Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1/10.0TVPRT.P1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
GESTÃO DE CARTEIRA DE TÍTULOS
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
REMUNERAÇÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O contrato de gestão de carteira é o celebrado entre um intermediário financeiro (gestor) e um investidor (cliente) através do qual este, mediante retribuição, confia aquele a administração de um património financeiro de que é titular com vista a incrementar a respetiva rentabilidade. Trata-se de contrato que vai endereçado fundamentalmente ao desenvolvimento de uma atividade complexa de administração de bens alheios levada a cabo por um intermediário financeiro, por conta e no interesse do cliente (objeto imediato), que incide sobre “uma carteira individualizada de instrumentos financeiros” (objeto mediato).

II. O contrato de gestão de carteira é fonte de um conjunto de direitos e deveres diversos para ambas as partes, designadamente, do lado do gestor, avultam as obrigações de execução diligente da prestação gestória, que se configura como uma mera obrigação de meios e não de resultado, de acatamento das instruções do cliente, de prestação de informação mínima e obtenção de informação junto do cliente por forma a realizar o juízo da adequação das operações de gestão, de envio de um extrato periódico sobre a composição, saldo e movimentos de gestão de carteira e de observância de regras especiais em caso de subcontratação. Do lado do cliente, avulta a obrigação de remuneração, que tanto pode abranger em sentido amplo as remunerações principais - que representam a contrapartida da atividade nuclear de gestão de carteira propriamente dita (a chamada “comissão de gestão”) - como as remunerações acessórias - que visam corresponder a determinados serviços complementares ou conexos.

III. O objetivo essencial da atividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude.

IV. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa).

V. Para que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, é necessário demonstrar o facto ilícito (traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se presumindo, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

1. AA e BB vieram propor a presente ação a seguir a forma de processo ordinário contra os réus, Banco 1..., S.A., BPN - SGPS, S.A., S..., SGPS, SA, PLÊIADE - Investimentos e Participações, SGPS, S.A., e C. N. E. - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, S.A., alegando que por conselho de CC, funcionário do BPN que já antes conheciam por ter sido funcionário de outro banco de que eram clientes, aceitaram abrir contas à ordem no referido Banco, para onde transferiram parte do seu dinheiro passando, desde então o referido funcionário a deslocar-se a casa dos autores onde recolhia assinaturas, levantava dinheiro para depósito e dava conta dos investimentos feitos.

Dada a confiança que nele depositavam e os anos de relação bancária que tiveram por intermédio do mesmo neste e noutro banco, aceitaram investir algumas das suas poupanças num fundo imobiliário, depósitos a prazo e outras aplicações financeiras que o referido funcionário recomendava e que sempre se revelaram rentáveis e seguros até  que, em 2008, sem que nenhum dos autores o tivesse ordenado, o referido funcionário resgatou as unidades de participação que ambos tinham num fundo imobiliário e comprou papel comercial da CNE em nome do autor marido no valor de 650.000,00€ e em nome da autora mulher o valor de 100.000,00€.

Alegam que só posteriormente o referido funcionário lhe comunicou tais operações dizendo tratar-se de um produto novo do BPN sem qualquer risco no reembolso do capital e no pagamento dos juros, que se venceria em 22.2.2009.

Mais aconselhou os autores, então, a investir noutro produto similar que o Banco iria ter à disposição no final de fevereiro de 2008, garantindo tratar-se também de aplicação sem riscos.

Em consequência o autor marido aceitou investir 50.156,00€ em Papel Comercial ..., não sabendo nem lhe tendo sido explicado o tipo de produto em causa.

Após as notícias da nacionalização do Banco o autor marido teria questionado o funcionário em causa sobre o risco de não reembolso do capital investido pelos autores tendo sido tranquilizado que estava garantido pelo banco o pagamento do capital e dos juros como se de um depósito a prazo se tratasse.

Alegam ainda que aquando do vencimento do referido papel comercial em 22.2.2009 o Banco nada creditou aos autores e que até maio desse ano, em diferentes datas, creditou 14.791,226, 14.768,006, 2.275,006, 58,006 e 2.272,006 nada mais tendo sido pago até hoje.

Sustentam que são investidores não qualificados e que não foram devidamente informados sobre os produtos recomendados e aplicados pelo Banco, que este sempre soube que preferiam investimentos seguros do tipo de depósitos a prazo e que os investimentos feitos foram de risco e sem o seu prévio aconselhamento e autorização.

Alegam também as relações de domínio/grupo entre as várias rés para justificar a sua demanda conjunta e o prévio conhecimento, por parte de todas, do risco inerente ao papel comercial CNE, dada a situação desta empresa do grupo que apenas internamente era conhecida.

Pedem o pagamento dos valores que lhes deviam ter sido creditados em 22.2.2009, acrescidos de juros vencidos num total pedido de 785.263,206.

2. Regularmente citadas, as rés contestaram impugnando os factos alegados pelos autores como causa de pedir.

3. Por força de sucessivas declarações de insolvência das rés, S..., SGPS, SA, PLÊIADE - Investimentos e Participações, SGPS, S.A. e C. N. E. - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, S.A, e a desistência do pedido quanto à ré BPN SGPS, SA., importa relevar apenas a defesa apresentada pelo único réu contra quem a ação prossegue.

4. O réu Banco BIC Português, SA. alega que o autor marido tinha conhecimentos sobre aplicações e produtos financeiros muito superiores ao comum, que o Banco não previu nem tinha como prever o que viria a suceder com a emitente do papel comercial em causa (facto a que se diz alheio e inteiramente decorrente de posterior decisão de nacionalização do Banco), que a venda deste nos seus balcões foi decisão da S..., SGPS, SA que detinha 100% do seu capital e que o funcionário do réu que fez as aquisições em nome dos autores agiu em estrito cumprimento das ordens deste. Sustenta que os autores sempre lhe deram “carta branca” para aplicar o seu dinheiro privilegiando a rentabilidade sem descurar a segurança. Defende, ainda, que o papel comercial CNE revestia tais características, quer por força do sucesso das emissões anteriores quer por se tratar de empresa do mesmo grupo do Banco que revelava, à data, solidez. Finalmente alega ter sido previamente prestada aos autores toda a informação necessária à tomada de decisão de aquisição relativa ao produto e entidade emitente e que os mesmos mantiveram sempre tal papel comercial jamais tendo pretendido vender tais títulos.

5. Os autores apresentaram réplica.

6. Foi proferido despacho saneador e ordenada a apensação aos autos do processo 170/11.... para efeitos de julgamento conjunto bem como reformulado o despacho saneador em função de algumas reclamações e junção de documentos.

7. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar aos Autores a quantia de 750.000,00€, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 12.6.2009 e até efetivo e integral pagamento.

8. Inconformado, apelou o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., tendo o Tribunal a quo conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi consignado: “Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelo réu “Banco BIC Português, SA” e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.”

9. Inconformado com o proferido acórdão, o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. interpôs revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. A matéria descrita sob os nºs 103 e 104 no douto acórdão recorrido é manifestamente conclusiva, já que consubstancia juízos comparativos sobre o valor, segurança e risco de diversos produtos financeiros, que assim surgem graduados uns relativamente a outros, tal como sucedeu e foi julgado quanto á matéria descrita sob o nº 105.

2. Todos esses juízos comparativos surgem abrangidos ”encobertos” por uma declarada convicção dos autores e da testemunha CC, convicção essa que é dada como certa e verdadeira.

3. Tal matéria factual deverá, pois, ser dada como não escrita, já que sobre ela o tribunal se não deveria ter pronunciado, detendo o Supremo Tribunal de Justiça competência para proferir tal decisão uma vez que está violada regra relativa ao direito probatório material.

4. O douto acórdão recorrido, não obstante a transcrição de diversas disposições do CVM, não indica concretamente nenhum dever de informação que tenha sido infringido pelo banco recorrente na sua relação com os autores.

5. Tanto mais que mantendo-se da redacção anterior os normativos do art. 7º e 304º do CVM como princípios norteadores do regime de informação a prestar pelos intermediários financeiros, eles foram objecto de concretização e desenvolvimento nos seus arts 31 nº al a) 2 e 312-E, no que toca a deveres de informação relativos a instrumentos financeiros.

6. E relativamente a tais deveres de informação sobre instrumentos financeiros, o legislador fala concretamente nos riscos especiais que eles envolvem, deixando de lado, e compreensivelmente, os riscos gerais inerentes a todos os produtos financeiros, designadamente o risco geral de insolvência da entidade emitente.

7. Não obstante o funcionário do banco CC não ter previamente informado os autores da aplicação que, respeitando o seu perfil como investidor, tencionava fazer no seu (dos autores) interesse, a verdade é que o fez em momento posterior, sem que os autores manifestassem desejo ou vontade de descartarem dos produtos que o banco havia adquirido para a sua conta.

8. Mantendo a titularidade de tais produtos e recebendo os rendimentos mais vantajosos que esses produtos geravam e proporcionavam.

9. Essa conduta deverá ter-se como reconhecimento e aceitação da aquisição do Papel Comercial CNE que para si haviam sido adquiridos.

10. O produto Papel Comercial é substantivamente idêntico às Obrigações, já que é emitido por contrapartida a um empréstimo feito à entidade emitente, conferindo ao seu titular um crédito sobre ela, quer quanto ao capital investido, quer quanto aos juros anunciados.

11. O risco do Papel Comercial deverá até ser tido como menor do que o risco associado às Obrigações em função do prazo mais curto por que têm que ser emitidos, e que não poderá ultrapassar um ano.

12. Daqui decorre, portanto, que o Papel Comercial, até à crise financeira ocorrida no segundo semestre de 2008, e até á nacionalização do então BPN em Novembro de 2008, era um produto tido como seguro e praticamente sem risco, com garantia de reembolso do capital investido.

13. No caso de Papel Comercial da CNE acresce ainda que em causa estava, no caso dos presentes autos, a sua 10ª Emissão, e que todas as que a antecederam foram liquidadas pontualmente pela entidade emitente, e nas datas da sua maturidade.

14. Não foi, pois, violado pelo banco recorrente qualquer dever de informação relevante a que estivesse obrigado perante os autores.

