Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
45/13.0JASTB.L1.S1
Nº Convencional: 3 ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CRIME DE TRATO SUCESSIVO
REFORMATIO IN PEJUS
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
CULPA
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 04/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA ( NULIDADES ) RECURSOS.
Doutrina:
- Eduardo Correia, Direito Criminal, I (1968), 309.
- Figueiredo Dias, … As Consequências Jurídicas do Crime, (1993), pp. 232, 291; Direito Penal – Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pp. 81, 84, 313, 518.
- Júlio Machado Vaz, em entrevista à “Visão”, de 20.11.03, p. 17 e segs..
- Taipa de Carvalho, Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais, pp. 83 e 84.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE, APROVADO PELA LEI 115/2009, DE 15 DE OUTUBRO: - ARTIGO 2.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º, N.ºS 2 E 4.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º1, AL. A), 409.º, N.º1, 412.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.º, N.º1, 71.º, N.º1, 77.º, N.º1, 171.º, N.ºS 1 E 2, 176.º, N.º4.
Legislação Comunitária:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 23.01.2008, PROC. Nº 4830/07-3ª SECÇÃO.
-DE 29.03.2012, Pº Nº 316/07.5GBSTS.S1-3ª; DE 26.04.2012, Pº Nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; DE 21.06.2012, Pº Nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; DE 05.07.2012, PºS NºS 246/11.6SAGRD.S1 E 145/06.SPBBRG.S1; DE 15.11.2012, Pº Nº 178/09.8PQPRT-A.P1.S1,DE 14.03.2013, Pº Nº 287/12.6TCLSB, DE 30.04.2013, Pº Nº 11/09.0GASTS.S1, DE 13.05.2013, Pº Nº 392/10.3PCCBR.C2.S1, DE 06.03.2014, Pº Nº 352/10.4PGOER.S1 E DE 10.09.2014, Pº Nº 232/10.4SMPRT.P1.S1, TODOS DA 3ª SECÇÃO.
-DE 12.07.2012, Pº Nº 1718/02.9.JOLSB.
-DE 29.11.2012, Pº Nº 862/11.6TAPFR.S1, E VOTO DE VENCIDO.
-DE 12.06.2013, Pº Nº 1291/10.4JDLSB.
-DE 26.02.2014 E DE 10.09.2014, PºS NºS 732/11.8GBSSB.L1.S1 E 232/10.4SMPRT.P1.S1, RESPECTIVAMENTE.
-DE 17.09.2014, Pº Nº 595/12.6TASLV.E1.S1.
Sumário :

I - O arguido foi condenado pela 1.ª instância, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de prisão, respeitante à prática, em autoria material e em concurso real, de 46 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 2, do CP, e de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 4, do mesmo Código. A mais elevada das penas parcelares é de 5 anos de prisão. A soma das penas parcelares atinge os 175 anos de prisão.
II - O Tribunal da Relação, todavia, nos casos em que os ofendidos foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes por ter entendido que «a solução do trato sucessivo é a mais ajustada a situações como a presente». Só assim não procedeu relativamente a um ofendido, em que autonomizou dois conjuntos de factos por, entre a prática daqueles e destes, terem decorrido cerca de 5 anos. Por via dessa qualificação e correspondente punição de cada um dos crimes em trato sucessivo e da atenuação das penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes singulares, a mais elevada das penas parcelares passou para os 8 anos de prisão, enquanto a sua soma desceu para os 54 anos e 2 meses. A pena conjunta foi então fixada em 13 anos e 6 meses de prisão.
III -Não se afigura como correcta a qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo, pelo que se considera que o arguido cometeu, em concurso real, os crimes especificadas na decisão da 1.ª instância.
IV - Todavia, a alteração da qualificação no sentido que entendemos ser o correcto reclamaria penas parcelares, pelo menos em bem maior número do que as consideradas pelo Tribunal da Relação, como se viu, e, por via do agravamento do correspondente somatório, uma pena conjunta mais elevada do que a cominada no acórdão recorrido, o que, traduzindo-se em reformatio in pejus, nos estaria vedado pela proibição estabelecida no art. 409.º, n.º 1, do CPP. Por isso, no julgamento do recurso, não podemos senão atender às penas parcelares (não impugnadas) e conjunta cominadas no acórdão recorrido em função das quais será julgado o mérito do recurso.
V - Ao nível da determinação da medida concreta da pena, há que ponderar que se o «pedófilo» sofre de uma «parafilia», uma perversão, no sentido de que se sente eroticamente atraído de forma compulsiva e exclusiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a sua responsabilidade, são justamente os delinquentes onerados por qualquer tendência para o crime os mais perigosos, os mais necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se defender mais fortemente.
VI -Assim, face aos factos provados, designadamente a tendência do arguido para este tipo de crimes, o elevado grau de culpa que, aliás, não contesta, as exigências de prevenção geral, muito elevadas, as fortes exigências de prevenção especial, tanto de socialização como de dissuasão, a pena aplicada é a adequada e proporcional à sua repetida conduta criminosa, insistentemente executada ao longo dos anos de 2011/2012, mas com episódios em 2007 (quando um dos ofendidos tinha 6 anos de idade), em 2009 e início de 2013, e exercida sobre 13 ofendidos. Por isso, confirmamos a pena cominada no acórdão recorrido.
Decisão Texto Integral:

         Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

            1. Relatório

            1.1. O arguido AA, nascido no ..., em ..., filho de ... e de ..., ..., residente na ..., respondeu no processo em epígrafe, perante o Tribunal Colectivo do 2º Juízo de Competência Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada, onde foi condenado, pela prática, em autoria material e em concurso real, de:

            - um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e 179º, ambos do CPenal [a que pertencem todas as normas que a seguir forem invocadas, sem indicação do respectivo diploma legal], na pessoa do menor BB, na pena de três anos de prisão;

            - três crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelas mesmas disposições legais, na pessoa do menor CC, na pena de três anos de prisão, por cada um desses crimes;

- sete crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor CC, na pena de cinco anos de prisão, por cada um dos crimes;

- três crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelas disposições legais anteriores, na pessoa do menor DD, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº1 e 179º, na pessoa do menor DD, na pena de três anos de prisão, por cada um deles;

- dois crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do mesmo menor EE, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- um crime de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, ainda na pessoa do menor EE, na pena de quatro anos e seis meses de prisão;

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor FF, na pena de três anos de prisão, por cada um dos crimes;

- cinco crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor GG, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos  arts. 171º, nº 1 e 179º, na pessoa do menor HH, na pena de três anos de prisão;

- dois crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do menor HH, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e 179º, na pessoa do menor II, na pena de três anos de prisão, por cada um dos crimes;

- seis crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos  arts. 171º, nº 2 e 179º, na pessoa do mesmo menor II, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº1 e 179º, na pessoa do menor JJ, na pena de três anos de prisão;

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e 179º, na pessoa do menor LL, na pena de três anos de prisão, por cada um dos crimes;

- dois crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelos arts. 171º, nº 1 e 179º, na pessoa do menor MM, na pena de três anos de prisão, por cada um dos crimes;

- três crimes de abuso sexual de criança agravado, p. e p. pelos arts 171º, nº 2, 177º, nº 1, al. b) e 179º, na pessoa do menor NN, na pena de quatro anos de prisão, por cada um dos crimes;

- um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelos  arts. 171º, nº 1 e 179º, na pessoa do menor OO, na pena de três anos de prisão;

- um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176,º nº 4, na pena de seis meses de prisão.

Em cúmulo jurídico, foi condenado pena conjunta de quinze (15) anos de prisão.

Foi ainda condenado «na sanção acessória de proibição de exercício de qualquer profissão, função ou actividade remunerada ou gratuita directamente relacionada com menores de dezasseis anos de idade pelo período de dez anos», nos termos do artigo 179º;

            e

«a pagar a GG a quantia de trinta mil euros (€30.000,00) a título de indemnização por danos não patrimoniais e noventa e oito euros e quarenta cêntimos (€98,40) a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora, desde a notificação para contestar sobre a quantia de 98,40 e sobre a presente data sobre a quantia de trinta mil euros e vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como condenado a pagar os montantes que o menor GG vier a despender com a assistência médica e medicamentosa, concretamente, a assistência por psicólogo e/ou pedopsiquiatra, a liquidar em execução de sentença».

1.2. Inconformados, o Arguido e a assistente PP (na qualidade de representante legal do menor QQ) interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, pelo acórdão de 26.11.2014, fls. 5243 e segs., decidiu (segue-se a transcrição do dispositivo do acórdão):

«I – No parcial provimento do recurso do arguido…:

i) – alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, conforme ponto A). 3.1.4.1 deste acórdão

[Isto é,

Quanto ao nº 28 dos “Factos Provados” que «em duas dessas ocasiões…» e não, como constava do acórdão da 1ª Instância, «em todas essas ocasiões…»;

Quanto ao nº 38º dos “Factos Provados”, que a última das vezes em que se repetiram os factos aí descritos ocorreu «no final do ano de 2012» e não «no início de 2013», como a 1ª Instância também havia julgado provado];

ii) – alterar a qualificação jurídica dos factos provados no que concerne aos ofendidos CC; DD; EE; FF; GG; HH; II; LL; MM e NN, conforme ponto C) 5

[Isto é (fls. 5293 e segs.):

«…

E assim sendo, nesta parte, entende-se ter o arguido cometido em relação aos referidos ofendidos – considerando que nos casos em que houve realização plural dos dois tipos de crime que fundamentalmente protegem o mesmo bem jurídico, o crime de trato sucessivo é punido pelo facto mais grave - os seguintes crimes:

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e p. art. 171 n.º 1 e 2 do Código Penal, na pessoa do menor ofendido CC;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 º do Código Penal na pessoa do menor ofendido DD; 

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2  do Código Penal na pessoa do menor ofendido EE;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido FF;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido GG;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança agravado, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido HH;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal, em concurso real, com um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pessoa do menor ofendido II;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido LL;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido MM;

- Um crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2, do Código Penal na pessoa do menor ofendido NN];

iii) – condenar o arguido pelos crimes e penas parcelares mencionadas no ponto C) 6.1., deste acórdão

[Isto é (fls. 5295vº):

«a) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do ofendido BB;

b) - 8 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e p. art. 171 n.º1 e 2 do Código Penal, na pessoa do menor ofendido CC;

c) - 5 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo,  p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 º do Código Penal, na pessoa do menor ofendido DD;

d) 6 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2  do Código Penal, na pessoa do menor ofendido EE;

e) - 2 anos e 4 meses para o crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido FF;

f) - 5 anos e 8 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido  - GG;

g) - 4 anos e 8 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do Código Penal na pessoa do menor ofendido HH;

h) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal e 7 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2 do Código Penal, na pessoa do menor ofendido II;

i) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de abuso sexual simples, p e p, pelo art. 171º nº 1 do Código penal na pessoa do ofendido JJ;

j)- 2 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido LL;

l) - 2 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do menor ofendido  MM;

m) - 5 anos de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança Agravado, em trato sucessivo, p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 e 2, do Código Penal na pessoa do menor ofendido NN;

n) - 1 ano e 6 meses de prisão para o crime de Abuso Sexual de Criança simples p. e. p. pelos artigos 171.º n.º 1 do Código Penal na pessoa do ofendido OO;

o) - 6 meses de prisão pelo crime de pornografia de menores»]

            e na pena única de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão – ponto C)7, deste acórdão.

II – No parcial provimento do recurso da assistente,

i. [condenar] o arguido/demando a pagar a GG a quantia de quarenta mil euros (€40.000,00) a título de indemnização por danos não patrimoniais;

III. No mais, confirm[ar] o douto acórdão recorrido».

1.3. Ainda inconformado, o Arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls.5330), de cuja motivação extraiu as seguintes conclusões:

            «1. No que diz respeito às necessidades de prevenção especial, o Tribunal a quo não valorizou devidamente a ausência de antecedentes criminais do recorrente, encontrando-se este facto omisso na matéria de facto dada como provada.

Ademais,

                2. Os factos dados como provados relativos à personalidade do recorrente sustentam um juízo de prognose favorável do recorrente e da sua ressocialização.

                3. O êxito da ressocialização do arguido configura uma das finalidades da pena, conforme preceitua o n.º1 do artigo 40.º do C.P..

                4. O supra referido impõe uma diferente apreciação das necessidades de prevenção especial com correlativa repercussão na medida concreta da pena.

                5. A determinação da medida concreta da pena aplicada ao Recorrente, operada nos moldes em que o Tribunal a quo o fez viola o princípio da unidade do sistema jurídico, por via da aplicação do artigo 8.ºn.º3 do Código Civil.

                6. Porquanto a pena aplicada se reputa de excessiva quando confrontada com a Jurisprudência relativa a factos semelhantes.

                7. A título de exemplo elege-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-04-2014, referente ao processo n.º 2/11.16DCNT.C1.

                8. Em cúmulo jurídico, foi o arguido ali condenado na pena única de 9 anos por factos constitutivos de 104 crimes de violação agravada, p.p pelo artigo 164.º, n.º1, al. a) e 177.º, n.º6 do Código Pena, 12 crimes de violação agravada, p.p. pelo art. 164.º n.º1 a) e 177.º n.º 5, do Código Penal, um crime de sequestro p.p pelo artigo 158.º n.º1 do Código Penal.

                9. Da comparação dos dois doutos arestos resulta uma significativa discrepância da medida concreta das penas ali aplicadas, em prejuízo do aqui Recorrente.

                10. A alteração da qualificação jurídica operada pelo Tribunal a quo, impunha a determinação da pena em medida inferior porquanto o limite máximo sofreu uma redução significativa.

                11. Ao determinar a medida concreta da pena nos moldes prefigurados no douto Acórdão ora em crise, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, 71.º do Código Penal, 8.º do Código Civil, bem como o Princípio da Proporcionalidade consagrado no artigo 18.º n.º2 da Constituição da República Portuguesa».

