Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4520/07.8TBRG.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: RECURSO DE AGRAVO NA 2ª INSTÂNCIA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CITIUS
NOTIFICAÇÃO ENTRE ADVOGADOS
CORREIO ELECTRÓNICO
Data do Acordão: 01/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário :


I - A regra constante do art. 26.º da LOFTJ, segundo a qual os poderes de cognição do STJ se circunscrevem à apreciação de matéria de direito, é aplicável à apreciação do agravo em 2.ª instância, padecendo o STJ, no que respeita à apreciação da matéria de facto, das mesmas limitações que se lhe deparam ao julgar a revista.
II - O art. 6.º, n.º 2, da Portaria n.º 114/2008, de 06-02, estabelece que em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante dos formulários. Assim sendo, tendo a parte optado por efectuar a notificação a que alude o art. 229.º-A, do CPC (notificações entre os mandatários das partes), através do sistema CITIUS, terá que realizar esse acto para o endereço electrónico constante desse sistema e não para qualquer outro endereço constante em ficheiros anexos.
III - O art. 150.º, n.º 1, do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24-08, consagra a possibilidade dos actos processuais serem apresentados em juízo através de transmissão electrónica, sendo até esta forma a preferida para a correspondente apresentação e comunicação, devendo essa transmissão obedecer a portaria do Ministério da Justiça – i.e., à Portaria n.º 114/2008, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 1538/2008, de 30-12 (que procedeu à sua republicação).
IV - A razão da forma da notificação, através de correio electrónico, ter sido subtraída do dispositivo do art. 150.º do CPC, resulta de se considerar essa referência escusada, por tal se mencionar no sistema informático CITIUS, para onde remete a disposição do CPC. Eliminar do sistema a notificação por correio electrónico seria incompreensível e contraditório, sabendo-se que o intuito do legislador é caminhar no sentido da desmaterialização e de uma tramitação cada vez mais electrónica dos processos judiciais.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- Nestes autos de acção com processo ordinário que “A... – Companhia de Seguros, SA”, com sede no Largo ..., Ponta Delgada, propôs contra AA, residente no Lugar ... Ponte de Lima, foi proferido acórdão no Tribunal da Relação de Guimarães, tendo sido julgado improcedente o recurso interposto pela A. Seguradora e procedente o recurso do R. AA.
Notificada deste aresto, veio a A. recorrente arguir sua nulidade, alegando que não foi notificada das alegações de recurso do R., não tendo tido possibilidade de apresentar a sua resposta, o que influiu no exame da causa. Referiu que não foi notificada para nenhum dos contactos que constam do carimbo aposto no substabelecimento sem reserva passado a seu favor e subscrito pela A..
Foi proferido despacho em que se concluiu que a Exmª mandatária da A. havia sido regularmente notificada das ditas alegações, não se verificando, pois, a invocada nulidade.
Deste despacho reclamou a A. para a conferência, nos termos do art. 700º n.º 3 do CPC..
Remetidos os autos à conferência, através de acórdão de 22-06-2010, decidiu-se indeferir a reclamação, mantendo-se o despacho reclamado.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Ao contrário do afirmado no Acórdão ora em crise, em todos os requerimentos posteriores ao substabelecimento, apresentados via sistema informático Citius, em 29/09/2008, 23/10/2008, 26/01/2009, 28/01/2009 e 25/03/2009, notificadas integralmente à IM do réu por fax, constam, quer na folha de rosto (formulário), quer no "comprovativo de entrega de peça processual", os dados da ora signatária, nomeadamente, o email [...] (cfr.doc.1a15 que se junta e dá por integralmente reproduzidos).
2ª- Porventura por isso, em 31/10/2008, a IM do Réu apresentou uma peça processual nos autos, da qual notificou a ora subscritora para o endereço electrónico [...] e em 4/02/2009, foi remetida uma notificação pelo tribunal, da qual consta os dados da ora subscritora, nomeadamente, o endereço electrónico [...].
