Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15/10.7TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: ACÇÃO INIBITÓRIA
CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ÓNUS DA PROVA
BOA FÉ
CLAÚSULA AMBÍGUA
NULIDADE
Data do Acordão: 09/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PESSOAS SINGULARES / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / PROVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
-Almeida Costa, Direito Das Obrigações, p. 267.
-Almeno Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, pp.. 39-41, 77-78 e 208 e ss..
- Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, pp. 308 -308.
- António Pinto Monteiro, Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Höster, 2012, pp. 141 a 150 (nota de rodapé n.º 10).
- Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª edição, p. 262.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, p. 75; Manual dos Contratos em Geral, p. 234, nota 297.
- José Manuel da Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 373.
- Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, p.364.
- Paulo Mota Pinto, A Protecção da Vida Privada e a Constituição, BFDUC, vol. LXXVI, ano 2000, p. 167.
Legislação Nacional:
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (CCG), DL N.º 446/85, ALTERADO PELO DL N.º 220/95, DE 31-08 E PELO DL N.º 249/99, DE 07-07: - ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 7.º, 10.º, 11.º, 15.º, 16.º, 21.º, AL. G), 25.º, 26.º, 27.º, 34.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 80.º, N.º1, 236.º, Nº 1 E 238.º, Nº 1 341.º, 342.º, N.º 1, 343.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 516.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º.
DL N.º 220/95, DE 31-08.
DL. N.º 249/99, DE 7-07.
LEI DA PROTECÇÃO DADOS PESSOAIS (COM A DECLARAÇÃO DE RETIFICAÇÃO N.º 22/98, DE 28-11).
LEI DE BASES DA SAÚDE, LEI Nº 48/90, DE 24-08 E DL N.º 60/2003, DE 01-04.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVAS N.º 93/13/CE, DO CONSELHO, DE 5/4/1993, E N.º 95/46/CE, DO PE E DO CONSELHO, DE 24/10/1995.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 31/05/2011, Pº 854/10.2TJPRT.S1, IN ACÓRDÃOS DO STJ, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT.
-DE 19-10-2010, REVISTA N.º 10552/06.6TBOER.S1, E O ACÓRDÃO DE 08-05-2013, REVISTA N.º 813/09.8YXLSB.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 19-04-2012, REVISTA N.º 1401/09.4YXLSB.L1.S1, EM WWW.DGSI.PT
-DE 11-10-2005, REVISTA N.º 1685/04, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10-07-2012, REVISTA N.º 1407/10.0TJPRT.P1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
-DE 13-03-2008, PROC. 369/08, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - As cláusulas que integram as denominadas condições gerais da apólice nos contratos de seguro, enquanto vertidas em contratos de adesão, são de qualificar como cláusulas contratuais gerais, nos termos previstos nos arts. 1.º, 2.º e 3.º do DL n.º 446/85, alterado pelo DL n.º 220/95, de 31-08 e pelo DL n.º 249/99, de 07-07.

II - Em contrato de seguro do ramo vida a cláusula que imponha ao beneficiário a demonstração desta sua qualidade não inverte as regras do ónus da prova.

III - Nos contratos referidos em I a actuação de boa-fé – enquanto princípio normativo/regra de conduta que deve ser escrupulosamente observada pelos contraentes – exige a adopção de critérios de maior exigência, lisura, lealdade e salvaguarda da parte mais fraca, sendo violado quando haja uma desproporção injustificada entre o que é visado pelo proponente e o que é imposto ao aderente e/ou beneficiário.

IV - É nula, por violação de tal princípio, a cláusula que impõe ao beneficiário do seguro a junção de elementos protegidos pelo direito à reserva da vida privada, designadamente relatório médico onde constem elementos clínicos que causaram o falecimento – sujeitos a sigilo médico e a autorização pela Comissão Nacional de Protecção de Dados –, quando em todos os contratos em que a mesma é aposta existe uma outra cláusula em que o segurado, autoriza o médico da seguradora a obtê-los.

V - A acção inibitória assume a feição de declaração negativa, incumbindo ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.º 343, n.º 1, do CC).

VI - Não logra tal prova a Seguradora que, em face do manifesto desequilíbrio imposto ao beneficiário, referido em V, apenas prova que com tal cláusula pretendia que o beneficiário demonstrasse o seu direito de accionar o seguro.

VII - Cláusulas ambíguas são aquelas cuja clareza não é total, possibilitando interpretações diversas.

VIII - São ambíguas as cláusulas que, ao estabelecerem o foro competente, remetem para “o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações”.

IX - Face à sua natureza ambígua às regras do ónus da prova nas acções inibitórias, incumbia à Seguradora alegar e provar que de todos os sentidos – incluindo o mais desfavorável ao aderente/beneficiário – em que estas podiam ser interpretadas não resultava qualquer desequilíbrio para estes.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

O MINISTÉRIO PÚBLICO veio, ao abrigo dos artigos 25.º e 26.º, nº 1, al. c) do DL n.º 446/85, de 25-10, com as alterações introduzidas pelos DL 220/95, de 31.01 e 249/99, de 07-07, intentar a presente acção, com processo ordinário, contra AA S. A., pedindo:

a)               Se declarem nulas as cláusulas 13ª, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos: - Seguro B... V... I...; - Seguro B... V… D…; - Seguro B... V... I... - 3 Capitais; - Seguro B... P… V... I... e Seguro B... P… V… D…; e

As cláusulas 12ª, n.º 2 alínea b), das condições gerais dos contratos: Seguro B... P... U... I...S... B... P… Ú… D….

b)               Se declarem nulas as cláusulas 7ª, n.º 1, alínea c), e n.º 2, das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato: Seguro B... V... I... - 3 Capitais;

c)               Se declarem nulas:

- As cláusulas 22ª das condições gerais dos contratos: Seguro B... V... I...; - Seguro B... V... D...; Seguro B... V... I... - Capitais; Seguro B... P…V... I...; e Seguro B... P… V... D...;

- As cláusulas 21ª das condições gerais dos contratos: - Seguro B... P... U... I…; - Seguro B... P... U... D…; - B... M… e B... P…;

- A cláusula 16ª das condições gerais do contrato B... P…;

- A cláusula 18ª das condições gerais dos contratos: B... I… B... PPR e B... PPR R…;

- E a cláusula 19ª das condições gerais do contrato: B... PPR R… G….

d)               Se condene a ré a abster-se de se prevalecer delas em contratos já celebrados e de as utilizar em contratos que de futuro venha a celebrar, especificando-se na sentença o âmbito de tal proibição (art. 30.°, n.º 1 do DL n.º 446/85 de 25 de Outubro).

e)               Se condene a ré a dar publicidade a tal proibição e a comprovar nos autos essa publicidade, em prazo a determinar na sentença, sugerindo-se que a mesma seja efectuada em anúncio a publicar em dois jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos (art. 30.°, n.º 2 do DL n.º 446/85 de 25 de Outubro), de tamanho não inferior a 1/4 de página.

f)                Se dê cumprimento ao disposto no art. 34.° do aludido diploma, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu certidão da sentença para os efeitos previstos na Portaria n.° 1093, de 6 de Setembro.

Alegando, para tanto, e em suma, que:

A ré incluiu nos ditos contratos de adesão que celebrou com os seus clientes tais cláusulas gerais, sendo que as respeitantes à revelação de dados de saúde consistem numa invasão da reserva da intimidade da vida privada e na violação da obrigação de confidencialidade imposta pelo sigilo médico profissional.

Mais alegou tratar-se de dados classificados como "sensíveis", cuja divulgação é proibida, sendo esse o entendimento da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), no sentido de não autorizar o acesso a relatórios médicos a beneficiários de segurados, com o referido fundamento.

A ré inclui nos respectivos contratos as cláusulas gerais visadas para forçar os beneficiários a demandá-la judicialmente, perante a sua recusa em liquidar as importâncias seguras com fundamento na falta de apresentação dos documentos médicos exigidos.

Adianta estar ciente das dificuldades existentes para essas pessoas obterem tais documentos, evidenciando, desta forma, a sua posição de superioridade em face do consumidor e o tratamento desigual que lhe confere, com ofensa do princípio da boa-fé e inversão do ónus da prova.

Em relação à cláusula geral do foro competente, ao não estipulá-lo de forma expressa, a ré pode induzir em erro o contratante aderente, pois um cliente normal e sem conhecimentos específicos do significado exacto da expressão "local da emissão da apólice" pode confundi-lo com o lugar onde se situa o agente da ré com quem contactou, onde assinou o contrato de seguro e onde paga os prémios.

