida no recurso de revisão, os prazos de caducidade previstos no artigo 697.º do CPC não são aplicáveis na especial situação dos autos, em que são os autores, ora, recorrentes, que recorrem e pretendem exercer o seu direito de ação;

11.ª - Como bem refere a sentença do recurso de revisão os, ora, recorrentes, conduzidos pelo despacho de 07/03/2016, interpuseram o recurso de revisão, não com o intuito de destruir o efeito do caso julgado da sentença revidenda, mas porque não a podiam executar, nem por qualquer outra forma fazer valer os seus direitos na Justiça contra, o, ora, recorrido;

12.ª - Não opera a invocada caducidade e bem assim entendeu o Mm.º Juiz na sentença do recurso extraordinário de revisão;

13.ª - A entender-se pela caducidade do seu direito de interpor recurso de revisão, estaria a denegar-se justiça aos recorrentes que têm uma decisão que condenou o recorrido a pagar-lhes uma quantia, mas que não podem executar e por outro lado, não podem propor nova ação contra o recorrido, com o mesmo pedido e causa de pedir, por causa da exceção do caso julgado;

14.ª - Viola o acórdão sub judice o disposto no artigo 631.º, n.ºs 1 e 2, artigo 697.º, n.º 2. do CPC e artigo 242.º, n.ºs 1 e 2, da CRP.

Da ilegitimidade

15.ª - Dispõe o artigo 631.º, n.º 2, do CPC:

“As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam partes acessórias”;

16.ª - Verificando-se a nulidade da citação, decretada nos autos de oposição à execução, não pode subsistir nos autos principais a citação do R./recorrido corno válida, bem como os atos subsequentes, nomeadamente a sentença proferida nos autos principais, pois que tal impede o efetivo exercício do direito invocado pelos AA., ora, recorrentes, face ao recorrido;

17.ª - De facto, não obstante a condenação do recorrido na sentença revidenda, a mesma, por efeito do vício de nulidade da citação, é inexequível face ao recorrido, em prejuízo dos recorrentes;

18.ª - Os ora recorrentes são parte na causa e resultam diretamente prejudicados pela sentença revidenda, pois que, e como supra se alega, não podem executá-la, nem por qualquer outra forma fazer valer os seus direitos na Justiça contra o ora recorrido;

19.ª - São os recorrentes partes legítimas no recurso de revisão extraordinário interposto;

20.ª - Viola o acórdão sub judicie o disposto no artigo 631.º, n.º 1 e 2, do CPC;

Da propositura de uma nova ação

21.ª - Na senda do Acórdão do Tribunal da Relação de … de 17.11.2009, in www.desi.pt sempre se dirá que

" ... sendo a função constitucional dos Juizes administrar a Justiça em nome do Povo (n.º 1 do art.º 202.º da Constituição da República Portuguesa), têm os mesmos que, dentro dos limites da Lei e obedecendo às regras previstas nos três números do art.º 9.º do CC - mas dando particular ênfase ao n.º 3 que faz apelo às “soluções mais acertadas” -, tudo fazer para dirimir/eliminar os conflitos que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus actos sempre no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição (...)

Era já esse o entendimento dos jurisconsultos da Roma Antiga que, bem antes de Cristo, proclamavam favorabilia ampliando, odiosa restringenda, brocardo que se encontra consubstanciado no princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes, de que o n.º 2 do art.º 201.º do CPC é um mero afloramento (...)

Sendo também isso que se estipula no n.º 4 do art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa, do qual resulta que o acesso dos cidadãos e demais entidades que interagem no comércio jurídico ao Direito deve ser sempre facilitado e não dificultado ou restringido." Ac. TRL de 17.11.2009, in www.dgsi.pt;

22.ª - Nos presentes autos, temos que a ação deu entrada em juízo em 09 de maio de 2011, há mais de 6 anos;

23.ª - O R./recorrido já foi citado em 13.07.2017 e apresentou contestação em 27.09.2017, a qual já mereceu pronúncia por parte dos AA./Recorrentes, em 12.10.2017, vide nota de citação e aviso de receção, articulado de contestação e requerimento, que se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos, para os devidos efeitos legais - docs. 1, 2 e 3 -, sendo que estão os autos principais pendentes e tão somente a aguardar sentença;      

