Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
36/10.3TREVR.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA
JUIZ
MINISTÉRIO PÚBLICO
PROCESSO RESPEITANTE A MAGISTRADO
DOLO
VIOLAÇÃO DE DEVERES FUNCIONAIS
Data do Acordão: 06/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - FACTO / PRESSUPOSTOS DA PUNIÇÃO
DIREITO PROCESSUAL PENAL - INSTRUÇÃO
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ESTATUTOS PROFISSIONAIS - MAGISTRADOS JUDICIAIS
Doutrina: - Eduardo la Couture, citado no proémio da Lei Uniforme sobre o Cheque, comentada por Abel Delgado e Filomena Delgado.
- Luís Osório, Notas ao Código Penal, CP de 1886, vol. II, p.578.
- Noronha da Silveira, “O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, p. 171.
- Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, pp. 961, 962.
-Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p.145; Direito Processual Penal, Vol. I, 133.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CP): - ARTIGOS 283.º, N.º1, 286.º, N.º1, 288.º, N.º1, 294.º, 308.º, N.º1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 14.º.
ESTATUTO DAS MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGO 5.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 28.6.2006, PROCESSO N.º 06P2315.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 375/2000, DR II SÉRIE, DE 16/11/2000.
Sumário :

I - No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente, até porque, a ser diferente, ou seja, de todas as vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar, os Magistrados Judiciais ou do MP incorressem num crime de prevaricação, estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro.

II - A actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva, independentemente das fontes (estadual ou não estadual) e da natureza pública ou privada, substantiva ou processual, incluindo os princípios vertidos em normas positivas designadamente na DUDH, PIDCP e CEUD.

III -A actuação contra o direito não abrange apenas a interpretação objectivamente errada, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma; a aplicação da norma é contra o direito se, reconhecendo-se uma certa discricionariedade, o aplicador se desvia do fim para que foi criada a discricionariedade, incorrendo, então, na prática do crime.

IV -O crime de denegação e prevaricação é doloso, o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação com dolo (art. 14.º do CP), como resulta do uso “conscientemente” no descritivo típico; o tipo agravado do n.º 2 não prescinde de uma especial intenção criminosa, de prejudicar ou beneficiar alguém, na forma de dolo específico.

V - No caso em apreço, no processo de falência Y existia dinheiro depositado mais que suficiente para logo se dar pagamento aos credores reconhecidos, restituindo-se o sobrante ao recorrente, calculado aproximadamente, reservada uma parcela para remuneração ao administrador, mas quanto à reabilitação do falido impunha-se o trânsito em julgado da sentença, para cancelamento definitivo do registo da falência.

VI -As arguidas estavam convencidas de que o seu procedimento de se alcançar o trânsito e a liquidação era o legal e, por isso, se aguardou pelo trânsito e liquidação, discordando o recorrente da marcha imprimida ao processo, mas isso não é bastante para se concluir que tenham violado, com essa também razoável opção procedimental, quaisquer deveres funcionais, sobretudo para se concluir que, maliciosamente, o privaram do dinheiro a que tinha direito e receberia depois.

VII - A entrega prévia era possível; a homologação e a liquidação, findo o processo, o caminho mais chegado à ritologia da lei; este o duplo cenário viável, mas sem que se possa concluir pela actuação das arguidas com dolo genérico ou específico, em ostensivo, chocante e altamente reprovável violação dos deveres funcionais que sobre si impendiam.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

AA participou criminalmente contra a Drª BB (Juiz de Direito) e contra a DrªCC (Magistrada do Mº P.º ), em serviço no Tribunal Judicial de Tavira , na data dos factos , referindo em síntese que as mesmas produziram conscientemente despachos judiciais e promoções destituídos de qualquer fundamento factual ou legal, no P.º de falência  n.º 189/90 , daquele Tribunal , sabendo que assim lesavam patrimonialmente o participante, imputando-lhes a prática do crime de denegação de justiça e prevaricação p. e p. p. artº 369º, números 1 e 2 do C. Penal.

                O inquérito preliminar que se seguiu , e que correu termos por força da qualidade de magistradas judicial e do M.ºP.º ,das denunciadas , pelo competente Tribunal da Relação foi arquivado .

                Ao abrigo do disposto no artigo 287º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Penal (CPP), veio o participante requerer a sua constituição como assistente e a abertura de instrução, arrolando uma testemunha.

                Teve lugar debate instrutório e , finda a instrução , foi proferido despacho de não pronúncia na esteira do que a Exm.ª Magistrada do M.º P.º e os defensores das arguidas propugnaram , ou seja .pela falta de preenchimento dos elementos constitutivos de crime denunciado .

