Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3842/16.1T9VNG.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLETIVO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
DESCONTO
Data do Acordão: 09/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I. Perante o art. 80.º, n.º 1, do CPP, a importância de dispor de todos os elementos relativos às medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, relativos à contagem de penas de prisão que podem vir a ser objeto de desconto na pena única é essencial, quando se profere a decisão em que se elabora o concurso superveniente de penas, uma vez que pode ocorrer que, por via do desconto, aquela pena única que vier a ser aplicada fique extinta e, portanto, o arguido/condenado tenha de ser solto, no caso de estar preso ou até já não ser caso de emissão de mandados de detenção ou mandados de desligamento para cumprimento de pena única de prisão imposta (esteja ou não o condenado preso à ordem do processo onde é proferida a decisão final onde se realizou o cúmulo jurídico de penas). Daí que deva sempre, na sentença ou acórdão condenatório, em que se elabora o cúmulo jurídico de penas, fazer constar, a final, os elementos respetivos relativos ao desconto, fazendo nessa altura previamente os cálculos para apurar se há ou não pena a cumprir e, consoante cada caso concreto, determinar o que for conveniente.

II Na determinação da medida da pena única no concurso de crimes, nos termos do art. 77.º, n.º 1, do CP, o tribunal avalia os factos no conjunto e a personalidade do condenado, devendo na respetiva decisão cuidar da sua fundamentação concreta, através da análise particular dos factos apurados no caso submetido à sua apreciação, retirando as devidas ilações adequadas para o efeito (evitando o uso de expressões vagas, abstratas e genéricas, que impedem que quem lê a decisão perceba a razão da pena única aplicada).

Decisão Texto Integral:


3842/16.1T9VNG.S1

Recurso

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

 1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 3842/16.1T9VNG.S1 do ..., Juiz ..., por acórdão de 17.03.2022, o arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico superveniente, nos termos dos arts. 77.º e 78.º, do Código Penal, entre as penas individuais aplicadas nesse processo (n.º 3842/16.1T9VNG) e as impostas no processo n.º 24/15.3JAPRT, da ..., Juiz ..., na pena única de 11 (onze) anos de prisão.

2. Inconformado com essa decisão, o arguido AA, interpôs recurso formulando as seguintes conclusões:

A. A pena de prisão efectiva de 11 anos de prisão não tem conta a necessidade de descontar o tempo de prisão já cumprido.

B. O que deverá ser feito.

C. A Douta Sentença recorrida violou o estatuído nos artº 40º, 43º, 50º, 70º e 71º do Código Penal e 18º, nº2, da Constituição da República Portuguesa.

D. Fazendo uma aplicação muito gravosa da moldura penal, indo até contra a jurisprudência desse Venerando Tribunal, que já reduziu a pena unitária de 10 para 8 anos de prisão no Processo n.º 24/15.3JAPRT.

E. Pelo que, a Douta Sentença deve ser revogada e substituída por outra que mantenha a pena de prisão efectiva de 9 anos de prisão.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo a Sentença recorrida alterada para uma pena de prisão efectiva de 9 anos, com a consequente redução do tempo já cumprido à ordem do Processo n.º 24/15.3JAPRT.

3. O Ministério Público na 1ª instância respondeu ao recurso defendendo a confirmação do acórdão impugnado.

4. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, considerando que o desconto deve operar no momento da liquidação da pena e ser ajustada e adequada a pena única aplicada pela 1ª instância.

5. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

II. Fundamentação

6. Consta do acórdão sob recurso, na parte relativa à decisão sobre a matéria de facto:

FACTOS PROVADOS

Dos elementos carreados para os autos resulta que, com relevância para o presente cúmulo jurídico, o arguido foi julgado e condenado nos processos, pelos factos, nas circunstâncias e penas a seguir descriminadas:

A) No P. nº 24/15.3JAPRT, Comarca do Porto, BB - ... - ... Secção Criminal - J..., por acórdão datado de 05/07/2016, transitado em julgado em 10/11/2017, foi o arguido condenado pela prática, em 2014/05; 2014/08/14; 2014/11 e 2014/08, como autor material, na forma consumada, em relação à ofendida CC, de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (factos ocorridos entre maio de 2014 a novembro de 2014, factos relatados de 9.º a 11.º dos factos provados); relação à ofendida CC, de um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º n.º 6, (atualmente n.º 7), ambos do Código Penal, na pena de 6 (seis) anos de prisão (factos relatados em 17.º dos factos provados); em relação à ofendida CC, de um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.º 165.º n.º 1 e 2, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão (factos relatados em 20 a 23 dos factos provados); em relação à ofendida CC, de um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º n.º 6, (atualmente n.º 7), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, de prisão (factos relatados em 24 a 28 dos factos provados); e, em relação à ofendida DD, de um crime de violação, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º, n.º 5 (e atualmente n.º 6), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão. Em cúmulo jurídico das penas de prisão parcelares impostas nos ao arguido, foi este condenado na pena única de 8 (oito) anos de prisão, após recurso para o S.T.J. – certidão junta aos autos.

Em súmula, apurou-se que:

1.º O arguido é pai de EE, companheiro de FF, desde pelo menos o ano de 2004, sendo esta mãe da menor CC, nascida em .../.../2001.

2.º Por força dessa relação existente entre a mãe da menor e o seu companheiro, a CC, desde os 11/12 anos, começou a conviver frequentemente com o arguido.

3.º O arguido, devido a esse convívio, presenteava a menor com material escolar, tabaco e carregava-lhe o telemóvel.

