Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2127/18.3JAPRT.P1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: DECISÃO SUMÁRIA
Data da Decisão Sumária: 02/10/2021
Votação: ---
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: DECISÃO SUMÁRIA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 2127/18.3JAPRT.P1

Recurso penal

I.

1. No âmbito dos presentes autos foi a arguida AA condenada em sede de tribunal coletivo de 1ª instância, como autora de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido (p. e p.) pelo artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, na pena de 2 anos de prisão efetiva a cumprir em estabelecimento prisional.

2. Desta decisão veio interpor recurso para o Tribunal da Relação …… (TR…..), onde por decisão sumária de 14.04.2020, considerou improcedente o recurso da arguida, confirmando a condenação operada em sede de 1ª instância.

3. Tal decisão sumária foi mantida por acórdão de 14.10.2020, proferido no TR…..

4. Notificados os sujeitos processuais de tal acórdão por via eletrónica, em 15.10.2020, vem agora a arguida interpor recurso para o STJ, em 28.10.2020, cujas conclusões são do seguinte teor:

(…)

I.É entendimento da arguida que não foram respeitadas as normas e princípios legais que presidem ao nosso sistema processual penal, pelo que pretende um novo juízo de apreciação, agora por parte deste venerando Tribunal ad quem, enfatizando a importância de proceder à ministração dos necessários remédios jurídicos, nesta matéria.

II. Considerou, erradamente, o Tribunal a quo na senda do que também o Tribunal de primeira instância considerou que ficou provado que a recorrente se dedicava ao trafico de estupefacientes quando nada mais existe nos autos que sustente que as transcrições demonstrem algo mais do que a mera existência de uma conversa ou a existência de mensagens escritas.

III. Sem que de tais transcrições se possa retirar a conclusão que quer a conversa quer as mensagens evoluíram para uma efetiva entrega de estupefacientes.

IV. Desacompanhados de qualquer outro meio de prova as mesmas não podem ser suficientes para uma condenação.

V. E no caso concreto não há nada que possa corroborar ou ajudar o Tribunal a chegar à conclusão de que o que foi falado não foi mais do que isso: uma conversa.

VI. Não houve vigilâncias como noutras situações desta investigação e não foram intercetados quaisquer alegados compradores.

VII. Consideramos, pois, que no que diz respeito à ora recorrente o Tribunal a quo não respeitou os requisitos necessários à formação da convicção e consequentemente violou o princípio da presunção de inocência da recorrente, colmatando com uma injusta decisão da causa.

VIII. Não deveria assim, a arguida ter sido condenada pela prática destes factos concretos por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e Princípio in dúbio pro reo.

IX. A recorrente não se conforma, nem pode conformar, com a desproporcionalidade de uma pena de prisão efetiva que lhe foi determinada.

X. Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão vêm enunciados no art.50.º, n.º 1 do Código Penal.

XI.O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos e mostra-se, assim, preenchido.

XII.O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XIII. A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.

XIV. A reintegração do agente na sociedade, outra das finalidades da punição, está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

XV. Como facilmente se conclui da leitura do texto do Acórdão ora em crise o argumento fundamental para aplicação de uma pena efetiva foi a satisfação de uma das finalidades das penas, qual seja a da prevenção geral.

XVI. Na verdade, o facto de ter sido aplicada à recorrente uma pena efetiva espelha grandemente uma conceção negativa de prevenção especial que não é admissível no nosso sistema jurídico-penal.

XVII. Porém do percurso de vida da recorrente resulta que a mesma não é possuidora de uma personalidade voltada para a criminalidade e demonstra, pelo contrário, ser capaz de reorientar a sua vida para o cumprimento dos valores que lhe foram transmitidos (porque o foi toda a sua vida até este episodio isolado e nada indica o contrário).

XVIII. Compulsados os autos não podemos deixar de concluir pela existência de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro da arguida (pelo menos nada indica o contrário), acreditando que a severa censura do facto e a ameaça da pena de prisão, são mais do que suficientes para afastar a recorrente da criminalidade e continuar plenamente inserida na sociedade de forma útil e produtiva.