Inconformado recorre o assistente para este STJ ,apresentando  na motivação as seguintes conclusões :

a)            As arguidas tinham pleno conhecimento de que se encontrava apreendida à ordem dos autos a quantia de 522.650,00 euros;

b)            As arguidas tinham pleno conhecimento de que responsabilidades do assistente eram de montante inferior a 100.000,00 euros;

c)            A arguida Dra.CC promoveu a manutenção da apreensão da quantia de 522.650,00 euros para pagamento de responsabilidades do assistente de valor inferior a 100.000,00 euros;

d)            A arguida Dra. BB proferiu despacho no sentido da manutenção da apreensão da quantia de 522.650,00 euros para pagamento de responsabilidades do assistente de valor inferior a 100.000,00 euros (valor dos créditos das empresas identificadas na sentença homologatória da transacção -70.967,48 euros - e honorários do Administrador - 7.500,00 euros);

e)            As duas arguidas tinham plena consciência que a quantia apreendida ultrapassava em muito o montante das responsabilidades do assistente;

f)             As duas arguidas sabiam que ao manterem a referida apreensão violavam a lei uma vez que a apreensão de bens só é legítima na medida do absolutamente necessário para a satisfação do interesse do credor, conforme decorre da Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo art. 172 determina que ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade; o art. 17- da Carta dos Direitos Fundamentais, que protege o direito de propriedade; a Constituição da República Portuguesa, que no art. 62º que garante o direito de propriedade e estabelece as restrições que o mesmo pode sofrer; o art. 821º, nº 3, do CPC, que estabelece o princípio de que a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda, princípio este que, face á sua natureza substantiva, se tem de considerar aplicável a todos os processos em que exista apreensão de bens por determinação judicial com vista à satisfação de direitos de crédito (o processo de falência comporta uma fase declarativa (até ao momento em que é decretada a falência) e uma fase executiva na parte respeitante à satisfação dos créditos dos credores);

f) As duas arguidas sabiam que com a sua actuação privavam o assistente do uso da quantia de 422.650,00 euros, ou seja, do valor que ultrapassava o montante das suas responsabilidades.

3.            As arguidas actuaram conscientemente porque os actos por si praticados no processo no processo exprimiram aquilo que foi efectivamente a sua vontade naquele momento.

4.            Ao promoverem e decidirem, no processo 189/90, no sentido da manutenção da apreensão da quantia de 522.650,00 euros para pagamento de quantia de valor inferior a 100.000,00 euros, as arguidas sabiam ou não podiam ignorar que actuavam contra lei, pelo que incorreram na prática do crime p.p. nos termos do art. 369º, nº 1, do CP.

5.            Porque existem indícios suficientes nos autos, as arguidas deveriam ter sido pronunciadas pela prática do referido crime, com referência aos factos referidos no requerimento de abertura de instrução cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6.            A decisão instrutória violou o disposto no art. 308º do CPP e no art. 369º, nº 1, do CP.

Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a decisão instrutória e determinar-se a pronúncia das arguidas nos termos e pelos factos constantes do requerimento de abertura de instrução.

Opôs-se o M.ºP.ºà pretensão do assistente .

Colhidos os legais vistos cumpre decidir :

A imputação de que o juiz prevaricou no exercício das suas funções ou denegou justiça aos seus concidadãos é das mais graves acusações de que pode ser alvo , assim sendo considerado já no direito romano , por ser da essência do seu munus dizer o direito , compor interesses e fazê-lo de modo justo e em recta consciência .

No âmbito do CP de 1886-vol.II , Notas ao Código Penal , 578 , comentava Luís Osório que , o preceito do art.º 284 .º previa e protegia o interesse administrativo do Estado à recta administração da justiça contra as autoridades públicas que profiram decisões manifestamente injustas , por favor ou ódio ; no CP actual  prevê-se no art.º 369.º n.º1 ,o procedimento do funcionário que , além do mais , no âmbito do processo jurisdicional ,conscientemente e contra direito , promova ou deixe de promover , conduza , decida ou não decida ou pratique acto no exercício das sua funções , agravando a sua responsabilidade criminal a circunstância de o facto ser praticado com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém –n.º 2 .

Comentando o preceito Paulo Pinto de Albuquerque , in Comentário do Código Penal , pág. 961 , escreve que o objectivo da incriminação é o de acautelar a realização da justiça , na sua vertente da integridade dos órgãos da administração da justiça , incluindo os Magistrados , funcionários e órgãos colaboradores da justiça , pelo que se está em presença de um crime de dano , mas também específico próprio no sentido de só poder ser praticado por quem reúne certas qualidades .

A instrução , que é uma fase judicial situada a meio caminho entre o inquérito e o julgamento , tem como objectivo a comprovação pelo juiz do acerto da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento –art.º 286.º n.º1 , do CPP .