Por outro lado,

15. Não vem provada a verificação no caso dos presentes autos de nexo de causalidade adequada entre essa pretensa violação do dever de informação, caso tivesse existido, e a subscrição do dito Papel Comercial CNE que esteve na base do prejuízo sofrido pelos autores.

Pelo contrário …

16. Como dito acima, nas circunstâncias à data existentes, e que eram do seu conhecimento, os autores deram a sua concordância à aquisição do papel comercial CNE, concordância essa que, muito embora posterior a essa aquisição, não deixa de ser uma concordância e aceitação da transacção efectuada.

17. O que de todo inviabiliza a utilização, no caso dos presentes autos, de regras de experiência comum, dado conhecer-se no concreto a vontade real dos autores, ainda que expressa em momento posterior à data da aquisição do produto em questão.

18. Ainda que, por hipótese meramente académica, se entendesse terem os autores direito, em princípio, a ser indemnizados por se verificar a existência da ilicitude do comportamento do banco recorrente e ainda o nexo de causalidade entre esse comportamento e o dano sofrido pelos autores, sempre seria de entender que o exercício de tal direito por parte deles seria abusivo à luz do disposto no art. 334 do CCivil.

19. Já que, tendo aceitado para todos os efeitos, sem ressalvas, a aquisição do produto em causa – Papel Comercial CNE – e beneficiando por isso da acrescida rentabilidade que o mesmo proporcionou, seria eticamente reprovável que, perante o incumprimento do reembolso do capital investido, lance mão de uma violação do dever de informação já ultrapassada para renegar um investimento com o qual se haviam conformado.

20. O douto acórdão recorrido violou, por errada interpretação e aplicação, as normas dos arts. 668º nº 1 al d), ex vi do art. 716º nº 1 do CPC, bem como as dos arts. 334º, 563º, 573º, todos do CCivil e, finalmente, dos arts. 312 nº 1 e 312-E, ambos do CVM.

Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exºs doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser julgado provado e procedente, com a consequente revogação do douto acórdão recorrido. Assim se fará ... JUSTIÇA!”

10. Os Recorridos/Autores/AA e BB apresentaram contra-alegações.

11. Remetidos os autos à Formação, foi admitida a revista excecional.

12. Entretanto, foram os autos suspensos até ao trânsito em julgado dos autos pendentes para uniformização de jurisprudência, atinente à responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.

13. Os autos para uniformização de jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros (Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A.) já transitaram em julgado.

14. Foram dispensados os vistos.

15. Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o Banco, réu, outrossim, ao reconhecer a responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, julgando verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

1. O Autor marido é licenciado em medicina, exercendo essa actividade há mais de 30 anos no sector público e privado e não tendo outra profissão ou modo de vida.

2. A Autora mulher é doméstica tendo exercido actividade de escritório durante alguns anos até ao momento em que, por força de acidente, foi considerada incapaz por invalidez.

3. Desde então, só cuidou da casa e dos filhos enquanto tal foi necessário e até estes adquirirem autonomia e independência.

4. O agregado familiar, especialmente depois da incapacidade que sobreveio à Autora, sempre foi sustentado pelos rendimentos auferidos pelo Autor marido.

5. Pelo facto de a Autora ter exercido actividade profissional durante poucos anos e ter ficado invisual, os Autores curaram de aforrar quantia que lhes permitisse fazer face a uma qualquer fatalidade, designadamente pela falta ou limitação de ganho que pudesse sobrevir ao Autor.

6. Daí que foram constituindo poupanças que depositaram em bancos e que estiveram aplicadas em produtos seguros, porque sem risco de perda de capital ou de flutuação de taxas de juro.

7. Máxime depósitos a prazo ou produtos que lhes diziam ser equivalentes.

8. Até há cerca de 6 anos - tendo por referência a data da propositura da acção -, os Autores tinham a maior parte das suas poupanças depositadas no Banco Internacional de Crédito, SA, na ....

9. Durante grande parte do período em que os Autores foram clientes desse banco e agência eram dois funcionários, um de nome CC e outro DD, que tratavam dos assuntos que diziam respeito à sua conta bancária.

10. Há cerca de 8 anos, o referido CC passou a prestar o seu trabalho para o BPN- Banco Português de Negócios, SA, numa agência sita na cidade ....

11. Passado algum tempo, o CC sugeriu aos Autores que abrissem conta nesse Banco.

12. Solicitação a que os Autores anuíram, porquanto conheciam o CC e o tinham por pessoa de confiança, assim como nada tinham ou sabiam em desabono do BPN - Banco Português de Negócios, SA.

13. Foi nessa circunstância que, em data situada no ano de 2003, os Autores se tornaram clientes da 1ª Ré.

14. No âmbito dos contratos referidos em S) e na sua execução, o BPN - Banco Português de Negócios, SA, atribuiu aos Autores um número de cliente: ao Autor marido o número ...72 e à Autora mulher o número ...19.

15. Abriu nos seus registos de escrita mercantil uma conta de depósitos à ordem e de títulos em nome de cada um deles, com os n°s  ...01 e  ...01.

16. E foi abrindo - à medida que pelos Autores foram sendo constituídos diversos "depósitos a prazo" - sucessivas contas assim designadas, tendo todas elas como número de referência os mesmos oito dígitos da conta à ordem e de títulos - ... - e, além deles, o número 20, indicativo de se tratar de um depósito a prazo.

17. Sendo que os três últimos dígitos de cada "depósito a prazo" eram os correspondentes, por ordem sequencial, ao número de tais depósitos constituídos por cada um dos autores desde o início da relação banco/cliente entre eles estabelecida.

18. A assinatura de toda a documentação necessária para essa abertura das contas -fichas de assinaturas, entre outras - e a assinatura de toda a documentação necessária para movimentação das contas posteriormente - requisição de cheques, entrega de módulo de cheques, depósito de valores - foi sempre efectuada na residência dos Autores.

19. Era o referido CC, empregado do BPN - Banco Português de Negócios, SA que se deslocava à residência dos Autores para colher deles as assinaturas nos documentos que dizia que necessitava para os movimentos pretendidos efectuar.

20. E para ir buscar o dinheiro e os cheques que aqueles queriam depositar nas suas contas bancárias, enviando-lhes depois os documentos comprovativos pelo correio.

21. Tal prática - deslocação à residência dos Autores para tratar dos assuntos bancários - foi implementada pelo referido CC por sua própria e livre iniciativa, por cortesia.

22. Os Autores, até ao ano de 2009, nunca tinham entrado em qualquer agência do banco 1º Réu e não sabiam sequer em que agência ou departamento concreto é que o referido CC trabalhava, sabendo apenas que se localizava na cidade ....

23. Nos extractos das contas que os Autores tinham em seu nome constava o nome de outros funcionários diversos do referido CC como gestores das suas contas que, até 2009, os Autores não conheciam.

24. E que jamais os tinham contactado ou sido por eles contactados.

25. A única pessoa que em nome do BPN - Banco Português de Negócios, SA os contactou até 2009 e a única pessoa que contactavam quando pretendiam algo daquele Réu era o funcionário deste, CC.

26. Que era quem geria as suas contas acima identificadas e todos os valores lá depositados ou subscritos.

27. O que era sabido pelo BPN - Banco Português de Negócios, SA que de tanto o tinha encarregado no seu próprio interesse.

28. Seguindo a proposta, conselho e recomendação do BPN - Banco Português de Negócios, SA, através do referido funcionário CC, o Autor marido aplicou em 4/06/2003 cerca de €40.000,00 num fundo imobiliário BPN - Banco Português de Negócios, SA, chamado Fundo de Investimento BPN, Imonegócios, subscrevendo 7.050 unidades de participação.

29. Aplicação essa que o referido funcionário CC lhe garantiu ser tão segura como um depósito a prazo, quer quanto ao capital, pois o fundo pertencia ao Banco, quer quanto ao juro por assegurar uma rendibilidade um pouco superior à resultante das taxas que o BPN - Banco Português de Negócios, SA praticava para os depósitos a prazo.

30. Em 10/03/2004, o Autor marido constituiu no BPN - Banco Português de Negócios, SA uma aplicação financeira com o n° ...72, por débito da sua conta de depósitos à ordem com o mesmo número, no montante de €1.039.000,00, com início naquela data e vencimento no dia 15 de Setembro de 2004, com a taxa de rendibilidade líquida de 3% e o rendimento líquido de €16.364,25.

31. Tendo sido informado que tal produto era oferecido pelo BPN - Banco Português de Negócios, SA para montantes elevados, equivalente a um depósito a prazo com capital e juro líquido garantido.

32. No princípio de Junho de 2004 tinha já o Autor marido constituído no BPN -Banco Português de Negócios, SA um depósito a prazo com o n° ...01 no valor de €8.580,00, com vencimento em 15/09/2004, à taxa de juro ilíquida de 3,2% ao ano.

33. O Autor marido foi renovando aquela aplicação financeira designadamente em 15/9/04, 18/1/05, 31/5/05 e 4/1/06 por prazos, taxas de juros e montantes variáveis.

34. Sendo a última renovação de €610.000,00, a qual se manteve no Banco Io Réu até ao dia 4/5/2006.

35. Por proposta, conselho e recomendação do funcionário CC, em 19/1/2005 o Autor marido aplicou €11.466,77 no fundo imobiliário referido em 29), subscrevendo 1.880 unidades de participação.

36. E em 17/6/2005 aplicou mais €562.581,89 no mesmo fundo, subscrevendo 91.207 unidades de participação, ficando a partir daí com 100.137 unidades desse fundo.

37. Aqueles €562.581,89 foram a adição de um depósito a prazo de €50.000,00 e de parte da aplicação financeira de €1.100.000,00 que o Autor marido possuía no Banco Io Réu e que se venceram nessa data de 31/5/2005.

38. O Autor marido manteve até 4/5/2006 a referida aplicação financeira com capital e taxa líquida garantidos.

39. E teve, até 6/2/2008, poupanças aplicadas no Fundo Imobiliário referido em 28, as quais tinham em 6/2/2008 o valor de €682.673,98.

40. A Autora mulher, desde a abertura da conta no BPN - Banco Português de Negócios, SA transferiu de outras instituições e foi depositando na sua conta de depósitos à ordem n°  ...01 dinheiros que possuía.