Ao elaborar o clausulado, a ré equacionou de antemão o local que lhe convém para dirimir os conflitos resultantes do contrato, mas expressou de um modo ambíguo tal conveniência, pelo que esta cláusula viola os valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa-fé, gerando um desequilíbrio em detrimento do contratante aderente.

Citada, a ré veio contestar.

Invocou, em síntese, que utilizou um impresso denominado "Proposta de Seguro" em que se declara autorizar o médico indicado pela seguradora a solicitar a qualquer outro médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto, bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado.

Sendo que, logo a seguir à citada declaração, consta o local próprio para a assinatura quer do tomador quer da pessoa segura (terceiro), resultando que o beneficiário consente previamente no fornecimento dos elementos médicos que se mostrarem necessários para a avaliação de um eventual e futuro sinistro que seja participado à ré.

Que o referido impresso é utilizado para todos os contratos celebrados pela ré.

Mais alegou que, com a junção do atestado/relatório médico, apenas pretende que o beneficiário (a quem cabe demonstrar não só a sua qualidade de beneficiário como também a existência de uma situação de morte enquadrável nas previsões do contrato) demonstre o seu direito de accionar o seguro e de receber o correspondente capital, não existindo, com a solicitação de tal relatório, qualquer inversão do ónus da prova, continuando a impender sempre e só sobre a ré a prova da verificação de alguma situação de exclusão.

A solicitação do relatório sobre as causas da morte de modo algum defrauda quaisquer expectativas do beneficiário, nem abala as relações de confiança.

A inexistência de um atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu (por exemplo, nas situações de morte presumida).

A cláusula do foro competente não é ambígua e, estando expressamente previsto e ressalvado o estabelecido na lei processual civil no respeitante à competência territorial em matéria de cumprimento das obrigações, fica claro que o contratante aderente pode sempre seguir o regime legal em vigor, o qual não ignora nem é ambíguo nos seus termos.

Conclui pugnando pela improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.

Houve lugar a resposta, pelo autor, pugnando o mesmo pela versão dos factos por si apresentada na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Realizado julgamento, e decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho de fls. 333 a 336 consta, foi proferida sentença que, na procedência da acção, decidiu:

1 - Declarar nulas as cláusulas 13ª, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... P… V... I... e Seguro B... P… V... D...; e as cláusulas 12ª, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... Ú… I… e Seguro B... P... U... D…; as quais têm o seguinte teor:

"2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao Beneficiário da respectiva garantia, no prazo de trinta (30) dias úteis após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber:

(...)

b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte"; por violação do disposto nos arts. 15.°, 16.° e 21.°, alínea g), todos do Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;

2 - Declarar nulas as cláusulas 7ª, n.º 1, alínea c) e n.º 2, e 6ª, n.º 1, alíneas a) e b), das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato Seguro B... V... I... - 3 Capitais; as quais têm o teor seguinte (respectivamente):

"1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(...)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente";

"1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(...)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente de circulação";

"1. Em caso de morte por enfarte do miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

a)            Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas cardíacas.

b)           Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte"; por violação do disposto nos artigos 15.°, 16.° e 21.° alínea g), todos do Decreto-lei n.° 446/85, de 25 de Outubro;

3 - Declarar nulas as cláusulas 22ª das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... P… V... I... e Seguro B... P… V... D...; as cláusulas 21ª das condições gerais dos contratos Seguro B... P... U... I…, Seguro B... P... U... Dois, B... M… e B... P…; a cláusula 16ª das condições gerais do contrato B... P…; as cláusulas 18ª das condições gerais dos contratos B... I…, B... PPR e B... PPR R.L..; e a cláusula 19ª das condições gerais do contrato B... PPR R… garantido; as quais têm o teor seguinte:

"O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o do local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações"; por violação do disposto nos artigos 15.° e 16.°, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro;

4 - Condenar a seguradora ré CNP AA, S.A. - Agência Geral em Portugal, a abster-se de se prevalecer das identificadas cláusulas em contratos de seguro do ramo Vida já celebrados, bem como de as utilizar em contratos de seguro do ramo Vida que de futuro venha a celebrar (cfr. artigo 30.°, n.º 1 do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro);

5 - Condenar a mesma ré a dar publicidade à parte decisória da presente sentença, mediante anúncio a publicar em dois dos jornais diários de maior tiragem editados em Lisboa e no Porto, durante três dias consecutivos, de tamanho não inferior a 1/4 (um quarto) de página, no prazo de trinta dias a partir do trânsito em julgado da presente sentença, comprovando nos autos o acto da publicidade até dez dias após o termo do prazo fixado (cfr. artigo 30.°, n.º 2 do Decreto Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; e

6 - Determinar o cumprimento do disposto no artigo 34.° do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da presente sentença, uma vez transitada em julgado, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 6 de Setembro.

Inconformada, a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde, por acórdão de fls. 449 a 482 dos autos, na sua total procedência, foi revogada a sentença recorrida.

Irresignado, veio o autor pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando na sua alegação, as conclusões, que textualmente se reproduzem:

1ª – Observam-se nos autos os requisitos para ser admitido o recurso de revista, por se encontrarem devidamente caracterizados os pressupostos exigidos no art. 721.° - CPC, isto é "a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável".

2ª – O suprimento destes erros de aplicação do direito conseguir-se-á pelo acolhimento do presente recurso, dando sem efeito a decisão recorrida e fixando-se o modelo que defina os termos em que deve compaginar-se a estrutura inibitória assente no circunstancialismo descrito.

3ª – Aliás, a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, por se constatar a aplicação de soluções jurídicas com idênticos pressupostos materiais a que couberam decisões judiciais de sentido oposto.

4ª – O caso sub judice consiste numa acção inibitória, situa-se indiscutivelmente na área dos interesses colectivos, supra-individuais, ou mesmo interesses difusos, não relevando os interesses individuais de contratos em concreto e intervindo o Ministério Público por direito próprio na defesa da legalidade.

5ª – As cláusulas contratuais gerais que exigem dos beneficiários a apresentação de atestado médico e elementos clínicos onde constem as causas e a evolução da doença que causou o falecimento, quando a pessoa segura, em vida, não consentiu especificamente no acesso por parte daqueles aos seus médicos, são abusivas, porque contendem com o princípio da boa-fé previsto nos arts 15.° e 16.° e porque invertem o ónus da prova – art. 21.°, al. g), todos do Dec-Lei 446/85, de 25 de Outubro.

6ª – E são abusivas porque desvirtuam excessivamente o equilíbrio dos interesses das partes contratantes, em prejuízo dos aderentes, já que, por via deles, a Ré seguradora impõe aos beneficiários o cumprimento de uma obrigação que pode dificultar /e/ou até impossibilitar) o recebimento das compensações. Na prática, o acesso aos dados clínicos tem sido vedado pelos médicos, a coberto do segredo profissional e, nessas situações, a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem vindo - também - a recusar o acesso a relatórios médicos solicitados por beneficiários quando os titulares segurados, em vida, não tenham autorizado expressamente esse acesso.

7ª – E à Seguradora que incumbe o ónus de provar que se verifica uma causa de exclusão prevista na apólice, não cabendo aos beneficiários fazer a demonstração da inexistência de qualquer das cláusulas de exclusão.

8ª – Deve ser declarada nula a cláusula 7ª, n.º 1, c) e n.º 2, na medida em que a Seguradora "faz impender sobre um terceiro o ónus de provar a relação de causa/efeito entre o acidente ou a doença e a morte, e de apresentar todos os documentos médicos e outros que estabeleçam essa relação", isto é, "Fazendo depender o direito à indemnização dessa prova";

9ª – Com idêntica afinidade, devem ser declaradas nulas as cláusulas 12ª, n.º 2 b) e 13ª, n.º 2, b) porque "faz depender o pagamento do capital seguros ao beneficiário da entrega por este do atestado médico que indique as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte da pessoa segura", por se entender que a mesma Seguradora "exige de um terceiro (o beneficiário), o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização", que "a revelação de dados de saúde constitui uma invasão da reserva da vida privada (art. 26.º, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa) e uma violação da obrigação de confidencialidade imposta pelo sigilo médico profissional", atento do disposto no art. 7.º da Lei de Protecção de Dados - Lei 67/98, de 26-10 e atentas diversas deliberações da CNPD, (vg 51/2001, 72/2006 e 96/2006 in www.cnpd.pt);

10ª – Estas cláusulas devem obviamente ser declaradas nulas por abusivas, por contenderem com princípios de boa-fé e a presumível ou esperada equidade na composição dos interesses.