24.ª - A propositura de uma nova ação, como defende o acórdão sub judicie, que será fundada nos mesmos factos e onde se deduzirá o mesmo pedido, importa a repetição do litígio que envolve um desproporcionado esforço de alegação de factos e de prova dos mesmos, bem como, uma delonga do processo, que não se compadece com a realização da Justiça e ofende os princípios da celeridade, eficácia e aproveitamento dos atos do processo judicial;

25.ª - Porque o processo principal já tem decisão transitada em julgado, o recurso de revisão para o qual, aliás, foram encaminhados pelo próprio tribunal, é o meio adequado para obter a revisão da sentença revidenda;

26.ª - Reitera-se, porque nulo o ato de citação, a sentença revidenda não pode subsistir, impondo-se a sua anulação no que concerne ao recorrido, prosseguindo os autos os seus normais trâmites;

27.ª - Os fundamentos enunciados supra sustentam o inconformismo dos recorrentes e mostram-se capazes para abalar o acórdão sub judicie, negando-lhe razão e sustentabilidade, sendo que, a solução justa e adequada não pode ser outra que a sua revogação;

28.ª - A sentença proferida no âmbito do recurso extraordinário de revisão porque justa, deve ser mantida na íntegra.

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objeto da revista

Dado o teor das conclusões dos recorrentes, o objeto da revista incide sobre as seguintes questões:  

i) – saber se procede ou não o fundamento da extemporaneidade do presente recurso extraordinário de revisão; 

ii) – saber se procede ou não o fundamento da falta de legitimidade dos recorrentes.

III – Fundamentação

1. Factualidade dada por assente pelas instâncias

Vem dada por assente pelas instâncias a seguinte factualidade:  

1.1. Na ação apensa, interposta por AA e esposa contra DD e mulher EE, e CC, por sentença transitada em julgado em 23/1/2012, foi a ação julgada procedente e, em consequência, declarado resolvido o contrato de arrendamento dos autos e decretado o despejo do imóvel arrendado, condenado os 1ºs réus na sua entrega, livre e devoluto de pessoas e bens à autora, e bem assim, condenados os réus solidariamente, no pagamento das rendas vencidas até à apresentação da petição inicial, no montante de € 20.400,00 e todas entretanto vencidas e vincendas desde então até efectiva desocupação, acrescidas dos respetivos juros de mora à taxa legal.

1.2. O réu CC foi citado por contato de agente de execução com o co-réu DD e não praticou qualquer ato na ação.

1.3. Os autores deram a sentença à execução que correu termos no 2.º juiz da 2.ª Secção de Execução da Instância Central da Comarca do Porto sob o n.º 824/12.6TBMAI.

1.4. Por sentença transitada em julgado em 10/07/2014 proferida na oposição à execução desses autos, onde CC figura como opoente, foi a execução declarada extinta, relativamente ao opoente, pela procedência [da] oposição.

1.5. O fundamento da oposição foi a nulidade da citação do opoente, nos termos do art.º 198.º, 1 e 4, CPC, na ação declarativa em que não teve qualquer intervenção.

1.6. Os aqui recorrentes deram entrada na ação declarativa de requerimento em 1/8/2014 onde pediram a declaração de nulidade de todo o processado, a partir do momento em que se omitiu a citação regular do réu e ordenando-se a sua citação. Fundamentaram o pedido na sentença da oposição à execução.

1.7. Por despacho de 7/3/2016, notificado ao mandatário dos autores, aqui recorrentes, em 11/3/2016, foi este requerimento indeferido por total falta de fundamento legal, “sem prejuízo de o interessado poder fazer uso do disposto no art.º 696.º do Código de Processo Civil”.

1.8. O presente recurso deu entrada em 6/5/2016.  

2. Do mérito do recurso

2.1. Enquadramento preliminar sobre os termos do litígio

Estamos no âmbito de um recurso extraordinário de revisão de sentença fundado, conforme o previsto na alínea e) do artigo 696.º do CPC, na alegada nulidade da citação do réu – o ora recorrido – para a ação declarativa em que foi proferida a sentença revidenda, transitada em julgado a 23/01/2012, a qual correu termos no processo n.º 3236/11.5TBMAI, pretensamente, à revelia absoluta do mesmo réu.   