41. E confiando nas propostas, conselhos e até recomendações do funcionário CC, aplicou-os no mesmo fundo imobiliário do BPN - Banco Português de Negócios, SA que aquele recomendou à mesma e ao seu marido.

42. Por acreditar que se tratava de um investimento seguro em capital e em juros, com uma taxa de juro superior às dos depósitos a prazo.

43. Para tanto, aplicou em 11/6/2003, 6.995,79€.

44. Em 11/8/2003 e €47.876,09.

45. Em 15/9/2004 - o mesmo dia em que se venceu um D/P de €6.000,00 que a Autora possuía - aplicou o valor de €5.913,47 nessas participações.

46. E em 16/2/2005, €10.124,32.

47. E em 3/1/2006, €26.998,08.

48. Em 3/1/2006, a Autora detinha 16.523 unidades de participação no valor de €97.907,75.

49. Algumas delas efectuadas quando do vencimento de depósitos a prazo que a Autora tinha constituído no BPN - Banco Português de Negócios, SA.

50. Parte das poupanças que a Autora transferiu para o BPN - Banco Português de Negócios, SA, foram produto de uma indemnização que a Autora havia recebido em compensação dos danos que sofreu no acidente de viação em que perdeu parcialmente a visão.

51. Há cerca de dez anos, reportados à data de propositura da acção, a Autora a perdeu a totalidade da visão.

52. Tal compensação foi recebida em 1974, no valor de 2.000 000$.

53. A Autora nunca havia gasto essa quantia que estava acrescida de juros que se foram capitalizando.

54. O referido funcionário sabia que os Autores não pretendiam aplicar as suas poupanças em produtos que não lhes assegurassem o reembolso do capital e a fruição de um juro certo, ainda que pequeno.

55.  E por isso os Autores não movimentavam aquelas suas contas de depósitos à ordem a não ser para através delas aplicarem as poupanças e receberem os juros, capitalizando-os.

56.  A partir de 4/5/2006 e até 6/2/2008 a Autora mulher manteve, por proposta, conselho e recomendação do CC, as suas poupanças aplicadas no Fundo Imobiliário referido em 41), com o valor de €112.643,90 (em 06-02-2008).

57.  No dia 6/2/2008, o BPN, Banco Português de Negócios, SA resgatou as unidades de participação que cada um dos Autores tinha no fundo imobiliário referido em 28 e 41.

58.  Em 13 desse mês de Fevereiro foi creditada na conta D/O do Autor marido a quantia de €682.673,98 e na conta da Autora mulher a quantia de €112.643,9.

59.  No mesmo dia 13/2/2008, o BPN, Banco Português de Negócios, SA creditou aquele montante de €682.673,98 na conta número  ...0, constituindo dois depósitos a prazo nos valores de €650.000,00 e de €32.670,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.

60.  O que fez sem ordem e sem, sequer, o conhecimento dos Autores.

61. Creditando o montante de €112.643,90 na conta n°  ...01, no mesmo dia 13/2/2008 o Banco Io Réu constituiu, por contrapartida do débito dessa conta, dois depósitos a prazo nos valores de €100.000,00 e de €12.640,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.

62.  O que também fez sem ordem e sem o conhecimento dos Autores.

63.  Vencido o depósito a prazo de €650.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o BPN, Banco Português de Negócios, SA comprou em nome do Autor €650.000,00 de papel comercial da CNE.

64.  Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem do Autor.

65.  Compra e débito que ocorreram sem que o Autor os tivesse previamente ordenado ou conhecido.

66.  Vencido o depósito a prazo de €100.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o BPN, Banco Português de Negócios, SA comprou em nome da Autora €100.000,00 de papel comercial da CNE.

67.  Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem da Autora.

68.  Compra e débito que ocorreram sem que a Autora os tivesse previamente ordenado ou conhecido.

69.  O Banco Io Réu através do seu funcionário CC, só posteriormente fez saber ao Autor marido das operações que havia efectuado em ambas as contas, referidas em 57 a 67.

70.  Informando-o que o tinha feito no interesse dos Autores.

71.  Dizendo-lhe que se tratava de um produto novo do BPN para investimento, com garantia de reembolso do capital aplicado e do pagamento de juros.

72.  E que os juros eram superiores aos dos depósitos a prazo e aos que o fundo imobiliário, em que os Autores participavam, vinha rendendo.

73.  Bem como lhes disse que o valor do capital e dos juros lhe seria pago no dia 22 de Fevereiro de 2009.

74.  O referido CC disse, ainda, ao Autor marido que lhe propunha, aconselhava e recomendava o investimento num produto similar que o Banco Io Réu iria ter à disposição dos clientes no final do mês de Fevereiro de 2008.

75.  Garantindo-lhe tratar-se do mesmo tipo de aplicação sem qualquer risco.

76.  Aplicações essas que, segundo o referido CC informou o Autor, estavam a ser propiciadas por instruções dos seus superiores hierárquicos e lhes garantiam uma rentabilidade melhorada e sem risco.

77.  Por isso, o Autor marido, no dia 28/02/2008 depositou na sua conta de depósitos à ordem n°  ...01, €50.000,00 e, seguindo os conselhos e recomendações dadas pelo funcionário CC, aplicou-os nesse outro produto.

78.  Tendo o BPN, Banco Português de Negócios, SA, comprado, em nome e para o Autor, Papel Comercial ... no valor de €50.156,00.

79.  Nenhuma outra informação foi dada ao Autores sobre o que eram esses produtos, nem lhes foi dito que se tratava de papel comercial.

80.  Os Autores não sabiam o que era papel comercial.

81.  Não lhes foi explicado o que era nem lhes foi entregue ou facultado qualquer documento que o identificasse ou explicitasse - brochura, nota informativa ou outro.

82.  Os Autores jamais haviam comprado ou possuído qualquer papel comercial.

83.  Não estavam familiarizados com aplicações e investimentos em bolsa e/ou em valores mobiliários.

84.  Não conhecendo os conceitos e os pormenores concretos, em que se desenvolvem essas actividades económicas e bancárias.

85.  Em Novembro de 2008, quando veio a público a notícia da nacionalização do BPN, o Autor marido interrogou o referido CC acerca das consequências desse facto ao nível do risco de (não) reembolso dos valores depositados e investidos por si e pela sua mulher a conselho e recomendação dele.

86. Tendo-o ele tranquilizado alegando que a nacionalização constituía até maior garantia de reembolso.

87.  Só então é que o referido funcionário referiu que essas aplicações eram papel comercial.

88. Mas sem lhes explicar o que é que isso era ou em que consistia.

89.  No dia 22 de Fevereiro de 2009, vencida que foi a obrigação de reembolso dos €650.000,00 e dos €100.000,00, bem como dos juros devidos, o BPN, Banco Português de Negócios, SA não creditou qualquer quantia nas contas de depósitos à ordem dos Autores.

90. Questionado pelo Autor marido, o referido funcionário CC transmitiu, então, que estava suspensa a liquidação dos juros e do capital, o que era um facto consumado.

91. A informação interna do Banco e a consciência que o funcionário CC tinha quando efectuou as operações de aquisição em nome dos Autores era de que o papel comercial CNE adquirido pelos Autores era um produto seguro e que o BPN, Banco Português de Negócios, SA garantia o capital e os juros.

92. O BPN, Banco Português de Negócios, SA, creditou em 26 de Fevereiro e 4 de Maio de 2009, na conta  ...01 as quantias de €14.791,22 e €14.768,00.

93.  E na conta  ...14, nesse mesmo dia 26 de Fevereiro de 2009, creditou a quantia de €2.275,58 e em 4 de Maio de 2009 a quantia de €2.272,00.

94.  Os Autores apresentaram uma reclamação, verbalmente e por escrito, junto do BPN, Banco Português de Negócios, SA.

95.  E receberam do chamado Gabinete de Provedoria do cliente do mesmo uma comunicação afirmando que o BPN, Banco Português de Negócios, SA não havia prestado qualquer garantia de reembolso dos valores subscritos e que "a função do "BPN" consistiu apenas na distribuição da referida emissão de Papel Comercial.

96.  Os Autores insistiram junto do BPN, Banco Português de Negócios, SA no sentido de lhes serem pagas as quantias usadas na aquisição daquele papel comercial da CNE, designadamente por email de 12/06/2009 e por carta de 30/07/2009, por aquele, BPN, recebido.

97.  Até hoje mais nenhuma resposta receberam e nenhuma quantia lhes foi paga.

98.  Ao longo dos então cinco anos de relação bancária com o BPN, Banco Português de Negócios, SA, os Autores sempre revelaram ser pessoas de perfil conservador que não investiam em acções, nem em outros valores mobiliários que envolvessem risco potencial de perda dos capitais investidos.

99.  E nem sequer dos juros ou remunerações anunciadas.

100. Bem como se revelaram como pessoas que no referido Banco tinham depositados aforros.

101. O referido CC sabia que os conselhos e recomendações que prestava ao Autor na qualidade de funcionário do Banco se destinavam à tomada pelos mesmos de uma decisão definitiva de consolidar o investimento até então efectuado.

102. Bem como sabia que eles não iriam, como não foram, proceder a quaisquer outras diligências de averiguação acerca da anunciada segurança do retorno, quer do capital a investir, quer da sua remuneração.

103. O referido CC tinha conhecimento de que se os Autores soubessem que a aplicação proposta tinha risco superior ao de um depósito a prazo ou dos fundos que possuíam, recusariam a feitura dessa aplicação.

104. Bem como tinha consciência de que para os Autores os fundos que possuíam eram de risco idêntico ao dos depósitos a prazo.

105. O papel comercial da CNE tinha risco superior quer ao dos depósitos a prazo, quer ao do fundo imobiliário que os Autores, respectivamente, constituíram e em que participaram no Banco 1º Réu.

106. Quando - em Fevereiro de 2008 e posteriormente -, comunicou aos Autores a aquisição - que já havia efectuado -, de papel comercial e em nome deles adquiriu €650.000,00 e €100.000,00 daquele papel, o funcionário CC bem sabia que os Autores não tinham lido, nem por qualquer outra forma ou meio tinham tomado conhecimento do conteúdo de qualquer nota informativa da emissão elaborada pela CNE.