11ª – E por fim, deve decidir-se ainda que são nulas as cláusulas 16ª, 18ª, 19ª e 22ª, referentes ao foro competente para dirimir qualquer litígio, vista a ambiguidade relativa ao "local de emissão da apólice".

12ª – Isto é, quanto à definição do foro, ”Trata-se de uma forma de fixação que não especifica concretamente as questões a que se refere nem designa o tribunal competente com precisão. E, ao não estipular de forma expressa o foro competente (ex: Lisboa, Porto, etc.), a ré pode induzir o contratante aderente em erro, pois um cliente normal, sem conhecimentos específicos do significado exacto da expressão "local de emissão da apólice" pode confundi-lo com o local onde se situa o agente da Ré com quem contactou, onde assinou o contrato e onde paga os prémios". "Pelo que esta cláusula viola os valores fundamentais do direito defendidos pelo princípio da boa-fé (arts 15° e 16° do DL 446/85, porque cria um desequilíbrio em detrimento do aderente".

13ª – "O controlo do conteúdo das cláusulas contratuais gerais é, por natureza, um controlo de conformação, não um controlo de exercício, pelo que não relevam os direitos que o utilizador faz valer no caso singular com base na cláusula controvertida, mas antes aqueles que ele pode fazer valer segundo o conteúdo objectiva da cláusula".

Assim, é patente que nesta acção do Ministério Público nunca se articulou fosse o que fosse focando o caso concreto, nem que cláusula alguma tenha sido motivo de negociação em particular.

14ª – Não obstante, o tribunal recorrido insiste num sentido que abstrai do cariz próprio da acção inibitória, como já se referenciou. Ao invés do decidido, pugna-se pelo entendimento de que não é necessário aludir ao estatuído na dita norma do art. 11, n.º 3. Não se trata, sequer, de determinar se é mais ou menos favorável ao cliente o estabelecimento de certo tribunal competente para os litígios. Diversamente, o que está em causa é determinar se a cláusula é ou não ambígua e é susceptível de induzir em erro o cliente. E é manifesto que é à custa desse erro que a Seguradora pode obter uma vantagem indevida, mesmo independentemente de algum desfavor para o cliente.

15ª – A decisão destes autos foi proferida em violação das seguintes normas legais:

No tocante à primeira questão:

- Art.º 35.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa;

- Art.º 7.º , n.° 1 da Lei de Protecção de Dados Pessoais 67/98, de 26/10;

- Art.º 114.°, alínea h) da Lei 52/2008, de 28/08 e

No tocante à segunda questão:

- Arts 15.°, 16.° 19.° alínea g) a par do art.º 11.º, n° 1, ambos do Dec. Lei 446/85, de 25/10.

Pedindo que, concedendo-se provimento ao recurso de revista, e dando-se sem efeito a decisão recorrida, decidindo-se em sentido oposto.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.



Corridos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.


*

Vem dado como PROVADO[1]:

1 – A ré encontra-se inscrita na 1.ª Secção da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, matriculada sob o número ... e procede à celebração de contratos de seguro do ramo Vida - alínea A) da matéria de facto dada como assente.

2 - No âmbito da sua actividade, a ré celebra os contratos de seguro do ramo Vida seguintes:

- Seguro B... V... I...;

- Seguro B... V... D...;

- Seguro B... V... I... - 3 Capitais;

- Seguro B... P… V... I...;

- Seguro B... P… V... D...;

 - Seguro B... P... U... I…;

- Seguro B... P... U... D…;

- B... M….;

- B... P…;

- B... P…;

- B... I…;

- B... PPR;

- B... PPR R…;

- B... PPR R… G… – alínea B.

3 - Tais contratos regem-se, a par das condições particulares, pelas condições gerais e especiais constantes dos documentos apresentados de fls. 20 a 244 dos autos, cujos clausulados foram previamente elaborados, destinando-se a ser utilizados pela ré, no presente e no futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores - alínea C).

4 - Estabelece o artigo 13.°, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... Protecção V... I... e Seguro B... Protecção V... D...; e o artigo 12.°, n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... P... U... I...S... B... P... U... Dois:

"2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao beneficiário da respectiva garantia, no prazo máximo de trinta dias após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber:

(...)

b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte" (cfr. documentos de fls. 20 a 136, a fls. 31, 43 e 44, 55, 86, 98 e 99, 120 e 131, respectivamente) - alínea D).

5 - Estabelece o artigo 7.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da cobertura complementar de morte por acidente do clausulado do contrato Seguro B... V... I... - 3 Capitais:

"1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(...)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente" (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 60) - alínea E).

6 – Estabelece o artigo 7.°, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da cobertura complementar de morte por acidente de circulação do contrato Seguro B... V... I... -

3 Capitais:

"1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

(...)

c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.

2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente de circulação" (cf. documento de fls. 50 a 73, a fls. 62) - alínea F).

7 - Estabelece o artigo 6.°, n.º 1, alíneas a) e b) da cobertura complementar de morte por enfarte de miocárdio do contrato Seguro B... V... I... – e Capitais:

"1. Em caso de morte por enfarte de miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador:

a)          Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas cardíacas;

b)          Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte" (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 64) - alínea G).

8 - Estabelecem os artigos 22.º das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... Protecção V... I... e Seguro B... Protecção V... D..., o artigo 21.° das condições gerais dos contratos Seguro B... Portfolio; o artigo 16.° das condições gerais do contrato B... Poupança; o artigo 18.° das condições gerais dos contratos B... Investimento, B... PPR, B... PPR Rendimento; e o artigo 19.° das condições gerais do contrato B... PPR rendimento Garantida:

"O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações" (cf. documentos de fls. 20 a 244, a fls. 34, 46, 58, 89, 101, 122, 133, 155, 185, 193, 210, 220, 230 e 243 respectivamente) - alínea H).

9 - No final da primeira página do impresso denominado "Proposta de Seguro" consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro):

"Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado" (cf. documentos de fls. 245 a 247 e 260 a 263) - alínea I).

10 - O impresso identificado em 9), é utilizado para todos os contratos celebrados pela ré - resposta ao quesito 3.° da base instrutória.

11 - Com a junção do atestado médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital - resposta ao quesito 4.°.

12 - A inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu - resposta ao quesito 5.°.

13 - (Condições Gerais e Especiais - Seguro B... V... I...), documento de fls. 60/68.

Artigo 6.° Riscos Excluídos

1. - Não está coberto pelo presente contrato o risco de morte resultante de:

a)          Acções ou omissões dolosas ou grosseiramente negligentes do Tomador do Seguro, da Pessoa Segura, dos Beneficiários ou de quaisquer herdeiros destes quando co-autores ou cúmplices do acto;

b)          Suicídio ou tentativa de suicídio da Pessoa Segura ocorrido até dois (2) anos após o início do seguro ou da sua reposição em vigor ou do aumento de capital, caso este aumento não esteja previamente previsto em Condições Particulares, sendo que a exclusão respeita somente ao acréscimo de cobertura relacionado com as referidas circunstâncias, salvo convenção em contrário constante das Condições Particulares;

c)          Condenação judicial (aplicável nos países onde ainda vigora a pena de morte);

d)          Situação de guerra, esteja ou não mobilizada a Pessoa Segura, terrorismo ou de perturbações da ordem pública;

e)          Condução ou utilização de aeronaves, excepto como passageiro a bordo de carreiras comerciais autorizadas;

f)          Exercício de ocupações ou práticas manifestamente perigosas, tais como corridas ou competições de velocidade para veículos de qualquer natureza;

g)          Incapacidade, lesão ou doença preexistentes, bem como suas consequências ou agravamentos, excepto se a situação preexistente for conhecida do Segurador antes da celebração do contrato e por aquele expressamente aceite;

 h) Reacções nucleares e contaminações radioactivas;

 i) Cataclismos da natureza;

 j) Acções ou omissões da pessoa segura quando esta acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detectado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 g/l.

2.          - As exclusões previstas nas alíneas d), e) e f) do número anterior, podem ser derrogadas mediante as condições que para o efeito sejam estabelecidas com o Segurador e o pagamento do respectivo sobre prémio, e nos termos estabelecidos para o efeito nas Condições Particulares da apólice ou documentos adicionais emitidos pelo Segurador para a completar ou alterar.

3.          Em caso de morte da Pessoa Segura excluída da cobertura da apólice por força do disposto no número um e sem prejuízo do disposto no número dois, o contrato resolve-se sem que haja lugar a estorno de prémios.