XIX. Entende a recorrente, por conseguinte, que o acórdão recorrido deverá ser revogado no segmento decisório respeitante à pena de 2 anos de prisão efetiva, devendo a mesma ser condenada em alternativa ser suspensa tal pena na sua execução, por igual período de tempo, assim se respeitando as normas dos artigos 70.º, 71.º, n.º 1, 50, n.º 1 e 53.º, n.º 3, todos dos Código Penal.

XX.O Tribunal a quo não fundamenta a razão do perdimento do veículo a favor do Estado apenas diz que foi instrumento essencial à prática do crime.

XXI. Sucede, porém, que o veículo não reveste tal essencialidade tamanha é a facilidade de deslocação alternativa hoje em dia.

XXII. Sendo que não foi considerado pelo Tribunal a quo o facto de a recorrente não ser a proprietária do veículo em questão uma vez que o mesmo está a ser adquirido com recurso ao crédito bancário e existir uma reserva de propriedade a favor da instituição de crédito.

XXIII. Consequentemente, por inexistirem os pressupostos de perdimento a que alude o artigo 35 do Decreto-lei 15/93, deve ser revogada a decisão de perdimento no que concerne ao veículo referido.

XXIV.O Tribunal a quo não atendeu, assim, em nosso entender, como devia: à personalidade da recorrente que resulta dos factos provados e do seu relatório social de fls…, as consequências do seu acto, o grau de ilicitude e de culpa, a confissão e o arrependimento, e acima de tudo a sua capacidade de interiorizar a pena como ressocializante e justa, e nunca repressiva e desmoralizante.

PRINCÍPIOS E DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS OU INCORRETAMENTE APLICADAS:

Artigo 40.º do CP;

Artigo 50.º do CP;

Artigo 32.º da CRP;

Artigo 21.º do DL 15/93, de 22.01;

Princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

(…)

5. Este recurso foi admitido por despacho de 6.11.2020.

6. O Magistrado do Ministério Público junto do TR….. respondeu ao recurso, colocando, desde logo, a questão da inadmissibilidade do mesmo, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:

(…)

3. Manifestamente, a decisão ora recorrida não admite recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, quer porque a pena de prisão imposta à recorrente AA é de medida não superior a 5 anos, quer porque o acórdão proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação ….., confirmou a decisão de primeira instância e aplicou pena de prisão de medida não superior a 8 anos (art.º s 400º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, l. b), do CPP), cfr.  Ac. STJ, de 13-02-2013 e Ac. STJ de Fixação de Jurisprudência nº 14/2013.

4. Deve assim ser rejeitado o recurso.

Ainda que assim se não entenda,

5. Quanto à não violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo. Nunca a arguida evidencia qualquer vício que resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, apenas, na sua motivação e conclusões, a arguida afirma, relativamente à prova, que nada mais existe nos autos que sustente que as transcrições demonstrem algo mais do que a mera existência de uma conversa ou a existência de mensagens escritas.

6. A violação do princípio in dubio pro reo, só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido (Neste sentido o Ac. STJ de 16- 05-2007, CJ (STJ), T2, pág.182).

7. Porém, a matéria de facto considerada como provada revela a prática, pela arguida AA, de uma atividade muito importante no tráfico a que todos os arguidos se vinham dedicando.

8. Com o recurso, sobre a matéria de facto e de direito, da decisão de 1.ª instância, para o Tribunal da Relação ……, foi assegurado um efetivo duplo grau de jurisdição, em matéria de facto.

Consequentemente, esgotaram-se os meios de apreciação da matéria de facto legalmente previstos (cfr. Acórdão do STJ de 24.10.2001, proc. 3033/01, 3ª).

9. O regime legal que consagra um efetivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto, restringe a intervenção do STJ ao conhecimento apenas de direito, em situações como a dos presentes autos.

10. Improcede, pois, a alegada violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro reo.

11. Quanto à não desproporcionalidade da pena de prisão efetiva que lhe foi determinada (cfr. conclusões IX e XVII da motivação da arguida).