107. O referido CC ao adquirir tal papel comercial em nome dos Autores estava a cumprir ordens recebidas dos seus superiores hierárquicos no sentido de angariar clientes para adquirirem tal produto.

108. Antes da aquisição do referido papel comercial em nome dos Autores o referido CC nunca solicitou aos Autores que lhe prestassem qualquer informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento que respeitasse ao tipo de instrumento financeiro proposto, que lhe permitisse avaliar se os Autores compreendiam os riscos envolvidos.

109. E nunca o referido funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA disse aos Autores existir relação de domínio total existente entre a S..., SA. como entidade dominante do BPN, Banco Português de Negócios, SA e da CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros.

110. Nem lhes disse que tal relação podia permitir que se duvidasse sobre se o BPN, Banco Português de Negócios, SA estaria a privilegiar os interesses da CNE na obtenção dos fundos subjacentes à emissão de papel comercial em causa, em detrimento dos interesses dos autores na aplicação segura e com menor risco dos seus capitais.

111. Nunca o funcionário da Ia Ré disse aos Autores, que, pelo facto de o valor nominal unitário da emissão ser igual a €50 000,00, esta não era havida como oferta pública, antes como oferta particular.

112. Nem lhes disse que tal a sujeitava a riscos acrescidos devido a menores exigências de informação aos investidores.

113. O referido funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA, nunca disse aos Autores que a contabilidade da CNE deveria evidenciar que a mesma tinha perdido mais de metade do seu capital social, já no final do ano de 2007.

114. A CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, SA mantinha, no final do ano de 2007, inscrito na sua contabilidade um saldo a receber proveniente de anos anteriores, no montante aproximado de 10,7 milhões de euros.

115. O referido CC nunca deu conhecimento aos Autores de que a CNE tinha uma unidade industrial de moagem que havia entrado em funcionamento no início do ano de 2007 cujos custos de construção constavam inscritos na contabilidade na rubrica das imobilizações em curso.

116. Nem lhes disse que tais custos deveriam ter sido transferidos para a rubrica do imobilizado firme dando lugar, assim, a amortizações no valor mínimo de 5, 5 milhões de euros.

117. Bem como não lhes disse que caso assim se tivesse procedido o capital próprio da CNE inscrito na sua contabilidade relativa ao ano de 2007 ficaria diminuído em 16,2 milhões de euros.

118. O referido funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA nunca comunicou aos Autores que a Plêiade, Investimentos e Participações, SA, por força da diminuição de 16,2 milhões de euros do capital próprio da teria de proceder a redução de igual valor nos seus capitais próprios, o que levava à sua redução para €5.098. 275,84, quando o seu capital social era de €20.000.000,00.

119. O funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA nunca disse aos Autores, que a referida Plêiade tinha, no final do ano de 2007, mais de €16 milhões de euros de prejuízos acumulados.

120. O CC nunca disse aos Autores que o BPN, Banco Português de Negócios, SA não assumiria o compromisso de os reembolsar integralmente caso a CNE o não fizesse.

121. O Autor marido efectuou investimentos em produtos de risco superior aos dos depósitos a prazo tais como os efectuados na aquisição de Unidades de Participação em fundos de investimento.

122. Os Autores passaram a ser clientes do BPN, Banco Português de Negócios, SA por força da relação pessoal e de confiança que tinham no referido CC.

123. Os Autores - na pessoa do Autor marido -, sempre manifestaram ao dito CC que pretendiam para as suas poupanças a melhor rentabilidade possível.

124. Bem como privilegiavam também a segurança das aplicações que o referido funcionário aconselhasse fazer.

125. O referido funcionário actuava junto dos Autores, até à compra do papel comercial CNE, como representante do BPN, Banco Português de Negócios, SA com respeito do que sabia ser o perfil de investidores dos mesmos.

126. Procurando aplicações tidas por seguras e com taxas de rentabilidade que fossem além das que normalmente eram inerentes aos simples depósitos a prazo.

127. O BPN, Banco Português de Negócios, SA, a propósito do lançamento do produto - papel comercial CNE - CIMENTOS NACIONAIS E ESTRANGEIROS, SA - apoiou e ajudou na sua colocação no mercado e designadamente junto dos seus clientes, aproveitando o Grupo S..., SGPS, SA a existência de uma rede significativa de balcões e a relação de proximidade que tal rede permitia com os respectivos clientes.

128. Os Autores, após a aquisição do produto - papel comercial CNE -, em Fevereiro de 2008, foram recebendo, como sempre recebiam, os extractos mensais integrados e combinados da parte do BPN, Banco Português de Negócios, SA, e neles vinha explicitada a aplicação em papel comercial CNE.

129. Os Autores foram informados, em momento posterior à subscrição do produto em causa, que o CC havia investido os montantes de €650.000,00 e €100.000,00 em papel comercial CNE.

130. Tendo sido informados da natureza do produto em causa, da sua taxa de rentabilidade, e que se tratavam de "valores mobiliários" com um valor unitário de €50.000,00.

131. Tratava-se da 10a Emissão de Papel Comercial CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, SA.

132. As emissões anteriores haviam sido objecto do correspondente reembolso, e a grande maioria dos clientes subscritores haviam optado pela sua renovação.

133. Nunca os Autores manifestaram ao BPN, Banco Português de Negócios, SA ou ao dito CC que desejavam alienar as unidades de papel comercial CNE que tinham subscrito.

134. À data em que os Autores subscreveram papel comercial CNE era de todo imprevisto e imprevisível que a entidade emitente do referido produto deixasse de ter qualquer ligação com o BPN, Banco Português de Negócios, SA.

135. Para conhecer o prospecto/nota informativa junta a fls. 129 a 141, o Autor teve de se deslocar ao balcão do BPN, Banco Português de Negócios, SA em ..., no ..., e pedi-lo por escrito, na primeira visita que efectuou a essa agência em 09/07/2009.”

Não se provaram os seguintes factos:

a)  Os Autores não tinham conhecimentos, experiência ou aptidão para tratar dos assuntos que diziam respeito à sua conta bancária.

b)  O funcionário do BPN - Banco Português de Negócios, SA, CC, sabia do referido nas alíneas 51 a 53.

c)   A liquidez da aplicação referida em 29) foi garantida aos autores mediante um aviso prévio de cinco dias.

d)  Quando o CC propôs, aconselhou e recomendou aos Autores o investimento na aquisição de papel comercial da CNE, apresentou-o como sendo adequado ao tipo de cliente que eles eram.

e)   Quando - em Fevereiro de 2008 e posteriormente -, comunicou aos Autores a aquisição - que já havia efectuado -, de papel comercial e em nome deles adquiriu €650.000,00 e €100.000,00 daquele papel, o próprio funcionário CC ignorava o conteúdo de qualquer nota informativa da emissão elaborada pela CNE.

f)   Bem sabia o CC que, caso tivesse revelado aos Autores o referido em 109 e 110 estes recusariam a aquisição do papel comercial CNE sem o compromisso da garantia do Banco.

g) Só após o referido em 90 o CC revelou aos Autores que o papel comercial por eles titulado estava relacionado com uma empresa de cimentos do grupo do Banco- Io Réu -, a CNE.

h) Após o referido em 90) o CC prontificou-se a declarar onde fosse preciso, inclusive no tribunal, que o papel comercial que para eles tinha comprado era um produto seguro e que o BPN, Banco Português de Negócios, SA garantia o capital e os juros.

i) Os superiores hierárquicos do funcionário CC haviam-no autorizado a omitir que era pretensão do Banco transferir o maior número possível de depósitos a prazo ou outras aplicações financeiras que tivessem o Banco como devedor principal ou em que o Banco fosse responsável pela sua gestão para outras que o não tivessem, tendo -o mesmo exortado a afirmar o contrário.

j) As contas da CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, SA ao nível do activo e dos capitais próprios estavam sobrevalorizadas em 10,7 milhões de euros em 31 de Dezembro de 2007.

k) O que era do conhecimento das Rés BPN, Banco Português de Negócios, SA, B..., SGPs e S..., SA.

1) O referido funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA sabia que que caso tudo ou parte disso tivesse revelado aos Autores, estes recusariam a aquisição dos instrumentos financeiros propostos.

m) Em Fevereiro de 2008 tais administradores conheciam o risco previsível que de que a CNE não iria restituir em Fevereiro de 2009 o capital e os juros correspondentes ao papel comercial emitido -1 Ia emissão.

n) Pelo menos no período de 31 de Dezembro de 2007 a 22 de Fevereiro de 2008, era EE quem, acompanhado do seu filho que o acompanhava nos conselhos de administração da Ia e 2a Rés, determinava o agir das sociedades do denominado Grupo BPN e a todas elas dava instruções vinculantes.

o) O Autor marido é pessoa experiente e habitual investidor em produtos financeiros variados.

p) Para além de exercer profissionalmente a medicina, o Autor marido acompanhava de muito perto uma empresa familiar que tinha por objecto a indústria cerâmica e tinha aí responsabilidades de facto, na respectiva gerência.

q) O Autor marido era pessoa com conhecimentos superiores ao normal dos clientes bancários e das pessoas que investem normalmente em aplicações e produtos financeiros.

r) Foi devido à decisão de nacionalização do BPN, no modelo que se adoptou de divisão do Grupo S..., SGPS, SA, que se verificou uma situação de incumprimento, por parte da CNE, aquando do vencimento da aplicação financeira em causa.

s) O Autor chegou a questionar o referido CC sobre a possibilidade de resgatar o produto CNE.

t) Mas aquele respondeu-lhe que teria de esperar pelo vencimento, pois não havia quem o quisesse.

u) O referido CC sempre contactou os Autores, na sua relação com o BPN, Banco Português de Negócios, SA, exclusivamente por força de tal relação de amizade.

v) Não cabia nas funções deste, como director bancário de zona, o contacto directo com os clientes na gestão corrente e diária de tal relação.

w) Os Autores sempre deram "carta branca" ao funcionário CC para optar pelas aplicações que tivesse por mais adequadas a obter a melhor rentabilidade.