Sucede que a referida sentença foi dada à execução para pagamento de quantia certa pelos autores da ação declarativa em que foi proferida, os ora recorrentes AA e BB, contra o co-réu nessa ação, o aqui recorrido CC.

No âmbito de tal ação executiva, que correu termos no processo n.º 824/12.6TBMAI, o mesmo executado CC deduziu procedimento de oposição à execução com fundamento na nulidade da sua citação para a sobredita ação declarativa e no facto de esta ter corrido à sua revelia. Esta oposição foi julgada procedente por verificação da nulidade da citação invocada e, em consequência disso, extinta a execução quanto àquele oponente, conforme a sentença reproduzida a fls. 11-21 transitada em julgado em 10/07/2014.        

Na sequência disso, os ora recorrentes, dirigindo-se ao processo n.º 3236/11.5TBMAI, em que fora proferida a sentença revidenda, apresentaram, em 01/08/2014, o requerimento reproduzido a fls. 50-51 a pedir que, por decorrência do decidido no mencionado procedimento de oposição à execução, fosse considerado nulo todo o processado daquele processo declarativo a partir da citação considerada nula do co-réu ali indicado como tratando-se de FF (mas que supostamente referir-se-á ao co-réu CC) e que se ordenasse a nova citação do mesmo para contestar.

Tal requerimento foi indeferido conforme o despacho reproduzido a fls. 53, datado de 07/03/2016, a considerar, de forma tabelar, ocorrer total falta de fundamento do requerido, “sem prejuízo de o interessado poder fazer uso do disposto no artigo 696.º do Código do Processo Civil”.

Foi então que os ora recorrentes, sem impugnar tal despacho, vieram, em 6/5/2016, interpor o presente recurso extraordinário de revisão.

Em sede de apreciação deste recuso, a 1.ª instância proferiu a sentença de fls. 53-A a 53-B/v.º, datada de 04/01/2017, em que considerou que, face aos factos provados, os ora recorrentes tomaram conhecimento da invocada nulidade de citação do aqui recorrido, pelo menos na data do trânsito em julgado, em 10/07/2014, da decisão que julgou procedente a oposição deduzida pelo mesmo recorrido, na então qualidade de executado, à execução baseada na sentença revidenda. E daí concluiu que, tendo o presente recurso extraordinário sido interposto em 06/5/2016, haviam decorrido mais dos 60 dias previstos no artigo 697.º, n.º 2, proémio e alínea c), do CPC.

Não obstante isso, foi ali entendido que tal prazo não era aplicável à situação dos autos, em que são os autores e não o réu pretensamente não citado para a ação declarativa a “exercer o direito de ação”.

Na mesma sentença, observa-se, a tal propósito, o seguinte:

«Na verdade, conduzidos pelo despacho de 7/3/2016 [reproduzido a fls. 53] os autores interpuseram o presente recurso. Não porque querem destruir o efeito de caso julgado da sentença revidenda. Mas porque não a podem executar. Nem podem de outra forma fazer valer os seus direitos na justiça.

Pois, se se entender que caducou o seu direito de interpor recurso de revisão da sentença ficam sem qualquer meio de exercício dos seus direitos contra o recorrido. Têm uma sentença que condenou a pagar-lhes uma quantia. Contudo, não a podem executar como se viu pela decisão da oposição à execução. E, por outro lado, não podem propor nova ação contra o mesmo réu por causa da excepção do caso julgado.

Outra forma de ver as coisas constituiria verdadeira negação de justiça.

Logo, não operou a invocada caducidade.»

Nessa base, foi julgado procedente o recurso, revogando-se a decisão revidenda, declarando-se nulos todos os atos posteriores à citação do réu e aqui recorrido CC e determinando-se a citação deste para a ação declarativa.