            1.3.1. Responderam o Ministério Público e a Assistente.

            1.3.1.1. A Senhora Procuradora-geral Adjunta pronunciou-se pela «improcedência global» do recurso», considerando designadamente que,

            «… Nos termos previstos no art. 77º nº2 do CP, procedendo o Tribunal da Relação à ponderação e "avaliação global do facto" materializada no conjunto de crimes cometidos pelo arguido, todos da mesma natureza, no lapso de tempo em que a conduta do arguido perdurou, no elevado número de ofendidos - 13 menores com idades entre os 11 e os 13 anos, na personalidade do arguido reveladora de “uma tendência criminosa", considerou por equitativa a pena única de 13 anos e 6 meses de prisão, a qual se nos afigura plenamente adequada e ajustada ao grau de culpa com que o arguido/recorrente actuou, apreciadas que foram as necessidades de prevenção especial e geral que o tipo de crime de abuso sexual de criança demanda.

                Por fim, sempre se dirá que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o tribunal ponderou a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais, (fls.5294 verso do acórdão), circunstância que valorou, a nosso ver com acerto, "sem grande peso, já que tal mais não traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão".

                E dir-se-á também que o princípio da proporcionalidade, cuja violação o recorrente alega, por invocação da medida da pena aplicada noutro processo crime, só é equacionável perante situações fácticas idênticas, decorrendo da leitura do acórdão que cita não existir tal similitude de situações, desde logo, quanto ao número de vítimas visado em cada uma das decisões».

            1.3.1.2. Por sua vez a assistente PP, concluiu a sua resposta do modo seguinte:

            «A) O Acórdão recorrido valorizou todas as circunstâncias inerentes à personalidade do arguido e outras que concorreram a favor do mesmo, sendo a punição aplicada adequada à sua culpa e às exigências de prevenção especial e geral.

                B) O Acórdão recorrido não violou qualquer norma ou princípio jurídico, mormente os princípios da unidade do sistema jurídico e da proporcionalidade.

                C) A alteração da qualificação Jurídica e o consequente reajustamento das sanções penais aplicadas foram feitos de forma adequada e de acordo com as normas aplicáveis, não se reputando a pena aplicada de excessiva.

                D) O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, improcedendo em toda a linha os argumentos invocados pelo Recorrente».

            1.4. Recebido o processo no Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que:

            a) suscitou, como “questão prévia”, a nulidade do acórdão recorrido por não obedecer à «forma» estabelecida na alínea b) do artº 374º do CPP;

                b) expressou o entendimento de que «na condenação do arguido AA não deverá/poderá constar que os crimes de abuso sexual de crianças p. e p. pelos arts. 171.º, nºs 1 e/ou 2 sejam agravados mas apenas serem de trato sucessivo»;

                c) concluiu, quanto às penas parcelares, que «o grau de ilicitude, o dolo directo e intenso as necessidades de prevenção geral relativas às exigências comunitárias e da prevenção especial, conjugadas com a ausência de antecedentes criminais, a necessidade de tratamento de uma certa disfunção em termos de comportamento sexual, o apoio da mãe e irmão, parece-nos poder levar a que pelo menos as penas de 8 anos e 7 anos de prisão, sejam alteradas devendo ficar próximas dos 6 e 5 anos e ainda as penas próximas dos 5 anos de prisão  diminuídas pelo menos de 6 e 8 meses de prisão»;

                d) quanto à «medida da pena única» que, «… como resulta da lei, não se determina com a soma dos crimes cometidos e das penas respectivas, mas da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do arguido», pareceu-lhe «…ser possível alterar a medida da pena única aplicada para mais próxima dos 10 anos de prisão».

                Em suma, o seu parecer é o de que «o recurso interposto pelo arguido AA poderá obter provimento quanto às penas parcelares e pena única ainda que sejam alteradas ou não as primeiras (artºs 432º, nº 1, c), do CPP e 71º nºs 1e 2 e 77º do CP)».

            1.5. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, a Assistente respondeu sustentando, em síntese, que «salvo melhor entendimento, não merece acolhimento uma eventual procedência do recurso interposto pelo arguido quanto à alteração das penas parcelares e da medida da pena única, devendo manter-se a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa nos seus precisos termos».

            2. Tudo visto, cumpre decidir.

           

            2.1. É do seguinte teor a decisão sobre a matéria de facto tal como fixada pelo Tribunal da Relação:

«1. O arguido exerceu a actividade profissional de treinador do Clube de Futebol do “...” entre Abril de 2011 e Março de 2013.

2. Em anos anteriores o arguido foi treinador no “...” e no Clube Recreativo do ....

3. Na equipa “...” o arguido foi treinador de futsal dos infantis compreendendo menores dos 10 aos 12 anos e dos iniciados compreendendo menores dos 12 aos 14 anos.

4. No exercício de tal actividade o arguido conheceu os ofendidos:

a. CC, nascido em 1999.05.12;

b. DD, nascido em 2001. 07.03;

c. EE, nascido em 2000.11.30;

d. FF, nascido em 2000.02.10;

e. GG, nascido em 2001.02.10;

f. HH, nascido em 2001.07.09;

g. II, nascido em 2001.12.17;

h. JJ, nascido em 2000.05.06;

i. LL nascido em 1998.10.03;

j. RR, nascido em 1999.10.31;

k. MM, nascido em 2000.01.25;

l. NN, nascido em 2000.08.29;

m. OO, nascido em 1999.02.03; e

n. SS nascido em 1999.10.30.

5. O arguido aproveitando-se da relação de proximidade que mantinha com os menores decorrente da sua posição de treinador passou sob o pretexto de dar uma massagem a tocar no corpo dos menores, mais precisamente no pénis e no rabo dos mesmos e a introduzir o dedo no ânus de alguns deles.

6. Acresce ainda que o arguido já em anos anteriores havia empreendido semelhantes condutas pelo menos com BB, nascido em 1995.11.08.

7. O arguido por diversas ocasiões contactava com os menores ofendidos através da rede social “facebook” usando a conta e email do “...” e usando esse nome no contacto com os mesmos.

8. Nessas ocasiões o arguido interpelava os menores ofendidos para irem a sua casa sujeitarem-se a massagens.

Factos relativos a BB

9. O menor BB nasceu em 08 de Novembro de 1995 conheceu o arguido quando tinha cerca de 12 ou 13 anos de idade, ou seja cerca do Verão do ano de 2008 ou 2009 no Parque de Campismo CCCA da Costa de Caparica no âmbito de um torneio de Futsal (interparques).

10. Nessa ocasião, em data não concretamente apurada do Verão de 2009 o arguido abordou o BB sugerindo-lhe que fosse á tenda do mesmo para lhe realizar uma massagem que melhoraria a sua agilidade.

11. BB aceitou e foram ambos bem como um terceiro amigo de nome TT à tenda do arguido.

12. Lá chegados e após terem estado a conversar o arguido disse ao TT para ir embora, ficando a sós com o BB.

13. Nessa altura o arguido disse ao BBofendido para se deitar na cama de barriga para baixo, tendo nessa altura começado a massajá-lo inicialmente nas costas.

14. Após o arguido começou a massajar-lhe os abdominais e desceu até ao pénis altura em que massajou-o colocando a mão e fazendo movimentos para cima e para baixo.

Factos relativos ao menor CC

15. O menor CC nasceu em 05 de Dezembro de 1999 e conheceu o arguido quando tinha cerca de seis anos e frequentava o Clube Recreativo do ..., sendo o mesmo nessa altura seu treinador de futsal, vindo novamente a ser seu treinador quando o menor passou a frequentar o ... e ... tendo CC na altura cerca de 9 ou 10 anos de idade.

16. CC passou a treinar futsal no “...” quando tinha cerca de 10 anos tendo novamente como treinador o arguido.

17. CC foi mudando de clube consoante o arguido igualmente mudava.

18. Em data não concretamente apurada do ano de 2012, cerca das 20 horas e quando CC encontrava-se a treinar no Pavilhão Manuel Cargaleiro o arguido chamou-o aos balneários.

19. Lá chegados o arguido fechou a porta e conversou um pouco com CC.

20. Após o arguido disse-lhe para se deitar no banco de barriga para cima e tirou-lhe as calças, os ténis e boxers.

21. Em seguida, o arguido apalpou as pernas de CC e massajou o pénis do menor fazendo movimentos para frente e para trás com a mão, durante cerca de cinco minutos.

22. Nessa ocasião o arguido beijou CC na boca colocando a sua língua na boca deste.

23. Quando terminou o arguido vestiu CC e foram treinar.

24. Numa segunda vez, em data não concretamente apurada, do ano de 2012, no Pavilhão Manuel Cargaleiro, cerca das 18.00 horas o arguido voltou a chamar o CC aos balneários, onde o voltou a despir e a massajar o pénis deste com movimentos para a frente e para trás, bem como lhe apalpou o rabo e beijou-o na boca colocando a sua língua na boca de CC.

25. De seguida o arguido colocou a sua boca no pénis de CC e após vestiu-o e foram treinar.

26. Em datas não concretamente apuradas, do ano de 2012, o arguido levou CC, pelo menos por três ocasiões à tenda que o mesmo tinha no Parque de Campismo do Clube de Campismo do Concelho de Almada (doravante CCCA) sito na Costa de Caparica, tendo para o efeito ido buscar o ofendido de carro – Fiat Punto cor preta – de matrícula ...- CA-...

27. Nessas ocasiões o arguido e ofendido jogavam playstation.

28. Em duas dessas ocasiões [e não «em todas essas ocasiões», como julgou a 1ª Instância], durante os jogos o arguido carregava na pausa e dizia a CC para o mesmo se deitar na cama, umas vezes de barriga para baixo e outras de barriga para cima.

29. De seguida o arguido retirava a roupa de CC começando a massajar-lhe o pénis com movimentos para a frente a para trás, assim se mantendo durante cerca de cinco minutos.

30. Em pelo menos uma dessas ocasiões, o arguido para além de massajar o pénis de CC nos termos supra descritos, disse a CC para que este colocasse a sua boca no pénis do arguido o que o mesmo fez, chupando-o.

31. Decorridos alguns minutos o arguido e o ofendido vestiram-se e continuaram o jogo de playstation, tendo após ambos ido para a praia até ao final do dia e de seguida o arguido levou o ofendido para casa.

32. Acresce ainda que o arguido, no ano de 2012, em datas não concretamente apuradas levou o ofendido a sua casa, tendo ido buscá-lo no seu carro a fim de jogarem playstation.

33. Lá chegados o arguido e o ofendido jogaram playstation tendo o arguido, num intervalo do jogo, dito ao ofendido para se deitar na cama, tendo-o despido e dito para o mesmo se colocar de lado

34. Nessa altura o arguido colocou o seu dedo no ânus do ofendido e após o colocou o seu pénis no ânus do ofendido e fez movimentos para a frente e para trás, tendo o arguido de seguida se deitado na cama.

35. Nessa altura o arguido disse ao ofendido para o colocar a sua boca no pénis do arguido e chupá-lo o que o mesmo fez, tendo de seguida colocado o pénis do ofendido na sua boca, chupando-o.

36. Nessa ocasião o arguido beijou o ofendido na boca colocando a sua língua na boca do ofendido e massajou-lhe o pénis com movimentos para a frente e para trás.

37. Após terminaram o jogo de playstation o arguido levou o ofendido a sua casa.

38. Os factos supra descritos ocorridos na casa do arguido, repetiram-se nos mesmos termos pelo menos mais quatro vezes, em datas não concretamente apuradas, mas sendo a última no fim do ano de 2012 [e não «no início do ano de 2013», como julgou a 1ª Instância], estando sempre o arguido e CC sozinhos em casa.

39. Nalgumas dessas ocasiões após a prática dos actos descritos o arguido levava o CC ao “MacDonalds” para comer.

40. O arguido dizia a CC para não contar a ninguém, bem como lhe prometeu dar uma T- Shirt e colocá-lo a jogar na equipa.

41. Em algumas das ocasiões em que o arguido colocou o seu pénis no ânus de CC, este sentiu dor.

42. Tais actos ocorreram sem que o arguido usasse preservativo.

43. No dia 05 de Abril de 2013 CC foi submetido a perícia de natureza sexual onde se apurou para além do mais que na região anal e peri-anal o mesmo apresentava “área planada, radiaria às 11h, não nacarada” bem como foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto de Medicina Legal ali se constatando que este “manifestava medos (...) nomeadamente o medo de estigmatização e de poder vivenciar consequências negativas associadas a algo que fez ou de que foi vitima”.

Factos relativos ao menor ofendido DD

44. DD nasceu em 03 de Julho de 2001 e treina futsal no clube “...” desde os seus 10 anos de idade (cerca do ano de 2011), tendo como treinador o arguido.

45. No Verão de 2012 em data não concretamente apurada o arguido disse ao DD para ir consigo a sua casa para lhe fazer uma massagem o que este acedeu, tendo o arguido ido buscar o mesmo no seu carro – Fiat Punto – matrícula ...-CA-....

46. Lá chegado o arguido e DD dirigiram-se ao quarto onde estava a playstation e lá o arguido disse ao ofendido para tirar as calças e os boxers e se deitar na cama, o que este fez.

47. Após o arguido massajou o rabo e o pénis de DD, com movimentos para a frente e para trás enquanto este jogava playstation.

48. Nessa ocasião o arguido introduziu o seu dedo no ânus de DD.

49. Após o sucedido o arguido pediu a DD para não contar a ninguém e guardar segredo, indo de seguida almoçar ao “MacDonald’s” por conta do arguido, tendo este lhe dito que lhe iria oferecer um ténis e disse-lhe para o mesmo escolher o número da camisola com que queria jogar.

50. O arguido levou o DD a sua casa e repetiu tais actos por mais duas ocasiões, em datas não concretamente apuradas do ano de 2012.

51. O arguido conversava com DD através do “facebook” a fim de o convidar a ir a sua casa para fazer massagens, assim veja-se fls. 76 e seguintes dos autos:

... (nome do facebook usado pelo arguido) – o treino eu e tu na minha casa; volto a repetir DD, confira em mim na parte das massagens, só isso; e vais fazer a tua camisola; se calhar fazes a camisa enquanto te faço massagens se não apanhas seca; pro ano que número queres ser (…) a outra coisa que te quero avisar, nas massagens atenção que n vais tar de calças, aviso te já…só se preferires as massagens do sr ... (…) então terás de fazer sem calças comigo…confia em mim”

Factos relativos ao menor EE

52. EE nasceu em 30 de Novembro de 2000 e conhece o arguido desde cerca dos seus 8 anos de idade (2008), uma vez que o arguido treinava no ..., no ... e no “...”, onde EE treinou, sendo que apenas neste último é que o arguido foi seu treinador.

53. EE encontra-se a treinar futsal no “...” há cerca de dois anos.

54. Em Agosto de 2012, em data não concretamente apurada EE foi com o arguido a casa deste último para jogarem playstation.

55. Lá chegados dirigiram-se ao quarto, o arguido despiu totalmente o EE, mas mantendo-se ele vestido.

56. Nessa ocasião o arguido disse ao ofendido para se deitar de barriga para baixo na cama o que este fez.

57. Então, o arguido massajou as costas e o rabo de EE, tendo introduzido o dedo no ânus do menor fazendo movimentos para dentro e para fora.

58. Posteriormente, em data não concretamente apurada, o arguido levou novamente EE para sua casa a fim de lhe fazer uma massagem e jogar playstation.

59. Lá chegados o arguido despiu o ofendido e disse-lhe para se deitar na cama de barriga para baixo, momento em que o arguido lhe massajou as costas, o rabo e o pénis com movimentos para a frente a para trás, tendo de seguida introduzido o dedo no ânus do menor.

60. Numa terceira ocasião, em finais de Setembro de 2012 em data não concretamente apurada o arguido levou novamente o EE a sua casa, mais precisamente para o quarto local onde despiu o ofendido, disse-lhe para se deitar de barriga para baixo, massajou-lhe as costas, o rabo e o pénis com movimentos para a frente e para trás, tendo o arguido igualmente se despido.

61. Numa quarta ocasião o arguido levou o EE para a sua tenda sita no parque de campismo CCCA da Costa de Caparica, tendo-o despido, mandando deitar-se de barriga para baixo e tendo massajado as costas, o rabo e o pénis do EE com movimentos para a frente e para trás.

62. Nessa ocasião o arguido despiu-se e introduziu o seu pénis no ânus do menor ofendido, mas por pouco tempo porquanto o mesmo disse-lhe que lhe doía muito.

63. Nessa ocasião o arguido masturbou-se ejaculando para a cama.

64. Nesse dia o arguido disse ao EE que iriam repetir a introdução do seu pénis do ânus do ofendido, tendo este remetido uma mensagem escrita do seu telemóvel para o telemóvel do arguido dizendo-lhe que “caso o fizessem teria de ser muito devagar pois doí-lha o rabo”.

65. Em data não concretamente apurada o arguido levou o EE para a sua tenda no Parque de Campismo do CCCA na Costa de Caparica onde manteve a mesma conduta, despindo o EE, massajando-lhe o rabo e o pénis do ofendido com movimentos para a cima e para baixo.

66. Nessa altura o arguido igualmente se despiu e se masturbou.

67. Após perpetrar os factos, o arguido jogava playstation com o ofendido.

68. Tais actos ocorreram sem que o arguido usasse preservativo.

69. Em algumas ocasiões o arguido levou o EE a almoçar no “Macdonald’s”, pagando-lhe o almoço.

70. O arguido pediu ao EE para apagar todas as mensagens escritas que tivesse enviado e recebido do arguido e que se alguma vez a policia o questionasse do motivo dos contactos com o mesmo dissesse que contactava com o arguido para desabafar com o mesmo sobre o facto de gostar de uma rapariga.

71. No dia 16 de Abril de 2013 o EE foi submetido a exame pericial de natureza sexual onde a nível anal e peri-anal se apurou – área nacarada a nível da área pectíneal (transição entre a região cutânea propriamente dita e a mucosa anorectal) arciforme, ligeiramente deprimida localizada entre as 1h e as 2h.

72. O menor ofendido foi igualmente submetido a exame pericial psicológico no Instituto Nacional de Medicina Legal onde se conclui para além do mais que “O examinando percepciona os factos por um lado procurando negar e minimizar ao máximo o impacto negativo das emoções que o reviver dos alegados abuso claramente lhe suscita. Por outro lado esta atitude origina uma elevada desorganização e conflitualidade psíquica a qual o examinando não dispõe de recursos internos suficientes para gerir o que fomenta o desenvolvimento de intensa descargas emocionais, sem a devida contenção e mediação cognitiva.”

Factos relativos ao menor ofendido FF

73. O menor FF nasceu em 10 de Fevereiro de 2000 e conheceu o arguido há cerca de 4 (quatro) anos (2008) altura em que o mesmo foi seu treinador de futsal no Clube Recreativo do ..., sendo novamente quando o ofendido passou a frequentar o ... e após quando foi para o ..., onde se encontra desde a época de 2012/2013, entrando em Agosto/Setembro de 2012.

74. FF mudou de clube, além do mais por sugestão do arguido que também o fazia.

75. Em data não concretamente apurada do mês de Outubro ou Novembro de 2012, cerca das 19horas e no início de um treino que decorria no pavilhão da Escola Manuel Gargaleiro na Cruz de Pau/Fogueteiro o arguido chamou o FF ao balneário para uma conversa em privado.

76. Lá chegados o arguido fechou a porta á chave e propôs ao menor ofendido a realização de treinos privados a fim de melhorar a sua técnica e poder jogar mais ao que o mesmo respondeu que iria pensar.

77. Após o arguido disse ao FF para se deitar de barriga para baixo num banco e para tirar os calções, porque lhe iria fazer umas massagens, o que menor fez.

78. Após o arguido apalpou-lhe as nádegas e o pénis, local onde o mesmo começou a fazer uma massagem com as mãos fazendo movimentos para a frente e para trás.

79. Após o arguido disse ao FF para se vestir e ir treinar.

80. No mês de Dezembro de 2012 em data não concretamente apurada, cerca das 14 ou 15 horas de uma sexta feira o arguido deslocou-se no seu carro – Fiat Punto preto com a matrícula ...-CA-... - com o FF ao parque campismo do CCCA da Costa da Caparica com vista a que o menor tivesse um treino privado no campo de jogos do referido parque.

81. Lá chegados o arguido e o FF dirigiram-se a uma tenda na qual o arguido disse ao ofendido para tirar os calções e as cuecas e colocar-se barriga para baixo.

82. Nessa ocasião o arguido massajou o pénis do FF para a frente e para atrás até o mesmo ficar erecto, bem como lhe apalpou as nádegas.

83. O arguido enquanto tocava no FF disse-lhe para preencher o papel escolhendo os números com o que o menor queira jogar na próxima época, tendo o mesmo escolhido os números.

84. Em seguida o arguido disse ao FF para se vestir, fizeram uns treinos com pesos ainda na tenda e após foram treinar para o campo de futebol, tendo de seguida conduzido o mesmo até sua casa.

85. Em todas as ocasiões o arguido mantinha-se vestido.

Factos relativos ao menor ofendido GG

86. O menor ofendido GG nasceu em 10 de Fevereiro de 2001 e conheceu o arguido quando ingressou na classe de Benjamins (sub 11 anos) do clube ..., sendo o mesmo seu treinador quando o ofendido em 2012 passou a jogar com os iniciados e tendo assim frequentado o clube entre o verão de 2011 e Junho/Julho de 2013. O arguido sempre manifestou ao menor ofendido gostar muito dele, pedindo-lhe abraços.

87. No verão do ano de 2012 em data não concretamente apurada, GG deslocou-se ao Algarve na companhia do arguido e dos menores ofendidos: HH, UU, VV, XX, todos titulares da equipa de Benjamins para um jogo.

88. No regresso o arguido deixou os todos os menores nas respectivas casas, tendo o GG sido o último.

89. Em datas não concretamente apuradas no ano de 2012, mas em pelo menos quatro ocasiões, arguido levou o GG para a sua casa.

90. Em todas essas quatro ocasiões o arguido conduziu o GG para o quarto dos pais do arguido, após o que o mandava despir-se e se deitar na cama, massajando-lhe o pénis do GG, com, movimentos para a frente e para trás e em todas estas ocasiões, introduzindo o dedo no ânus do GG, fazendo movimentos para a frente e para trás.

91. Em algumas dessas ocasiões, o arguido ao introduzir o dedo no ânus do GG, causou-lhe dores.

92. O arguido pediu ao GG para não contar nada do sucedido entre ambos a ninguém.

93. Entre as férias escolares do Natal e o inicio do mês de Janeiro de 2013 em data não concretamente apurada no Pavilhão Manuel Cargaleiro o GG magoou-se num pé durante um treino.

94. Motivo pelo qual o ofendido dirigiu-se ao balneário sendo seguido pelo arguido que após entrar trancou a porta do mesmo e começou a massajar o pé do ofendido.

95. Após massajou o pénis do GG, com movimentos para a frente e para trás, bem como colocou o seu dedo no ânus do GG e abraçou-o.

96. O GG deslocou-se a casa do arguido combinando tais idas através do “facebook” onde o arguido o convidava para jogarem playstation e fazerem treinos privados.

97. No dia 17 de Abril de 2013 o GG foi submetido a exame pericial de natureza sexual registando na região anal e peri-anal – “apresenta ectasia do plexo hemorroidário externo, localizada às 11h, sendo que na sua porção periférica encontra-se uma área nacarada, arciforme, que interrompe a normal estriação radiaria nessa zona com cerca de 2mm de comprimento.

98. GG foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto de Medicina Legal onde se conclui, para além do mais que “Os factos são percepcionados pelo examinado com um nível de activação emocional significativa, expressando sentimentos negativos de tristeza e revolta face aos acontecimentos que relatou, sendo que estes são percepcionados como factores intensificadores das dificuldades relacionais e das vivências depressivas de perda que são o foco principal do seu processamento emocional actual.”

Factos relativos ao menor HH

99. O menor ofendido HH nasceu em 09 de Julho de 2001 e conhece o arguido desde há cerca de três anos (ano de 2009) altura em que começou a jogar futsal no Clube Recreativo do HHH, tendo o arguido após treinado no HHH e no Clube HHH, tendo o arguido sido seu treinador neste último clube, mas em escalões diferentes do ofendido.

100. No ano 2009 ou 2010, em data não concretamente apurada, quando HH ainda treinava no Clube Recreativo do HHH, o arguido, na sequência de um treino levou-o para um balneário e começou a fazer-lhe massagens nas pernas, em virtude do mesmo ter nódoas negras.

101. De seguida o arguido retirou pelo menos os calções do HH e continuou a fazer-lhe massagens nas pernas e nas virilhas, tendo após dito para o ofendido continuar treino.

102. Em Junho de 2012 em data não concretamente apurada e após o arguido ter ido com o HH e com pai deste ver um jogo, tendo o arguido pedido ao pai deste para que o HH fosse almoçar com ele, o que o pai do HH acedeu convencido que o almoço também seria com outros atletas.

103. O arguido e HH foram para a casa do arguido.

104. Ali chegados o arguido conduziu o HH para o quarto dos pais, despiu-o e disse-lhe para se deitar na cama de barriga para baixo, tendo após se virado de barriga para cima.

105. Nessa ocasião o arguido massajou o pénis do HH em movimentos para frente e para trás masturbando-o e de seguida introduziu um dedo no ânus do ..., causando-lhe dor.

106. Após foram almoçar e nesse mesmo dia e após o almoço o arguido levou o HH ao Parque de Campismo do CCCA da Costa da Caparica indo na sua companhia para a tenda do arguido.

107. No interior da tenda o arguido repetiu os mesmos actos que fez ao ofendido na casa daquele, nomeadamente, massajando-lhe o pénis com movimentos para a frente e para trás e introduzindo-lhe o dedo no ânus do HH.

108. No mês de Novembro ou Dezembro de 2012 em data não concretamente apurada o HH encontrava-se num treino no Pavilhão Manuel Cargaleiro quando se magoou num pé indo para os balneários.

109. Nessa ocasião o arguido dirigiu-se ao balneário, fechou a porta à chave, despiu o ofendido da cintura para baixo e massajou as virilhas e o pénis do ofendido, com movimentos para a frente a para trás.

110. No dia 09 de Abril de 2013 o HH foi submetido a exame pericial de natureza sexual no qual o mesmo não apresentava lesões a nível anal e peri- anal, nem genital ou peri-genital.

111. O HH foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto Nacional de Medicina Legal onde se concluiu para além do mais que: “Os factos são percepcionados pelo examinado com incompreensão, mágoa e revolta por terem sido alegadamente praticados por uma pessoa na qual depositava a sua confiança, uma vez que conhecia o arguido desde os seus 8 anos de idade, dado que este foi o seu treinado em diversos clubes de futsal. Contudo, após os alegados factos o examinado desenvolveu uma atitude de não silenciamento face aos alegados abusos, revelando uma adequada capacidade de análise e comunicação, que teve um carácter preventivo para si e para terceiros.”

Factos relativos ao menor ofendido II

112. O menor II nasceu em 17 de Dezembro de 2001 e conhece o arguido desde os seus seis anos de idade (2007) altura em que o mesmo treinava futsal no Clube Recreativo do ....

113. II começou por treinar futsal no Clube Recreativo do II onde o arguido era seu treinador, tendo mudado depois para o “III”, nas Barrocas e acabando após quando tinha cerca de 10 ou 11 anos por ir para o Clube “III”, a convite do arguido e em que este passou novamente a ser seu treinador.

114. Quando o menor ofendido tinha cerca de seis anos de idade e treinava no Clube Recreativo do ..., num treino que decorria entre as 19horas e as 20horas, na Escola Romeu Correia, em data não concretamente apurada, mas no Verão, o II magoou-se na perna.

115. Nessas circunstâncias o arguido chamou o II ao balneário, fechou a porta à chave e pediu-lhe para se deitar de barriga para baixo, momento em que o mesmo começou por massajar-lhe a perna, mas acabou por subir a sua mão na direcção das virilhas do ofendido acabando por massajar o pénis do mesmo com movimentos para frente e para trás.

116. Posteriormente, quando o II já treinava futsal no “II”, mais precisamente entre o final do ano de 2012 e o inicio do ano de 2013 o arguido repetiu as mesmas condutas para com o II fazendo-o quer no balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro quer em casa do arguido, tendo para além do mais introduzido o seu dedo no ânus do ofendido, fazendo movimentos para dentro e para fora do mesmo.

117. Assim no balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro o arguido, em pelo menos três ocasiões durante os treinos, ou seja entre as 19h e as 20horas, em datas não concretamente apuradas, chamou o II para lhe dar uma massagem dizendo-lhe que a mesma iria permitir melhorar a sua condição física, chegando a prometer-lhe dar-lhe uns ténis, o que não fez.

118. Em todas essas ocasiões o arguido ficou a sós no balneário com o II, pediu- lhe para se deitar de barriga para baixo no banco e mexeu-lhe na virilha e no pénis, fazendo movimentos para cima e para baixo, bem como lhe introduziu o dedo no ânus, em pelo menos duas dessas ocasiões.

119. Em algumas dessas ocasiões e porque causava dor ao Ivo quando lhe introduzia o dedo no ânus, o II pedia-lhe para parar, o que arguido não fez, executando os movimentos mais devagar.

120. Após o arguido pedia ao ofendido para colocar a mão no pénis daquele, com movimentos para cima e para baixo, o que o mesmo fez.

121. Nessas ocasiões o arguido dizia sempre ao ofendido que o que fazia era para que o mesmo se tornasse num melhor jogador.

122. Acresce ainda que o arguido, na mesma altura entre o final de 2012 e o inicio de 2013 levou o II à sua casa, em pelo menos quatro ocasiões em que os mesmos se encontravam sozinhos.

123. O arguido dizia ao II que iam jogar “playstation” e treinar futsal num “ringue” perto de sua casa e ia buscar o ofendido a sua casa no seu carro Fiat Punto de matrícula ..-CA-....

124. Em todas essas ocasiões o arguido pediu ao ofendido para ir para o seu quarto onde uma vezes despia-o outras pedia-lhe para despir as calças enquanto ele lhe tirava as cuecas.

125. Após o ofendido deitava-se na cama e o arguido introduzia o seu dedo no ânus do ofendido, beijava-o na boca colocando-lhe a língua na boca do ofendido.

126. O arguido em algumas ocasiões pagou o almoço do ofendido no “Mac Donald” e comida do restaurante chinês.

127. O arguido enquanto praticava os descritos actos dizia ao ofendido para escolher o número da camisola com que queria jogar.

128. E no fim pedia ao ofendido para não contar nada aos pais, dizendo-lhe que o mesmo haveria de ser um grande jogador e como tal deveria ser capaz de guardar segredo do sucedido.

129. O arguido durante o período de tempo em que o ofendido treinava no “...” contactava-o por facebook usando o nome “...”, combinando com o menor os treinos privados, a esse propósito veja conversação a fls. 579:

“...” – “n te esqueças do nosso treino, eu e tu”

“II” – “no sábado vou treinar contigo ne”

“...- antes vamos ver um jogo que tu vais gostar, depois almoçamos, queres chinês ou Mac? ou telepizza?

“II” – Mac

“...- ok .. lá vou eu comer o Big Mac depois á PES 2012”.

130. No dia 9 de Abril de 2013 o II foi submetido a exame pericial de natureza sexual onde não se observaram lesões ou sequelas sugestivas de traumatismo.

Factos relativos ao menor ofendido JJ .

131. O menor ofendido JJ nasceu em 06 de Maio de 2000 e conheceu o arguido quando tinha cerca de nove ou dez anos e treinava futsal no Clube ....

132. No verão de 2012 o JJ passou a treinar no Clube ... sendo o arguido seu treinador.

133. Nessa altura, no ano de 2012 e logo após o início do ano escolar em data não concretamente apurada o JJ durante um treino entre as 18h30 e as 20h30 que decorria no Pavilhão Manuel Cargaleiro lesionou-se numa virilha

134. Motivo pelo qual o JJ foi para o balneário seguido pelo arguido que lhe disse para se deitar de barriga para cima.

135. Nessa altura o arguido colocou-lhe um spray nas virilhas e após massajou o pénis do ofendido com movimentos para a frente e para trás, durante cerca de cinco minutos.

136. Após tal situação o arguido convidou o ofendido para ir ao parque de campismo do CCCA da Costa da Caparica, mas o mesmo recusou, tendo se deslocado numa ocasião a casa do arguido.

137. Em algumas ocasiões o arguido pagou almoços no “Mac Donald’s” ao ofendido.

138. O arguido mantinha conversações com o ofendido através da conta de “facebook” do Clube ... nas quais dizia ao ofendido que o colocaria a jogar nos iniciados (escalão acima do seu) caso o mesmo aceitasse as suas massagens, conforme fls. 73 a 157 dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

139. Assim a esse propósito, numa dessas conversas o arguido disse ao ofendido o seguinte (fls. 197):

... – Olha quero te propor uma coisa…mas para isso terás que fazer sacrifícios e pensares para ver se aceitas. Quero em apenas numa tarde, ou em 2horas numa tarde terinar te, eu e tu apenas, para começares a vir treinar com os iniciados, mas para se evitar lesões terá que se fazer uma coisa que n gosta, por isso me referi aos sacrifícios, massagens mais ou menos idênticas à da outra vez.

JJ – Eu nem gosto de massagens

... – pois por isso disse…” terá que se fazer uma coisa que não gostas”. Queres ou não queres? O “pode ser” n serve para mim

JJ – sim quero mas masagens não sfff

... – és chamado então aos iniciados quando for o caso…treinar comigo esquece…depois comunicarei quando la fores.

JJ – então porque não quer que treine consigo so porque não deixei fazer massagens.

... – sinal de falta de confiança, n gostei, na boa n existe problema, depois mais uma semana ou outra eu chamo te para os iniciados.

...- Bay fogo so pk não deixei fazer massagens mas yha na boa ate sábado.

140. Em 11 de Abril de 2013 o ofendido foi submetido a exame pericial de natureza sexual não se tendo observado a nível anal e peri- anal qualquer lesão sugestiva de traumatismo o que não permite excluir a sua ocorrência considerando hiato de tempo decorrido.

141. O arguido foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto Nacional de Medicina Legal onde se conclui para além do mais que “ Os factos são percepcionados pelo examinado com imaturidade e sem um activação emocional significativa, típico do seu funcionamento psíquico, no qual os conflitos emocionais são evitados e afastados do seu espaço mental para tentar reduzir a ansiedade e neutralizar o impacto negativo da situação em si.”

Factos relativos ao menor ofendido LL

142. O ofendido LL nasceu em 03 de Outubro de 1998 e conhece o arguido desde há dois anos altura em que aquele passou a treinar futsal no ... na Cova da Piedade (onde esteve entre os 11 e os 12 anos de idade) e após desde o Verão de 2012 (quando tinha cerca de 13 anos de idade) no Clube ..., tendo o arguido sido sempre o seu treinador.

143. O arguido em algumas ocasiões convidou o LL para almoçar no “MacDonalds” pagando-lhe o almoço.

144. No verão de 2012, após um treino de futsal e em data não concretamente apurada o arguido convidou o ofendido para ir a sua casa joga playstation.

145. Após chegarem e jogarem playstation o arguido indagou o ofendido se pretendia uma massagem o que mesmo concordou julgando que a mesma seria nas suas costas.

146. Ao chegarem ao quarto o arguido disse ao ofendido para despir a camisola, as calças e os boxers e deitar-se de barriga para cima na cama, o que o ofendido fez.

147. Nessa ocasião o arguido massajou as pernas, as virilhas e após o pénis do ofendido dizendo-lhe que era para seu bem e fazendo movimentos para a frente a para trás.

148. Todavia o ofendido pediu para o arguido parar o que este acedeu e levou-o a casa.

149. Durante algumas semanas o arguido propôs ao ofendido que o mesmo fosse a sua casa para lhe dar as massagens tendo este sempre recusado.

150. Sendo que o arguido propunha ao ofendido fazer-lhe tais massagens quer quando o levava a casa quer depois dos treinos quer em conversas mantidas através do “facebook”.

151. O ofendido acabou por ir numa segunda ocasião, em data não concretamente apurada, a casa do arguido quando este lhe disse que só iriam jogar playstation e sem massagens.

152. Ao chegar a casa, o arguido e o ofendido jogaram playstation e após aquele disse ao ofendido para se despir, tendo o mesmo recusado.

153. Todavia o arguido, contra a vontade o ofendido despiu-o da cintura para baixo (calças e boxers) e começou a apalpa-lo nas pernas e no pénis.

154. O ofendido por sua vez pedia-lhe para parar e o arguido só parou quando se apercebeu de que o ofendido estava assustado.

155. Nessa altura o ofendido pediu-lhe para o levar para casa, como o arguido recusou o ofendido disse-lhe que iria ligar e contar tudo aos seus pais.

156. O arguido disse ao ofendido para não contar o sucedido a ninguém se não deixava de ser seu amigo e nunca mais o deixava jogar.

157. Após e na sequência do sucedido o ofendido deixou de treinar no “Clube ...”.

158. O arguido ainda abordou o ofendido através da conta de “facebook” do Clube ... para massagens e para regressar ao clube tendo este sempre recusado.

Factos relativos ao menor ofendido RR.

159. O menor ofendido RR nasceu em 31 de Outubro de 1999 e conhece o arguido desde cerca do ano de 2011, mais precisamente quando o ofendido passou a treinar no Clube ... sendo o mesmo seu treinador.

160. Numa ocasião em data não concretamente apurada durante um treino o ofendido magoou-se numa perna indo para os balneários sendo seguido pelo arguido que lhe deu uma massagem com uma pomada na zona da perna e do rabo do ofendido.

161. Todavia o ofendido disse ao arguido que a dor se localizava mais a abaixo da zona do rabo e este desceu para essa zona.

162. Após o sucedido o arguido interpelou o ofendido para o mesmo ir com ele de férias para a Madeira, ir a casa dele jogar playstation, mas o mesmo sempre recusou.

163. Assim o arguido conversava com o ofendido através do “facebook” interpelando-o para ir a sua casa para lhe fazer massagens, veja-se a esse propósito fls. 227 a 230, 237 e 238 dos autos que aqui se reproduzem: “...” – precisava que tu me fizesses de coabaia, loool, não a sério tenho estado a reparar numa coisa em alguns jogadores e se tu deixares claro gostaria qye ba sexta no treino me deixasses eu fazer te massagens, mas pronto já sei que tu não deves ser a pessoa mais indicada para pedir.”

RR: não percebi patavina

“...” – tava te a perguntar se te posso fazer umas massagens durantes dois minutos na sexta, depois eu explico te pk.

RR – Naaaaoooooo.

... – ok

RR – T u és orrivek a fazelas.

... – mas tou a falar a sério…n tou a brincar, preferes ser o sr ....

RR – nnnnnnnnnnnn, n kero massagens de ninguém

... – ok, então pronto afasta te de mim a serio, tou farto, até amanha. Mas a sério, faz me um favor a partir de jogo acabou se as brincadeiras comigo, sou teu treinador, nda mais, xauu.(…)

... – AINDA BEM, não ires ao treino é castigo por n m deixares fazer massagens loooolll

RR – tbm, se eu for ao treino tu fazesme massagens…

... – Sabes qual é o teu mal, é que se eu te fizesse massagens n irias querer outra coisa, porque elas são de outro mundo, por isso é que eu me recuo a faze las a todos, lol.

164. No dia 24 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a exame pericial de natureza sexual onde não se apuraram lesões ou alterações na estriação radiaria.

“Factos relativos ao menor ofendido MM

165. O ofendido MM nasceu em 25 de Janeiro de 2000 e conheceu o arguido como seu treinador de futsal no Clube Recreativo do MMM, tendo ofendido na altura cerca de seis ou sete anos de idade, sendo que após o ofendido mudou para o ... onde esteve só alguns dias, indo após para o ... e após para o Clube Águias de ..., conforme o arguido mudava e sugeria ao ofendido igualmente para mudar.

166. Durante a altura em que o arguido foi treinador do ofendido no Clube ..., ano de 2011/2012, em duas ocasiões, em datas não concretamente apuradas o arguido convidou o MM para jogar playstation em sua casa, o que o ofendido concordou indo com o arguido no seu carro – Fiat Punto matrícula ...-CA-...

167. Lá chegados o arguido foi com o MM para o seu quarto e disse-lhe que lhe iria fazer umas massagens para lhe descontrair os músculos.

168. Nessas duas ocasiões o arguido despiu o MM, deixando-o em cuecas e disse-lhe para se deitar de barriga para baixo na cama, começando a massajar-lhe todo o corpo e inclusivamente o pénis do menor, tendo para o efeito colocado a sua mão no interior das cuecas do mesmo e fazendo movimento para cima e para baixo.

169. O arguido prometeu ao MM jogar com o número 7 na sua camisola e numa das ocasiões pagou-lhe o jantar num restaurante chinês.

170. No dia 17 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a exame pericial de natureza sexual apurando-se – não apresenta lesões ou sequelas de traumatismos.

171. O menor ofendido foi submetido a exame pericial psicológico no Instituto Nacional de Medicina Legal onde se concluiu para além do mais que “Os factos são percepcionados pelo examinado com revolta e tristeza por terem sido alegadamente praticados por uma pessoa na qual depositava confiança (…)”

Factos relativos ao menor ofendido NN

172. O menor NN nasceu em 19 de Agosto de 2000 e treina futsal no Clube ... desde Setembro de 2012 tendo o arguido como seu treinador.

173. No final do ano de 2012 o arguido convidou o NN a ir a sua casa para lhe dar umas massagens que lhe iriam fazer bem e ter treinos privados consigo.

174. O NN concordou e assim em data não concretamente apurada, o arguido levou o NN a sua casa, no seu carro e lá chegados foram ambos para o quarto daquele.

175. Nessa altura o arguido despiu totalmente o ofendido e disse-lhe para se deitar na cama de barriga para baixo.

176. De seguida o arguido massajou o corpo do ofendido e após massajou o pénis do ofendido com movimentos para trás e para a frente, tendo em acto contínuo introduzido um dedo no ânus do ofendido, fazendo igualmente movimentos para dentro e para fora, causando-lhe dor.

177. Tal situação repetiu-se em Fevereiro de 2013 em data não concretamente apurada, em casa do arguido e exactamente os mesmos actos de massajar o pénis do ofendido com movimentos para frente e para trás e introduziu-lhe o dedo no ânus.

178. Ainda no mês de Fevereiro de 2013 em data não concretamente apurada o arguido levou o ofendido ao parque de campismo do CCCA da Costa da Caparica onde na sua tenda voltou a praticar todos os actos supra descritos e exactamente da mesma forma.

179. Ou seja massajou o pénis do ofendido com movimentos para cima e para baixo e colocou o dedo no ânus.

180. Em todas as ocasiões e previamente o arguido dizia ao ofendido que se aceitasse as massagens podia escolher o número da camisola com que iria jogar, tendo o ofendido escolhido o número cinco.

181. Sendo que após decorrerem as situações o arguido pedia sempre ao ofendido para não contar o sucedido a ninguém.

182. O arguido manteve algumas conversações com o ofendido através do “facebook” onde lhe dizia que as massagens seriam o sacrifício que o mesmo teria que fazer para ser titular e jogar na equipa e para pensasse nele como se fosse uma mulher.

183. Assim, veja-se designadamente fls. 817, 819, 839, 848 dos autos e que se transcreve:

- ... – até que ponto tas disposto para treinar fora do dia de treinos comigo(…) ok…depois falo contigo sobre os detalhes e de determinados sacrifícios que tens de fazer.(…) não te esqueças sacrifícios nos treinos…eu tenho a sensação que vais desistir mas enfim…

- NN – que tipo de sacrifícios?

- ... – Antes do treino massagens em minha casa, depois vamos para o ringue aqui ao pé da minha casa…

- NN- Ok-

... – Bem vou andando, depois falamos, alguma coisa móvel e faz me um favor vai pagando as conversas aqui no face e as mensagens no telemóvel, é melhor lol; não tinhas apagado ainda?

- NN – sim no móvel sim

- ... – ok mas é aqui que falo contido sobre massagens lol, tou mesmo ansioso de te fazer

- ... – olha eu tenho medo é de uma coisa, epa que tu por alhum motivo penses que as massagens é algo “gay” ou assim porque n é, n tem nada a ver

- NN – eu sei que os jogadores profissionais também as fazem

- ... – e nuns e são mexidos nos sexos deles…é verdade, para não terem lesões…portanto se te fizer so tens de pensar que é uma mulher loll.

184. No dia 16 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a exame pericial de natureza sexual onde se apurou a nível anal e peri-anal – Cicatriz vestigial arciforme de convexidade para a esquerda que interrompe normal estriação radiaria às 7h.

Factos relativos ao menor ofendido OO

185. O ofendido OO nasceu em 02 de Março de 1999 e conhece o arguido desde há dois anos, ou seja desde que treina futsal no Clube ... sendo o mesmo seu treinador.

186. No ano de 2012 em data não concretamente apurada o arguido através de uma conversação com o ofendido no “facebook” propôs-lhe ser submetido a umas massagens especiais que seriam dadas pelo arguido na sua casa.

187. Assim conforme fls. 1324 dos autos de que se transcreve: ... – amanha ainda não…mas daqui a 1 semana irei ter o PES 2013 e queria que viesses ca a casa experimenta-o …e queria fazer um treino individual contigo com obviamente massagens por causa das lesões…queria que confiasses em mim sff.

188. O ofendido concordou e foi com o arguido a casa deste, em data não concretamente apurada, mas situado no 2º período da época escolar.

189. Ao chegar a casa o arguido e ofendido foram para o quarto onde aquele lhe pediu para despir as calças e os boxers e deitar-se na cama.

190. Após o arguido começou a massajar o corpo do ofendido, inicialmente nas virilhas e após massajou o pénis do ofendido para cima e para e baixo, enquanto este escrevia o numero da camisola com que queria jogar.

191. Depois o arguido e o ofendido foram jogar playstation e aquele pagou o almoço no “MacDonald’s” a este.

192. No dia 19 de Abril de 2013 o menor ofendido foi submetido a exame pericial de natureza sexual onde não se apuraram lesões ou sequelas sugestivas de traumatismo.

Factos relativos ao menor ofendido SS

193. O ofendido SS nasceu em 30 de Outubro de 1999 e conheceu o arguido como o seu treinador de futsal desde o Clube “... do Feijó”, passando pelo ... e no Clube ..., onde joga desde há cerca de um ano, ou seja desde o final do ano de 2012.

194. O ofendido mudou de clube por convite do próprio arguido.

195. Quando o ofendido já se encontrava no Clube “...”, em data não concretamente apurada o mesmo magoou-se na zona femoral durante um treino que decorria no Pavilhão Manuel Cargaleiro.

196. Nessa altura o arguido chamou-o ao balneário e estando fechado sozinho com o ofendido fez-lhe uma massagem nas pernas com uma pomada tendo subido com as suas mãos até à zona das virilhas que massajou igualmente.

*

197. O arguido residia à data da prática dos factos e até ser detido na Rua Dom João III nº 1, R/C Direito, Almada com os seus pais, que nunca se encontravam em casa quando o arguido levava os menores ofendidos a casa.

198. O arguido manteve todas as conversações na rede social “facebook” com os menores ofendidos usando a conta do “...”, nome que usava nas mencionadas conversações.

*

199. No dia 18 de Abril de 2013 na sequência de realização de busca domiciliária a casa do arguido foi apreendido, para além do mais um computador portátil “Asus” modelo Z53S com inscrição ID:2A7AN0AS456775.

200. No computador portátil do arguido supra identificado encontravam-se imagens e vídeos que se passam a descrever.

201. Assim no computador do arguido encontrava-se um ficheiro com extensão “JPEG EXXIF” consistente numa foto de um indivíduo de sexo masculino cuja identidade não foi possível apurar, com três bonecos representativos de bebés, estando um posicionado na zona genital do arguido.

202. Acresce ainda que se encontravam no computador três vídeos sendo que os dois primeiros resultam de downloads efectuados pelo arguido da internet, de site não concretamente apurados, mas ocorridos em 04 de Fevereiro de 2011 e 30 de Janeiro de 2010 e o terceiro de uma filmagem efectuada.

203. O primeiro filme consiste num ficheiro com extensão MPEG 1.0, com um vídeo digital com duração de 04 minutos de 53 segundos no qual se visiona dois menores, seguramente com menos de 18 anos de idade, nús em cima de uma cama, em que um praticado coito oral no outro, introduzindo simultaneamente o dedo no ânus, sendo que no final do vídeo ambos os menores exibem em cima da cama o seu ânus.

204. O segundo filme consiste num ficheiro com extensão MPEG.2:0 com um vídeo digital com duração de 27 segundos onde se visiona dois menores de dezoito anos de idade nus, em cima de uma cama em que reciprocamente seguram o pénis um do outros e massajam fazendo movimentos para cima e para baixo e acariciando-se.

205. O terceiro filme consiste num ficheiro com extensão RIFF Avi no qual consta um filme realizado dos balneários de um dos clubes treinado pelo arguido em que aparecem vários menores nus e a tomar banho.

206. O arguido detinha no seu computador dois softwares “CCleaner” e “GlarY Utilites” cujo o objectivo é manter o disco rígido limpo permitindo assim elimina cookies, histórico de internet, conversas de MSN, analisar/corrigir ou eliminar chaves de registo e desinstalar softwares.

207. Com a detenção de tais softwares visava assim o arguido ocultar provas destruindo intencionalmente os ficheiros que fez download.

*

208. Os menores ofendidos apresentavam as características físicas correspondentes às suas idades, as quais o arguido conhecia considerando a relação de proximidade que mantinha com os mesmos na qualidade de seu treinador e considerando as equipas em que os mesmos se encontravam inseridos no âmbito dos treinos de futsal.

209. O arguido sabia que os factos descritos iriam perturbar, como perturbaram, o desenvolvimento afectivo, físico e emocional dos menores e que afectavam, de forma grave, a evolução e a construção das suas personalidades, conhecendo e não podendo ignorar a sua tenra idade.

210. De facto, as idades dos ofendidos, não lhes permitem aperceber-se da gravidade das condutas perpetradas pelo arguido, que, para impedir que estas viessem a narrar os factos de que foram vítimas, lhes pedia para não dizerem nada aos pais e os aliciava designadamente com refeições no “MacDonald”, subida de escalão de treino, assunção de posição de titular numa equipa, escolha de numero da camisola com que jogariam.

211. Ao proceder como procedeu o arguido sabia e queria satisfazer os seus instintos sexuais e libidinosos, conhecendo a idade dos menores e sabendo que as levava a sofrer actos que ofendiam a sua honra, dignidade moral e sexual.

212. Sabia ainda o arguido que ao praticar os descritos actos o fazia pondo em causa a sua autodeterminação sexual e desenvolvimento, resultado que quis com vista a dar satisfação ao seu instinto lascivo.

213. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, com a intenção de constranger as menores a suportar os seus comportamentos e de satisfazer os seus instintos sexuais e a sua lascívia, não obstante saber as idades das mesmas, ciente da reprovabilidade das suas condutas e do carácter sexual das mesmas, bem sabendo que ofendia a liberdade de autodeterminação sexual do mesmo.

214. O arguido aproveitou-se das suas funções de treinador de crianças para através das mesmas ganhar a confiança dos ofendidos e convence-los às práticas sexuais que sobre os mesmos empreendeu para satisfação da sua vontade lasciva.

215. O arguido sabia que por ser treinador dos menores ofendidos tinha uma relação de supra-ordenação para com os mesmos, aproveitando-se de tal circunstância para perpetrar as condutas delituosas contra os menores ofendidos.

216. O arguido detinha na sua posse uma imagem do próprio com bonecos colocados, na zona genital e bem assim três filmes, sendo os dois primeiros o resultado de um download feito na internet e o terceiro um vídeo obtido através de uma gravação de câmara de filmar realizada nos balneários em que os menores estavam o tomar banho e nus.

217. O arguido sabia e queria ao deter tais vídeos satisfazer o seu instinto lascivo e a sua libido sabendo que a detenção de tais ficheiros é proibida e punida por lei.

218. Mais sabia e queria o arguido que ao deter tais vídeos induz à exploração de criança para a realização dos vídeos em causa e à promoção dos abusos sexuais de que as mesmas foram vítimas.

219. O arguido conhecia a ilicitude das suas condutas, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e puníveis por lei, não se tendo coibido de as praticar.

220. O arguido demonstrou valoração crítica das suas condutas.

*

Factos inerentes à condição pessoal e personalidade do arguido

221. O arguido é o mais novo de dois irmãos, tendo crescido no seio de uma família estruturada.

222. O arguido mantinha um grupo de amigos estável, inseridos no mercado de trabalho, com os quais era usual conviver, tendo por hábito jantarem e conversarem em bares.

223. O arguido revela dificuldades no relacionamento com o sexo oposto, reportando padecer de ejaculação precoce e percepciona que o seu “pénis é pequeno” o que não satisfaz sexualmente as mulheres.

224. O arguido revela ser egocêntrico e impulsivo na tomada de decisões e revela, apesar de possuir as adequadas competências de comunicação e no relacionamento interpessoal, ser reservado no que se refere à sua intimidade, não partilhando com a família e amigos os seus assuntos/preocupações, mantendo mesmo algum distanciamento face à família no sentido de não interferirem na sua vida.

225. Apresenta ainda uma baixa autoestima, imaturidade e dificuldades na expressão emocional, que parecem comprometer a capacidade de manutenção de relações íntimas de igualdade/adultas.

226. À data da sua detenção trabalhava desde o dia 11.02.2013, como administrativo na PT/Comunicações auferindo entre 700 a 800 euros mensais.

227. Anteriormente estivera desempregado desde meados de Setembro de 2012, após a cessação do seu contrato de trabalho como administrativo no Banco ....

228. O arguido vivia com os pais.

229. Possui o 12º ano de escolaridade.

230. Após a sua prisão o arguido solicitou acompanhamento psicológico, o qual ainda mantém.

231. O arguido recebe no EP visitas dos pais e irmão, que mantêm disponibilidade para lhe prestar apoio.

*

Factos inerentes ao pedido de indemnização civil deduzido por ... e GG:

232. GG encontra-se a vivenciar elevados níveis de aflição e sofrimento, sentindo-se bombardeado por disparadores internos de tensão aos quais não consegue organizar, nem dirigir comportamentos com o objectivo de recuperar o seu equilíbrio.

233. Os estados de necessidade do GG não estão a ser experienciados de forma adequada, apresentando risco de sofrer episódios de desorganização, pois o desequilíbrio interno que experimenta é muito forte, podendo ser potencialmente disruptivo para a sua estrutura psíquica.

234. GG apresenta um nível de tensão interna muito elevado, devido a uma incapacidade de exteriorizar os seus comportamentos hostis, aumentando consequentemente o seu mal-estar e irritação internos.

235. GG evidencia diversos medos que são experienciados com elevada intensidade, nomeadamente: medo de se despir, medo de fazer coisas más, medo de que o possam separar dos seus pais e de que alguém fique bêbado ao pé de si, medo de dizer não a um adulto, medo de lhe dizerem para fazer uma coisa que não está certa, medo de pessoas despidas, entre outros.

236. O pai e a avó materna de GG haviam falecido anteriormente o que o arguido bem sabia, bem sabendo que o mesmo devida à perda do pai e da avó se encontrava numa situação de fragilidade emocional, aproveitando-se dessa fragilidade.

237. GG registou perda de rendimento escolar, passando mesmo a ter notas negativas.

238. GG em virtude dos factos supra descritos que tem tido acompanhamento médico nomeadamente de psicologia e pedopsiquiatria.

239. ..., mãe de GG sofreu um enorme desgosto e caiu numa tristeza profunda, o que também se reflectiu no estado do GG.

240. ... vive numa constante inquietação e preocupação com o filho.

241. No dia em que GG foi prestar declarações em Tribunal, ... sentiu-se mal e viu-se forçada a recorrer à urgência psiquiátrica do Hospital Garcia de Orta.

242. ... em virtude da situação do filho GG está a ter acompanhamento psiquiátrico e psicológico.

243. ... tem receio do impacto negativo que os acontecimentos a nível social e da comunicação social tenham sobre o filho.

244. ... despendeu com o GG as seguintes quantias:

a. Deslocação ao tribunal para inquirição do menor - € 3,96;

b. Deslocação para realização da perícia sexual - € 10,96;

c. Deslocação para a realização da perícia psicológica - € 38,96;

d. Consultas de Pedopsiquiatria - € 21,60;

e. Deslocação a consulta de pedopsiquiatria - € 18,96;

f. Deslocação do Hospital Garcia de Orta para realização de análises – 3,96.

245. GG tem igualmente gastos com medicamentos.

Relativamente ao não provado, foi consignado o seguinte:

1. O arguido pediu a BB para que este se despisse.

2. O arguido levou CC numa quarta ocasião à sua tenda onde lhe massajou o pénis e colocou o seu pénis na boca de CC.

3. O arguido, na terceira ocasião que levou o EE para a sua residência se despiu e masturbou-se.

4. O arguido quando pela segunda vez levou o EE para a sua tenda no Parque de Campismo do CCCA na Costa da Caparica, introduziu o dedo no ânus do EE.

5. O arguido após chegar do Algarve com o GG, conduziu à sua residência, levando-o para o quarto onde lhe disse para se despir e se deitar de barriga para baixo na cama, o que ofendido fez ficando de boxers.

6. Após o arguido retirou os boxers do ofendido e massajou-lhe o pénis fazendo movimentos para a frente e para trás, enquanto passava a boca pela cara do ofendido e mordiscava-lhe a orelha.

7. Após o arguido introduziu o dedo no ânus do ofendido, fazendo movimentos para a frente e para trás, o que lhe causou dor e em seguida o arguido lambeu o dedo.

8. O ofendido questionou o arguido sobre o que o mesmo estava a fazer tendo este respondido que era só uma massagem.

9. De seguida o arguido transportou o ofendido para casa, parando antes no “MacDonalds” de Corroios para jantar, mas o ofendido não comeu nada.

10. No caminho para casa do ofendido o arguido disse-lhe que o que acontecera entre os dois não era para contar a ninguém.

11. O arguido quando se encontrou com o HH no balneário enquanto este ainda era jogador no ... pediu ao HH que despisse toda a roupa, ficando a nu da cintura para baixo.

12. O arguido levou o II numa quarta ocasião para o balneário onde massajou o pénis do menor e introduziu o dedo no ânus do menor.

13. O arguido introduziu o dedo no ânus do II, enquanto este se encontrava no balneário do Pavilhão Manuel Cargaleiro, mais do que em duas ocasiões.

14. O arguido conduziu o II à sua residência numa quinta ocasião e nessa altura lhe introduziu o dedo no ânus e beijou-o na boca.

15. Os menores visualizados nos ficheiros de vídeo que o arguido detinha no seu computador e supra referidos, eram menores de catorze anos.

            2.2. Antes de definirmos e de nos debruçarmos sobre o objecto do presente recurso, vamos apreciar a questão da nulidade do acórdão suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta do Supremo Tribunal de Justiça no seu parecer.

            A este propósito alegou o seguinte:

            «O acórdão do Tribunal da Relação na decisão condenatória do arguido AA que profere, uma vez que procedeu a alterações da matéria de facto e alterou a qualificação jurídica relativamente a 10 dos “ofendidos”, limita-se não só a fazer estas referências sem indicar disposições legais e quais os crimes concretos e medida das penas mas também a indicar os pontos onde terá fundamentado a decisão e alguma das alterações.

                Não nos parece que esta “forma” de apresentar a decisão condenatória obedeça ao disposto na alínea b) do art. 374.º do CPP, pelo que suscitamos a nulidade da decisão que poderá ser conhecida e declarada oficiosamente nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1 al. a) do CPP».

            Vejamos:

            O apelo à «decisão condenatória do arguido» e às normas convocadas, designadamente à alínea a) do nº 1 do artº 379º do CPP, remete-nos inevitavelmente para arguição da nulidade do dispositivo do acórdão por não conter «a decisão condenatória».

            A crítica, no entanto, enquanto dirigida a esse segmento do acórdão não é, salvo o devido respeito, procedente.

            Como se vê do dispositivo, que transcrevemos em 1.2., não podem suscitar-se dúvidas sobre o exacto alcance da decisão final, quer quanto à alteração da decisão sobre a matéria de facto – que é, sem dúvida, a operada nos termos do «ponto A) 3.1.4.1, deste acórdão», incidente sobre o nº 28 dos factos provados (cfr. fls. 5280vº) –, quer quanto ao alcance da alteração da qualificação jurídica dos factos a que procedeu – que é, sem dúvida, a operada no ponto C)5 do acórdão (fls. 5292vº), ou seja, em síntese, a convolação dos casos que a 1ª Instância considerou constituírem um concurso efectivo de crimes para um crime «em trato sucessivo», p. e p. pelo nº 1 e/ou nº 2 do artº 171º do CPenal, como especifica em relação a cada um dos Ofendidos – quer quanto à medida concreta de cada uma das penas parcelares aplicadas em função da qualificação operada, como foi ponderado no ponto C)6 e concretizado no subsequente ponto C)6.1. (fls. 5295vº).  

            Contendo o dispositivo do acórdão uma decisão, no caso uma decisão inequivocamente condenatória, embora com remissão para itens da fundamentação cujos exactos termos também não permitem dúvidas, não vemos razão para decretar a sua nulidade.

            Improcede, assim, a arguição da invocada nulidade.

            2.3. O objecto do recurso

            São as conclusões que definem, em princípio, o objecto do recurso.

            Mas se é esse o espaço da motivação em que o recorrente tem de resumir as razões do pedido, como prescreve a parte final do nº 1 do artº 412º e se, nele, pode restringir o objecto inicial do recurso, já não pode aí ampliá-lo, como decorre dos nºs 2 e 4 do artº 635ºdo CPC.

            Posto isto, vejamos quais as razões do recurso que nos revelam as conclusões que deixámos transcritas.

            O Recorrente impugna por excessiva «a medida da pena aplicada» (conclusão 6); assinala a discrepância significativa «da medida concreta das penas» aplicadas no acórdão recorrido e num outro do Tribunal da Relação de Coimbra (conclusão 9); alega que a alteração da qualificação jurídica operada no acórdão recorrido impunha a «determinação da pena» em medida inferior (conclusão 10); conclui que o acórdão recorrido, «ao determinar a medida concreta da pena», violou as normas jurídicas que indica (conclusão 11).

            Invoca sempre «a pena», a «medida concreta da pena» (no singular) – o que, numa interpretação literal, significa que apenas visou a pena conjunta e que deixou de fora do objecto do recurso cada uma das penas parcelares, de medidas variáveis.

            Aliás, esta conclusão sai especialmente reforçada pela invocada discrepância com a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra de que apenas invoca a «pena única» que cominou. E ainda, e não com menor força argumentativa, a alegação de que se impunha a fixação da pena em medida inferior, porque «o [seu] limite máximo» sofreu uma redução significativa, “limite máximo” esse que, no contexto, só pode referir-se à soma das penas parcelares. Por outro lado, a referência às normas dos arts. 40º e 71º do CPenal em nada prejudica esta conclusão já que a pena conjunta é também determinada em função dos critérios gerais fornecidos por esses preceitos (para além do critério especial fornecido pelo 77º, nº 1, do mesmo Código).

            Foi de resto este o sentido captado tanto pela Senhora Procuradora-geral Adjunta do Tribunal da Relação – o Arguido pugna, «em síntese, pela redução da medida da pena única em que foi condenado», como refere logo no 1º parágrafo da resposta, fls. 5363 – como pela assistente PP – «o Recorrente vem alegar que a pena única aplicada … se afigura excessiva», como escreveu no início das «contra-alegações, fls. 5371.

                É, pois, a medida da pena conjunta a única questão a decidir.

           

            2.3.1. Como vimos, o Arguido foi condenado pela 1ª Instância, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 15 anos de prisão, respeitante à prática, «em autoria material e em concurso real» de 46 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artº 171º, nºs 1 e 2, do CPenal, e de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artº 176º, nº 4, do mesmo Código. 

            A mais elevada das penas parcelares é de 5 anos de prisão (por que o Arguido foi condenado por cada um dos 7 crimes de que foi vítima CC).

            A soma das penas parcelares atinge os 175 anos de prisão.

            O Tribunal da Relação, todavia, nos casos em que os Ofendidos foram objecto de repetidos abusos, afastou o concurso de crimes por, acolhendo a tese do Arguido, também aí recorrente, ter entendido que «a solução do trato sucessivo…é a… mais ajustada a situações como a presente». Só assim não procedeu relativamente ao ofendido II e a propósito dos factos dos nºs 114 e 115 que autonomizou em relação aos posteriores de que voltou a ser vítima (os dos nºs 116 a 130) por, entre a prática daqueles e destes, terem decorrido cerca de 5 anos.

            Por via dessa qualificação e correspondente punição de cada um dos crimes em trato sucessivo e da atenuação das penas parcelares aplicadas por cada um dos crimes «singulares», a mais elevada das penas parcelares passou para os 8 anos de prisão, aplicada à conduta de que foi vítima CC, enquanto a sua soma desceu para os 54 anos e 2 meses.

            A pena conjunta foi então fixada em 13 anos e 6 meses de prisão.

            Discordamos da qualificação dos plúrimos abusos sexuais sobre o mesmo ofendido como constitutivos de um crime de trato sucessivo.

                Não desconhecemos que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2012, Pº nº 862/11.6TAPFR.S1, citado no acórdão recorrido, tirado com o voto de vencido do primitivo Relator, num caso em que o aí Arguido foi condenado, na 1ª Instância, pela autoria, em concurso real, de diversos crimes de natureza sexual, decidiu que se estava aí perante crimes de trato sucessivo.

                Como aí se disse, «…quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem…

                «A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido…

                «O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque).

                «Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma…».

                E citou, a propósito, o Acórdão, também do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-01-2008, Proc. nº 4830/07-3ª que, repudiando a qualificação de três condutas criminosas do aí Arguido como constituindo um crime continuado, entendeu deverem as mesmas ser unificadas como crime de trato sucessivo, caracterizado «pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime».

                Todavia, já antes, no Acórdão de 12.07.2012, Pº nº 1718/02.9.JOLSB, ainda do Supremo Tribunal de Justiça, foi mantida a condenação do Arguido pelo concurso de vários crimes de natureza sexual se praticados com o mesmo ofendido.

                Aí se disse, além do mais, depois de exaustivo levantamento doutrinal, que o comportamento do Arguido evidenciava «uma persistente, e renovada, vontade de violar a lei e aviltar as vítimas e que, «em cada um dos actos sexuais praticados, e em relação a cada uma das vítimas, consumou-se uma decisão, uma opção de vontade, perfeitamente delimitada na sua autonomia em relação a todas as outras».

                E o acórdão de 12.06.2013, Pº nº 1291/10.4JDLSB, também citado em nota de rodapé no acórdão recorrido (nota 6, fls. 5292vº), embora tivesse mantido a subsunção das condutas a crimes de trato sucessivo, pois a questão não integrava o objecto do recurso, não deixou de anotar  que a decisão era, nesse ponto, «passível de gerar controvérsia» (sublinhamos), porquanto, (citando Paulo Pinto de Albuquerque em “Comentário do Código Penal”, 2ª edição, anotação 32 ao artº 30º, pág. 162) «sustenta-se … que se o resultado prático pretendido pelo legislador foi a supressão da benesse do crime continuado em caso de condutas contra bens eminentemente pessoais, também é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo, ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as acções. Tal ficção constituiria uma fraude ao propósito do legislador». De facto, refere o Acórdão, depois de uma inconsequente tentativa de alterar a figura do crime continuado, com a introdução de um nº 3 ao artigo 30º do CPenal pela Lei nº 52/2007, de 4 de Setembro que admitiu o crime continuado relativamente a crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, desde que que estivesse em causa a mesma vítima, com a Lei nº 20/2010, de 3 de Setembro, o legislador, ao suprimir o segmento então acrescentado, ditou a sentença de morte do crime continuado nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais. O crime continuado foi, então, excluído desse tipo de crimes, sem qualquer excepção, ficando restringido à violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais».

                Por sua vez, o voto de vencido exarado no citado Acórdão de 29.11.2012 vem fundamentado nos seguintes termos:

«A categoria de crime de trato sucessivo, a que a posição maioritária faz apelo, não vem, com essa designação, contemplada na lei…

O crime de trato sucessivo será reconduzível à figura do crime habitual, como refere Lobo Moutinho (Da unidade à pluralidade dos crimes no direito penal português, página 620, nota 1854).

Este autor, depois de definir o crime contínuo como o «crime cuja consumação se protrai mediante a prática de uma pluralidade de actos sucessivos (no sentido de praticados em imediata sequência temporal)», correspondendo «basicamente àquilo que Eduardo Correia chamou o crime único com pluralidade de actos», caracteriza assim o crime habitual:

«O crime habitual, no sentido que à expressão confere a actual legislação, é um crime em que a consumação se protrai no tempo (dura) por força da prática de uma multiplicidade de actos “reiterados”.

Que a persistência temporal na consumação se não dá mediante a prática de um só acto, mas de uma multiplicidade deles – eis o que distingue o crime habitual do crime permanente; que os actos que vão consumando o crime são, não sucessivos, mas reiterados – eis o que distingue o crime habitual do crime contínuo.

O ponto central da definição do crime habitual é, por isso, o que deve entender-se por “actos reiterados”.

É seguro que, por “actos reiterados”, se deve entender, pelo menos, a pluralidade de actos homogéneos. Actos diversos não são reiterados.

(…) apenas se pode admitir a “consumação por actos reiterados” (um crime habitual) em casos especiais – o mesmo é dizer, nos casos e termos em que isso é expressamente possibilitado pelo tipo de crime.

Na verdade, embora a caracterização legal não se esgote nisso, os “actos reiterados” são opostos, pela própria lei, aos “actos sucessivos” no sentido de praticados em acto seguido. Isso indica um certo distanciamento temporal – pelo menos suficiente para se não admitir a existência de um crime contínuo – o que faz o crime perder o cariz episódico, para passar a estruturar-se numa actividade que se vai verificando, multi-episodicamente, ao longo do tempo.

Mas se em relação a todos os crimes fosse de admitir esta forma habitual de perpetração, as restantes figuras a que nos referimos ficariam em crise, se é que lhes sobraria qualquer espaço de aplicação.

Assim se compreende que, como a doutrina indica, os crimes “habituais” (seja qual for o entendimento a dar à “habitualidade” do crime, o mesmo é dizer, à “reiteração” dos actos de que se compõe) correspondem a casos especiais em que a estrutura do facto criminoso se apresenta ou, pelo menos, pode apresentar mais complexa do que habitualmente sucede e se desdobra numa multiplicidade de actos semelhantes que se vão praticando ao longo do tempo, mediante intervalos entre eles. Exemplos apontados são o crime de maus-tratos e infracção às regras de segurança (art. 152º), o crime de lenocínio (art. 170º)».

Admite o autor outros casos, como o crime de tráfico de estupefacientes, que considera desdobrar-se ou poder desdobrar-se numa multiplicidade de actos semelhantes, «como claramente resulta da previsão da agravação por diversas circunstâncias, a começar pela da destinação ou entrega a “menores” ou da distribuição “por um grande número de pessoas” (art. 24º, nº 1, als. a) e b), do Dec.-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro)» (ob. cit., páginas 604-620).

Mais incisivo, Figueiredo Dias define crimes habituais como sendo «aqueles em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada», dando como exemplo os crimes de lenocínio e de aborto agravado do artº 141º, nº 2, do CP (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, página 314).

Não é, pois, a unidade de resolução que pode conferir a uma reiteração de actos homogéneos o cariz de crime de trato sucessivo, que se identifica com a categoria legal do crime habitual, mas somente a estrutura do respectivo tipo incriminador, que há-de supor a reiteração.

Parece claro que tanto os tipos de crime de abuso sexual de crianças e de abuso sexual de menores dependentes como o de violação não contemplam aquela «multiplicidade de actos semelhantes» que está implicada no crime habitual nem, por isso, a sua realização supõe um comportamento reiterado.

Cada um dos vários actos do arguido foi levado a cabo num diverso contexto situacional, necessariamente comandado por uma diversa resolução e traduziu-se numa autónoma lesão do bem jurídico protegido. Cada um desses actos não constituiu um momento ou parcela de um todo projectado nem um acto em que se tenha desdobrado uma actividade suposta no tipo, mas um “todo”, em si mesmo, um autónomo facto punível. Deve por isso entender-se que, referentemente a cada grupo de actos, existe, usando palavras de Figueiredo Dias, «pluralidade de sentidos de ilicitude típica» e, portanto, de crimes (ob. cit., página 989)».

                E o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-2014, Pº nº 595/12.6TASLV.E1.S1., num caso em que o Arguido ia condenado pelo concurso de vários crimes de abuso sexual de criança e de actos sexuais com adolescente e reivindicava a sua condenação pela prática de um crime de trato sucessivo de abuso sexual, considerando que «o crime de trato sucessivo, embora englobe a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea, é unificado pela mesma resolução criminosa, bastando a prática de qualquer das condutas para que fique preenchido o tipo legal de crime» concluiu que, no caso, havia uma pluralidade de resolução criminosa na produção do resultado que desencadeia e que se autonomiza como tal, pelo que inexistia crime de trato sucessivo.   

                Pela nossa parte aderimos a esta argumentação e à solução a que conduz.

                O Arguido cometeu, pois, em concurso real, os crimes especificados no dispositivo da decisão da 1ª Instância.

             

            Todavia, a alteração da qualificação no sentido que entendemos ser o correcto – isto é, repetindo, que o Arguido cometeu o concurso de crimes considerado pelo Tribunal da1ª Instância – reclamaria penas parcelares, pelo menos em bem maior número do que as consideradas pelo Tribunal da Relação, como se viu, e, por via do agravamento do correspondente somatório, uma pena conjunta mais elevada do que a cominada no acórdão recorrido – o que, traduzindo-se em reformatio in pejus, nos estaria vedado pela proibição estabelecida no artº 409º, nº 1 do CPP.

            Por isso, no julgamento do recurso, não podemos senão atender às penas parcelares (não impugnadas) e conjunta cominadas no acórdão recorrido em função das quais será julgado o mérito do recurso.

            2.3.2. Feito este esclarecimento, prossigamos no julgamento da única questão suscitada pelo Recorrente – a medida da pena conjunta.

            2.3.2.1. O acórdão recorrido justificou a pena aplicada nos seguintes termos:                 «7. E procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares, entre um mínimo de 8 anos e um máximo de 25 anos de prisão (artº 77º, nº 2 do CP), o lapso de tempo em que perdurou a conduta do arguido, o [e]levado número de ofendidos, a personalidade do arguido que revela como se observa no douto acórdão «uma tendência criminosa e precisamente para crimes desta natureza», entendemos por equitativa a pena única de 13 anos e 6 meses de prisão».

            Invocou o disposto nos arts. 40º e 71º, CPenal e, por adesão às considerações tecidas no acórdão da 1ª Instância:

            - considerou ser «elevadíssima» a culpa do Arguido («o arguido agiu sempre com dolo directo, aproveitando-se do ascendente sobre estes menores e da especial relação de proximidade e confiança dos menores e bem assim dos pais destes, não deixando de se anotar da fragilidade que algumas destas vitimas tinham, quer económica quer emocional como sucedia nomeadamente com o André Santos, facto que o próprio arguido reconheceu. Para além da confiança dos menores o arguido aproveitou-se também da confiança que os pais dos menores depositavam nele, confiando-lhes os filhos e permitissem que estes fossem a casa do arguido, por vezes a pedido do próprio arguido, para desse modo ficar a sós com os menores e levar a cabo os actos sexuais.

Acresce que o arguido enquanto treinador não podia deixar de saber que para estes menores constituía um exemplo, e ao invés de ser constituir um bom exemplo, afectou de forma grave o correcto desenvolvimento afectivo, psicológico e sexual destas crianças»;

                - discriminou o grau de ilicitude dos abusos sexuais de que foram vítimas os diversos Ofendidos, manifestamente agravada pela circunstância de «nas ocasiões em que manteve coito oral e anal o arguido nunca usou preservativo o que manifestamente agrava a ilicitude dos seus actos pois manifesta indiferença à possibilidade de os menores poderem contrair alguma doença, já para não falar na interiorização para estes menores de uma conduta sexual totalmente desprotegida;

                - consignou que, «a favor do arguido, apenas milita a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais, mas sem grande peso, já que tal mais não traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão» (sublinhado nosso);

            - reputou de elevadas as exigências de prevenção especial («A pedofilia é uma psicopatologia, uma perversão sexual com carácter compulsivo e obsessivo, na qual adultos, geralmente do sexo masculino, apresentam uma atracção sexual, exclusiva ou não, por crianças e adolescentes impúberes. Alguns autores consideram a pedofilia uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas) que ocorre em diversas psicopatologias.

(…) O pedófilo é um indivíduo aparentemente normal, inserido na sociedade. Costuma ser “uma pessoa acima de qualquer suspeita” aos olhos da sociedade, o que facilita a sua actuação. Geralmente age sem violência, actuado de forma sedutora, conquistando a confiança da criança, seduzindo-a muitas vezes com ofertas de bjectos ou dinheiro, e ameaçando-a veladamente a fim de garantir o seu silêncio”…

 “Nesta categoria inserem-se indíviduos com uma orientação sexual dirigida primariamente para crianças, sem interesse por adultos e com condutas compulsivas não despoletadas por situações de stress…. Recorrem a diversas estratégias de atração, tais como a simpatia pessoal, comportamentos infantis, sintonia com os interesses dos menores, prendas entre outros […]”.

Ora vista esta definição e descrição da personalidade do “pedófilo”, ela encaixa na personalidade demonstrada pelo arguido. Não lhe são conhecidas relações afectivas estáveis, não se relacionando afectiva e sexualmente com adultos, segundo justificou por “complexos com o seu órgão sexual e achar que o mesmo não satisfaz sexualmente uma mulher”. Mas o que verdadeiramente resulta da apurada actuação do arguido é que o mesmo não procurou adultos para com os mesmos satisfazer os seus desejos sexuais, procurando sim, crianças… As crianças, ao não exigirem condições completas de virilidade e de potência na relação, permitem que o pedófilo realize um ato sexual pobre e incompleto.

No que ao arguido respeita e ante a sua apurada conduta e personalidade, estamos perante a adopção de um comportamento típico de um abusador sexual de crianças, cujos comportamentos e linguagem aparentemente infantis, mais não são do que o modo de o mesmo atrair as suas vitimas, estabelecendo empatia com estas, ganhando a sua confiança, para por fim os seduzir sexualmente, aproveitando o seu privilegiado contacto com as crianças no âmbito da sua actividade de treinador de futsal, circunstância (o exercer uma actividade junto de crianças e merecedor da confiança dos pais), também ela comum nos abusadores sexuais de crianças…

Ante a personalidade demonstrada pelo arguido, mostram-se elevadas as exigências de prevenção especial e conhecidos os elevados índices de reincidência neste tipo de criminalidade, riscos que não se mostram para já diminuídos ante o facto de o arguido se mostrar disponível para se submeter a acompanhamento psicológico, nem bem assim perante o facto de o arguido ter demonstrado valoração critica da sua conduta» (sublinhado nosso).

            - qualificou também como elevadas as exigências de prevenção geral, «em ilícitos desta índole, máxime pela reprovação e repulsa social que provocam (Quando, como hoje, se assiste com uma frequência preocupante à violação dos mais sagrados sentimentos e direito à autodeterminação sexual e formação da personalidade de crianças indefesas, tantas vezes transformadas sem escrúpulo em meros instrumentos de satisfação libidinosa, não raro por actuação perversa e cobarde de quem, acobertado de uma estreita relação de confiança até com os pais dos menores e em regra, por isso, portador da sua inocente confiança, não hesita em violar essa inocente confiança, para satisfazer os seus desejos sexuais e de modo particularmente censurável, como sucedeu no caso concreto.

Por outro lado, ninguém dúvida que os actos em apreço constituíram um forte abalo no desenvolvimento afectivo e sexual de todos estes menores, cujas reais consequências provavelmente apenas se revelarão no futuro. “Todas as situações de abuso sexual deixam a sua marca, embora conscientemente isso seja mais provável depois dos 3 a 5 anos de idade, porque até essa idade é difícil manter uma memória viva da cena (...).

A marca que deixa varia na sua intensidade com vários factores: idade, sexo da criança, vulnerabilidades e competências psíquicas prévias, tipo de abuso, número de vezes, tempo decorrido entre o abuso, a sua revelação e início do acompanhamento psíquico.

Dessa forma, os sinais ou sintomas que provocam, são igualmente variáveis e podem ir desde as alterações de comportamento e de humor, queixas de sono ou alimentares, quebra de rendimento escolar, sintomas psicossomáticos como dores de cabeça ou abdominais, imitação de comportamentos com outras crianças (mais comuns nos mais novos) dificuldades de relação e de vida afectivo-sexual ( nos mais velhos), que também inclui a possibilidade de tornarem adolescentes abusadores (...).

Nenhuma situação de abuso pode ser literalmente esquecida ou varrida do funcionamento mental(...)”

E a prova do que se acaba de referir, mostra-se plasmado nos relatórios das perícias psicológicas em relação à maioria dos menores.

Não pode, pois, o sistema jurídico-penal dar outra resposta que não seja um inequívoco sinal de segurança e de reposição de confiança na norma jurídica violada, em particular aqueles que mais precisam dessa protecção: as crianças».