14 - (Condições Gerais e Especiais - Seguro B... V... D...), documento de fls. 72/80." (...) Artigo 6.° Riscos Excluídos Idem do ponto 13). (...)"

15 - (Condições Gerais e Especiais - Seguro B... V... I... – 3 Capitais), documento de fls. 84/92. "(...) Artigo 6° Riscos Excluídos         Idem do ponto 13).     

16 - (Cobertura Complementar de Morte por Acidente), documento de fls. 93/96.

" (...) Artigo 4.° Riscos Excluídos Para além das exclusões constantes nas Condições Gerais do Seguro Principal, fica ainda excluído o risco de morte por acidente resultante de:

a)          Prática profissional de qualquer desporto ou provas desportivas integradas em campeonatos ou respectivos treinos e passatempos de notória perigosidade tais como caça, desportos de inverno, boxe, alpinismo, tauromaquia, espeleologia, pára-quedismo, asa delta, parapente, surf, windsurf e caça submarina.

b)          Utilização de veículos motorizados de duas ou três rodas ou moto quatro.

c)          Acidentes ocorridos quando a pessoa segura acuse consumo de bebidas alcoólicas que determinem grau de alcoolémia igual ou superior a 0,5 gramas por litro de sangue ou uso de produtos tóxico, drogas ou de estupefacientes sem prescrição médica.

d)          Acidentes resultantes de estado de loucura ou epilepsia.

e)          Doenças, acidentes ou quaisquer eventos que tenham ocorrido ou dado origem a tratamento médico antes da data de entrada em vigor deste Seguro Complementar, e suas eventuais consequências, desde que tais doenças, acidentes ou eventos não sejam mencionados em documentos específicos de avaliação do estado de saúde da Pessoa Segura, quando expressamente fornecidos pelo Segurador para o efeito. (...)".

17 - (Cobertura Complementar de Morte por Enfarte de Miocárdio), documento de fls. 97/98.

Artigo 4.° Cessação da Garantia

1 - As garantias do presente Seguro Complementar cessam os seus efeitos:

a)          Em caso de denúncia, anulação, declaração de nulidade, resolução ou caducidade do Seguro Principal, de que este seguro é complementar;

b)          No termo da anuidade em que a Pessoa Segura atinge sessenta e cinco (65) anos, salvo indicação em contrário estipulada nas Condições Particulares.

2. Em caso de pagamento do Capital Seguro exigível por este Seguro Complementar, cessam as garantias do Seguro Principal, bem como dos demais Seguros Complementares mencionados nas Condições Particulares.


*


São, como é bem sabido, as conclusões da alegação da recorrente que delimitam o objecto do recurso – arts. 684.º, n.º 3, e 690.º, n.os 1 e 4, do Código de Processo Civil[2], bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, a(s) questão(ões) atrás enunciada(s) e que pelo recorrente nos é (são) colocada(s) que cumpre apreciar e decidir.

As quais se podem resumir a saber:

1.ª Se as cláusulas que exigem ao beneficiário a apresentação de atestado/relatório médico, são nulas por inversão do ónus da prova e violação do princípio da boa fé;

2.ª Se as cláusulas que estabelecem o foro competente são nulas por violação do princípio da boa fé.

Vejamos, então:

Começando-se pela primeira questão: a da nulidade das cláusulas que exigem ao beneficiário a apresentação de atestado/relatório médico, por inversão do ónus da prova e violação do princípio da boa fé

Sustenta o recorrente que as cláusulas contratuais gerais que exigem dos beneficiários a apresentação de atestado médico e elementos clínicos onde constem as causas e a evolução da doença que causou o falecimento, quando a pessoa segura, em vida, não consentiu especificamente no acesso por parte daqueles aos seus médicos, são abusivas, porque contendem com o princípio da boa-fé – previsto nos arts. 15.° e 16.º, ambos do DL n.º 446/85, de 25-10[3] – e porque invertem o ónus da prova – art. 21.º, al. g) –, bem ainda porque desvirtuam excessivamente o equilíbrio dos interesses das partes contratantes, em prejuízo dos aderentes.

Tal abuso resulta do facto de, por via deles, a ré seguradora impor aos beneficiários o cumprimento de uma obrigação que pode dificultar e/ou até impossibilitar o recebimento das compensações.

Isto porque, explicita, na prática, o acesso aos dados clínicos tem sido vedado pelos médicos, a coberto do segredo profissional e, nessas situações, a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem vindo - também - a recusar o acesso a relatórios médicos solicitados por beneficiários quando os titulares segurados, em vida, não tenham autorizado expressamente esse acesso.

Na Relação, em desabono da pretensão do recorrente, entendeu-se, quanto a tal pedido, que « (…) in casu, a actuação da seguradora, ora apelante, na elaboração das cláusulas gerais e especiais em causa dos referidos contratos, não é susceptível de censura, antes se pautando e norteando pelo princípio da boa fé.

Aliás, a própria sentença recorrida de certo modo aponta nesse sentido ao dizer: É certo que também se provou que, com a junção do atestado/relatório médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital. E que a inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a seguradora ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu.

Não ficou demonstrado nos autos que a ré incluísse nos respectivos contratos as mencionadas cláusulas para forçar os beneficiários a demandá-la judicialmente, perante a sua recusa em liquidar as importâncias seguras com fundamento na falta de apresentação dos documentos médicos exigidos nos contratos, estando ela ciente das dificuldades existentes para essas pessoas obterem tais documentos (factos não provados).

Acresce que perante o tipo de contrato em causa, os elementos que o caracterizam, nomeadamente as condições gerais e especiais do mesmo, os interesses típicos das pessoas que normalmente contratualizam, não nos parece que as cláusulas gerais e especiais nelas contidas e que impõem ao segurado/beneficiário, a fim de poder receber a importância segura, a apresentação de documentos (…) que atestem, de forma inequívoca, a relação causa /efeito entre enfarte do miocárdio e a morte, sejam violadoras das regras e princípios relacionados com a razoabilidade, equilíbrio e lisura na celebração e execução dos contratos e com o encargo de fazer prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga o contraente.

No nosso caso, como vimos, antes da celebração dos contratos de seguro do ramo Vida, o tomador preenche uma proposta de seguro e a pessoa segura um questionário de saúde onde declara qual o seu estado de saúde à data da proposta. Sendo que no final da primeira página do impresso denominada "Proposta de Seguro" consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro):"Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado".

Como refere a apelante, a citada declaração consubstancia um consentimento expresso da pessoa segura no sentido de autorizar a seguradora a indagar junto dos médicos que acompanharam, qual a causa da morte perante um eventual sinistro que seja participado.

Assim ficando prejudicada a questão do consentimento do tomador no que respeita à obtenção de dados considerados sensíveis pela CNPD.

Para além de que, ao invés do entendimento do Tribunal recorrido, a obtenção de tais documentos (atestado/relatório médico) é, por regra, mais fácil para os beneficiários do que para a seguradora.

Como salienta a apelante "...os Beneficiários são, na esmagadora maioria dos casos, familiares da Pessoa Segura, em regra os herdeiros legais. Como tal, são as pessoas que, por excelência, acompanharam o sinistrado antes do seu decesso, conhecem os médicos que o acompanharam e têm acesso fácil ao contacto com os mesmos, por forma a obter o relatório que faça prova da causa da morte para com isso receberem os capitais contratados (portanto, em seu exclusivo benefício), ao invés, a seguradora, apesar de estar autorizada a ter acesso a toda a história clínica da pessoa segura, não tem com a mesma qualquer relação ao longo de toda a vida do contrato, não sabendo a identidade ou paradeiro dos seus médicos assistentes ou dos hospitais, clínicas, centros de saúde e especialistas que frequentou antes da morte...".

O que vale por dizer que tal clausulado geral e especial, em causa, não exige o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização, não evidenciando uma posição de superioridade em face do consumidor, nem desequilibrador da relação contratual em desfavor do aderente.

Por outro, também não se concorda com a sentença sob censura quando defende, em síntese, que tais cláusulas contratuais alteram as regras do ónus da prova porquanto, na sua perspectiva, sobre o beneficiário impende apenas o ónus da prova da celebração do contrato de seguro do ramo Vida e do falecimento da pessoa segura através da certidão de óbito.

Sustentando a apelante que se pretende, com a inclusão de tais cláusulas nos contratos, é que os beneficiários façam prova do direito que invocam, já que não basta a prova da morte, sendo também necessário a prova da inexistência de patologias ou causas não cobertas e a prova das causas da morte, relativamente aos contratos de seguro que cobrem o risco morte por acidente, morte por acidente de circulação e morte por enfarte do miocárdio.