Tendo então o mesmo recorrido apelado daquela decisão, o Tribunal da Relação do Porto, através do acórdão proferido a fls. 90-98, datado de 12/09/ 2017, dissentindo do julgado em 1.ª instância, considerou verificar-se a extemporaneidade do recurso extraordinário de revisão, por esgotamento do prazo de 60 dias estabelecido no artigo 697.º, n.º 2, alínea c), do CPC, e, concorrentemente, a falta de legitimidade dos recorrentes, por não serem a parte vencida na ação declarativa em que foi proferida a decisão revidenda. Com base nesses dois fundamentos, revogou a sentença da 1.ª instância e julgou, em sua substituição, “improcedente o recurso extraordinário de revisão interposto pelos autores AA e mulher BB”.

Insurgem agora os Recorrentes com tal decisão, impugnando ambos esses fundamentos pelas razões constantes das conclusões acima transcritas e pedido a revista daquela decisão e a reposição da sentença da 1.ª instância.      

São, pois, essas as duas questões a resolver conforme já se deixou acima enunciado.

2.2. Quanto à questão da extemporaneidade do recurso    

Como é sabido o recurso extraordinário de revisão, previsto e regulado nos artigos 627.º, n.º 2, e 696.º a 702.º do CPC, consiste num meio excecional impugnativo que tem por finalidade a destruição do caso julgado de uma decisão judicial já transitada com base nalgum dos fundamentos taxativamente configurados no indicado artigo 696.º.

A sua justificação assenta em particulares exigências de justiça material que se entende deverem prevalecer sobre as razões de segurança ou de certeza asseguradas pelo instituto do caso julgado[1].  

Nessa linha, um dos fundamentos específicos da revisão é aquele em que o réu se encontre condenado por decisão já transitada proferida em ação declarativa que correra à sua revelia absoluta e em que se verifique a falta ou a nulidade da sua citação para aquela ação, como se dispõe na alínea e) do artigo 696.º do CPC.  

Neste tipo de casos, a base do indicado fundamento reside, nas palavras de Alberto dos Reis, em “reconhecer ao réu a faculdade de destruir o caso julgado que o condenou, quando, por irregularidades processuais, lhe não tenha sido possível exercer o direito de contradição ou defesa (…)”[2] 

Todavia, as exigências de justiça que o recurso de revisão se destina a garantir não devem ficar totalmente alheadas das razões de segurança e certeza jurídica que o caso julgado salvaguarda, sem o que se abriria o caminho à perpetuação da instabilidade dos vereditos.    

Por isso mesmo é que a lei, procurando conciliar tais exigências de justiça com as razões de segurança e certeza jurídica, ressalvando, porém, a tutela dos direitos de personalidade, estabelece prazos para a interposição do recurso nos termos do artigo 697.º, n.º 2, do CPC.  

Assim, de acordo com o preceituado n.º 2, proémio e alínea c), do citado normativo, são dois os prazos a que está sujeita a interposição desse recurso:

i) – o prazo máximo de cinco anos sobre a data do trânsito em julgado da decisão revidenda (proémio do n.º 2); 

ii) – e, sem prejuízo daquele prazo, ainda o prazo de 60 dias a contar da data do conhecimento que o recorrente teve do facto que serve de base à revisão (n.º 2, alínea c), no caso dos autos, da ocorrência da invocada nulidade da citação do réu para a ação declarativa em que foi proferida a sentença revidenda.

Trata-se, para todos os efeitos, de prazos de interposição de recurso, portanto de natureza processual, cujo esgotamento constitui fundamento de rejeição do recurso, nos termos da disposição geral dos recursos constante do artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC, obstando assim ao conhecimento do respetivo mérito.

        

No caso presente, independentemente de saber se aos ora recorrentes assiste legitimidade para a interposição do presente recurso de revisão – questão a abordar no ponto seguinte -, o certo é que, de acordo com os factos dados por provados, aqueles recorrentes tiveram conhecimento dos factos invocados como fundamento do recurso, pelo menos, aquando do trânsito em julgado da decisão que julgou procedente o acima referido procedimento de oposição à execução, ou seja, em 10/07/2014.

Ora, tendo o recurso de revisão sido interposto em 06/5/2016, torna-se manifesto o esgotamento do prazo de 60 dias prescrito no artigo 697.º, n.º 2, proémio e alínea c), do CPC, tal como se reconheceu na sentença da 1.ª instância e se concluiu no acórdão recorrido.