x) O referido CC agiu sempre com o conhecimento e a tácita aprovação dos Autores.

y) O dito CC informou os Autores que estava em preparação o lançamento de um produto financeiro, por empresa do mesmo grupo a que o BPN, Banco Português de Negócios, SA pertencia e que, por tal motivo, a sua segurança e garantia de rentabilidade advinha justamente do facto de pertencer ao mesmo grupo.

z) Beneficiando da mesma segurança que qualquer outro produto emitido pelo próprio banco.

aa) O dito CC identificou então aos Autores a entidade emitente de tal produto como sendo uma empresa industrial da área dos cimentos e que a rentabilidade de tal produto era a correspondente a uma taxa de juro de 5,622% ao ano

bb) Aquilo que transmitiu aos Autores correspondia à verdade.

cc) Os administradores do BPN, Banco Português de Negócios, SA do BPN, SGPS e da S..., SGPS, SA e a Plêiade, em Fevereiro de 2008, sabiam ser para todas elas preferível que os Autores adquirissem directamente em nome próprio e em substituição de um depósito a prazo e das participações no fundo imobiliário BPN Imonegócios, o papel comercial emitido pela CNE do que ser o próprio BPN, Banco Português de Negócios, SA a fazê-lo directamente com os dinheiros dos Autores nela colocados em depósito.

dd) Dado que esta segunda hipótese tinha repercussão negativa sobre os ratios de solvabilidade escrutinados pelo Banco de Portugal.

ee) Foi na execução de uma estratégia de grupo no seio da S..., SGPS, SA, definida pelos órgãos sociais dessa sociedade, que foi decidida a emissão de papel comercial pela sociedade CNE no montante de €10.000.000,00.

ff) Bem como foi na execução da mesma estratégia que foram definidas as condições de tal emissão, designadamente o valor nominal de todo o Programa, a modalidade da representação do papel comercial, a incumbência da sua organização, montagem, agência e registo, prazo do dito Programa e preço da respectiva subscrição.

gg) Ao BPN, Banco Português de Negócios, SA foi solicitado e ordenado pela S..., SGPS, SA que ajudasse o Banco 2... na colocação desse produto, aproveitando a sua rede de balcões.

hh) Assim beneficiando das sinergias daí decorrentes e da poupança decorrente da desnecessidade de recurso a entidades bancárias estranhas ao denominado Grupo S..., SGPS, SA.

ii) A contabilidade da CNE deveria evidenciar que a mesma tinha perdido mais de metade do seu capital social, já no final do ano de 2007.

jj) Os custos referidos em 116 deveriam ter sido transferidos para a rubrica do imobilizado firme dando lugar, assim, a amortizações no valor mínimo de 5,5 milhões de euros.

kk) Caso assim se tivesse procedido o capital próprio da CNE inscrito na sua contabilidade relativa ao ano de 2007 ficaria diminuído em 16,2 milhões de euros.

ll) A Plêiade, Investimentos e Participações, SA, por força da diminuição de 16,2 milhões de euros do capital próprio teria de proceder a redução de igual valor nos seus capitais próprios, o que levava à sua redução para €5.098.275,84, quando o seu capital social era de €20.000.000,00.

mm) A Plêiade tinha, no final do ano de 2007, mais de €16 milhões de euros de prejuízos acumulados.

nn) O BPN, Banco Português de Negócios, SA, através do dito CC, havia já subscrito em nome e por conta dos Autores, em data anterior à aquisição do papel comercial CNE, Papel Comercial ..., com seu conhecimento e aprovação.

oo) Aplicação essa que os Autores nunca questionaram ou puseram em dúvida, como nunca, a tal propósito, pediram ao BPN, Banco Português de Negócios, SA qualquer tipo de esclarecimento ou informação adicional.

pp) Sem que alguma vez os Autores tivessem reclamado ou instruído o banco e/ou aquele CC que não pretendiam tal aplicação, ou que não fosse feita no futuro outro tipo de investimento financeiro do mesmo género.

qq) Após a aquisição de papel comercial CNE em nome dos Autores o CC esclareceu o Autor marido que:

- a dita emissão ocorreria a 22.02.2008;

- a data do seu vencimento seria no final do ano contado desde aquela data;

- a remuneração respectiva seria Euribor a 12 meses + 1,25% ao ano;

- os montantes: o mínimo de €50.000,00 e em múltiplos de €50.000,00.

- se tratavam de valores mobiliários registados, nominativos e com representação escriturai.

rr) Bem como o informou do referido em DD).

ss) No balcão respectivo havia exemplares da Nota Informativa relativa a este produto, junta a fls. 129 a 141.

tt) Porque não dispunha de uma rede de balcões como o BPN, Banco Português de Negócios, SA, o Banco 2... solicitou a colaboração deste para efeitos da colocação deste produto financeiro junto dos seus clientes.

uu) Existindo nos balcões do BPN, Banco Português de Negócios, SA vários exemplares da nota informativa junta a fls. 129 a 141.

vv) Toda a informação constante da nota informativa existente nos balcões do BPN, Banco Português de Negócios, SA relativa à operação, foi transmitida aos Autores pelo dito CC.

ww) Bem como lhes foi transmitido que a entidade emitente era uma empresa pertencente ao mesmo grupo do próprio banco.

xx) O BPN, Banco Português de Negócios, SA dispunha, no seio do denominado Grupo S..., SGPS, SA, de uma empresa de corretagem especialmente vocacionada para actuar na área da intermediação, que era a F....

yy) No caso do produto CNE, foi o Banco 2... quem, em exclusividade, se incumbiu da prestação dos serviços de assistência técnica, económica e financeira.

zz) Em Fevereiro de 2008, a CNE não tinha activos que lhe permitisse pagar a todos os seus credores e aos titulares de papel comercial nessa data subscrito por inteiro.

aaa) O BPN, Banco Português de Negócios, SA sabia disso.

bbb) O trato que os Autores tinham estabelecido com o referido CC era no sentido de não serem efectuadas aplicações financeiras, mesmo depósitos a prazo, sem previamente lhes ser dada explicação e confirmação.

ccc) A fim deles determinarem a sua vontade de os constituir, desde o prazo, aos montantes e as taxas de juro.”

Entretanto, impugnada a decisão de facto, a Relação decidiu:

“A impugnação da matéria de facto feita pelo réu/recorrente merecerá, pois, parcial acolhimento, efetuando-se nesta, as seguintes alterações:

1. Da matéria de facto provada são eliminados os seus nºs 105,113,116 e 117;

2. Da matéria de facto não provada é eliminada a alínea 1);

3. É alterada a redação dos seguintes números da matéria de facto:

N° 38: “O autor marido manteve até 4/5/2006 a referida aplicação financeira.” N° 76: “Aplicações essas que segundo o referido CC informou o autor lhe garantiam uma rentabilidade melhorada e sem risco.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjetivo civil - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, concretamente, no âmbito da qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o Banco, réu, outrossim, ao reconhecer a responsabilidade contratual emergente da intermediação financeira, julgando verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o facto, a ilicitude, a culpa, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem? (1)

Cotejado o acórdão recorrido, anotamos que Tribunal a quo, perante a facticidade demonstrada (reapreciada que foi a decisão de facto proferida em 1ª Instância), concluiu, no segmento decisório, pela confirmação da decisão proferida em 1ª Instância que julgou a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condenou o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. a pagar aos Autores a quantia de 750.000,00€, acrescida  de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 12.6.2009 e até efetivo e integral pagamento.

O aresto escrutinado apreendeu a real conflitualidade subjacente à demanda trazida a Juízo.

Assim, acompanhando o objeto da apelação interposta, o Tribunal recorrido proferiu aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico-normativo posto em crise com a interposição da presente revista, apreciou os atos ou factos jurídicos donde emerge o direito que os demandantes se arrogam e pretendem fazer valer, atos ou factos concretos e regularmente traçados nos articulados apresentados em Juízo, e que Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. questiona, condensando o objeto do recurso, enunciando as questões que importava apreciar, com prévia apreciação da impugnação de facto, e, uma vez fixada a facticidade, debruçou-se sobre: (i) A qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o BPN/Violação dos deveres de informação por parte do BPN; (ii) O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos autores; (iii) O abuso do direito.

O Tribunal recorrido elaborou um aresto fazendo apelo a um enquadramento jurídico onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando Doutrina e Jurisprudência aplicáveis à questão sub iudice, que citou com parcimónia, sem descurar a referência a legislação.

Respigamos do acórdão recorrido, a merecer a nossa aprovação, no que respeita à qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o Banco, réu: “Na sentença recorrida qualificou-se o contrato celebrado entre os autores e o BPN, através do seu funcionário CC, como contrato de intermediação financeira, entendimento do qual dissente o réu/recorrente que considera dever ser este considerado como contrato de gestão discricionária de carteira ou, não se entendendo assim, como contrato de mandato.

O contrato de gestão de carteira é o celebrado entre um intermediário financeiro (gestor) e um investidor (cliente) através do qual o último, mediante retribuição, confia ao primeiro a administração de um património financeiro de que é titular com vista a incrementar a respetiva rentabilidade.

Encontra-se fundamentalmente previsto e regulado nos arts. 335° e 336° do Cód. dos Valores Mobiliários (CVM).

Ora, no nº 1 do art. 335° deste diploma dispõe-se que «pelo contrato de gestão de uma carteira individualizada de instrumentos financeiros, o intermediário financeiro obriga-se: a) A realizar todos os atos tendentes à valorização da carteira; b) A exercer os direitos inerentes aos instrumentos financeiros que integravam a carteira».

Depois, o art. 336° do mesmo diploma estatui que: “i. Mesmo que tal não esteja previsto no contrato, o cliente pode dar ordens vinculativas ao gestor quanto às operações a realizar. 2-0 disposto no número anterior não se aplica aos contratos que garantam uma rendibilidade mínima da carteira.”

Por outro lado, do disposto nos arts. 290°, n.º 1, al. d) e 321°, n.ºs 1 e 2 do CVM, decorre que estes contratos, quando celebrados com investidores não qualificados, estão sujeitos à forma escrita (ainda que só estes investidores possam invocar a nulidade decorrente da sua inobservância) e podem ser celebrados com base em cláusulas gerais.