3ª- Como é obrigatório por Lei, todos os requerimentos apresentados pela ora subscritora via sistema informático Citius foram assinados electronicamente, sendo que o certificado digital fornecido pela OA - M... corresponde ao endereço electrónico registado nas bases de dados da Ordem dos Advogados e do Citius, [...].
4ª- Assim, a IM do réu foi notificada de todas as peças processuais apresentadas pela mandatária da A e de todas aquelas peças constava o endereço electrónico [...], pelo que sabia, ou podia saber, que o endereço electrónico da ora subscritora era o supra referido.
5ª- Já no substabelecimento junto aos autos a 27.08.2008 a mandatária da Autora tinha aposto o seu carimbo profissional, do qual constava que o e-mail profissional a ter em consideração era o [...], constituindo tal aposição declaração expressa de que são aqueles os elementos a ter em consideração e não quaisquer outros.
6ª- O art. 6.º n.º 2 da Portaria dita que em caso de desconformidade sempre prevalecerá o conteúdo dos formulários, ou seja, se no ficheiro anexo consta o e­mail [...] e no formulário se encontra, por registo da mandatária subscritora, o endereço de correio electrónico [...], será este, e apenas este, que relevará, em virtude de uma determinação legal.
7ª- A verdade é que, repete-se, em todos os requerimentos apresentados nestes autos e notificados à IM do réu, nas bases de dados da Ordem dos Advogados e do Tribunal e no sistema informático Citius, o único email da ora subscritora era, ao tempo e até final de Junho de 2009 - [...].
8ª- Aliás, quanto à afirmação que "o endereço electrónico do carimbo nem sequer corresponde ao que está registado na Ordem dos Advogados" nota-se que o endereço electrónico profissional da mandatária ora subscritora, constante nas bases de dados, nomeadamente, da Ordem dos Advogados, sempre foi o constante no carimbo - [...].
9ª- Só em 29/06/2009, em consequência da mudança de denominação da Sociedade de Advogados referida no papel timbrado, foi alterado o endereço electrónico da ora subscritora, de [...] para [...], alteração que foi comunicada à AO e solicitada a emissão de um novo certificado para este novo email (cfr. doc ... que se juntam e dão por integralmente reproduzidos).
10ª- A verdade é que a ora subscritora indicou nos autos o seu único endereço de correio electrónico profissional registado na Ordem dos Advogados e nas bases de dados do Citius, sendo que seria este, evidentemente, o relevante para efeitos de notificação.
11ª- Por outro lado, o que o documento de fls. 330, não impugnado, demonstra é que com data de 26 de Maio de 2009 foi elaborado uma comunicação dirigida ao endereço electrónico [...].
12ª- Tal documento apenas indicia o envio de tal comunicação para o endereço electrónico nele constante, em vez de para o endereço electrónico da mandatária ora subscritora, não demonstra que aquela comunicação foi, efectivamente, enviado e/ou recebido.
13ª- Ora, a ora subscritora não pretende colocar em causa a afirmação da IM do réu de que enviou aquela comunicação para o endereço nela constante, acontece, porém, que, por razões que a ora subscritora desconhece, aquele email não terá saído do servidor, ou, pelo menos, não foi recebido no servidor de destino, nem, consequentemente, pela mandatária ora subscritora.
14ª- Sendo certo que a IM do réu não recorreu ao selo temporal electrónico (vulgo MDDE) para validar o envio, data e hora da peça processual e não dispõe do comprovativo temporal do envio, da notificação electrónica emitida por entidade terceira de confiança independente (CTI) assim como de comprovativo de integridade e não repúdio do conteúdo do correio electrónico.
15ª- Ou seja, a IM do réu não dispõe de comprovativo que permita ter a garantia e prova que o correio electrónico não sofreu alterações e de que foi enviado e recebido no endereço a que se destinava, já quer não utilizou o MDDE ou qualquer outra salvaguarda de garantia do recebimento da notificação.
16ª- Assim, se aquela comunicação não lhe foi dirigida nem, por factos a que é alheia, foi por si recebida, não pode, obviamente, tal comunicação produzir os efeitos de uma notificação efectiva.