Por outro lado, dadas as razões de segurança jurídica subjacentes à fixação desse prazo, não se mostra lícito excluí-lo em relação a qualquer categoria de recorrentes.

Além disso, como bem se refere no acórdão recorrido, o despacho reproduzido a fls. 53, datado de 07/03/2016, a considerar não prejudicada a faculdade de o interessado lançar mão do recurso de revisão, não tem a virtualidade de garantir a admissibilidade deste recurso nem de interferir no critério legal da contagem do respetivo prazo de interposição. Nem se afigura que o indeferimento decretado naquele despacho com essa ressalva possa servir de motivo invocável em termos de legítima expetativa dos ali requerentes, tanto mais que nem sequer impugnaram tal decisão.

Em suma, neste particular, não resta senão concluir, como concluiu o tribunal a quo, pela extemporaneidade do presente recurso de revisão.  

No entanto, já não será de acompanhar a consequência daí extraída no acórdão recorrido no sentido da improcedência do recurso de revisão.

Com efeito, o prazo de interposição do recurso traduz-se num dos requisitos da respetiva admissibilidade, como decorre do preceituado no artigo 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC, disposição geral dos recursos e portanto também aplicável aos recursos extraordinários.

Nessa conformidade, a extemporaneidade da interposição do recurso obsta ao conhecimento do respetivo objeto e portanto ao julgamento do seu mérito, o que é incompatível com o juízo de improcedência do presente recurso de revisão formulado na decisão recorrida.

Termos em que, embora acolhendo a solução de extemporaneidade do recurso a que se chegou no acórdão recorrido, convola-se o decretado juízo de improcedência para um juízo no sentido de não se tomar conhecimento do objeto da revisão, assim se negando a revista, neste particular.          

2.3. Quanto à questão da falta de legitimidade dos recorrentes

        

Além da questão apreciada no ponto precedente, o acórdão recorrido considerou ainda que os recorrentes careciam de legitimidade para interpor o recurso de revisão, uma vez que não eram partes vencidas na ação em que foi proferida a decisão revidenda, considerando tal falta como um fundamento concorrente no sentido da improcedência do recurso de revisão.

Vêm, no entanto, os Recorrentes contrapor que essa legitimidade lhes assiste por se encontrarem afetados pela subsistência daquela decisão revidenda, mas impossibilitados de a executar.

Vejamos.  

        

O artigo 631.º, do CPC, por que se rege, em geral, o pressuposto da legitimidade ativa para a interposição dos recursos, incluindo os extraordinários, no que aqui releva, dispõe que:

1. (…) os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido.

2. As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias.

Face a estas disposições, no âmbito do recurso de revisão, a legitimidade para recorrer é conferida à parte prejudicada com o caso julgado que, por aquela via, se pretende destruir.

No caso de revisão fundada na falta ou nulidade de citação do réu para a ação declarativa em que foi proferida a decisão revidenda, conforme o previsto na alínea e) do art.º 696.º do CPC, quem tem legitimidade para recorrer é precisamente o réu que não foi citado ou o foi irregularmente naquela ação e que se tem por afetado pelo caso julgado ali formado, como lapidarmente afirma Alberto dos Reis[3]

Argumentam, no entanto, os Recorrentes que o recurso de revisão é o único meio processual de que dispõem para destruir o caso julgado da sentença revidenda e, na sequência disso, prosseguir com a ação declarativa em que esta foi proferida, promovendo a nova citação do réu, ora recorrido, e de vir a obter uma nova sentença condenatória contra ele.

Sucede que, no âmbito do procedimento de oposição à execução deduzido pelo ora recorrido, na qualidade de executado, na pendência do processo de execução contra ele instaurado pelo ora recorrentes e que correu termos sob o n.º 824/12.6TBMAI, foi decidida com trânsito em julgado a procedência dessa oposição precisamente com o fundamento ora invocado da nulidade da citação do aqui recorrido para a ação declarativa em que foi proferida a decisão revidenda.