Dirigida pelo juiz,  a ele compete investigar autonomamente o caso submetido a instrução , movendo-se dentro dos precisos limites factuais , do requerimento de abertura de instrução (art.º 288.ºn.º1 , do CPP) que desempenha a função de acusação , e como tal deve ser estruturado , de vinculação temática , com o sentido de , como teoriza Figueiredo Dias , in Direito Processual Penal , Coimbra Editora , 1974 , 145 ., nele se integram os princípios da identidade , unidade ou indivisibilidade e da consumpção do objecto do processo penal , com o significado de que o objecto do processo deve manter-se o mesmo da acusação ou trânsito , deve ser conhecido e julgado na sua totalidade de forma unitária e indivisível e mesmo quando o não tenha sido deve ter-se por irrepetívelmente decidido .

A propósito dos factos assentes no processo matéria sobre a qual não se suscitam dúvidas , pois estão documentalmente comprovados, consideramos que :

1 – No dia 17.12.2007 foi, no processo de falência nº 189/90, que corria termos no Tribunal Judicial de Tavira, lavrado termo de transacção com o seguinte teor e que se transcreve  :

                ''TERMO DE TRANSACÇÃO                CINETICUM-SOCIEDADE TURÍSTICA E IMOBILIÁRIA DO ALGARVE, SA, na qualidade de requerente habilitada nos autos de falência à margem identificados e AA, na qualidade de requerido na instância falimentar, vêm, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do art° 300° do Código de Processo Civil , posto em vigor pelo Dec.Lei 44129 de 28/12/1961, apresentar o termo de transacção, que fica subordinado aos seguintes pressupostos e às seguintes clausulas:

                A-PRESSUPOSTOS

                1- A requerente da falência Cineticum, S.A. é nesta data titular de cerca de 99% dos créditos reclamados pelos quais responde a Massa Falida, conforme se registou na sentença de graduação de créditos, a fls. 1400, 1401 e 1402;

                2- Para além da requerente são ainda credores as pessoas jurídicas a seguir identificadas pelos valores que vão, também indicados:

                a) Electro Metalúrgica Hora Avante, Lda., pelo valor de 12.206,39 €;

                b) Sicofato - Sociedade de Confecções, Lda., pelo valor de 11.061,82 €;

                c) Utilmóvel- Sociedade de Representações, Lda., pelo valor de 18.188,01 €;

                d) Balio e Ramos, Lda., pelo valor de 5.173,27 1 €;

                e) AC Lima e Godinho, Lda., pelo valor de 19.048,89€;

                f) Carnady, Confecções, Manufacturas, Importação e Exportação, Lda., pelo valor de 3.936,75 €; 

                g) ATS - Agência de Transportes e Serviços, Ida., pelo valor de 7.448,67 €

                3- Quanto ao crédito do Centro Regional de Segurança Social de Faro, no valor de € 95.476,25; o mesmo mostra-se pago conforme consta de fls. 364 e 1130 e na sentença proferida no Apenso de Embargos à Falência.

                4- O valor total dos referidos créditos ascende, pois, a € 77.063,80.

                5-À ordem do processo falimentar, integrando a Massa Falida, mostra-se depositada em numerário quantia não inferior a €450. 000,00.

                B-CLÁUSULAS

                PRIMEIRA: Requerente da falência e requerido estão de acordo em que os créditos das pessoas jurídicas identificadas no nº 2 dos pressupostos sejam integralmente pagos através dos valores em numerário depositados à ordem destes autos.

                SEGUNDA: A requerente da falência concede o perdão ao falido, sob condição de a presente transacção ser homologada por decisão transitada em julgado.

                TERCEIRA: Por força do disposto nas clausulas precedentes, autorizados e efectuados os pagamentos aos credores a que se reporta a clausula 1, deverá levantar-se a inibição do falido, atento o regime consignado na al. b) do artº 1283° do CPC de 1961.

                QUARTA: Levantada a inibição do falido, deverá decretar-se a sua reabilitação uma vez que a sua falência só pode ser classificada como casual na medida em que o processo crime instaurado por alegada fraude se mostra arquivado por decisão já transitada em julgado, como consta dos autos.

                QUINTA: Requerente da falência e requerido pretendem, por esta via alcançar a extinção da presente instância uma vez que, nos termos transaccionados, nenhum credor reclamante sairá prejudicado.

                SEXTA: Finalmente, e atento o disposto no artº 1° do Decreto-Lei nº 385/2007 de 19 de Novembro ambos requerem a dispensa do pagamento de custas, não havendo lugar à restituição do que entretanto foi pago nem motivo para elaboração da respectiva conta.

                SÉTIMA: Requerente e requerido no processo de falência aceitam o presente termo de transacção no exactos termos em que ele se mostra formalizado e o subscrevem.''     