Como resulta da matéria de facto considerada provada, é patente a gravidade da conduta da arguida, ora recorrente, e a relevância da sua intervenção na atividade de tráfico que vinha sendo desenvolvida pelos diferentes arguidos (“a arguida AA angariava clientes para o seu companheiro, à data dos factos, BB; cedeu-lhe o seu …… para proceder ao transporte e entregas de produto estupefaciente; entregava droga à tia CC à consignação; não trabalhava; e recebeu daquela tia, no período dos factos, na sua conta bancária a quantia de 3.300 euros; encontrava-se, à data dos factos, sujeita a medida de OPHVE indiciada pela prática de crime de tráfico de estupefacientes; em sua casa foram encontrados: a chave suplente do ….., 18 (dezoito) cartões … intactos, um telemóvel … e uma fatura recibo relativa à compra à …. de um telemóvel pelo valor de 227,56 euros. Esta arguida não tem antecedentes criminais. Tudo ponderado o Tribunal julga justa e adequada a pena de 2 anos de prisão”).

12. A pena fixada, de dois anos de prisão, mostra-se ser adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados pela arguida, e indispensável para assegurar as fortíssimas exigências de prevenção, quer geral quer especial, tendo a decisão recorrida observado os critérios fixados no art.º 71.º do CP, para a sua determinação, designadamente, o elevado grau de culpa da arguida e as fortíssimas exigências de prevenção, pelo que deverá ser mantida.

13. Quanto à não verificação dos pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão:-a circunstância da arguida ter praticado os factos aqui em causa enquanto se encontrava sujeita à medida de OPHVE indiciada já pela prática de crime de tráfico compromete definitivamente formulação do necessário juízo favorável de prognose social.

14. Como salienta Maria João Antunes, “a defesa da ordem jurídica e da paz social – o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva – atua como limite às exigências de prevenção especial. Em caso de conflito, prevalecerá o conteúdo mínimo da prevenção geral positiva. Ainda que a escolha da pena não privativa da liberdade seja compatível com a reintegração do agente na sociedade, o tribunal não dará preferência a tal pena, se esta não realizar de forma adequada e suficiente a finalidade de proteção do bem jurídico violado com a prática do crime”.

16. Foi feita uma correta interpretação do disposto nos artigos 40º, nº1 e 50º, nº1 do Código Penal e foi essa interpretação que levou à decisão de não suspender a execução da pena à arguida, pois tal decisão não asseguraria, de forma adequada e suficiente, a finalidade de proteção do bem jurídico violado com a prática do crime – a saúde pública.

17. Quanto à declaração de perdimento do veículo (marca “…..”, modelo …, com a matrícula …-TD-…) a favor do Estado: - A atual redação do art.º 35.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, introduzida pela Lei 45/96 de 03/09, suprimiu a exigência, para declaração de perda, de que os instrumentos ou produtos do crime, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, pusessem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de vir a ser utilizados para o cometimento de novos crimes.

18. Estamos perante uma “norma especial que, em obediência a um desígnio de reforço da reação penal relativa ao tráfico de estupefacientes, derroga a norma geral do art.º 109.º do CP” (cfr. Ac. STJ, de 28.01.1998, BMJ 473/166, e Ac. TRG de 17.03.2003, CJ, XVIII, 3, p. 291).

19. Vem, contudo, sendo entendido ser necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objeto em causa. E, que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime.

20. Sem a utilização pelo arguido BB do veículo …-TD-... o crime não teria sido praticado, ou teria sido praticado de forma essencialmente diferente. Por outro lado, a utilização pelo arguido BB do veículo …-TD-... tornou a prática do crime significativamente mais fácil, sendo que essa prática foi reiterada e prolongada no tempo. Acresce, ainda, que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime.

21. O tráfico de droga é um verdadeiro flagelo da sociedade, razão pela qual os governos de vários estados, designadamente o português, têm movido um sério combate a esta atividade ilícita, apresentando-se a perda dos objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infração (prevista no DL 15/93, de 22/01) como a forma mais adequada de efetivar e vencer esse combate.