Tendo-se provado que, com a junção do atestado médico, a ré apenas pretende que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital, sendo que a inexistência de atestado/relatório médico pode ser justificada perante a ré pelas circunstâncias em que a morte ocorreu (cf. pontos 11 e 12 da fundamentação de facto).

Compulsando as cláusulas contratuais gerais e especiais, em causa, delas não consta o propósito de impor ao beneficiário que faça prova de uma causa de exclusão cuja prova, esta sim, incumbe à seguradora.

Em suma, ao aderente, na qualidade de tomador do seguro e beneficiário do mesmo, cabe o ónus da participação da morte da pessoa segurada. Sendo este facto do seu conhecimento, ainda que não a respectiva causa de morte, deverá diligenciar no sentido de suprir tal falta de comunicação junto da seguradora.

Sendo, pois, a existência de contrato de seguro, o óbito do segurado e a doença ou causa da morte elementos constitutivos do direito a receber a indemnização, caberá ao segurado e ou beneficiário que invoca o direito à indemnização fazer prova deles.

Pois, só assim se pode determinar se a seguradora é responsável pelo risco ou pode invocar cláusula de exclusão prevista no contrato».

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a propósito.

Resulta da matéria de facto apurada nas instâncias – e inquestionada nesta sede, de recurso de revista – que a ré procede à celebração de contratos de seguro do “R… V..” e, no âmbito dessa sua actividade, celebra os contratos de seguro “Seguro B... V... I...; Seguro B... V... D...”; “Seguro B... V... I... - 3 Capitais; Seguro B... P… V... I...”; “Seguro B... P… V... D...; Seguro B... P... U... I…”; “Seguro B... P... U... Dois; B... M…”; “B... P…; B... P…; B... Investimento; B... PPR” e “B... PPR R… e B... PPR R… G…”.

Contratos que se regem, a par das condições particulares, pelas condições gerais e especiais cujos clausulados foram previamente elaborados, destinando-se a ser utilizados pela ré, no presente e no futuro, para contratação com quaisquer interessados consumidores.

Os contratos em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respec­tivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado, designam-se de contratos de adesão[4].

Os contratos de adesão costumam ser assim caracterizados por uma defesa exaustiva dos interesses do emitente, e um desinteresse marcado pelo que respeita ao aderente[5].

Tais contratos contêm por via de regra “cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” [6], designadas de cláusulas contratuais gerais .

A nossa ordem jurídica define as cláusulas contratuais gerais (CCG) como as que, sendo elaboradas sem prévia negociação individual, proponentes ou destinatários indeterminados se limitam, respectivamente, a subscrever ou aceitar[7].

Sujeitando-as ao regime do DL n.º 446/85, de 25-10 – art. 1.º, n.º 1[8].

Sob a epígrafe de “cláusulas absolutamente abusivas ” dispõe-se no art. 21.º que o são, além do mais, as que “modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos” – cf. al. g).

Cominando-as de nulidade, nos termos do art. 12.º.

Rezam as cláusulas em crise que:

a) "2. O pagamento das importâncias seguras, sempre que a ele houver direito, será efectuado ao beneficiário da respectiva garantia, no prazo máximo de trinta dias após a entrega dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: (...) b) Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte" (cfr. documentos de fls. 20 a 136, a fls. 31, 43 e 44, 55, 86, 98 e 99, 120 e 131, respectivamente) – cl.ª 13ª, n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... P… V... I... e Seguro B... P… V... D...; e o artigo 12.°, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... P... U... I...S... B... P... U... Dois alínea D);

b)"1. Em caso de morte por acidente da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: (...) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte.2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente" (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 60) – Clª 7ª, n.º 1, alínea c) e n.º 2 da cobertura complementar de morte por acidente do clausulado do contrato Seguro B... V... I... - 3 Capitais;

c) 3 Capitais: "1. Em caso de morte por acidente de circulação da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: (...) c) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, o carácter acidental do falecimento e determinem a relação causa/efeito entre o acidente e a morte. 2. Incumbe ao Tomador do Seguro ou aos Beneficiários a prova de que a morte resultou de um acidente de circulação" (cfr. documento de fls. 50 a 73, a fls. 62) – Cl.ª 7ª, n.º 1, alínea c), e n.º 2, da cobertura complementar de morte por acidente de circulação do contrato Seguro B... V... I...;

d) "1. Em caso de morte por enfarte de miocárdio da Pessoa Segura, o Tomador do Seguro ou os Beneficiários, ficam obrigados a remeter ao Segurador: a) Relatório do médico ou médicos assistentes, dando informações sobre antecedentes de dores peitorais típicas, alterações recentes do electrocardiograma, aumento das enzimas cardíacas; b) Todos os documentos que atestem, de forma inequívoca, a relação causa/efeito entre enfarte do miocárdio e a morte" (cf. documento de fls. 50 a 73, a fls. 64) – cláusula 6ª, n.º 1, alíneas a) e b) da cobertura complementar de morte por enfarte de miocárdio do contrato Seguro B... V... I....

Dispõem os arts. 341.º e 342.º, n.º 1, do CC que, destinando-se as provas a demonstrar a realidade dos factos, àquele que invoca um direito, incumbe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado.

Estando-se no campo de seguros de vida, designadamente das coberturas complementares de morte por acidente, acidente de circulação e enfarte de miocárdio, a prova da condição de beneficiário – através dos documentos comprovativos da identidade e qualidade de beneficiário – e a apresentação dos documentos comprovativos de tais acidentes/ enfartes e da sua causalidade com a morte não deixam de se revelar constitutivos do direito do beneficiário que reclame o pagamento das importâncias seguras.

As cláusulas supra mencionadas não prevêem que o beneficiário tenha de apresentar documento que comprove que não se verificaram as cláusulas de exclusão elencadas nas cláusulas 4ª e 6ª de cada uma das referidas apólices, mas, sim, da verificação do evento coberto pela apólice.

Assim se entendendo, tal como o acórdão recorrido, que “…as cláusulas contratuais gerais e especiais, em causa, delas não consta o propósito de impor ao beneficiário que faça prova de uma causa de exclusão cuja prova, esta sim, incumbe à seguradora.

Em suma, ao aderente, na qualidade de tomador do seguro e beneficiário do mesmo, cabe o ónus da participação da morte da pessoa segurada. Sendo este facto do seu conhecimento, ainda que não a respectiva causa de morte, deverá diligenciar no sentido de suprir tal falta de comunicação junto da seguradora.

Sendo, pois, a existência de contrato de seguro, o óbito do segurado e a doença ou causa da morte elementos constitutivos do direito a receber a indemnização, caberá ao segurado e ou beneficiário que invoca o direito à indemnização fazer prova dele».

Concluir se podendo como correcto o caminho trilhado pela Relação, quanto à invocada inversão das regras do ónus da prova.

Mas já assim se não crendo, em contrapartida, no tocante ao carácter não abusivo de tais cláusulas, à luz do princípio da boa fé, tal como consignado ficou no acórdão recorrido.

Entendeu, a este propósito, o recorrente que a exigência, a um terceiro (o beneficiário), do dever de apresentação de todos os documentos médicos – e outros – que estabeleçam uma relação de causa/efeito entre o acidente ou a doença e a morte, consubstancia o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização, uma vez que "a revelação de dados de saúde constitui uma invasão da reserva da vida privada (art. 26.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e uma violação da obrigação de confidencialidade imposta pelo sigilo médico profissional", atento do disposto no art. 7.º da Lei de Protecção de Dados – Lei n.º 67/98, de 26-10 e atentas diversas deliberações da CNDP[9].

O art. 15.º do diploma que rege as CCG estabelece a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, enunciado de forma dispensável, porque também esta forma de contratação, tal como as demais, deve respeitar as regras da boa-fé.

Na concretização desse enunciado, o art. 16.º estatui que: “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

Este normativo apela a conceitos indeterminados que relevam em cada caso peculiar sujeito ao regime das CCG.

Aqui se transcrevendo o acórdão deste Supremo Tribunal de 31/05/2011[10], dir-se-á, que «Estamos imersos na problemática da actuação de boa-fé, princípio postulado sem matizes nos contratos em geral, quer na sua fase preliminar – art. 227º do Código Civil – quer durante a sua execução, art. 762.º, n.º1, do mesmo diploma, princípio normativo, ou seja, regra de conduta que deve ser escrupulosamente observada pelos contraentes. A expressão boa-fé reveste desde há muitos séculos um duplo significado. Umas vezes tem um sentido puramente psicológico: é a ignorância do vício de que padece determinada situação. Outras vezes assume um sentido acentuado ético e objectivo: age de boa fé quem actua de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis do homem no comércio jurídico – Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. IV, em nota ao art. 1648.º.

Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª edição, Maio de 2005, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, pág. 124, sobre o princípio da boa-fé: “A boa fé é hoje um princípio fundamental da ordem jurídica, particularmente relevante no campo das relações civis e, mesmo, de todo o direito privado. Exprime a preocupação da ordem jurídica pelos valores ético-jurídicos da comunidade, pelas particularidades da situação concreta a regular e por uma juridicidade social e materialmente fundada.

A consagração da boa fé corresponde, pois, à superação de uma perspectiva positivista do direito, pela abertura a princípios e valores extra-legais e pela dimensão concreto-social e material do jurídico que perfilha”.

Significa o que acabamos de dizer que o princípio da boa fé se ajusta a – e contribui para – uma visão do direito em conformidade com a que subjaz ao Estado de Direito Social dos nossos dias, intervencionista e preocupado por corrigir desequilíbrios e injustiças, para lá das meras justificações formais.

Como já dissemos, o princípio da boa fé tem um âmbito muito vasto, invadindo todas as áreas do direito. Mas ele assume uma importância muito grande no domínio dos contratos, em permanente diálogo e contraponto com um outro princípio fundamental, já analisado, e que é o da autonomia privada. De todo o modo, ao fazermos estas afirmações estamos a perspectivar o princípio da boa fé como critério normativo, e, portanto, num sentido objectivo.

As regras de conduta postuladas pela actuação leal, prudente e que contempla os interesses das partes, deve ser apanágio dos contratos em que se negoceia em pé de igualdade e onde a liberdade contratual está por regra assegurada; com mais rigor deve ser exigida em contratos em que tal igualdade não existe, ou seja, naqueles em que a liberdade negocial está cerceada pela patente disparidade dos contratantes como é o caso dos contratos de adesão sujeitos a cláusulas contratuais gerais.

Aqui a lei intervém em favor do aderente, adoptando critérios de maior exigência em salvaguarda dos seus interesses como parte contratual, não sendo alheios, todavia, motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato, o facto de ser um mútuo de escopo e o tipo de contratação padronizada.

Daí que, como ensina Antunes Varela, o conceito de boa-fé existente há séculos, não conhece matizes, é uma regra civilizacional no mundo jurídico, um padrão ético inspirador da confiança, norteado por critérios de lisura, lealdade e de protecção dos interesses daqueles com quem se negoceia, demandando maior rigor no que respeita aos contratos de adesão».

Navegando nestas mesmas águas se situa, aliás, a jurisprudência firme deste Supremo Tribunal[11].

  

Ora, entendeu-se no acórdão recorrido que o clausulado ora em crise não constitui uma obrigação de difícil ou impossível concretização, violadora de tal princípio.

Nele se dizendo, ainda, que “perante o tipo de contrato em causa, os elementos que o caracterizam, nomeadamente as condições gerais e especiais do mesmo, os interesses típicos das pessoas que normalmente contratualizam, não nos parece que as cláusulas gerais e especiais nelas contidas e que impõem ao segurado/beneficiário, a fim de poder receber a importância segura, a apresentação de documentos (…) que atestem, de forma inequívoca, a relação causa /efeito entre enfarte do miocárdio e a morte, sejam violadoras das regras e princípios relacionados com a razoabilidade, equilíbrio e lisura na celebração e execução dos contratos e com o encargo de fazer prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga o contraente.

No nosso caso, como vimos, antes da celebração dos contratos de seguro do ramo vida, o tomador preenche uma proposta de seguro e a pessoa segura um questionário de saúde onde declara qual o seu estado de saúde à data da proposta. Sendo que no final da primeira página do impresso denominada "Proposta de Seguro" consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro):"Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado".

Como refere a apelante, a citada declaração consubstancia um consentimento expresso da pessoa segura no sentido de autorizar a seguradora a indagar junto dos médicos que acompanharam, qual a causa da morte perante um eventual sinistro que seja participado.

Assim ficando prejudicada a questão do consentimento do tomador no que respeita à obtenção de dados considerados sensíveis pela CNPD.

Para além de que, ao invés do entendimento do Tribunal recorrido, a obtenção de tais documentos (atestado/relatório médico) é, por regra, mais fácil para os beneficiários do que para a seguradora.

Como salienta a apelante "...os Beneficiários são, na esmagadora maioria dos casos, familiares da Pessoa Segura, em regra os herdeiros legais. Como tal, são as pessoas que, por excelência, acompanharam o sinistrado antes do seu decesso, conhecem os médicos que o acompanharam e têm acesso fácil ao contacto com os mesmos, por forma a obter o relatório que faça prova da causa da morte para com isso receberem os capitais contratados (portanto, em seu exclusivo benefício), ao invés, a seguradora, apesar de estar autorizada a ter acesso a toda a história clínica da pessoa segura, não tem com a mesma qualquer relação ao longo de toda a vida do contrato, não sabendo a identidade ou paradeiro dos seus médicos assistentes ou dos hospitais, clínicas, centros de saúde e especialistas que frequentou antes da morte...".

O que vale por dizer que tal clausulado geral e especial, em causa, não exige o cumprimento de uma obrigação de difícil ou impossível concretização, não evidenciando uma posição de superioridade em face do consumidor, nem desequilibrador da relação contratual em desfavor do aderente”.

Mas esta solução não merece o nosso aplauso. Pelas razões que procuraremos demonstrar.

Nas cláusulas em análise o beneficiário fica, como já se deixou dito, com o ónus de fornecer à Seguradora – ora ré – a documentação inerente à morte, ou melhor ao estado de saúde/história clínica da pessoa segura.

Documentação esta que se consubstancia em atestados/relatórios médicos, consabidamente respeitantes à saúde e, portanto, à intimidade (ou melhor, à sua reserva) daquela[12].

No nosso ordenamento jurídico, para além do direito consagrado no art. 80.º, n.º 1, do CC – segundo o qual todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem – consagra-se a tal direito dignidade constitucional impondo-se que “os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas” – art. 18.º da CRP.

Vinculando, consequentemente, o médico subscritor dos aludidos atestados/relatórios, que se encontra adstrito ao comummente designado “sigilo médico[13] /[14].

No desenvolvimento de tal protecção consagrada pela nossa Lei Fundamental plasmou-se que qualquer informação de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“titular dos dados”) – considerando-se identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social – integra o conceito de “dados pessoais”, cujo tratamento se deve processar de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais, nos termos definidos pela Lei n.º 67/98, de 26-10[15].

Nos termos definidos por este diploma legal, tal tratamento encontra-se condicionado à existência, inequívoca, de consentimento do seu titular ou se for necessário para:

a) Execução de contrato ou contratos em que o titular dos dados seja parte ou de diligências prévias à formação do contrato ou declaração da vontade negocial efectuadas a seu pedido;

b) Cumprimento de obrigação legal a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

c) Protecção de interesses vitais do titular dos dados, se este estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;

d) Execução de uma missão de interesse público ou no exercício de autoridade pública em que esteja investido o responsável pelo tratamento ou um terceiro a quem os dados sejam comunicados e

e) Prossecução de interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou de terceiro a quem os dados sejam comunicados, desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados – arts. 2.º, 3.º, 5.º e 6.º.

No que em concreto importa aos dados atinentes à saúde estes são considerados dados sensíveis apenas sendo permitido o seu tratamento mediante disposição legal ou autorização da CNPD[16].

Relativamente ao acesso aos dados pessoais dos segurados falecidos, pelas Companhias de Seguros e pelos familiares destes titulares, para efeitos de pagamento/recebimento de indemnização decorrente da morte do segurado em virtude de contrato de seguro do ramo Vida, aquela Comissão deliberou que só podem aceder aos dados pessoais de saúde dos titulares se estes tiverem dado o seu consentimento informado, livre, específico e expresso para esse acesso, conforme atrás se explicitou – Deliberação n.º 72/2006, de 30-05.