17ª- Quando do seu registo na aplicação informática Citius, foi indicado o endereço electrónico [...], que passou a constar naquela aplicação, nos processos que nela constam, e na folha de rosto e comprovativo de entrega de cada requerimento enviado por aquela via, pelo que não podem restar dúvidas que seria, ao tempo, este o endereço electrónico para efeitos de notificação e não para um endereço manifestamente geral e nunca atribuído e/ou utilizado pela mandatária da autora.
18ª- Mais: tal notificação teria que cumprir os requisitos estabelecidos no art. 3.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, nomeadamente, assegurar, o não repúdio e a integridade dos elementos da mensagem, garantidos pela aposição de assinatura electrónica por terceira entidade idónea ao conjunto formado pela mensagem original e pela validação cronológica do acto de expedição, o que não é o caso.
19ª- Ora dúvidas não restam que, a admitir-se a notificação por correio electrónico, sempre seria o e-mail [...], por ser o email profissional da mandatária ora subscritora, constante, ao tempo, nas bases de dados da Ordem dos Advogados e do Citius, o único e-mail relevante, ou pelo menos, prevalecente, para efeitos da prática de actos processuais, no caso, para efeitos de notificação da contraparte.
20ª- O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, (doravante o "Decreto-Lei") eliminou a alínea d) do n.º 2 do art. 150.º do CPC, que permitia que os actos fossem praticados via correio electrónico, estabelecendo que os actos processuais poderão ser praticados apenas por transmissão electrónica de dados, entrega na secretaria, remessa por correio e envio através de telecópia.
21ª- A entrada em vigor da Portaria n.º 114/2008, de 6/2, determinou que as alterações ao art. 150.º do CPC fossem aplicáveis aos processos pendentes, de acordo com o art. 11º do referido Diploma, o que significa que a partir desse momento parece ter ficado excluída a possibilidade de notificação via correio electrónico, simplesmente porque tal possibilidade foi claramente elidida do art. 150.º do CPC
22ª- A reforçar este entendimento note-se que, atento o disposto no art. 30º, nº 2, da Portaria Citius, a Portaria nº 642/2004, de 16 de Junho, foi revogada em 30/06/2008.
23ª- Assim, a notificação à contra-parte não podia ser realizada por correio electrónico já que tal forma de notificação foi revogada, por retirada das formas de notificação possíveis, previstas no art. 150º do C.P.C..
24ª- Como é evidente, o sistema informático Citius foi criado e vai sendo alterado e/ou actualizado de acordo com as normas processuais vigentes a cada momento - e não, evidentemente, o contrário.
25ª- Assim, o facto de naquela aplicação informática ainda constar como forma de notificação entre mandatários o correio electrónico, quando, nos termos do disposto no art. 150º do C.P.C. e na Portaria Citius (nomeadamente art. art. 30.º, n.º 2, d) pelo menos desde o dia 30/06/2008, tal forma de notificação não é legalmente possível, só significa que o sistema padece de um erro informático que deve ser corrigido.
26ª- Não pode significar, evidentemente, que esta forma de notificação, expressamente revogada por Lei, ainda é processualmente admissível.
27ª- Acresce que, considerar admissível a notificação para o correio electrónico geral de uma sociedade de advogados apenas porque tal endereço aparece no papel timbrado daquela sociedade, surge ao arrepio dos princípios da certeza, segurança jurídica e do contraditório, uma vez que a mandatária da A. nunca recebeu tal notificação.
28ª- A A. não teve, por isso, possibilidade de apresentar a sua posição sobre a questão, mediante a apresentação das respectivas contra-alegações, ao arrepio dos mais elementares princípios do nosso Direito Processual Civil.
29ª- A nulidade arguida não podia, por isso, deixar de ser procedente, devendo ser declarado nulo o processado após a apresentação das alegações de recurso do Réu, e devendo ser ordenada a respectiva notificação para que a mandatária da Autora se possa pronunciar em sede própria.