No que concerne ao seu objeto trata-se de contrato que vai endereçado fundamentalmente ao desenvolvimento de uma actividade complexa de administração de bens alheios levada a cabo por um intermediário financeiro, por conta e no interesse do cliente (objeto imediato), que incide sobre “uma carteira individualizada de instrumentos financeiros” (objeto mediato).

É fonte de um conjunto de direitos e deveres diversos para ambas as partes.

Do lado do gestor, avultam as obrigações de execução diligente da prestação gestória, que se configura como uma mera obrigação de meios e não de resultado (art. 335°, n° 1 do CVM), de acatamento das instruções do cliente (art. 336°, n° 1 do CVM), de prestação de informação mínima (art. 312°-D do CVM) e obtenção de informação junto do cliente por forma a realizar o juízo da adequação das operações de gestão (art. 314º-A do CVM), de envio de um extrato periódico sobre a composição, saldo e movimentos de gestão de carteira (art. 323º-A do CVM) e de observância de regras especiais em caso de subcontratação (art. 308°-C do CVM). Do lado do cliente, avulta a obrigação de remuneração, que tanto pode abranger em sentido amplo as remunerações principais - que representam a contrapartida da atividade nuclear de gestão de carteira propriamente dita (a chamada “comissão de gestão”) - como as remunerações acessórias - que visam corresponder a determinados serviços complementares ou conexos (v.g., comissões de constituição e reforço de carteira, comissão de envio de extrato de conta, comissões bancárias relativas às contas de depósito de dinheiro e de títulos).

Cremos, porém, que a matéria de facto dada como assente não permite que a relação jurídica estabelecida entre os autores e o banco se possa enquadrar num contrato verbal de gestão discricionária de carteira, desde logo porque não ficou demonstrado que os autores tivessem conferido ao BPN, através do seu funcionário CC, "carta branca" para este efetuar as aplicações financeiras adequadas à obtenção de maior rentabilidade.

Tal como não existem extratos regulares relativos aos movimentos da carteira, nem tão-pouco se acha fixada uma remuneração específica como contrapartida da atividade gestória.

E se não é possível integrar a situação dos autos na figura da gestão discricionária de carteira, também não é de subsumi-la a um mero contrato de mandato comercial nos termos do art, 231° e segs. do Cód. Comercial.

Em causa no presente processo encontra-se a aquisição para os autores de papel comercial da CNE, feita pelo BPN, através do seu funcionário CC, em Fevereiro de 2008, e que surge na sequência de anteriores investimentos noutros produtos já por eles realizados.

Na sentença recorrida, considera-se acertadamente que esta operação, que foi efetuada sem prévia informação, consulta e consentimento dos autores, consubstancia execução de contrato de intermediação financeira.”

Não pode deixar, pois, este Tribunal ad quem de estar de acordo com a qualificação jurídica da relação estabelecida entre os autores e o BPN, ora Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., tal a argumentação convincente, embora linear, plasmada no acórdão sob escrutínio, daí que, qualificada a relação estabelecida entre as partes, importa apurar da bondade do decidido.

Vejamos.

Elaborando o enquadramento jurídico que a facticidade demonstrada exige, diremos que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de actividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros; b) Os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento; c) A gestão de instituições de investimento coletivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.

O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

Subsumida a facticidade adquirida processualmente, não temos dificuldade em reconhecer, como já adiantamos, a celebração entre os Autores/AA e BB e o BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. (que além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da S..., SGPS, SA, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas), de um negócio jurídico, qualificado como contrato de intermediação financeira.

Reconhecida a qualificação jurídica do ajuizado negócio outorgado entre as partes, impõe-se saber e decidir, reiteramos, se o BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. violou deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, pelos autores, do produto financeiro articulado, e, consequentemente, apurar se o Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. é responsável pela pretensão jurídica arrogada nestes autos.

Neste particular, sublinhamos, desde já, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Colhemos do Código dos Valores Mobiliários que os intermediários financeiros, enquanto entidades que exercem, a título profissional, actividades de intermediação financeira, estão sujeitos a múltiplos deveres de informação, sejam deveres comuns ou específicos do serviço de investimento/auxiliar que em cada caso concreto esteja em causa.

Enunciamos, de seguida, os relevantes preceitos legais, aplicáveis à data, que importam aos princípios que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respectiva actividade; os deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo; os preceitos legais atinentes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

O art.º 304º do Código dos Valores Mobiliários estabelece os princípios que devem orientar a actividade dos intermediários financeiros:

“1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.

4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º

5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efetivamente a atividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência.”

O art.º 312º do Código dos Valores Mobiliários, estatui, acerca dos princípios gerais do intermediário financeiro, concretamente os deveres de informação:

“1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não qualificado, investidor qualificado ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral;

g) À existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

5 - Sempre que, na presente subsecção, se estabelece que a informação deve ser prestada por escrito, a informação deve ser prestada em papel salvo se:

a) A prestação da informação noutro suporte seja adequada no contexto da relação, actual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor; e

b) O investidor tenha expressamente escolhido a prestação da informação em suporte diferente do papel.

6 - Presume-se que a prestação de informação através de comunicação eletrónica é adequada ao contexto da relação entre o intermediário financeiro e o investidor quando este tenha indicado um endereço de correio eletrónico para a realização de contactos no âmbito daquela.

7 - A informação prevista nos artigos 312.º-C a 312.º-G pode ser prestada através de um sítio da Internet, se o investidor o tiver expressamente consentido e desde que:

a) A sua prestação nesse suporte seja adequada no contexto da relação, atual ou futura, entre o intermediário financeiro e o investidor;

b) O investidor tenha sido notificado, por via eletrónica, do endereço do sítio da Internet e do local no mesmo de acesso à informação;

c) Esteja continuamente acessível, por um período razoável para que o investidor a possa consultar.”

Ainda quanto ao dever de informação, o art.º 7º do Código dos Valores Mobiliários, preceitua no seu n.º 1:

“1 - Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.”

De igual modo, refira-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários, relaciona os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se por forma a identificar possíveis conflitos de interesses e atuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco da sua ocorrência.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de sociedades com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais ou dos de agente vinculado e dos colaboradores de ambos.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes deve pôr à disposição destes os instrumentos financeiros pelo mesmo preço por que os adquiriu.”

Ademais, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das actividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respectiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso, proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Merecendo, a este propósito ser sublinhado o art.º 77.º, n.º 1, do consignado Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que estatui:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.

Dos enunciados normativos importa reter que a relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, tendo em conta, sublinhamos, que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

Doutrina e Jurisprudência reconhecem, pacificamente, resultar dos enunciados preceitos legais, impor-se ao intermediário financeiro, para além do dever de informação, clara e relevante para a opção que pretende tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do investidor, cliente, sendo certo que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta, ao cabo e ao resto, no dever de agir de boa-fé, neste sentido, Agostinho Cardoso Guedes, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, Gonçalo Castilho dos Santos, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.

Conforme decorre da lei, o dever de informação exigido ao intermediário financeiro inclui um dever de recolha de informação (sobre a experiência e o conhecimento do cliente em matéria de investimento), um dever de avaliação da adequação do investimento proposto ao cliente.

No que tange à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, estabelece o art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários:

“1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Necessariamente esta responsabilidade pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam, a demonstração do facto ilícito (traduzido na omissão e/ou prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira); a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); importando também apreciar o nexo de causalidade entre o facto e o dano (reconhecendo-se que, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o intermediário financeiro é responsável pelo dano sofrido pelos investidores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo causal ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto).

Para o caso trazido a Juízo releva especialmente o facto de ter sido uniformizada jurisprudência sobre a responsabilidade dos intermediários financeiros, por via do recurso admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que, a respeito do pressuposto da ilicitude, consignou a seguinte resposta uniformizadora:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.

Outrossim, a propósito do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao exigido nexo de causalidade entre o facto e o dano, decorre do enunciado acórdão de uniformização de jurisprudência proferido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A. que a demonstração desse nexo de causalidade constitui ónus do investidor, ainda que não qualificado, como resulta do ponto 1 do sumário do consignado AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respetiva resposta uniformizador, cujo teor adiante se declara:

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir. 

Daqui se colhe a firme orientação segundo a qual é sobre o interessado que recai o respetivo ónus da prova, ficando clarificado, não poder aceitar-se a dispensa da demonstração dos factos integrantes deste pressuposto mediante a adesão a uma tese como aquela que faz presumir a causalidade a partir da verificação da ilicitude.

Elaborada a caracterização e enquadramento jurídico, relembremos a decisão da matéria de facto relevante, e com utilidade, para daí podermos conhecer da alegada violação dos deveres de informação, por parte do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., enquanto intermediário financeiro, impondo-se sublinhar que o cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação impostas ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto, pode ser efectivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação.

Relembremos os relevantes factos, adquiridos processualmente.

“1. O Autor marido é licenciado em medicina, exercendo essa actividade há mais de 30 anos no sector público e privado e não tendo outra profissão ou modo de vida.

2. A Autora mulher é doméstica tendo exercido actividade de escritório durante alguns anos até ao momento em que, por força de acidente, foi considerada incapaz por invalidez.

3. Desde então, só cuidou da casa e dos filhos enquanto tal foi necessário e até estes adquirirem autonomia e independência.

6. Daí que foram constituindo poupanças que depositaram em bancos e que estiveram aplicadas em produtos seguros, porque sem risco de perda de capital ou de flutuação de taxas de juro.

7. Máxime depósitos a prazo ou produtos que lhes diziam ser equivalentes.

10. Há cerca de 8 anos, o referido CC passou a prestar o seu trabalho para o BPN- Banco Português de Negócios, SA, numa agência sita na cidade ....

11. Passado algum tempo, o CC sugeriu aos Autores que abrissem conta nesse Banco.

12. Solicitação a que os Autores anuíram, porquanto conheciam o CC e o tinham por pessoa de confiança, assim como nada tinham ou sabiam em desabono do BPN - Banco Português de Negócios, SA.