Vedando-se o livre acesso à obtenção, e tratamento de dados pessoais de terceiros, protecção que especialmente foi reforçada nos dados de natureza sensível, como são, no que ora importa, os da saúde, temos que a sua obtenção – condicionada a parecer favorável da CNPD e ao levantamento do sigilo profissional pelo médico que subscreva o atestado/relatório exigido pela Seguradora a sua obtenção/concretização pelo beneficiário revela-se, como já foi entendido por este Tribunal, patentemente difícil: tendo-se já qui decidido que «é inválida a cláusula inserida em apólice de seguro que imputa ao tomador de seguro e às pessoas seguras uma autorização expressa para a ré recolher e tratar informações e registos informáticos contendo dados pessoais, por violação do direito à reserva de intimidade da vida privada e da boa fé»[17].

Do elenco da factualidade apurada resulta que no final da primeira página do impresso denominado "Proposta de Seguro" consta a expressão seguinte, a preceder o local próprio para a assinatura do tomador e da pessoa segura (terceiro): "Declaro autorizar o Médico indicado pelo Segurador a solicitar a qualquer outro Médico ou profissional de saúde as informações e documentação que entenda necessária para a análise do risco proposto bem como para a avaliação de um eventual sinistro que seja participado".

Impresso que é utilizado para todos os contratos celebrados pela ré.

Se a ré/Seguradora, ainda que através de médico por si indicado, por via da utilização de tal cláusula em todos os contratos, tem autorização do titular do direito protegido, mais desproporcional se torna a exigência dos atestados/relatórios ao beneficiário, que nela (autorização) não é contemplado.

Ainda que com a junção do atestado médico, a ré apenas pretenda que o beneficiário demonstre o seu direito de accionar o seguro e receber o correspondente capital e que tal cláusula apenas vise os casos em que o beneficiário não haja dado autorização ao médico da seguradora para aceder aos seus dados de saúde:

a) por um lado, sendo o recebimento do capital o propósito ultimo do beneficiário, a pretensão e demonstração do direito de accionar e o receber consubstancia todo o iter imposto para o accionamento do seguro por parte do beneficiário.

b) por outro, o direito de accionar o seguro, por óbito do segurado, decorrerá da demonstração da qualidade do beneficiário (que, por morte, se prova pelos assentos de óbito/nascimento) que nada tem a ver com os relatórios médicos exigidos;

c) por ultimo, ainda que tal cláusula se reporte aos casos em que o beneficiário não haja dado autorização ao médico da seguradora para aceder aos seus dados de saúde, tal autorização está aposta em impresso em todos os contratos celebrado pela ré, que sendo de adesão, são integralmente aceites pelo outorgante que os não elabora.

Na desproporção entre o que é visado pela Seguradora e nas dificuldades que se deparam ao beneficiário radica a violação dos critérios de lisura, lealdade e de protecção dos interesses daqueles com quem se negoceia, demandando maior rigor no que respeita aos contratos de adesão que norteiam o princípio da boa fé.

Demonstrada a violação de tal princípio, à ré incumbia alegar e provar factos que demonstrassem que tal desproporção não existia.

Efectivamente, a presente acção configura-se como uma acção inibitória, ou melhor, uma acção instaurada pelo Ministério Público com vista a obter a condenação do réu a abster-se do uso de cláusulas contratuais gerais – arts, 25.º e 26.º do DL 446/85, de 25-10.

Acções inibitórias cujo objecto não se reconduz à esfera jurídica de uma determinada pessoa, individual ou colectiva, mas a interesse da generalidade de contraentes a que apenas sejam utilizadas, no tráfego contratual, cláusulas contratuais gerais lícitas, «com ela se visando uma forma adequada de se fiscalizar cláusulas que são redigidas não só para um contrato, mas para um número indefinido de contratos»[18].

Tratando-se aqui de uma intervenção fiscalizadora, não incidental, mas abstracta, destinada a erradicar do tráfego jurídico condições gerais iníquas, independentemente da sua inclusão em contratos singulares e visando a abstenção do uso pelos utilizadores de condições gerais desrazoáveis ou injustas [19].

A acção inibitória assume neste aspecto feição de declaração negativa, mercê da qual incumbe ao réu o ónus probatório dos factos constitutivos do direito que se arroga (art.º 343, n.º 1, do CC), ou seja, no caso sub iudicio, a prova dos factos reveladores ou integradores da proporcionalidade da cláusula[20].

Factualidade que não se encontra demonstrada.

Pelo que se terá de concluir pela procedência do carácter abusivo de tais cláusulas – art. 516.º do CPC.


*


Passemos à segunda questão: a da (in) validade das cláusulas que estipulam o foro competente

Sustenta também o recorrente que as cláusulas que estipulam o foro competente são nulas, à luz do princípio da boa fé, por ambíguas.

Entendeu a Relação que « (…) no caso vertente, nada consta do quadro factual provado de modo a poder-se concluir num ou noutro sentido, designadamente, que a cláusula do foro competente, como anteriormente referimos, restrinja o exercício dos direitos das partes ou que lhes cause graves inconvenientes, em especial, aos aderentes».

O recorrente, diversamente, pugna pela invalidade de tais cláusulas sustentando que «o que está em causa é determinar se a cláusula é ou não ambígua e é susceptível de induzir em erro o cliente. E é manifesto que é à custa desse erro que a Seguradora pode obter uma vantagem indevida, mesmo independentemente de algum desfavor para o cliente».

Em causa estão as cláusulas 16ª; 18ª 19ª e 22ª, atinentes ao foro competente para dirimir os litígios emergentes dos contratos de seguro celebrados entre a ré e terceiros.

Nelas se preceituando que "o foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil no que respeita à competência territorial em matéria de cumprimento de obrigações".

As cláusulas contratuais gerais interpretam-se e integram-se de acordo com as regras relativas à interpretação e à integração dos negócios jurídicos, dentro do contexto do contrato em que se inserem – art. 10.º.

E, em sede de interpretação dos negócios jurídicos, constitui matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias, o apuramento da vontade psicologicamente determinável das partes, sendo matéria de direito a fixação do sentido juridicamente relevante da vontade negocial, isto é, a determinação do sentido a atribuir à declaração negocial em sede normativa, com recurso aos critérios fixados nos arts. 236.º, nº 1 e 238.º, nº 1 do CC[21].

Em caso de ambiguidade, as cláusulas gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real (n.º 1), prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente (n.º 2) – art. 11.º.

Cláusulas ambíguas são, no entendimento já firmado por este Tribunal, aquelas “cuja clareza não é total, possibilitando interpretações diversas, o que lhe confere uma certa ambiguidade”[22].

Sucede, porém, que o n.º 2 do art. 11.º referenciado não se aplica às acções inibitórias, por força do preceituado no n.º 3.

Aditado em 1999 pelo DL n.º 249/99, de 17-07, o afastamento das regras de interpretação das cláusulas ambíguas advém, nas palavras de Ana Prata, do facto da utilização do critério interpretativo previsto nos n.º 2 e 3 daquele normativo poder conduzir ao entendimento, como admissíveis, de cláusulas que prejudicassem o aderente, o que seria um absurdo[23], já que, citando Galvão Telles[24], “não pode saber-se, de antemão, se será justo, em caso de dúvida, dar prevalência ao interesse do aderente”

Navegando nas mesmas águas – críticas à solução propugnada –, Almeida Costa[25] e Almeno Sá[26], sustentam que, em sede do controlo abstracto que é feito no âmbito das acções inibitórias, se a estipulação for obscura ou ambígua, o crivo judicial deve fazer-se atribuindo-se-lhe o sentido mais desfavorável ao aderente e, então, verificar se, ainda assim, esta seria admissível.

No caso vertente, as partes – sendo tal admitido pela recorrida nas suas alegações de apelação[27] – assumem o carácter ambíguo das cláusulas que fixam como critério da competência territorial “o local da emissão da apólice, sem prejuízo do estabelecido na lei processual civil”

Ambiguidade que também aqui se tem por assente já que «o local de emissão da apólice» não vem esclarecido ao aderente, podendo ser entendido como a sede da empresa ou de qualquer das suas delegações.

Dito de outro modo, sendo a emissão da apólice da incumbência da Seguradora, ao aderente não é possível um grau de certeza mínimo quanto ao respectivo local.

Em resultado do que se deixa exposto e de acordo com o que supra já se consignou a propósito da invalidade das cláusulas que impunham ao beneficiário a junção de atestado/relatório o que nesta sede cumpre aquilatar é se estas são ambíguas e, sendo-o, se ofendem o equilíbrio das prestações imposto pelo princípio da boa fé, tal como supra transcrito.

Equilíbrio que, como também já se consignou, incumbia – atenta a natureza da presente acção – à ré/Seguradora provar (art. 343.º, n.º 1 do CC).