Deverá, pois, também nesta parte, ser considerado improcedente o recurso da arguida.

Assim, deverá ser negado provimento ao recurso. (…).

7. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, onde no Parecer a que alude o artigo 416.º, n.º 1, do CPP, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta entendeu que o recurso deve ser rejeitado, por inadmissibilidade.

8. Foi cumprido o artigo 417.º, n. º 2 do CPP, nada tendo sido dito.

9. Nos termos do disposto no artigo 417.º, n.º 6, alínea a), do CPP, profere-se a seguinte:

Decisão Sumária:

10. Vem o Ministério Público em ambas as instâncias suscitar a inadmissibilidade do recurso devendo, assim, ser rejeitado.

11. Apreciemos.

Nos termos do disposto no artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, que não é admissível recurso “de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos” [al. e)] e “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos” [al. f)], isto é, se ocorrer uma situação de verificação de dupla conforme.

Da conjugação destas disposições, resulta que só é admissível recurso de acórdãos das Relações que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância. Esta regra é aplicável quer se trate de penas singulares, aplicadas em caso de prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.

No sentido da conformidade constitucional desta interpretação da norma da al. f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP pode ver-se o acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional (TC) n.º 186/2013, de 4.4.2013, DR, 2.ª Série, de 09.05.2013, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante da alínea f), do nº 1, do artigo 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação de que, havendo uma pena única superior a 8 anos, não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a matéria decisória referente aos crimes e penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão”.

12. Este regime de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (assim, Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, 2007, Vol. I, p. 516), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos humanos (artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – segundo o qual “qualquer pessoa declarada culpada de crime terá o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade e a sentença, em conformidade com a lei” – e artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Protecção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais – de acordo com o qual “qualquer pessoa declarada culpada de uma infracção penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de culpabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei”).

E como tem sido repetido pelo TC, em jurisprudência firme, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição” ou de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias”.

13. Estão, assim, estabelecidos dois pressupostos de irrecorribilidade: o acórdão da Relação confirmar a decisão de 1ª instância e a pena aplicada na Relação não ser superior a 8 anos de prisão. Isto é, havendo uma decisão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1ª instância que aplicou uma pena inferior a 8 anos de prisão – a chamada dupla conforme – o recurso para o STJ só é admissível quando a pena exceda 8 anos de prisão.

14. Ora, a decisão recorrida, o acórdão da Relação ….. confirmou, sem alterações da matéria de facto ou de qualificação jurídica, a condenação no tribunal de 1.ª instância da arguida, ora recorrente, na pena de 2 anos de prisão efetiva.

15. Donde, em tal óptica, não é admissível recurso do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça, procedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público sobre a inadmissibilidade do presente recurso.

16. Inexistindo recurso para o Supremo, da decisão recorrida, precludidas ficam as questões que o integram, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, por não se situarem no âmbito, legal, do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça.

17. O acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso é, pelo exposto, irrecorrível, pelo que não devia ter sido admitido - artigo 414.º, n.º 2 do CPP.

Apesar de ter sido admitido o recurso, a decisão que admite o recurso, ou que determine o efeito que lhe cabe, ou o regime de subida não vincula o tribunal superior - artigo 414.º, n.º 3, do CPP.

18. Assim, o recurso interposto pela recorrente AA não é admissível, pelo que vai rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 414.º n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), ambos do CPP.

19. Nos termos do disposto no n.º 3, do artigo 400.º, do CPP, se o recurso for rejeitado, o tribunal condena o recorrente ao pagamento de uma quantia entre 3 UC e 10 UC.

20. Em conformidade com o exposto, decide-se:

       a). Rejeitar o recurso interposto por AA por o mesmo não ser admissível, nos termos do disposto nos artigos 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

      b). Nos termos do artigo 420.º, n.º 3 do CPP, a recorrente pagará a importância de 3 (três) UC.

10 de Fevereiro de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP.



Margarida Blasco (Relatora)