                  A Sr:ª Procuradora-Adjunta Drª CC (autora das promoções do MP referidas infra), após inicialmente afirmar a sua não concordância com os termos da transacção aludida em 1), por pendência de duas questões alegadamente prejudiciais (fls. 2790 dos autos de falência nº 189/1990 apensos), veio a manifestar nos respectivos autos nada ter a opor à homologação do termo de transacção.

2. No dia 14.10.2008 foi proferida pela Juiz de Direito Drª BB , autora de todos os despachos judiciais referidos infra, no processo antes referido a sentença homologatória dela constando , além do mais , que se transcreve :

                "A–PRESSUPOSTOS

                1- A requerente da falência Cineticum, SA é nesta da titular de cerca de 99% dos créditos reclamados pelos quais responde a Massa Falida, conforme se registou na sentença de graduação de créditos, a fls. 1400, 1401 e 1402;

                2- Para além da requerente são ainda credores as pessoas jurídicas a seguir identificadas pelos valores que vão, também indicados:

                a) Electro Metalúrgica Hora Avante, Lda., pelo valor de 12.206,39 €;

                b) Sicofato - Sociedade de Confecções, Lda., pelo valor de 11.061,82 €

                c) Utilmóvel - Sociedade de Representações, Lda., pelo valor de 16.835,08 €;

                d) Balio e Ramos, Lda., pelo valor de 5.173,26 €;

                e) A. C. Lima Godinho, Lda., pelo valor de 14.305,51 €;

                f) Carnady, Confecções, Manufacturas, Importação e Exportação, Lda., pelo valor de 3.936,75 €;

                g) ATS - Agência de Transportes e Serviços, Lda., pelo valor de 7.448,67 €;

                3- Quanto ao crédito do Centro Regional de Segurança Social de Faro, no valor de 95.476,25 €; o mesmo mostra-se pago conforme consta de fls. 346 e 1130 e na sentença proferida no Apenso de Embargos à Falência.

                4- O valor total dos referidos créditos ascende, pois, a  70.967,48 €;

                5- À ordem do processo falimentar, integrando a Massa Falida, mostra-se depositada em numerário quantia não inferior a 485.511,87 €.

                B - CLÁUSULAS

                PRIMEIRA: Requerente da falência e o Requerido estão de acordo em que os créditos das pessoas jurídicas identificadas no n.º 2 dos pressupostos sejam integralmente pagos através dos valores em numerário depositados à ordem destes autos.

                SEGUNDA: a requerente da falência concede o perdão ao falido, sob condição de a presente transacção ser homologada por decisão transitada em julgado.''

                Em consequência, condena-se e absolve-se nos precisos termos referidos supra - cf. artigos 293º, n.º 2, 300º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil “ .

                No dia 26.11.2008, o agora assistente, antes declarado falido , apresentou no mesmo processo , um requerimento declarando que , por se mostrarem   pagos todos os créditos reclamados nos autos e perdoado o crédito da requerente deve ser  levantada a inibição , decretar-se a reabilitação do requerente,  o cancelamento de todos os registos derivados da falência e que o valor em numerário, depositado à ordem dos autos, lhe seja imediatamente devolvido, depois de deduzida a quantia de €70.967,48 destinada ao pagamento de credores devidamente identificados, na douta sentença que homologou o termo de transacção. 

                               Na imediata sequência processual a arguida , Sr.ª  Juíza BB , ordenou que se procedesse pela Secção às diligências necessárias com vista ao pagamento dos créditos reclamados conforme a transacção celebrada , à custa do dinheiro depositado à ordem da massa falida.

                No dia 30.01.2009, o requerido no processo referido  (ora assistente) apresentou no mesmo um requerimento em que , além do mais , fez questão de salientar  que  já decorreram mais de dois meses e meio desde a data em que transitou em julgado a sentença homologatória da transacção que pôs termo à instância falimentar.

Todavia, continua o requerente inibido do exercício da actividade comercial, privado de receber a sua correspondência, com termo de residência fixado, impossibilitado de administrar os seus bens e sujeito à intolerável tutela de um administrador e de um síndico.

Todo o património imobiliário e em numerário que integrava a massa falida e cujo valor ascende actualmente a mais de dez milhões de euros (cfr. avaliação existente nos autos), continua apreendido.

Os efeitos do termo de transacção ficaram, naturalmente, subordinados ao pagamento dos credores nele identificados pelo que a situação do ora requerente se manterá inalterada durante meses, senão mesmo muitos anos, enquanto não forem pagos os referidos credores, sendo certo que, como consta do processo, alguns deles já se extinguiram, ou mudaram a sua sede para local desconhecido e a maioria, para não dizer a totalidade, não tem advogado constituído.