30ª- Pelas razões supra expostas, dever ser revogado o Acórdão sub judice e considerada procedente a nulidade arguida pela ora Recorrente, com as demais consequências legais.
Com o que, concedendo provimento ao recurso, e considerando procedente a nulidade arguida, se fará a costumada Justiça.

O recorrido não contra-alegou.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Se se deve considerar que a mandatária da A. se deve, ou não, ter como notificada das alegações de recurso realizadas pela parte contrária.
- Se a notificação à contra-parte deixou de poder ser realizada por correio electrónico, porque tal forma de notificação foi revogada.

2-2- A Relação considerou assentes as seguintes circunstâncias de facto:
1- A A. demandou o R., constituindo seus mandatários os advogados identificados na procuração de fls. 20, datada de 6 de Maio de 2004;
2- Por requerimento junto aos autos a fls. 90 em 27 de Agosto de 2008 e subscrito pela advogada BB, a A. juntou substabelecimento, sem reserva a favor desta Senhora Advogada, requerendo que, “doravante, as notificações sejam dirigidas à mandatária com substabelecimento nos presentes autos, Drª. BB, com escritório na Avenida ... Lisboa…”, sendo também este o endereço constante do substabelecimento de fls. 91;
3- No mesmo requerimento, em cujo cabeçalho se identifica uma sociedade de advogados e junto à assinatura da mesma advogada, para além de constar o seu nome, número da cédula profissional e NIF, consta ainda a dita morada, números de telefone e fax e o endereço electrónico “[...]”; em rodapé, consta ainda, para além do nome de outros advogados, entre os quais o da Sr.ª Dr.ª BB, a dita morada, números de telefone e fax e ainda o endereço electrónico “[...]”.
4- Nos requerimentos e peças processuais posteriores, da autoria da Srª Drª BB, apenas está referido, em rodapé, o e-mail [...] cfr. fls 116, 131,170, 174, 205 e ss 269), apenas reaparecendo o carimbo já referido no requerimento em que agora veio arguir a nulidade (continuando a mencionar, no rodapé, o e-mail [...]).
5- No sítio da Ordem dos Advogados que consultámos, disponível em www.oa.pt consta, como e-mail da Srª Drª BB, [...].
6- Conforme documento de fls. 330, não impugnado, a mandatária do R., em 26 de Maio de 2009, notificou a mandatária da A. das alegações de recurso que remeteu para o tribunal por transmissão electrónica (sistema CITIUS), em 26 de Maio de 2009, para o endereço electrónico [...], como aliás declarou a fls. 222, quando enviou as ditas alegações. -------------------------------------------

2-3- Estamos perante um agravo interposto de 2ª instância que, de harmonia com o disposto no art. 762º nº 1 do C.P.Civil (1) (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), segue os termos prescritos nos arts. 749º a 752º para o julgamento do agravo por parte da Relação.
De harmonia com o disposto no art. 755º o agravo pode ter fundamento as nulidades dos arts. 668º a 716º (al. a)) e a violação ou errada aplicação da lei do processo (al. b)).
Por outro lado, face ao que consta do art. 26º da LOFTJ (Lei 3/99 de 13/1), os poderes de cognição do Supremo circunscrevem-se à apreciação de matéria de direito. Esta regra é também aplicável à apreciação do agravo em 2ª instância. É que, como refere Amâncio Ferreira (2) , o Supremo mesmo no julgamento do recurso de agravo, caracteriza-se como um tribunal de revista e não de instância.
Quer isto dizer que o STJ, no que respeita à apreciação da matéria de facto no que toca ao agravo, padece das mesmas limitações que se lhe deparam ao julgar a revista. Neste sentido e por expressa remissão do nº 2 do art. 755º para o nº 2 do art. 722º, não pode ser objecto do recurso de agravo o erro na apreciação de provas e na fixação dos factos materiais da causa, a não ser que, que ocorra uma ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto (prova vinculada), ou fixe a força de determinado meio de prova.
Pode também, como melhor iremos ver à frente, o Supremo controlar a suficiência ou contradição da matéria de facto apurada nas instâncias como resulta do disposto no art. 729º nº 3.