Incumbindo àquela (Seguradora) alegar e provar que a mesma não tinha potencialidade de gerar desequilíbrio ao aderente, nada a propósito se provou.

Pelo que, em face de tal ambiguidade, tal cláusula é nula, procedendo, também neste ponto, a acção – art. 516.º do CPC.

A declaração de nulidade de tais cláusulas importa a repristinação da sentença proferida em primeira instância quanto aos pontos 4, 5 e 6 – abstenção de utilização das cláusulas nulas e publicidade da parte decisória – que só foram colocados em crise pelas partes, enquanto decorrência de tal nulidade e, ainda, o cumprimento do disposto no artigo 34, remetendo-se ao Gabinete de Direito Europeu do Ministério da Justiça certidão da presente decisão, uma vez transitada em julgado, para os efeitos previstos na Portaria n.º 1093/95, de 6 de Setembro.

Com a procedência da revista.


*


Face a todo o exposto acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em, na concessão da revista, se revogar o acórdão recorrido e, em consequência,

    1 - Declarar nulas as cláusulas 13ª, n.º 2, alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... Protecção V... I... e Seguro B... P… V... D...; e as cláusulas 12ª, n.º 2 alínea b) das condições gerais dos contratos Seguro B... Ú… I… e Seguro B... P... U... D…;

    2 - Declarar nulas as cláusulas 7ª, n.º 1, alínea c) e n.º 2, e 6ª, n.º 1, alíneas a) e b), das coberturas complementares de morte por acidente e por acidente de circulação e de morte por enfarte do miocárdio do contrato Seguro B... V... I... - 3 Capitais;

    3 - Declarar nulas as cláusulas 22ª das condições gerais dos contratos Seguro B... V... I..., Seguro B... V... D..., Seguro B... V... I... - 3 Capitais, Seguro B... P… V... I... e Seguro B... P… V... D...; as cláusulas 21ª das condições gerais dos contratos Seguro B... P... U... I…, Seguro B... P... U... D…, B... M… e B... P…; a cláusula 16ª das condições gerais do contrato B... P…; as cláusulas 18ª das condições gerais dos contratos B... I…, B... PPR e B... PPR R…; e a cláusula 19ª das condições gerais do contrato B... PPR R… garantido;

    4 - Repristinar, no mais, a sentença proferida em 1ª instância.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 26 de Setembro de 2013

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

_______________________________
[1] Os pontos 13. a 17. da matéria de facto foram introduzidos pelo Tribunal da Relação, conforme de fls. 468 a 471 consta.
[2] Doravante designado CPC.
[3] Diploma para o qual se consideram efectuadas as demais remissões sem expressa menção de origem.
[4] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª edição, pág. 262.
[5] Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, vol. III, pág.364.
[6] Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª edição, pág. 75.
[7] As três características básicas das cláusulas contratuais gerais (CCG) são: a) a pré-elaboração; b) a rigidez ou inalterabilidade por via negocial; e, c) a generalidade.
[8] Diploma que foi modificado, a fim de ficar em conformidade plena com a Directiva 93/13/CE, do Conselho, de 5 de Abril de 1993, pelo DL n.º 220/95, de 31-08, e pelo DL. n.º 249/99, de 7-07, e para o qual, como já dissemos, se consideram efectuadas as demais remissões sem menção expressa de origem.
No sentido da aplicação do regime instituído pelo DL n.º 446/85 a todos os contratos de adesão, cf. António Pinto Monteiro, Cláusulas Contratuais Gerais: da desatenção do legislador de 2001 à indispensável interpretação correctiva da lei, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Heinrich Ewald Höster, 2012, páginas 141 a 150 (nota de rodapé n.º 10).
[9] V.g.51/2001; 72/2006; e 96/2006 in www.cnpd.pt
[10] Pº 854/10.2TJPRT.S1 (Cons. Fonseca Ramos), in acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, disponíveis em www.itij.pt.
[11]Cf., por todos, ainda, os acórdãos de 19-10-2010, Revista n.º 10552/06.6TBOER.S1(Cons. Moreira Alves), disponível em www.itij.pt, e o acórdão de 08-05-2013, Revista n.º 813/09.8YXLSB.S1(Cons. João Bernardo), este disponível no site deste Tribunal.  
[12] Paulo Mota Pinto, A Protecção da Vida Privada e a Constituição, BFDUC, vol. LXXVI, ano 2000, pág. 167.
[13] O sigilo médico encontra as suas raízes históricas no Juramento de Hipócrates, segundo o qual, “O que, no exercício ou fora do exercício e no comércio da vida, eu vir ou ouvir, que não seja necessário revelar, conservarei como segredo.”.

[14] O direito à confidencialidade da informação de saúde e o correspondente dever de guardar sigilo por parte do médico, de outros profissionais de saúde e ainda de outras pessoas cuja profissão está relacionada com a prestação de cuidados de saúde, encontra-se plasmado em diversos diplomas, como o sejam, designadamente, a Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24-08) – que confere aos utentes o direito a: “d) Ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados.” – e pelo DL n.º 60/2003, de 01-04, que regula os cuidados de saúde primários.
[15] Lei da Protecção Dados Pessoais (com a Declaração de Retificação n.º 22/98, de 28-11), que transpôs para a ordem jurídica portuguesa a Dir. n.º 95/46/CE, do PE e do Conselho, 24/10/95, relativa à protecção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento dados pessoais e à livre circulação desses dados.
[16] Dispõe o artigo 7.º, sob a epígrafe de «Tratamento de dados sensíveis», que:
1 - É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos.
2 - Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º.
3 - O tratamento dos dados referidos no n.º 1 é ainda permitido quando se verificar uma das seguintes condições:
a) Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;
b) Ser efectuado, com o consentimento do titular, por fundação, associação ou organismo sem fins lucrativos de carácter político, filosófico, religioso ou sindical, no âmbito das suas actividades legítimas, sob condição de o tratamento respeitar apenas aos membros desse organismo ou às pessoas que com ele mantenham contactos periódicos ligados às suas finalidades, e de os dados não serem comunicados a terceiros sem consentimento dos seus titulares;
c) Dizer respeito a dados manifestamente tornados públicos pelo seu titular, desde que se possa legitimamente deduzir das suas declarações o consentimento para o tratamento dos mesmos;
d) Ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efectuado exclusivamente com essa finalidade.
4 - O tratamento dos dados referentes à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos, é permitido quando for necessário para efeitos de medicina preventiva, de diagnóstico médico, de prestação de cuidados ou tratamentos médicos ou de gestão de serviços de saúde, desde que o tratamento desses dados seja efectuado por um profissional de saúde obrigado a sigilo ou por outra pessoa sujeita igualmente a segredo profissional, seja notificado à CNPD, nos termos do artigo 27.º, e sejam garantidas medidas adequadas de segurança da informação.
[17]Cf. acórdão do STJ de 19-04-2012, Revista n.º 1401/09.4YXLSB.L1.S1(Cons. Abílio Vasconcelos), in www.dgsi.pt.
[18] José Manuel da Araújo Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 373.
[19] Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directivas Sobre Cláusulas Abusivas, p. 77/78 e pág. 208 e segs.
[20]Neste sentido cf. Ac. de 11-10-2005, revista n.º 1685/04 (Cons. Lucas Coelho), disponível in www.itij.pt.

[21]Cf. Nosso acórdão (deste mesmo Colectivo) de 10-07-2012, proferido nos autos de Revista n.º 1407/10.0TJPRT.P1.S1, disponível in www.itij.pt.
[22] Ac. STJ de 13-03-2008, Proc. 369/08, de que foi relator o Cons. Sebastião Povoas e disponível in www.itij.pt.
[23] Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, págs. 308 -308.
[24] Manual dos Contratos em Geral, pág. 234, nota 297.
[25] Direito Das Obrigações, pág. 267.
[26] Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 2005, págs. 39-41.
[27] “ (…) no limite, poder-se-á admitir que a expressão "local da emissão da apólice" é vaga, não esclarecendo cabalmente o consumidor final, ..., estão aqui em causa as dúvidas já sobejamente abordadas pela jurisprudência e pela doutrina sobre qual será, para o consumidor final "o local da emissão da apólice" se a sede da empresa ou se qualquer das suas delegações, concretamente, as delegações da área de residência de cada um dos aderentes, onde estes se deslocaram para subscrever o contrato de seguro. Admite-se a dúvida, mas, a vingar tal entendimento, há que aplicar o preceituado no art. 11.° do Dec. Lei n.º 446/85, de 25.10, prevalecendo o sentido mais favorável ao aderente…".