Deste modo, as cartas ou notificações que lhes forem remetidas irão fatalmente ser devolvidas como aliás vem acontecendo há muito tempo, facto que o Tribunal não ignora.

Quaisquer informações que venham a revelar-se necessárias para se apurar o paradeiro dos credores em causa ou dos seus legais representantes irão arrastar-se ao longo de meses, ou talvez de anos, sem que seja de presumir a sua efectiva concretização.

                O requerente não pode ficar indefinidamente na situação atrás descrita, que é intolerável, excessivamente gravosa, susceptível de gerar avultadas responsabilidades de natureza pessoal e patrimonial, porque viola claramente a lei, nomeadamente o art° 294º do CPC

                Assim  requereu que fosse imediatamente proferido despacho sobre o requerimento que apresentou nos autos em 26/11/2008, levantando-se a inibição a que o requerente se encontra sujeito e determinando-se a sua reabilitação, que seja ordenado o cancelamento imediato de todas as inscrições no registo predial que incidem sobre os bens imóveis que integravam a massa falida, que seja ordenado o cancelamento imediato da inscrição respeitante à sua falência na conservatória do registo comercial competente e que seja ordenado ao Sr. Administrador e ao Síndico que procedam à entrega ao requerente da quantia que se encontra depositada na Caixa Geral de Depósitos, deduzida dos valores destinados ao pagamento dos credores identificados na douta sentença que homologou o termo de transacção, reservando uma quantia destinada ao pagamento de honorários ao Sr. Administrador da falência, a qual se estima em quantia não excedente a €5.000.00, face ao reduzido trabalho realizado.

                Decidiu a arguida no sentido de os autos serem presentes ao M.º P.º, com carácter de urgência, para querendo se pronunciar sobre o teor do requerimento que antecedente e que  com carácter de urgência deverá a secção dar cumprimento ao despacho de fls. 2862..

O M.ºP.º apresentou, em 12.03.2009, no apenso K,  requerimento em que fez questão de sublinhar que na presente acção de falência se verifica que há créditos por satisfazer em montante inferior a 100.000,00€., estando  apreendidos à ordem da falência bens de valor muito superior àquele que está, neste momento, em dívida aos credores.

“ Na verdade, está apreendida à ordem da falência, para além de inúmeros bens imobiliários, a quantia de 522.650,40 euros, conforme fls. 1454 do presente apenso, depositada em conta bancária. Esta quantia é, pois muito superior ao valor dos créditos em dívida pelo que a manutenção da apreensão dos demais bens é desnecessária. Pelo exposto, vem o Ministério Público desistir da apreensão de todos os bens que não as quantias depositadas em conta bancária.''

Sobre o requerimento referido recaiu despacho judicial proferido a 16.03.2009, com o seguinte teor:

                ''Face ao decidido no processo principal (despacho que homologou a transacção) e à posição assumida pelo síndico na promoção que antecede, determino o levantamento das apreensões que incidem sobre todos os bens que fazem parte da massa falida, que não, as quantias depositadas em conta bancária.''

               

                Do despacho em causa  não foi interposto recurso.

O liquidatário judicial apresentou no processo referido, no dia 18.03.2009, as contas da liquidação, onde se indica como total de receitas a importância de 558.597,65, como total de receitas 19.227,49 e como saldo da liquidação 539.370,16 €

                No dia 19.03.2009, o assistente apresentou um requerimento em que,  além do mais , disse que mostrando-se pagos todos os créditos reclamados nos autos e perdoado o crédito da requerente, deverá ordenar-se o levantamento da inibição do requerido e depois de levantada a inibição deve,  também,  decretar-se a reabilitação do requerente e, como consequência do levantamento da inibição e da reabilitação do requerido, requereu  o cancelamento de todos os registos derivados da falência.

Mais salientou não caber nas atribuições do Exmº Síndico desistir da apreensão e pediu esclarecimento  se o continua em estado de falência, ou se a instância falimentar se extinguiu após o trânsito em julgado da douta sentença que homologou a transacção, caso em que a apreensão de bens é ilegal ,  privando-o  do uso e administração de €422.650,40,  quantia que permanecia  apreendida sem que razão alguma o justifique.

No dia 03.04.2009 foi, no processo falimentar , proferido despacho judicial ordenando –se que “O presente processo deverá continuar a ser tramitado com carácter de urgência “ .

E porque , despachou-se ,  a sentença que homologou a transacção não se mostra regularmente notificada à credora "UTILMÓVEL, LDA" porquanto resulta dos autos que esta terá sido declarada falida  foi determinado que se notificasse  o despacho que homologou a transacção à credora referida, na pessoa do seu Administrador, sendo este ainda, para que, se assim o entender, informar que prescinde do prazo de recurso e solicitar o pagamento do montante que lhe coube receber.

E mais se reiterou que uma vez que a sentença que homologou a transacção ainda não se mostra transitada em julgado e atento o teor do despacho proferido supra, deverão as diligências em curso aguardar pelo decurso do prazo de recurso da credora UTILMÒVEL ou declaração de que prescinde do mesmo e mantém-se a apreensão das quantias depositadas por se mostrar necessário ao pagamento dos créditos reclamados e honorários do Sr. Administrador.'

O despacho referido foi notificado ao requerido (ora assistente) através de nota de 08.04.2009, não tendo do mesmo interposto recurso

A sentença homologatória referida transitou em julgado no dia 24.04.2009.

No dia 30.07.2009 foi proferido despacho judicial (pela Juiz de Direito Drª DD) com o seguinte teor (extracto):

''Compulsados os elementos constantes nos autos, mostram-se pagos os créditos identificados e perdoado o crédito da requerente:

Por outro lado, mostra-se junta aos autos cópia simples do despacho de arquivamento proferido pelo Digno Magistrado do Ministério Público, nele se concluindo pela inexistência de indícios suficientes que permitissem a dedução de acusação contra o aí arguido AA pelo crime de falência dolosa. Assim sendo decido :

A. Levantar a inibição do falido AA;

B. Decretar a sua reabilitação;

C. Levantar a apreensão das quantias que suplantem o necessário para pagamento dos créditoreclamados e honorários devidos e, por conseguinte, que tais quantias lhe sejam devolvidas.''A arguida Drª BB tomou conhecimento das contas da liquidação apresentadas pelo liquidatário no dia 03.04.2009.

A arguida Drª CC tomou conhecimento das contas da liquidação apresentadas pelo liquidatário no dia 08.04.2009.

No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente até porque ,a ser diferente , ou seja se todas vezes que o destinatário da decisão dela discorde , seja porque se não se aplicou a lei ,se seguiu interpretação errónea na sua aplicação ,se praticou um acto ou deixou de praticar , os Magistrados Judiciais ou do M.º P.º incorressem  num crime de prevaricação estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial , a bel prazer do interessado , pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados , a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei , paralisando-se a administração da justiça , com gravíssimas , intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando , por isso mesmo ,  a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro .

No dia em que o juiz acorde assediado por esse supracitado  temor , o poder judicial esboroar--se –à sem apelo e nem agravo ;no dia em que tal suceder nenhum cidadão poderá mais sair à rua em sossego , escreveu Eduardo la Couture , citado no proémio da Lei Uniforme sobre o Cheque , comentada por Abel Delgado e Filomena Delgado .

Por isso que se consagra no EMJ , como princípio , a irresponsabilidade dos juízes pelas sua decisões , tanto ao nível penal, cível ou disciplinar, salvos casos previstos na lei- art.º 5.º e se delimitam no seu n.º 3 as condições em que pode ser exercida a responsabilidade civil contra eles .

A descrição do acervo factual permite destacar que foi imprimido ao processo falimentar nota de urgência que é inconciliável, numa análise simplista ,  com o propósito , imputado ás arguidas , Magistradas Judicial e do M.º P.º , de prejudicar o assistente e outrora falido, para o que se não descortina razão válida no processo .

Bem certo que o assistente , em 26.11.2008 , logo após a transacção requereu que o valor em numerário, depositado à ordem dos autos, lhe fosse  imediatamente devolvido, depois de deduzida a quantia de €70.967,48 destinada ao pagamento de credores devidamente identificados, a sair do depósito largamente excedentário de 485.511, 87 € , ao mesmo tempo que requeria que fosse reabilitado e ordenado o cancelamento dos registos consequentes ao decretamento do estado falimentar

A arguida , Sr. juiz , ordenou o pagamento dos créditos aprovados e reconhecidos à custa do dinheiro apreendido , mas o assistente , verificando atraso na restituição do dinheiro , em 30.1.2009 , insistiu fazendo salientar o prejuízo que lhe deriva de ter de aguardar indefinidamente o pagamento dos credores até àquela restituição e na sua reabilitação , ouvindo a M.ª juiz o M.º P.º , ou seja a arguida DR.ª CC , que reconhecendo a apreensão de vultuoso património imobiliário e a soma de 522.650, 40€ , desistiu dessa apreensão , para ficar a subsistir a da quantia depositada , o que promoveu e viu deferido .

Sem dúvida que as duas magistradas arguidas eram conhecedoras desse montante e encargos a satisfazer por meio deles .

A liquidação das contas foi presente em juízo  em18.3.2009  e em 19.3.2009 o assistente reiterou aquela restituição e reabilitação ,fazendo questão de salientar que,  declarando-se na sentença homologatória proferida em 14.10.2008 , que não eram devidas custas nos termos do art.º 1.º , n.º 1 do Dec.º -Lei n.º 385/2007 , de 19/11,  a instância falimentar se extinguiu requerendo esclarecimento do tribunal de Tavira sobre qual a sua verdadeira situação

Reimprimindo-se nota de urgente , reconheceu-se em 3.4.2009 , que a sentença homologatória ainda não transitara em julgado porque a credora Utilmóvel,Ld.ª  fora declarada falida e , pois , ordenada a notificação ao seu administrador, havendo que aguardar  pelo decurso do prazo de trânsito em julgado daquela sentença homologatória .

Ao mesmo tempo se decidia pela manutenção da apreensão das quantias depositadas , despacho que transitou em julgado , transitando em julgado a sentença homologatória da falência . em 24.4. 2009 .

No dia 30.7.2009, outra Sr.ª . Juiz que não arguida , constatando que os créditos estavam pagos , perdoado o crédito do requerente , chegando-se à conclusão de inexistirem indícios de classificação pelo M.º P.º  de falência dolosa , foi ordenada o levantamento da interdição , a reabilitação do assistente e o levantamento do desnecessário ao pagamento dos créditos e honorários e a devolução do remanescente ao assistente .

É óbvio que foi constatada a existência em depósito de uma importância excedente em muito os créditos e a remuneração do sr. administrador da falência , mas optou-se pelo caminho de aguardar pelo trânsito em julgado da sentença homologatória  e pela liquidação do património , retardando-se em alguns meses tal entrega e levantamento da falência em ordem à reabilitação , mas daí até se concluir que as arguidas agiram consciente contra direito e com a intenção de prejudicar o assistente vai uma longa distância .

Em primeiro lugar , já o dissemos , a nota de urgência foi relevada em termos de tratamento processual , o que descaracteriza qualquer intenção de lesão do assistente para a qual se não descortina qualquer razão convincente e nem esta é alegada .

Depois a actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva , independentemente das fontes ( estadual ou não estadual ) e da natureza pública ou privada , substantiva ou processual , incluindo os princípios vertidos em normas positivas designadamente na DUDH, PIDCP e na CEUD .

A actuação contra o direito não abrange , apenas , a interpretação objectivamente errada , mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma ;a aplicação da norma é contra o direito , se reconhecendo-se uma certa discricionaridade ,o aplicador se desvia do fim para que foi criada a discricionaridade ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário ao Código Penal , pág. 962),  incorrendo , então ,  na prática do crime .

A arguida ; Sr.ª  Juiz BB fornece a explicação para o atraso entre a data da sentença e que vai desde a sua emissão em 14.10.2008 até ao seu trânsito em 24..4.2009 e seguinte levantamento da inibição e restituição do remanescente depositado por a sentença homologatória não ser ainda exequível e só a 31 de Março as arguidas tomarem conhecimento da liquidação , não sendo censurável que só após essa tramitação  processual se hajam materializado os ulteriores e reiteradamente reclamados trâmites do processo , aliás retidos sem despacho de 24.4.2009 até 30.7.2009 , mas sem que se descortine razão  para imputar essa inacção à arguida , Sr.ª Juiz . .

Disse ela , ainda , a fls. 273 , que havendo recurso da parte da Utilmóvel  , Ld.ª , e sendo o recurso procedente haveria lugar a custas elevadíssimas , tendo em conta a antiguidade do processo e o volume dos apensos juntos , situação que quis acautelar quando proferiu o despacho a libertar os imóveis e a manter a quantia depositada

Acresce que sempre seriam devidas honorários não liquidados ao SR. Administrador de Falência , a liquidar à custa da massa falida , desconhecendo as custas prováveis  e foi por isso que manteve a apreensão por um período de mais três meses .

Quanto à arguida Sr.ª  Dr.ª CC esta Magistrada , disse , desistiu , em 12.3.2009 , da apreensão de todos bens que não da conta bancária arrolada, pelo facto de, segundo justificação sua , a fls . 289 , ainda não ter transitado a sentença homologatória e existirem remunerações ao administrador a satisfazer, como outros créditos , mas não obstante , disse , aquela desistência abrangeu a grande maioria dos bens apreendidos .

O crime de denegação e prevaricação é essencialmente doloso , o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação com dolo directo , directo ( art.º 14.º , do CP)  como resulta do uso “ conscientemente “ no descritivo típico ; o tipo agravado do n.º 2 não prescinde de uma especial intenção criminosa , de prejudicar ou beneficiar alguém , na forma de dolo específico .

O dolo “ in re ipsa “ , inscrito no facto material , objectivo , per si ,  está excluído da dogmática penal ; o dolo não se presume , ilacionando-se esse estado subjectivo a partir de factos materiais de que inequivocamente resulte a vontade de praticar o crime e a consciência da proibição dessa prática .

As arguidas , dizem , pois , limitaram –se a impulsionar o processo falimentar na obediência a razões decorrentes da lei e sua aplicação , das quais está arredia qualquer vontade de agir , conscientemente, contra o direito prefixado , do mesmo modo que está de todo excluído o propósito de prejudicar seja quem for .

O recorrente pretendia ser restituído,  quase de imediato à transacção , ao dinheiro sobrante e à sua condição de cidadão comerciante sem limitações, sem aguardar pelo trânsito em julgado da sentença homologatória da transacção e liquidação .

E se bem que existindo dinheiro depositado mais que suficiente para logo se dar pagamento aos credores reconhecidos , restituindo-se o sobrante ao recorrente , calculado aproximadamente , reservada uma parcela para remuneração ao administrador , certo é que , quanto  à reabilitação de falido se impunha o trânsito , para cancelamento definitivo do registo da falência .

As arguidas  , Drªs BB e CC , estavam , porém , convencidas de que o seu procedimento de se alcançar o trânsito e a liquidação era o legal e  por isso se aguardou pelo trânsito e liquidação, discordando o recorrente da marcha imprimida ao processo,  mas isso não é bastante para se concluir que tenham violado ,com essa também razoável opção procedimental ,quaisquer deveres funcionais , sobretudo para se concluir que , maliciosamente , o privavam do dinheiro a que tinha direito e receberia , depois .

A entrega prévia era possível ; a homologação e a liquidação , findo o processo , o caminho mais chegado à ritologia da lei , este o duplo cenário viável , mas sem que possa concluir pela sua actuação com dolo genérico ou específico na opção pelo segundo, em ostensivo , chocante  e altamente reprovável violação dos deveres funcionais que sobre si impendiam .

Objecte-se que se o assistente , como pressuposto na sua denúncia criminal , se sentia tão lesado com a forma de tramitação processual , assistia-lhe o direito de interpor recurso , o que nunca fez no processo , que até decorreu  sem atraso ostensivo após a emissão da transacção , ficando por compreender-se o recurso à via extrema da acção criminal , que nada , mas nada , acrescentou aos seus direitos .

Vale isto por dizer que não resultam indícios suficentes da prática do crime na definição que lhe empresta o art.º 283 .º n.º 1 , do CPP , pondo termo a lacuna de regulamentação , mas de todo o modo sem se afastar do conceito fixado na jurisprudência e doutrina , como sendo aqueles elementos que devidamente concatenados , conjugados e valorados , inculcam uma possibilidade razoável de ao arguido ser aplicada , por força deles , em julgamento uma pena ou medida de segurança .

Indícios suficientes são aqueles elementos que inculcam que , com toda a probabilidade , o arguido será condenado e não absolvido ; os indícios só são suficientes e a prova bastante quando , em presença deles , seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado ou quando esta seja mais provável que a absolvição –Prof. Figueiredo Dias , Direito Processual Penal , Vol. I , 133 .

Há-de imperar na definição da sua suficiência um critério de probabilidade preponderante .

Embora não haja um direito na CRP a não ser julgado ( cfr. Ac. TC 375/2000, DR II Série , de 16/11/2000 ,  a simples sujeição a julgamento , ainda que se salde pela absolvição ,  não é acto neutro , quer do ponto de vista moral , quer do ponto de vista jurídico , é motivo de incómodo se não vexame ( cfr. AC. deste STJ , de 28.6.2006 , P.º n.º 06P2315)

A suficiência indiciária funciona como garantia de que o cidadão não será sujeito a julgamento por mero capricho do titular da acção penal; a lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos.

Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação.

A  instrução e inquérito  devem  pressupor a formação de uma verdadeira convicção de probabilidade de futura condenação-cfr. Noronha da Silveira , in O Conceito de Indícios Suficientes no Processo Penal Português, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, 2004, pág. 171. a

Contra as arguidas , face à prova reunida nos autos , não se recolhem indícios suficientes no sentido de elementos probatórios portadores de alta –ou mesmo sem o ser , de tão diluída que é a imputação criminal -probabilidade de futura condenação , ou, seja uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição.

Nestes termos não é visível qualquer razão válida , suficiente e fundada,  para submeter as Magistradas em causa a julgamento. pelo que não se pronunciam  –art.º 308.º n.º 1 , do CPP .

Confirma-se a decisão recorrida .

Taxa de Justiça : 10 Uc,s .

Lisboa, 20 de Junho de 2012


Armindo Monteiro (Relator)
Santos Cabral