13. Foi nessa circunstância que, em data situada no ano de 2003, os Autores se tornaram clientes da 1ª Ré.

18. A assinatura de toda a documentação necessária para essa abertura das contas -fichas de assinaturas, entre outras - e a assinatura de toda a documentação necessária para movimentação das contas posteriormente - requisição de cheques, entrega de módulo de cheques, depósito de valores - foi sempre efectuada na residência dos Autores.

19. Era o referido CC, empregado do BPN - Banco Português de Negócios, SA que se deslocava à residência dos Autores para colher deles as assinaturas nos documentos que dizia que necessitava para os movimentos pretendidos efectuar.

21. Tal prática - deslocação à residência dos Autores para tratar dos assuntos bancários - foi implementada pelo referido CC por sua própria e livre iniciativa, por cortesia.

22. Os Autores, até ao ano de 2009, nunca tinham entrado em qualquer agência do banco 1º Réu e não sabiam sequer em que agência ou departamento concreto é que o referido CC trabalhava, sabendo apenas que se localizava na cidade ....

25. A única pessoa que em nome do BPN - Banco Português de Negócios, SA os contactou até 2009 e a única pessoa que contactavam quando pretendiam algo daquele Réu era o funcionário deste, CC.

26. Que era quem geria as suas contas acima identificadas e todos os valores lá depositados ou subscritos.

27. O que era sabido pelo BPN - Banco Português de Negócios, SA que de tanto o tinha encarregado no seu próprio interesse.

39. E teve, até 6/2/2008, poupanças aplicadas no Fundo Imobiliário referido em 28, as quais tinham em 6/2/2008 o valor de €682.673,98.

40. A Autora mulher, desde a abertura da conta no BPN - Banco Português de Negócios, SA transferiu de outras instituições e foi depositando na sua conta de depósitos à ordem n°  ...01 dinheiros que possuía.

54. O referido funcionário sabia que os Autores não pretendiam aplicar as suas poupanças em produtos que não lhes assegurassem o reembolso do capital e a fruição de um juro certo, ainda que pequeno.

55.  E por isso os Autores não movimentavam aquelas suas contas de depósitos à ordem a não ser para através delas aplicarem as poupanças e receberem os juros, capitalizando-os.

57.  No dia 6/2/2008, o BPN, Banco Português de Negócios, SA resgatou as unidades de participação que cada um dos Autores tinha no fundo imobiliário referido em 28 e 41.

58.  Em 13 desse mês de Fevereiro foi creditada na conta D/O do Autor marido a quantia de €682.673,98 e na conta da Autora mulher a quantia de €112.643,9.

59.  No mesmo dia 13/2/2008, o BPN, Banco Português de Negócios, SA creditou aquele montante de €682.673,98 na conta número  ...0, constituindo dois depósitos a prazo nos valores de €650.000,00 e de €32.670,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.

60.  O que fez sem ordem e sem, sequer, o conhecimento dos Autores.

61.  Creditando o montante de €112.643,90 na conta n°  ...01, no mesmo dia 13/2/2008 o Banco 1º Réu constituiu, por contrapartida do débito dessa conta, dois depósitos a prazo nos valores de €100.000,00 e de €12.640,00, o primeiro por 9 dias e o segundo por 373 dias, este à taxa de juro ilíquida de 5% ao ano.

62.  O que também fez sem ordem e sem o conhecimento dos Autores.

63.  Vencido o depósito a prazo de €650.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o BPN, Banco Português de Negócios, SA comprou em nome do Autor €650.000,00 de papel comercial da CNE.

64.  Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem do Autor.

65.  Compra e débito que ocorreram sem que o Autor os tivesse previamente ordenado ou conhecido.

66.  Vencido o depósito a prazo de €100.000,00 no dia 22 de Fevereiro de 2008 e creditado que foi o capital e os juros, o BPN, Banco Português de Negócios, SA comprou em nome da Autora €100.000,00 de papel comercial da CNE.

67.  Debitando, por esse valor, a conta de depósitos à ordem da Autora.

68.  Compra e débito que ocorreram sem que a Autora os tivesse previamente ordenado ou conhecido.

69.  O Banco 1º Réu através do seu funcionário CC, só posteriormente fez saber ao Autor marido das operações que havia efectuado em ambas as contas, referidas em 57 a 67.

70.  Informando-o que o tinha feito no interesse dos Autores.

71.  Dizendo-lhe que se tratava de um produto novo do BPN para investimento, com garantia de reembolso do capital aplicado e do pagamento de juros.

72.  E que os juros eram superiores aos dos depósitos a prazo e aos que o fundo imobiliário, em que os Autores participavam, vinha rendendo.

73.  Bem como lhes disse que o valor do capital e dos juros lhe seria pago no dia 22 de Fevereiro de 2009.

74.  O referido CC disse, ainda, ao Autor marido que lhe propunha, aconselhava e recomendava o investimento num produto similar que o Banco 1º Réu iria ter à disposição dos clientes no final do mês de Fevereiro de 2008.

75.  Garantindo-lhe tratar-se do mesmo tipo de aplicação sem qualquer risco.

76.  Aplicações essas que, segundo o referido CC informou o Autor, estavam a ser propiciadas por instruções dos seus superiores hierárquicos e lhes garantiam uma rentabilidade melhorada e sem risco.

77.  Por isso, o Autor marido, no dia 28/02/2008 depositou na sua conta de depósitos à ordem n°  ...01, €50.000,00 e, seguindo os conselhos e recomendações dadas pelo funcionário CC, aplicou-os nesse outro produto.

78.  Tendo o BPN, Banco Português de Negócios, SA, comprado, em nome e para o Autor, Papel Comercial ... no valor de €50.156,00.

79.  Nenhuma outra informação foi dada ao Autores sobre o que eram esses produtos, nem lhes foi dito que se tratava de papel comercial.

80.  Os Autores não sabiam o que era papel comercial.

81.  Não lhes foi explicado o que era nem lhes foi entregue ou facultado qualquer documento que o identificasse ou explicitasse - brochura, nota informativa ou outro.

82.  Os Autores jamais haviam comprado ou possuído qualquer papel comercial.

83.  Não estavam familiarizados com aplicações e investimentos em bolsa e/ou em valores mobiliários.

84.  Não conhecendo os conceitos e os pormenores concretos, em que se desenvolvem essas actividades económicas e bancárias.

88. Mas sem lhes explicar o que é que isso era ou em que consistia.

89.  No dia 22 de Fevereiro de 2009, vencida que foi a obrigação de reembolso dos €650.000,00 e dos €100.000,00, bem como dos juros devidos, o BPN, Banco Português de Negócios, SA não creditou qualquer quantia nas contas de depósitos à ordem dos Autores.

91. A informação interna do Banco e a consciência que o funcionário CC tinha quando efectuou as operações de aquisição em nome dos Autores era de que o papel comercial CNE adquirido pelos Autores era um produto seguro e que o BPN, Banco Português de Negócios, SA garantia o capital e os juros.

92. O BPN, Banco Português de Negócios, SA, creditou em 26 de Fevereiro e 4 de Maio de 2009, na conta  ...01 as quantias de €14.791,22 e €14.768,00.

93.  E na conta  ...14, nesse mesmo dia 26 de Fevereiro de 2009, creditou a quantia de €2.275,58 e em 4 de Maio de 2009 a quantia de €2.272,00.

98.  Ao longo dos então cinco anos de relação bancária com o BPN, Banco Português de Negócios, SA, os Autores sempre revelaram ser pessoas de perfil conservador que não investiam em acções, nem em outros valores mobiliários que envolvessem risco potencial de perda dos capitais investidos.

99.  E nem sequer dos juros ou remunerações anunciadas.

100. Bem como se revelaram como pessoas que no referido Banco tinham depositados aforros.

101. O referido CC sabia que os conselhos e recomendações que prestava ao Autor na qualidade de funcionário do Banco se destinavam à tomada pelos mesmos de uma decisão definitiva de consolidar o investimento até então efectuado.

102. Bem como sabia que eles não iriam, como não foram, proceder a quaisquer outras diligências de averiguação acerca da anunciada segurança do retorno, quer do capital a investir, quer da sua remuneração.

103. O referido CC tinha conhecimento de que se os Autores soubessem que a aplicação proposta tinha risco superior ao de um depósito a prazo ou dos fundos que possuíam, recusariam a feitura dessa aplicação.

104. Bem como tinha consciência de que para os Autores os fundos que possuíam eram de risco idêntico ao dos depósitos a prazo.

106. Quando - em Fevereiro de 2008 e posteriormente -, comunicou aos Autores a aquisição - que já havia efectuado -, de papel comercial e em nome deles adquiriu €650.000,00 e €100.000,00 daquele papel, o funcionário CC bem sabia que os Autores não tinham lido, nem por qualquer outra forma ou meio tinham tomado conhecimento do conteúdo de qualquer nota informativa da emissão elaborada pela CNE.

107. O referido CC ao adquirir tal papel comercial em nome dos Autores estava a cumprir ordens recebidas dos seus superiores hierárquicos no sentido de angariar clientes para adquirirem tal produto.

108. Antes da aquisição do referido papel comercial em nome dos Autores o referido CC nunca solicitou aos Autores que lhe prestassem qualquer informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento que respeitasse ao tipo de instrumento financeiro proposto, que lhe permitisse avaliar se os Autores compreendiam os riscos envolvidos.

109. E nunca o referido funcionário do BPN, Banco Português de Negócios, SA disse aos Autores existir relação de domínio total existente entre a S..., SA. como entidade dominante do BPN, Banco Português de Negócios, SA e da CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros.

110. Nem lhes disse que tal relação podia permitir que se duvidasse sobre se o BPN, Banco Português de Negócios, SA estaria a privilegiar os interesses da CNE na obtenção dos fundos subjacentes à emissão de papel comercial em causa, em detrimento dos interesses dos autores na aplicação segura e com menor risco dos seus capitais.

111. Nunca o funcionário da 1ª Ré disse aos Autores, que, pelo facto de o valor nominal unitário da emissão ser igual a €50 000,00, esta não era havida como oferta pública, antes como oferta particular.

112. Nem lhes disse que tal a sujeitava a riscos acrescidos devido a menores exigências de informação aos investidores.

120. O CC nunca disse aos Autores que o BPN, Banco Português de Negócios, SA não assumiria o compromisso de os reembolsar integralmente caso a CNE o não fizesse.