Foi considerado como assente que a mandatária do R., em 26 de Maio de 2009, notificou a mandatária da A. das alegações de recurso que remeteu para o tribunal por transmissão electrónica (sistema CITIUS), em 26 de Maio de 2009, para o endereço electrónico [...] (vide facto acima referido sob o nº 6).
Sustentou e sustenta a recorrente que nos formulários disponibilizados pelo sistema CITIUS inseriu o seguinte correio electrónico: [...].. Acrescenta que a portaria 114/2008 de 6/2, designadamente o seu art. 6º nº 2, fixa uma regra clara em caso de desconformidade entre os elementos constantes nos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, indicando que deve prevalecer o que consta nos formulários. Por isso, a admitir-se a notificação por correio electrónico, sempre seria a notificação dirigida ao e-mail [...]., por ser o endereço electrónico constante ao tempo no CITIUS.
A disposição indicada estabelece, na realidade, que em caso de desconformidade entre o conteúdo dos formulários e o conteúdo dos ficheiros anexos, prevalece a informação constante nos formulários.
Assim sendo, tendo a parte contrária optado por efectuar a notificação a que alude o art. 229ºA, através do sistema CITIUS, somos em crer que teria que realizar esse acto para o endereço electrónico constante nesse sistema e não para qualquer outro endereço constante em ficheiros anexos.
Desconhece-se se, na realidade, como sustenta a recorrente, o endereço electrónico da ilustre mandatária constante nos formulários do sistema informático CITIUS é o que indica a recorrente. Se o for e dada a prevalência de que já falámos entre esse conteúdo e o de qualquer outro conteúdo de ficheiro anexo, a notificação terá sido feita de modo incorrecto.
Como já se disse este Supremo só conhece, em regra, de direito. Por isso, está impedido de fazer as indagações que o entendimento referido demanda. A este respeito observa Amâncio Ferreira (3) que “não obstante o silêncio da lei, e por os poderes do Supremo, no que concerne a matéria de facto, se deverem equivaler nos julgamentos da revista e do agravo, também no âmbito deste, o Supremo pode controlar a suficiência ou a contradição da decisão da matéria de facto apurada nas instâncias, em vista à aplicação do regime adequado (art. 729º nº 3)”.
Por isso de harmonia com o disposto no art. 729º nº 3 teremos que anular o julgamento, ordenando a remessa ao Tribunal recorrido a fim de proceder às indagações indicadas e realizar a novo julgamento, devendo-se considerar a notificação realizada como incorrectamente feita, caso se verifique que não foi dirigida para o endereço electrónico do formulário do sistema informático CITIUS constante do processo. Da incorrecta notificação deve retirar-se a necessária consequência da nulidade do acto, de harmonia com o disposto no art. 201º nº 1, pois a irregularidade cometida, pela omissão da concretização do princípio do contraditório, pode influir na decisão da causa.
2-4- Defende, por outro lado, a recorrente que o Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto eliminou a alínea d) do nº 2 do art. 150º do CPC, que permitia que os actos fossem praticados via correio electrónico, estabelecendo que os actos processuais poderão ser praticados apenas por transmissão electrónica de dados, entrega na secretaria, remessa por correio e envio através de telecópia. A entrada em vigor da Portaria nº 114/2008, de 6/2, determinou que as alterações ao art. 150.º do CPC fossem aplicáveis aos processos pendentes, de acordo com o art. 11º do referido diploma, o que significa que a partir desse momento ficou excluída a possibilidade de notificação via correio electrónico, porque tal possibilidade foi claramente elidida do art. 150º do CPC. Assim, a notificação à contra-parte não podia ser realizada por correio electrónico já que tal forma de notificação foi revogada, por retirada das formas de notificação possíveis, previstas no art. 150º do C.P.C.. O sistema informático Citius foi criado e vai sendo alterado e/ou actualizado de acordo com as normas processuais vigentes a cada momento - e não, evidentemente, o contrário. Assim, o facto de naquela aplicação informática ainda constar como forma de notificação entre mandatários o correio electrónico, quando, nos termos do disposto no art. 150º do C.P.C. e na Portaria Citius, pelo menos desde o dia 30/06/2008, tal forma de notificação não é legalmente possível, só significa que o sistema padece de um erro informático que deve ser corrigido. Não pode significar, evidentemente, que esta forma de notificação, expressamente revogada por Lei, ainda é processualmente admissível.
Quer dizer, através desta argumentação a recorrente entende que a notificação por via correio electrónico realizada pela parte contrária não era já, na altura da realização da notificação em causa, legalmente possível. Isto porque tal possibilidade foi claramente retirada das formas de notificação possíveis, previstas no art. 150º (alteração introduzida pelo DL 303/2007 de 24 de Agosto, que eliminou a alínea d) do nº 2 desse artigo 150º, alínea que permitia que os actos processuais fossem praticados via correio electrónico).
Esta questão já havia sido colocada na reclamação efectuada para a conferência tendo-se concluído no douto acórdão recorrido que “a própria aplicação CITIUS prevê que a notificação entre mandatários se efectue através de correio electrónico, que, assim é legalmente admissível”.
Estabelece o art. 150º nº 1, na redacção introduzida pelo DL 3003/2007 (aplicável ao caso por força do art. 11º nº 2 deste diploma) que “os actos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados em juízo preferencialmente por transmissão electrónica de dados, nos termos definidos pela portaria prevista no nº 1 do artigo 138º A, valendo como data da prática do acto processual e da respectiva expedição”.
Quer dizer, nesta disposição é abertamente consagrada a possibilidade de os actos processuais serem apresentados em juízo através de transmissão electrónica, sendo até esta forma a preferida para a correspondente apresentação e comunicação.
No nº 2 da disposição consagra-se outras formas de apresentação em juízo de actos processuais.
Aquela transmissão electrónica de dados, deverá obedecer a portaria do Ministério da Justiça, isto é, à portaria 114/2008 de 6/2 com as alterações nela introduzidas pela portaria 1538/2008 (que procedeu à sua republicação).
Logo no art. 1º al. a) da portaria é dito que o diploma regula a tramitação electrónica dos processos judiciais nos tribunais judiciais, em relação às peças processuais e documentos, nos termos dos nºs 1, 3 e 4 do art. 150º do C.P.Civil.
Regulamenta também a portaria as notificações por transmissão electrónica de dados nos termos, do nº 2 do art. 254º, do nº 2 do art. 258º e, para o que aqui importa, do art. 260º-A do C.P.Civil (notificações entre mandatários).
Sobre as notificações entre mandatários estipula o art. 260º- A, na redacção introduzida pelo DL 303/2007, que “as notificações entre mandatários judiciais das partes, nos termos do n.º 1 do art.º 229-A, são realizadas por todos os meios legalmente admissíveis para a prática dos actos processuais, aplicando-se o disposto no art.º 150º e 152º.” Acrescenta o nº 2 da disposição que “os termos a que devem obedecer as notificações entre mandatários judiciais, quando realizados por transmissão electrónica de dados, são definidos na portaria prevista no n.º 1 do art.º 138º -A”.
Quer dizer e para o que aqui interessa, no que diz respeito às notificações entre mandatários judiciais, quando realizados por transmissão electrónica de dados, o nº 2 daquele art. 260º-A remete para portaria do Ministério da Justiça (prevista no nº 1 do art.º 138º -A), ou seja, como já dissemos, para a portaria 114/2008 de 6/2 com as alterações nela introduzidas pela portaria 1538/2008.
Estabelece a esse propósito o art. 4º nº 1 da portaria que “a apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados é efectuada através do sistema informático CITIUS, no endereço electrónico http://citius.tribunaisnet.mj.pt, de acordo com os procedimentos e instruções daí constantes”.
Ou seja, a transmissão electrónica de dados deve ser realizada através do dito sistema informático, com observância dos procedimentos e instruções aí referenciadas.
No acórdão recorrido, referiu-se que (sem que este Supremo possa tal contrariar por se tratar de circunstâncias factuais) “quando se enviam peças pela aplicação CITIUS, havendo mandatários constituídos, é obrigatório o preenchimento do campo “notificação entre mandatários”. Neste campo, relativamente a cada um dos mandatários constituídos nos autos, é necessário preencher uma das seguintes opções,
Declaro que na data de …1ª. Notifiquei a parte contrária 2.ª Irei notificar a parte contrária 3.ª Notificação electrónica 4.ª Não se aplica. Caso venham a ser seleccionadas as 1.ª ou 2.ª opções, terá de ser indicada a forma que vai revestir tal notificação, permitindo-se as seguintes opções: 1.ª Fax 2.º. Correio Electrónico 3.º Registo Postal 4º. Pessoal”.
Significa isto que a transmissão electrónica de dados realizada através do dito sistema informático, no que respeita à notificação entre mandatários, se pode concretizar através de correio electrónico. Por outras palavras, da própria aplicação do sistema CITIUS, resulta que a notificação entre mandatários se pode realizar através de correio electrónico. Por isso nos afigura destituído de sentido a pretensão da recorrente de considerar a notificação entre mandatários dessa forma, está subtraído do sistema (4) .
Por outro lado, em 26 de Maio de 2009, na data em que a mandatária da A. notificou a parte contrária, a ora recorrente, das alegações de recurso, estava-se em período experimental da entrega de peças processuais e documentos por transmissão electrónica, como decorre, no que toca às notificações electrónicas entre mandatários, do art. 6º nº 3 da portaria 1538/2008. A apresentação de peças processuais e documentos por transmissão electrónica de dados através do CITIUS, nos termos dos arts. 21 A., 21º B e 21º C da portaria 114/2008, era então facultativa. Por isso, não se dispensava que as notificações a efectuar fossem realizadas através doutros meios (art. 6º nº 4 al. b) da portaria 1538/2008). Daí que a notificação através de correio electrónico não só fosse possível, como também fosse exigida pela norma transitória.
A nosso ver, a razão por que a forma de notificação através de correio electrónico foi subtraído do dispositivo do art. 150º, não tem a ver com a intenção de subtrair essa forma de notificação do regime adjectivo, como defende a recorrente, mas sim por se considerar essa referência escusada por tal se mencionar no sistema informático CITIUS para onde acaba por remeter a disposição (através do envio para a portaria que regulamenta e normaliza esse sistema informático). Eliminar do sistema a notificação por correio electrónico (deixando por exemplo a possibilidade de notificação através de correio postal (5) seria algo incompreensível e contraditório, sabendo-se que é intuito do legislador que o sistema caminhe no sentido da desmaterialização e de uma tramitação cada vez mais electrónica dos processos judiciais, como expressamente se referiu no preâmbulo da portaria 1538/2008 de 30/12.
III- Decisão:
Por tudo o exposto, decide-se revogar a decisão recorrida, ordenando a remessa ao Tribunal recorrido a fim de proceder às indagações indicadas, ampliando a matéria de facto nos termos expostos e procedendo a nova decisão, se possível pelos mesmos juízes que intervieram na anterior, devendo-se considerar a notificação realizada como incorrectamente feita, caso se verifique que não foi dirigida para o endereço electrónico da mandatária constante do formulário do sistema informático CITIUS, retirando-se dessa irregularidade a necessária consequência da nulidade do acto, de harmonia com o disposto no art. 201º nº 1.
Custas pela parte vencida a final.

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Janeiro de 2011

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas

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(1) Na redacção anterior à introduzida pelo Dec-Lei 303/2007 de 24/8.

(2) Em Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág. 359

(3) Obra citada, pág. 359.

(4) Se o fosse, a referências e observações que a recorrente fez em relação à omissão de notificação no e-mail constante nos formulários do CITIUS deixavam de fazer sentido.

(5) Vide art. 150º nº 2 al. b) do C.P.Civil