            2.3.2.2. Em defesa da sua pretensão o Recorrente alega, em síntese,

            a) que se impõe «uma diferente apreciação das necessidades de prevenção especial com correlativa repercussão na medida concertada pena», com fundamento

            a1) na omissão na decisão sobre a matéria de facto da ausência de antecedentes criminais e

            a2) nos factos dados como provados relativos à sua personalidade que, afirma, «sustentam um juízo de prognose favorável do recorrente e da sua ressocialização»;

            b) que a pena que lhe foi aplicada discrepa significativamente da pena conjunta decretada pelo Tribunal da Relação de Coimbra  no acórdão que identificou, com a consequente violação do «princípio da unidade do sistema jurídico» e do princípio da proporcionalidade, consagrados, respectivamente, nos arts. 8º, nº 3, do CCivil e 18º, nº 2, da CRP.

            Reclama, por isso, uma pena de medida inferior.

            2.3.2.3. Vejamos, para já, o quadro legal que rege sobre a matéria para, depois, confrontando estas críticas com a fundamentação do acórdão recorrido, podermos ajuizar do seu mérito.

            Nos termos do artº 77º, nº 1, do CPenal, a medida da pena conjunta é fixada em função dos critérios gerais da culpa e das exigências de prevenção estabelecidos nos arts. 40º, nº 1 e 71º, nº 1, do CPenal, a que acresce a necessidade de consideração do critério especial da 2ª parte do referido preceito. Ou seja, na medida da pena do concurso são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

            Como ensina Figueiredo Dias[1], no que vem sendo seguido, sem divergências, pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Cfr., dos mais recentes, os Acórdãos de 29.03.2012, Pº nº 316/07.5GBSTS.S1-3ª; de 26.04.2012, Pº nº 70/08.3ELSB.L1.S1-5ª; de 21.06.2012, Pº nº 778/06.8GAMAI.S1-5ª; de 05.07.2012, Pºs nºs 246/11.6SAGRD.S1 e 145/06.SPBBRG.S1; de 15.11.2012, Pº Nº 178/09.8PQPRT-A.P1.S1,de 14.03.2013, Pº nº 287/12.6TCLSB, de 30.04.2013, Pº nº 11/09.0GASTS.S1, de 13.05.2013, Pº nº 392/10.3PCCBR.C2.S1, de 06.03.2014, Pº nº 352/10.4PGOER.S1 e de 10.09.2014, Pº nº 232/10.4SMPRT.P1.S1, todos da 3ª Secção), o conjunto dos factos praticados indica-nos a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique; por sua vez, na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, só no primeiro caso se justificando atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. Relevo especial na operação terá ainda o juízo sobre o efeito previsível da pena no comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

            Ensina o mesmo Autor que os factores que intervieram na determinação de cada uma das penas parcelares não devem, por regra, ser de novo valorados na medida da pena conjunta, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração, salvo, naturalmente, quando esse factor seja referido, não a um dos crimes singulares, mas ao conjunto deles, porque, então, «não haverá razão para invocar a proibição da dupla valoração».           

            Ora, nos termos do artº 40º, nº 1, do CPenal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

            À culpa está reservado o papel de limite intransponível da medida da pena. Com efeito, como aí se diz, a pena em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa.

            Por sua vez, dispõe o nº 1 do artº 71º que a determinação da medida concreta da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E o número seguinte manda atender, para o efeito, a todas as circunstâncias – que enumera de forma exemplificativa nas suas diversas alíneas – que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele: os “factores de medida da pena”, como lhes chama Figueiredo Dias[2], os quais hão-de relevar naturalmente para efeitos da culpa e/ou da prevenção.

            Em síntese, continuando a seguir os ensinamentos do Mestre de quem a doutrina daqueles preceitos legais é tributária[3], «(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais», sendo estas que vão determinar, em última instância, a medida da pena.

            A medida da pena é, assim, à luz do direito vigente, função da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, traduzida na tutela das expectativas comunitárias na manutenção e reforço da validade da norma violada, a determinar em consonância com as circunstâncias do caso concreto, em face do modo de execução do crime, da motivação do agente, das consequências da sua conduta, etc.

            Por outro lado, do mesmo modo que o Estado usa do seu ius puniendi, também tem o dever de oferecer ao condenado o mínimo de condições para prevenir a reincidência, como desde logo impõe o artº 2º do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei 115/2009, de 15 de Outubro, nisso se traduzindo essencialmente as razões de prevenção especial (de socialização). Como nota Taipa de Carvalho[4], «a função da ressocialização não significa uma espécie de “lavagem ao cérebro”, … mas, sim e apenas, uma tentativa de interpelação e consequente auto-adesão do delinquente à indispensabilidade social dos valores essenciais (…) para a possibilitação da realização pessoal de todos e cada um dos membros da sociedade. Em síntese, significa uma prevenção da reincidência».

            Não pode, no entanto, escamotear-se, dentro das razões de prevenção especial, a função de dissuasão ou intimidação do delinquente (prevenção especial negativa) que, segundo o mesmo Autor, em nada é incompatível com a função de ressocialização, porque se trata, não de intimidar por intimidar, mas antes de uma dissuasão, através do sofrimento inerente à pena, «humanamente necessária para reforçar no delinquente o sentimento de necessidade de se auto-ressocializar, ou seja de não reincidir» (cfr., entre outros, os Acórdãos de 26.02 e de 10.09.2014, Pºs nºs 732/11.8GBSSB.L1.S1 e 232/10.4SMPRT.P1.S1, por nós subscritos).

            Pois bem.

            2.3.2.4. O Recorrente começa por alegar, como vimos, que o Tribunal a quo não valorizou devidamente a ausência de antecedentes criminais».

            De facto a ausência de antecedentes criminais não vem arrolada no elenco dos factos julgados provados pelo Tribunal da 1ª Instância, decisão que, como atrás dissemos, o Tribunal da Relação corroborou com excepção dos pontos que assinalámos.

            Mas consta da Motivação da mesma decisão, também transcrita a fls. 5276vº/5277 do acórdão recorrido, que, para prova dos factos relativos à condição pessoal e personalidade do arguido, relevou também o «c.r.c. para prova da ausência de antecedentes criminais».

            E, na verdade, o facto foi efectivamente considerado pelas instâncias no momento da determinação da medida da pena quando julgaram que «a favor do arguido apenas milita a circunstância de o mesmo não ter antecedentes criminais, mas sem grande peso, já que tal mais não traduz do que a conduta exigível a qualquer cidadão» (cfr. fls. 5294vº do acórdão recorrido).

            Julgamento esse – o da pouca relevância atenuativa do facto – que sufragamos por inteiro.

            Por outro lado, os factos que invoca relativos à sua personalidade – os arrolados sob os nºs 220 (O arguido demonstrou valoração critica das suas condutas), 222 (O arguido mantinha um grupo de amigos estável, inseridos no mercado de trabalho, com os quais era usual conviver, tendo por hábito jantarem e conversarem em bares), 226 (À data da sua detenção trabalhava desde o dia 11.02.2013, como administrativo na PT/Comunicações auferindo entre 700 a 800 euros mensais), 228 (O arguido vivia com os pais), 229 (Possui o 12º ano de escolaridade), 230 (Após a sua prisão o arguido solicitou acompanhamento psicológico, o qual ainda mantém) e 231 (arguido recebe no EP visitas dos pais e irmão, que mantêm disponibilidade para lhe prestar apoio) – não são, de facto, despiciendos. Mas foram ponderados no momento em que foi caracterizada a personalidade do pedófilo («o pedófilo é um indivíduo aparentemente normal, inserido na sociedade…) e com ela cotejada a sua própria personalidade, tal como é evidenciada pela sua conduta, e concluído, como vimos, que «ante a personalidade demonstrada pelo arguido, mostram-se elevadas as exigências de prevenção especial e conhecidos os elevados índices de reincidência  neste tipo de criminalidade, riscos que não se mostram para já diminuídos ante o facto de o arguido se mostrar disponível para se submeter a acompanhamento psicológico, nem bem assim perante o facto de o arguido ter demonstrado valoração crítica da sua conduta» (fls. 5295).

            De resto, o valor atenuativo das exigências de prevenção especial que esses factos têm sai como que anulado pelo teor dos também provados factos dos nºs 224 (O arguido revela ser egocêntrico e impulsivo na tomada de decisões e revela, apesar de possuir as adequadas competências de comunicação e no relacionamento interpessoal, ser reservado no que se refere à sua intimidade, não partilhando com a família e amigos os seus assuntos/preocupações, mantendo mesmo algum distanciamento face à família no sentido de não interferirem na sua vida) e 225 (Apresenta ainda uma baixa autoestima, imaturidade e dificuldades na expressão emocional, que parecem comprometer a capacidade de manutenção de relações íntimas de igualdade/adultas).

                E se «pedófilo» sofre de uma «parafilia», uma perversão, no sentido de que se sente eroticamente atraído de forma compulsiva e exclusiva por crianças, o que, sem lhe retirar lucidez, poderá atenuar a sua responsabilidade[5], são justamente os delinquentes onerados por qualquer tendência para o crime os mais perigosos, os mais necessitados de socialização e aqueles de que a sociedade tem de se defender mais fortemente[6].

            Por outro lado, relevando novamente em desfavor do Arguido, realçamos a dissintonia entre o seu alegado relacionamento familiar e social e o carácter sórdido do conjunto de factos que praticou, durante um período de tempo considerável – o que reclama um juízo de censura bem severo sobre os factos, por parte da sociedade em geral, identificada que continua a estar com a valoração que subjaz aos preceitos punitivos.

            Quanto à pretendida discrepância entre as penas cominadas no acórdão recorrido e num acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, basta-nos dizer, como disse a Senhora Procuradora-geral Adjunta do Tribunal recorrido que a questão só pode ser considerada «perante situações fácticas idênticas». Aliás, estando agora em causa uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, é a este que cabe a uniformização da jurisprudência e não aos tribunais da relação.   

            A alegação do Recorrente improcede, pois.

            Independentemente desta conclusão, consideramos que, face aos factos provados – designadamente a tendência do Arguido para este tipo de crimes, o elevado grau de culpa que, aliás, não contesta, as exigências de prevenção geral, muito elevadas, as fortes exigências de prevenção especial, tando de socialização como de dissuasão, pois não encontramos nos factos provados indicadores da pretendida «prognose favorável de regeneração do recorrente e da sua ressocialização» – e no quadro da qualificação jurídica feita pelo Tribunal da Relação, a pena aplicada é a adequada e proporcional à sua repetida conduta criminosa, insistentemente executada ao longo dos anos de 2011/2012, mas com episódios em 2007 (quando o Ivo tinha 6 anos de idade), em 2009 e início de 2013, e exercida sobre 13 Ofendidos.

            Por isso, confirmamos a pena cominada no acórdão recorrido.

***

            2.4. Duas notas finais, todavia sem qualquer reflexo na decisão acabada de tomar:

            2.4.1. Vimos atrás que a ausência de antecedentes criminais não foi arrolada no elenco dos factos julgados.

            O certificado do registo criminal, porém, é o documento que faz prova plena sobre os antecedentes criminais de qualquer cidadão.

            Ora, considerando as circunstâncias que referimos atrás, em 2.3.2.4., concluímos que a omissão da ausência de antecedentes criminais do Arguido no rol dos factos provados só pode ter ficado a dever-se a mero lapso.

            Como tal, é, agora, corrigido ao abrigo do disposto nos nºs 1, alínea b), e 2, do artº 379º do CPP»

            Consequentemente, aditamos ao elenco dos factos provados, sob o nº 231-A, que o Arguido não tem antecedentes criminais.

            2.4.2. Por outro lado, a Senhora Procuradora-geral Adjunta disse, no seu parecer, «não…perceber porque nas diversas condenações pelo crime de abuso sexual de criança p. e p. pelo artº 171º, nº 1 e/ou 2 é sempre acrescentado ser crime agravado, parecendo-[lhe]  que é confundido agravação com qualificação, pois não é fundamentada nenhuma agravação».

            O crime do nº 1 do artº 171º do CPenal refere-se a actos sexuais de relevo; o nº 2 agravou a punição aí prevista em função dos específicos «actos sexuais de relevo» que descreve. Quando assim acontece, quando, partindo de um crime simples, fundamental, o legislador lhe acrescenta elementos, respeitantes à ilicitude (como no caso) que agravam a pena estamos perante um crime dito qualificado[7].

            Não vemos, por isso, razão, para qualquer correcção neste domínio.

            3. Dispositivo

            Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

            3.1. julgar improcedente a arguição da nulidade do acórdão tal como suscitada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta;

            3.2. alterar a qualificação dos factos no sentido definido pelo Tribunal da 1ª Instância;  

3.2. julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA;

3.3. aditar ao rol do factos provados um novo facto, sob o nº 231-A, com o seguinte conteúdo: «o Arguido não tem antecedentes criminais»;

3.4. não alterar, no mais, o acórdão recorrido.               

            Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s.

***

            Proceda ao ordenado aditamento.

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                                                                                                        Lisboa,

            Processado e revisto pelo Relator

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[1]  Cfr. “… As Consequências Jurídicas do Crime”, (1993), 291

[2] ob. cit. 232
[3] Cfr. o seu “Direito Penal – Parte Geral”, Tomo I, 2ª edição, 81 e 84.
[4] Cfr “Direito Penal, Parte Geral – Questões Fundamentais”, 83 e 84.
[5] cfr. Júlio Machado Vaz em entrevista à “Visão”, de 20.11.03, 17 e segs.
[6] Cfr. Figueiredo Dias, ob cit. na nota 4, 518.
[7] cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, I (1968), 309 e Figueiredo Dias, ob. cit. na nota 4, 313.