É certo que o mecanismo da oposição à execução com base no sobredito fundamento é distinto e independente de recurso de revisão, tendo como fim essencial provocar a extinção da execução; mas também não é menos certo que o faz mediante a destruição do caso julgado constituído sobre a sentença exequenda.

Assim sendo, a decisão que julgue procedente a oposição à execução com base nesse fundamento contém em si um pronunciamento decisório, ainda que implícito, sobre a verificação do vício em causa e, consequentemente, sobre a destruição do caso julgado da sentença exequenda.

Significa isto que aquela decisão tem efeito de autoridade de caso julgado, nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC, quanto à destruição do próprio caso julgado da sentença exequenda, fundada no vício invocado, o que é vinculativo para as partes envolvidas.

Nessas circunstâncias, obtido que seja, por essa via, o efeito destrutivo do caso julgado da sentença exequenda, deixa de haver objeto para o recurso de revisão da mesma sentença, o que se reconduz, de certo modo, a falta de interesse em agir originária em sede do recurso de revisão.

No caso vertente, aquele efeito destrutivo do caso julgado da decisão ora revidenda já foi alcançado pela decisão de procedência da oposição à execução que correu termos no processo n.º 824/12.6TBMAI e que é vinculativa para os ora recorrentes e recorrido.        

Nessa medida, o próprio ora recorrido careceria de interesse em agir para interpor recurso de revisão com vista a obter o resultado já conseguido com autoridade de caso julgado pela decisão proferida em sede de oposição à execução.

Por sua vez, os ora recorrentes, por virtude da mesma decisão, ficaram libertos da exceção de caso julgado que recaía sobre a sentença exequenda, o que os legitima a renovar a instância declarativa em que esta foi proferida, promovendo aí a nova citação do réu com vista a obter nova sentença condenatória, ou, em alternativa, a instaurar nova ação contra o mesmo réu.

O que lhe falece é legitimidade - e até interesse em agir - para interpor o recurso de revisão, uma vez que não podem ser tidos como prejudicados nem, muito menos, vencidos, nos termos do artigo 631.º, n.º 1 e 2, do CPC, por uma decisão que deixou de ser provida de eficácia de caso julgado.

Não se ignora o insucesso da tentativa dos ora Recorrentes em renovar a instância no processo declarativo n.º 3236/11.5TBMAI através do requerimento ali apresentado em 01/08/2014 e reproduzido a fls. 50-51, em virtude do despacho de indeferimento desse requerimento, datado de 07/03/ 2016 e também reproduzido a fls. 53, com o qual se conformaram. Como também não se ignora a polémica que se pode suscitar em torno da questão de saber se o referido despacho de indeferimento, nos termos tão genéricos em que se mostra suportado, constitui caso julgado impeditivo de obter ainda a renovação daquela instância declarativa. São, no entanto, questões que extravasam o objeto da presente revista.

O que parece certo é que não está vedado aos recorrentes meios processuais de ainda conseguirem a tutela do seu direito, não sendo o recurso de revisão interposto o meio adequado, o que não colide com a garantia de acesso à tutela judicial consagrada no artigo 20.º da Constituição da República.

Posto isto, conclui-se, como se concluiu no acórdão recorrido, pela falta de legitimidade dos recorrentes para interpor o presente recurso de revisão.

Todavia, também aqui, dado que a legitimidade para recorrer constitui um requisito de admissibilidade desse meio recursório, nos termos dos artigos 631.º e 641.º, n.º 2, alínea a), do CPC, a consequência não deve ser a da improcedência da revisão, como vem decretado no acórdão recorrido, mas sim a do não conhecimento do objeto de tal recurso, termos em que se impõe negar a revista quanto a tal fundamento.  

 

IV – Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista e confirmar a decisão recorrida no respeitante à extemporaneidade do recurso extraordinário de revisão e à ilegitimidade dos recorrentes para a sua interposição, mas com a consequente determinação de tal obstar ao conhecimento do objeto desse recurso. 

As custas do recurso são a cargo dos recorrentes.

Lisboa, 22 de março de 2018

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)


Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching  

___________


[1] A este propósito, vide Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pp. 335-337.
[2] Ob. cit. p. 362.
[3] Ob. cit. p. 388.