122. Os Autores passaram a ser clientes do BPN, Banco Português de Negócios, SA por força da relação pessoal e de confiança que tinham no referido CC.

123. Os Autores - na pessoa do Autor marido -, sempre manifestaram ao dito CC que pretendiam para as suas poupanças a melhor rentabilidade possível.

124. Bem como privilegiavam também a segurança das aplicações que o referido funcionário aconselhasse fazer.

125. O referido funcionário actuava junto dos Autores, até à compra do papel comercial CNE, como representante do BPN, Banco Português de Negócios, SA com respeito do que sabia ser o perfil de investidores dos mesmos.

126. Procurando aplicações tidas por seguras e com taxas de rentabilidade que fossem além das que normalmente eram inerentes aos simples depósitos a prazo.

129. Os Autores foram informados, em momento posterior à subscrição do produto em causa, que o CC havia investido os montantes de €650.000,00 e €100.000,00 em papel comercial CNE.

130. Tendo sido informados da natureza do produto em causa, da sua taxa de rentabilidade, e que se tratavam de "valores mobiliários" com um valor unitário de €50.000,00.

131. Tratava-se da 10ª Emissão de Papel Comercial CNE - Cimentos Nacionais e Estrangeiros, SA”.

Daqui resulta, serem os Autores, titulares de produto financeiro, papel comercial, no qual foram aplicadas as suas poupanças, conquanto aplicadas sem estarem devidamente esclarecidos acerca das suas características, as quais não eram adequadas ao seu perfil de investidores, avessos ao risco, o que era do conhecimento do funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., com o qual os Autores lidavam e em quem estes confiavam, sendo que se aos Autores tivessem sido dadas completas informações sobre as características do produto financeiro que lhes foi proposto, lhes tivessem mostrado e explicado integralmente o conteúdo da nota informativa respeitante a esse produto, os Autores não o teriam adquirido, como muito bem sabia o funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA..

Está, pois, adquirido processualmente que os Autores não possuíam conhecimentos sobre o tipo do produto financeiro, concretamente, o papel comercial, e não sabiam avaliar, por isso, os riscos da aplicação neste produto financeiro, sendo certo que ficaram convencidos de que o seu dinheiro tinha sido investido numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto do Banco, garantido e assegurado pelo BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., um produto sem risco e com reembolso garantido.

Ademais se acentua, como está consignado no acórdão recorrido, “flui, da matéria de facto provada e não provada, que aos autores não foi fornecida qualquer informação sobre a natureza e o risco do papel comercial CNE antes da sua aquisição, até porque essa aquisição ocorreu sem a sua prévia consulta.

Não se provou que tenha sido entregue aos autores uma cópia ou sequer que lhes tenha sido facultada para consulta um exemplar da nota informativa relativa a este produto, nem sequer que o autor marido tenha sido informado de que as obrigações eram emitidas por uma sociedade que detinha o banco. Tal como não lhes foi explicado o que era o papel comercial.

Como se escreve na sentença recorrida, “a mera prova de que o Banco não previa, à data desta subscrição, a sua nacionalização ou entendia que nada desabonava sobre a entidade emitente não o exonerava de informar sobre a natureza do produto, sendo de todo inaceitável a alegação de que o produto em causa era tratado na banca como tendo o mesmo risco de um depósito a prazo.”

De resto, o funcionário do banco quando comunica aos autores a aquisição do produto financeiro aqui em análise limita-se a referir-lhes que o valor em causa lhes seria devolvido no prazo estipulado e que tal produto era seguro e tinha boa rentabilidade.

Nunca lhes foi explicado o risco que envolvia esse produto e a sua natureza, tal como não lhes foi transmitida a entidade do emitente nem quem garantia o produto. E o papel comercial, em termos de risco, é uma realidade bem diferente de um mero depósito a prazo. (…) Ora, nada disto foi comunicado aos autores antes destes terem procedido à aquisição de 750.000,00€ em papel comercial da CNE em seu nome, quando manifesto é que estamos perante um produto financeiro que nenhuma semelhança tem com um depósito a prazo e em que os seus riscos são claramente divisáveis, desde logo porque dependentes da própria solidez da sociedade que o emite, que, neste caso, se tratava de uma empresa sem dimensão assinalável e desconhecida para o comum dos cidadãos. (…) não pode deixar de se concluir que "in casu" ocorreu uma absoluta ausência de informação por parte do banco no que toca ao investimento feito em papel comercial da CNE.

E se entre o Banco e o seu cliente existe, em regra, uma relação de confiança, maior deve ser o cuidado do Banco no oferecimento de produtos financeiros e na captação de investimentos, sobretudo nos casos de iliteracia financeira: o cliente tem, razoavelmente, motivo para confiar.

Por isso, num caso como o dos presentes autos, perante o pouco conhecimento que os autores tinham dos produtos financeiros, que desconheciam o que fosse papel comercial, mais se impunha que o banco, através do seu funcionário, tivesse o maior cuidado na realização deste investimento, informando-os, com detalhe, das características do produto em causa. Conclui-se, por isso, que o Banco violou os deveres de informação que sobre si impendiam, pelo que se torna responsável pelos prejuízos causados à autora”.

Na verdade, a declaração que constitui a facticidade apurada, acabada de enunciar, deverá ser compreendida à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais - art.º 236º do Código Civil - donde, só pode significar que o BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. assumiu um compromisso perante os Autores, seus clientes, o do reembolso do capital investido no consignado produto financeiro. É isto que decorre das regras da normalidade do acontecer e da relação de confiança com uma instituição bancária que não pode deixar de ser ponderada no interesse do próprio sistema financeiro.

O BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. incumpriu o compromisso assumido de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objetivos dos Autores, enquanto investidores e clientes, de tal sorte que ao deixar de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, que lhe eram impostos, enquanto intermediário financeiro, tudo isto, no interesse legítimo dos seus clientes, aqui Autores, não cuidou de proceder com boa-fé.

Reconhecemos, pois, como verificada, a ilicitude da conduta do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento, sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual, impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, sendo que a culpa do devedor, ora Réu, é reconhecidamente grave, até pelo especial dever de diligência que impendia sobre o Banco/Réu, que desconsiderou.

Verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil contratual, concretamente, o facto ilícito, traduzido na prestação de informação errónea, no quadro de relação negocial bancária e intermediação financeira; a culpa, que se presume nos termos do direito substantivo civil, sendo que no caso em apreço está adquirido facticidade que a sustenta; e o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro, importa apreciar do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se os Autores, acaso tivessem sido informado das verdadeiras características do produto que adquiriram, a troco das entregas de dinheiro a que procederam, se não o teriam efetuado.

Como sabemos, a nossa lei substantiva civil ao tratar do pressuposto do nexo de causalidade, no âmbito da responsabilidade civil, estabelece a teoria da causalidade adequada, o mesmo é dizer que é necessário que, em concreto, a ação ou omissão tenha sido condição do dano; e que, em abstrato, dele seja causa adequada, perfilhando, assim, o nosso ordenamento jurídico, a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”

Outrossim, como já adiantamos, a quem alega o direito, cabe demonstrar a existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano, não se podendo presumir, quer o nexo de causalidade quer o dano, donde, para que se possa afirmar que o Banco/Réu é responsável pelo dano sofrido pelos Autores, necessário se torna que estes demonstrem o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, devendo o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos Autores, ser analisado através da demonstração, que decorre da matéria de facto, ou seja, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, os Autores não teriam investido naquela aplicação financeira, isto é, impõe-se que da facticidade demonstrada se possa concluir que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever o produto financeiro se lhes tivesse sido dito, pelo funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. que corriam o risco de perder o dinheiro investido.

Com vista a este particular pressuposto da responsabilidade civil, e rememorando a matéria de facto adquirida processualmente, concluímos que os Autores não teriam tomado a decisão de subscrever aquele produto financeiro se lhes tivesse sido dito, pelo funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. que corriam o risco de perder o seu dinheiro, importando, assim, retirar dos factos demonstrados, o necessário nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano, enquanto pressuposto da responsabilidade civil contratual, tão evidente se torna ao cotejar os factos concretos que permitem estabelecer o nexo entre o incumprimento dos deveres de informação e os prejuízos alegados pelos Autores, sendo de realçar que o funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. quando dá conta aos Autores da aplicação que havia feito do seu dinheiro lhes diz que se tratava de um produto novo do BPN para investimento, com garantia de reembolso do capital aplicado e do pagamento de juros e que o capital e os juros lhes seriam pagos no dia 22.2.2009, daí que, neste contexto, se o funcionário do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA. tivesse prestado as informações a que por lei estava obrigado, os Autores não teriam aplicado o seu dinheiro no papel comercial da CNE, o que seria suficiente para considerar verificado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelos autores e a conduta ilícita e culposa do BPN, agora, Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, SA., traduzida na violação dos deveres de informação que sobre si impendiam enquanto intermediário financeiro.

Ademais, o mencionado pressuposto da responsabilidade civil, atinente ao nexo de causalidade, vê reforçada a sua verificação quando, como se adianta no acórdão recorrido “no caso “sub judice” este nexo de causalidade surge ainda mais nítido, porquanto se deu como provado, inclusive, que o funcionário do banco, CC, tinha conhecimento de que se os autores soubessem que a aplicação tinha risco superior ao de um depósito a prazo ou ao dos fundos que possuíam, recusariam a feitura dessa aplicação.

Ou seja, patente é que se os autores tivessem na posse de informação rigorosa sobre as características do produto papel comercial da CNE e sobre os seus riscos não o teriam adquirido, razão pela qual se tem por verificado o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos por eles sofridos.


Tudo visto e em face da facticidade demonstrada, a subsumir juridicamente, nos termos consignados, não reconhecemos à argumentação aduzida pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A., virtualidade bastante no sentido de alterar a decisão recorrida, merecendo esta a aprovação deste Tribunal ad quem.


III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se a revista, mantendo-se, consequentemente, o acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente/Réu/BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A.

Notifique.


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022

                                                         

Oliveira Abreu (Relatora)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes