Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
97/15.9T8MGR.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: CABRAL TAVARES
Descritores: DIREITO DE USO E HABITAÇÃO
TRANSACÇÃO JUDICIAL
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
EXTINÇÃO DE DIREITOS
ACÇÃO DE ANULAÇÃO
AÇÃO DE ANULAÇÃO
Data do Acordão: 11/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA TESTEMUNHAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / DOAÇÃO / TRANSACÇÃO – DIREITO DA FAMÍLIA / CASAMENTO / DIVÓRCIO E SEPARAÇÃO JUDICIAL DE PESSOAS E BENS / EFEITOS DO DIVÓRCIO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume 3.º, p. 489 e ss.,
- Rodrigues Bastos, Dos Contratos em Especial, Volume III, 1974, p. 221.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CÍVEL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.ºS. 2, 3 E 4 E 639.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 238.º, N.º 2, 393.º, N.º 3, 791.º, 940.º, N.º 1, 1248.º E 1791.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 04-11-1993, SUMÁRIO IN WWW.DGSI.PT E BMJ 431, P. 417;
- DE 25-03-2004;
- DE 03-03-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-09-2017, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A existência de concessões recíprocas constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.
II - A transação pode ir além da mera natureza declarativa – esta, a situação regra –, e produzir efeitos, também translativos, com a atribuição de direitos de uma parte à outra, devendo para tanto colher-se um mínimo de correspondência no texto do documento.
III – Tratando-se de transação judicial, objeto de homologação por sentença transitada e pretendendo-se a declaração de invalidade da mesma, dever-se-á, em um primeiro momento, intentar ação anulatória; obtido ganho de causa, em um segundo momento, pedir a revisão da sentença homologatória.
O pedido de extinção do direito de uso e habitação sobre um prédio urbano que, em transação judicial homologada por sentença transitada em julgado, a autora atribuiu ao réu, improcede se a autora não propôs previamente ação de anulação daquela sentença.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. AA intentou ação contra BB, seu ex-marido, pedindo que fosse declarada a extinção do direito de uso e habitação sobre um prédio urbano, que a Autora lhe atribuiu em transação judicial, sustentando, em síntese, que a atribuição de tal direito consistiu numa doação feita num momento em que eram casados e que o comportamento do Réu, que descreve, justifica a revogação de tal doação; deverá, pois, ser declarado «perdido pelo R. o direito ao uso e habitação por força da aplicação do art. 1791º do CC, ou por se considerar tal direito caduco de conformidade com o art. 1766º, al. c) conjugado com o que se dispõe no D.L. 61/2008 de 31/10 relativamente ao art. 1787º do mesmo código, ou por revogação da mencionada disposição, nos termos do art. 1765º CC».

Contestou o Réu, alegando que não existiu qualquer liberalidade, nem qualquer benefício por si recebido, subsumível ao disposto no artigo 1791º do CC.

No saneador, foi a ação julgada improcedente, por os factos mostrarem que a atribuição do direito em causa não foi «em vista do casamento», nem teve em «consideração do estado de casado»; a atribuição verificou-se no âmbito de uma transação celebrada em 28 de março de 2014, cuja sentença homologatória transitou em 6 de maio seguinte; a sentença de divórcio foi proferida em 18 de maio desse mesmo ano, estando a ação pendente desde 17 de julho de 2012.  Quanto à caducidade e revogação da doação [arts. 1765º e 1766º, n.º 1, alínea c), do CC], entendeu-se que da matéria de facto resultava não ter a atribuição do direito sido determinada pela constância do matrimónio, mas em vista do decretamento do divórcio, dada a proximidade entre as respetivas datas.

2. Apelou a Autora, tendo a Relação, embora por razões jurídicas diversas, mantido a sentença e julgado o recurso improcedente.

3. Pede revista a Autora, formulando, a final da alegação, as conclusões seguintes:

«1ª.-    O douto acórdão recorrido parece optar pela interpretação de que no conceito de transacção não cabem outros negócios.

2ª.-      Por isso que refere que “o acordo – contrato – efectuado não é uma doação mas uma transacção judicial.

3ª.-     Ora, como supra se viu, a transacção judicial ou extra-judicial não é avessa a outros tipos de contratos.

4ª.-     Ponto está em saber se o aliquid datum sobrepuja excessivamente o aliquid retentum.

5ª.-     Olhando porém para a causa de pedir na acção de ANULAÇÃO e o circunstancialismo que a rodeou e atentando sobretudo na falta de consciência invocada pelo Recorrido ou pela patologia invocada logo se conclui que a fragilidade da argumentação não concedia ao Autor da acção, ora recorrido, o mínimo de viabilidade.

6ª.-      Em contraste com a desistência da acção e necessariamente com a falibilidade da causa de pedir, verifica-se que a Ré, ora Recorrente, abriu mão da utilização de um bem, por tempo indeterminado, sem correspectivo.

7ª.-      Esse bem tem enorme valor pela utilidade que poderia prestar à Ré e pela possibilidade até de ser alienado com aproveitamento das respectivas vantagens quer de utilização quer resultantes da transmissão ou arrendamento.

8ª.-     A concessão do uso e habitação não pode, pois, ser correspectivo da desistência da acção pelo desequilíbrio dos sacrifícios suportados por A. e R..

9ª.-      Pires de Lima considera, repetidamente, nos comentários ao artº 940º do C. Civil que, para que haja doação, concretizando o teor do artigo, é preciso que não haja correspectivo (demos conta, não dessa palavra mas da palavra correspondente com sentido equivalente).

10ª.-   A doação envolve dois princípios, que deverão ser observados e que não fazem parte de uma transacção: a gratuitidade e o espírito de liberalidade.

11ª.-    A transacção pode dar saída à falta de gratuitidade, mas não ao espirito da liberalidade (aliquid datum, aliquida retentum).

12ª.-    Outrossim, diz A. dos Reis que a função da sentença homologatória de transacção não é decidir a controvérsia substancial mas unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo realizado.

13ª.-    Por isso que o contrato de transacção pode envolver outros contratos sobretudo quando o aliquid retentum não faz parte, como ocorre no caso presente, nem do pedido nem da causa de pedir na acção.

14ª.-    De facto a atribuição do uso e habitação da casa ao recorrido não consta nem da petição nem da contestação da acção de anulação.

15ª.-    Duvida-se ainda que as partes, dada a razão invocada para a causa de pedir da acção (patologia inibitória de entender e querer) pudessem transigir na acção sem uma averiguação técnica por peritos da hipótese da existência, no acto, de tal patologia.

16ª.-    Correndo-se até o risco de tal patologia poder recidivar.

(…)».

O Réu, que litiga com apoio judiciário, não apresentou contra-alegações.

4. Vistos os autos, cumpre decidir.


II

5. Consideradas as transcritas conclusões da alegação da Autora, ora Recorrente (CPC, arts. 635º, nºs. 2 a 4 e 639º, nºs 1 e 2), a questão a decidir no presente recurso unicamente respeita a saber se a transação judicial, nos termos em que se expressa, deve ser entendida como documentando o recebimento de um benefício, por parte do contraente-marido, relativamente ao outro cônjuge contraente, para os efeitos previstos no art, 791º do CC.

6. Vem fixada pelas instâncias a seguinte matéria de facto (transcreve-se do acórdão recorrido):

«1 – Autora e Réu casaram, um com o outro, no dia 15 de agosto de 1993, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio em 10 de março de 2006.

2 – O prédio urbano sito na Rua ..., freguesia e concelho da ---, composto de casa de rés-do-chão para habitação e logradouro, encontra-se inscrito na respetiva matriz sob o artigo 4704 e descrita na Conservatória do Registo Predial da --- sob o n.º 8899.

3 – No registo predial da fracção referida em 2) consta, através da Ap. 11 de 28/01/2008, a aquisição a favor da Autora, por partilha subsequente a divórcio.

4 – Autora e Réu casaram novamente no dia 19 de Junho de 2007.

5 – Em 11 de maio de 2012, o Réu propôs contra a Autora ação declarativa, que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial da ---, na qual peticionou a anulação da escritura de partilha e o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial da ---, do registo de aquisição do prédio referido em 2) a favor da Ré (cfr. doc. de fls. 50).

6 – Em 28 de março de 2014, no âmbito da acção referida em 5), a Autora (Ré naquela ação) e o Réu (Autor naquela ação) acordaram que: “2) O autor reconhece que a ré é a única e exclusiva possuidora e proprietária do imóvel objecto desta acção; 3) A ré reconhece o direito do uso e habitação do imóvel em exclusivo ao autor enquanto for vivo, com excepção do logradouro (quintal) e do anexo (cozinha exterior), que será de uso de ambos” (cfr. doc. de fls. 50).

7 – O acordo referido em 6) foi homologado por sentença, a qual transitou em julgado em 6 de maio de 2014.

8 – O casamento referido a 4) foi dissolvido por divórcio, por sentença proferida no âmbito do processo n.º 1195/12.6TBMGR em 18 de Maio de 2014 e transitada em julgado em 8 de Setembro de 2014, tendo Autora e Réu acordado que o imóvel referido em 2) (enquanto casa de morada de família) ficaria atribuída ao Réu, nos termos do acordo referido em 6).

9 - A acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge referida em 8) foi proposta pela Autora contra o Réu em 17 de julho de 2012.»

7. Do Direito.

7.1. A questão a decidir, tal como se deixou equacionada (supra, 5), reportada à interpretação jurídica do teor da transação judicial havida, à luz dos termos em que se expressa, circunscreve-se como pura questão de direito, do conhecimento deste tribunal.

Não está em causa a indagação da vontade real (ou a ausência dela), nem da vontade hipotética ou conjetural dos contraentes, apurada com recurso a elementos exteriores ao contexto do documento (arts. 238, nº 2 e 393º, nº 3 do CC), não cabendo, obviamente, a este tribunal, no âmbito do presente recurso, cuidar do «circunstancialismo» envolvente, sugerido ou suposto, a justificar a «patologia» do Réu o «espírito de liberalidade» da Autora (conclusões 5ª, 11ª, 15ª e 16ª), nem inteirar-se da questionada validade e a veracidade da transação e da consequente nulidade ou anulabilidade do negócio; não vem, ademais, imputado ao acórdão vício de omissão de pronúncia.

7.2. Vejamos como a Relação fundamentou a decisão sobre a questão.

Começou o acórdão por enquadrar, como contratos diversos, à luz dos arts. 940º, nº 1 e 1248º, ambos do CC, respetivamente, o contrato de doação – assim vem configurado pela Autora o benefício por si atribuído ao Réu – e o contrato de transação.

Relativamente à transação reportada ao caso dos autos, escreveu-se (realces acrescs.):

«(…) o ora Réu instaurou, contra a agora Autora, uma ação a pedir a anulação da escritura de partilha e o cancelamento, na Conservatória do Registo Predial da ---, do registo de aquisição do prédio (sobre o qual incide o direito de uso e habitação) a favor da ora Autora. Havendo sentença que conhecesse do mérito da causa, o resultado desta ação, era a priori incerto, podendo ter dois desfechos: ou a ação era julgada procedente e a partilha era anulada ou improcedia e a partilha mantinha-se intacta. Por conseguinte, existindo estas as duas hipóteses, a transação que pôs termo à ação pôs termo à situação de incerteza criada relativamente aos direitos da Ré resultantes da aludida partilha. O termo desta situação de incerteza foi conseguido à custa de uma perda com origem na esfera patrimonial da Autora, que consistiu em atribuir ao ora Réu o direito de uso e habitação vitalício do imóvel (casa de habitação). Verifica-se, por conseguinte, que não é possível configurar o mencionado «acordo» como uma doação feita pela ora Autora ao agora Réu».

Relativamente ao entendimento manifestado pela Autora de que na transação realizada estaria contida uma doação (realce acresc.):

«(…) em termos objetivos, isto é, analisando o dito acordo face aos factos em que ele se inseriu, no contexto duma ação judicial, não há qualquer doação. Houve sim uma contrapartida de parte a parte: o Réu renunciou à pretensão de obter a «anulação da escritura de partilha» da qual resultou a atribuição da propriedade sobre o prédio à Autora e esta renunciou à pretensão de ter um direito de propriedade sem restrições sobre o prédio atribuindo sobre o mesmo, ao Réu, o direito de uso e habitação».

7.3. A disciplina relativa aos efeitos do divórcio, quanto aos benefícios que os cônjuges tenham recebido ou hajam de receber, constante do nº 1 do art. 1791º do CC é mantida pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro, no que respeita à subordinada referência de tais benefícios, «em vista do casamento ou em consideração do estado de casado» – eliminado da anterior redação do preceito o requisito da culpa, conforme ao modelo do novo regime do divórcio instituído por aquele diploma legal.

Escreveu-se na exposição de motivos da Projeto de Lei 509/X, iniciativa que esteve na base da Lei 61/2008: «Em caso de divórcio, qualquer dos cônjuges perde os benefícios que recebeu ou havia de receber em consideração do estado de casado, apenas porque a razão dos benefícios era a constância do casamento» (realce acresc.).

Devendo articular-se o art. 1791º, nº 1 do CC com os arts. 1766º, nº 1, alínea c), 1765º, nº 1, 1760º, nº 1, alínea b) (diferentemente, quanto a esposados, art. 1758º), todos do mesmo código, a razão do regime é confrontar as causas de suspeição destas doações constante matrimonio e, em geral, prevenir e sancionar o divórcio como um modo de adquirir bens, para além da justa partilha do que se adquiriu pelo esforço comum na constância do matrimónio (vejam-se ASTJ de 3.3.2016 e de 19.9.2017, publicados em www.dgsi.pt).

7.3. O ato aqui em causa (contrato de transação, de 28.3.2014) incide diretamente sobre o acordo de partilha relativa ao primeiro divórcio, projeta-se na nova partilha relativa ao segundo e é realizado na pendência deste (factos 5, 6, 8 e 9).

Redefine, em suma, o acordo sobre a primeira partilha, nele se integrando e determinantemente antecipa a definição do acordo sobre a segunda partilha (infra, 7.6).

Não se reconduz ao campo de previsão do nº 1 do art. 791º do CC, nem se intromete no círculo dos bens jurídicos protegidos pela norma.

Nesta ordem de ideias ter-se-á inscrito a decisão da 1ª instância.

Examinemos, seguidamente, o ângulo de abordagem adotado pela Relação, conforme acima sumariamente exposto.

7.5. A transação é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões (art. 1248º, nº 1 do CC).

A finalidade do contrato de transação consiste, como do preceito consta, em prevenir ou terminar um litígio.

Processualmente, a transação situar-se-á a meio da desistência do pedido e da confissão (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3.º, pp. 489 e ss.).

A existência de concessões recíprocas constitui requisito constitutivo do contrato de transação, deixados os termos da exigida reciprocidade à liberdade das partes e à avaliação pelas mesmas da distribuição do risco do resultado do litígio.

A transação «substitui a incerteza sobre a questão controvertida pela segurança que para cada uma das partes resulta do reconhecimento dos seus direitos pela parte contrária, tal como ficam configurados depois da transação» (Rodrigues Bastos, Dos Contratos em Especial, vol. III, 1974, pág. 221).

No caso (transcritos os dois segmentos relevantes do contrato no nº 6 dos factos provados), são claros os termos em que as partes acertaram a resolução do litígio e as contrapartidas reciprocamente estabelecidas, como observado pela Relação: reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio à Autora; reconhecimento do direito de uso e habitação ao Réu.

Devendo na interpretação das declarações negociais apelar-se à teoria da impressão do destinatário (art. 236º do CC), o entendimento manifestado pela Autora, de que o contrato de transação conteria – ou resultaria de – uma doação atribuída ao Réu, não obtém um mínimo de correspondência no texto do documento (art. 238º, nº 1).

Poderia a transação ir além da mera natureza declarativa – esta, a situação regra –, e produzir efeitos, também translativos, com a atribuição de direitos de uma parte à outra (Rodrigues Bastos, ibidem), mas tal situação hipotética, como se referiu, não colhe um mínimo de correspondência no texto do documento.

Presente instrumentalmente o jogo recíproco de concessões, deve ele ser relativizado em vista da finalidade que lhe é assinalada. Significantemente decisivo, como referido por alguma doutrina: que as partes substituam a relação jurídica litigiosa por outra não discutida e que esta segunda relação valha enquanto e na medida em que é querida pelas partes e não pela sua semelhança, maior ou menor, com a relação litigiosa.

Concluindo, não pode, no caso, validar-se a tese interpretativa pretendida pela Autora.

7.6. Estamos perante transação judicial, devidamente homologada – rectius, perante duas transações judiciais.

Importa acentuar o particular alcance da transação, objeto de homologação por sentença: «tal sentença não conhece do mérito da causa, mas chama necessariamente a si a solução de mérito para que aponta o contrato de transação, acabando por dar, ela própria, mas sempre em concordância com a vontade das partes, a solução do litígio. E uma vez transitada em julgado, como que corta, e definitivamente, o cordão umbilical que a ligava à transação de que nascera» (ASTJ de 4.11.93, apenas com sumário disponível em www.dgsi.pt e publicado em BMJ 431/417, realce acresc.; no mesmo sentido, transcrevendo o passo do acórdão, ASTJ, de 25.3.2004, publicado na página referida).

A alegada doação, cuja perda, por força do nº 1 do art. 1791º do CC, a Autora quer ver declarada está coberta por duas sentenças transitadas (supra, 7.3), não interessando, nem para tanto havendo elementos, saber se, porventura os efeitos da primeira estariam consumidos pela segunda.

O pedido da Autora sempre teria que improceder: deveria ela, previamente, em um primeiro momento, intentar ação anulatória; obtido ganho de causa, em um segundo momento, pedir a revisão da(s) sentença(s) homologatória(s) da transação (neste sentido, ASTJ, de 4.11.93, cit.).


III

Nos termos expostos, acorda-se em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 13 de Novembro de 2018


Cabral Tavares (Relator)
Fátima Gomes
Acácio das Neves
(Acórdão e sumário redigidos ao abrigo do novo Acordo Ortográfico)