4.º À data dos factos que infra se descrerão o arguido exercia as funções de tesoureiro na Junta de Freguesia ..., situada na Rua ..., em ..., estando-lhe atribuído o veículo com matrícula ..-FC-.., de marca Toyota Hiace, de cor branca.

5.º Pelo menos desde o verão de 2013, o arguido transportou a menor CC, diversas vezes, no referido veículo automóvel, assegurando as deslocações da menor entre a casa da avó materna, situada no ..., onde residia, e a casa da mãe da menor, localizada na ..., ..., em ....

6.º A partir dessa altura o arguido, aproveitando a confiança que a menor CC depositava em si, começou a manter com ela conversa sobre sexo, perguntando-lhe inclusivamente se já tinha experimentado.

7.º A partir de maio de 2014 a menor CC foi residir com a mãe e os contactos com o arguido passaram a ser ainda mais frequentes, pois este transportava-a muitas vezes de ida e volta à escola.

8.º O arguido resolveu então aproveitar-se da relação de proximidade que mantinha com a menor para manter com ela atos de cariz sexual, sempre que a ocasião o permitisse.

9.º Em datas não concretamente apuradas, mas situadas no período compreendido entre maio de 2014 até finais de novembro de 2014, por várias vezes, o arguido conduziu a menor CC até à Junta de Freguesia acima referida, em alturas em que tal local já se encontrava fechado, e enquanto a menor aguardava no carro, o arguido entrava nas instalações e desligava a câmara de vigilância, após o que levava a menor para o interior.

10.º Ali, em várias ocasiões, por vezes no gabinete que lhe estava atribuído e outras no corredor do ... andar, o arguido apalpou a menor nas nádegas e nos seios, por cima e por baixo da roupa, deu-lhe beijos na boca e lambeu-lhe o pescoço, ao mesmo tempo que mantinha uma das mãos no seu pénis e efetuava movimentos de masturbação.

11.º Por vezes, a menor CC chorava e o arguido advertia-a para que não contasse nada à mãe pois caso contrário quem sofreria as consequências seria a sua progenitora.

12.º Numa dessas ocasiões, no referido período temporal, nas instalações da Junta, o arguido baixou as calças e as cuecas à menor CC e encostou o seu pénis ereto ao ânus da menor, altura em que ejaculou.

13.º No dia 12.8.2014 o arguido, depois de ter deixado a mãe e o irmão da CC nas urgências do Hospital ..., à noite, levou a CC na carrinha da Junta de Freguesia até à Rua ..., uma rua sem movimento e, dentro de tal veículo, deitou a menor num dos bancos, pôs-se em cima dela efetuando movimentos, assim esfregando a sua zona genital na menor; após, o arguido levantou-lhe a camisola e o soutien, colocou o pénis nos seios daquela e ejaculou, enquanto a menor chorava.

14.º Não obstante o incómodo sempre manifestado pela menor CC na continuação desses comportamentos por parte do arguido, este persistiu nos seus intentos, repetindo tal atuação inúmeras vezes, até finais de novembro de 2014, convencendo a menor a sujeitar-se a tais atos.

15.º Em todas as referidas ocasiões o arguido logrou manter com a menor CC os supra descritos atos de natureza sexual, aproveitando-se da relação de proximidade que sobre a menor tinha, da sua imaturidade e da sua menor capacidade para compreender o significado e a gravidade de um envolvimento de cariz sexual, fruto da sua tenra idade.

16.º Conhecedor da idade da menor CC, quis e conseguiu o arguido manter, de forma repetida, com ela, os descritos atos de natureza sexual, assim violando o direito desta à sua autodeterminação sexual e prejudicando o livre e harmonioso desenvolvimento da respetiva personalidade, para satisfação dos seus próprios desejos sexuais.

17.º No verão de 2014, entre os dias 14 e 17 de agosto, numa altura em que decorriam as festas do ..., em honra de ..., ao final da tarde, o arguido, determinado a manter com a menor CC, contra a vontade desta, relações sexuais de cópula, levou a menor para o gabinete da Junta, baixou as calças e as cuecas e ordenou à menor que baixasse as dela; perante a recusa da CC, o arguido agarrou-a pelos cabelos, empurrou-a contra uma parede, baixou-lhe os calções e as cuecas e introduziu parte do pénis ereto na vagina da menor, causando-lhe dor, tudo ao mesmo tempo que a menor chorava, tentava fechar as pernas e se debatia para que o arguido parasse com a sua conduta. Após, o arguido retirou o pénis da vagina da menor e ejaculou para dentro de um caixote de lixo que ali se encontrava.

18.º Ao atuar da forma descrita quis e conseguiu o arguido, por meio de violência e força física, constranger a menor, cuja idade conhecia, que estava impossibilitada de resistir, a sofrer cópula, bem sabendo que o fazia contra a vontade da mesma, assim violando o direito daquela à sua liberdade e autodeterminação sexual, para satisfação dos seus instintos libidinosos.

19.º Fê-lo ainda aproveitando-se da relação de proximidade, assim facilitando o cometimento destes factos.

20.º No verão de 2014, entre os dias 14 e 17 de agosto, numa altura em que decorriam as festas do ..., em honra de ..., no mesmo dia em que ocorreram os factos referidos em 17, o arguido levou a menor para passar a noite na sua casa, situada na Rua ..., em ....

21.º Já à noite, no sofá da sala, enquanto a menor estava a dormir, o arguido baixou-lhe as calças e introduziu parcialmente o seu pénis ereto no ânus daquela, causando-lhe dor, altura em que a menor acordou.

22.º Nessa altura o arguido disse-lhe “cala-te ou levas no focinho”.

23.º O arguido agiu com o propósito concretizado de sujeitar a menor a coito anal, aproveitando-se do facto de esta se encontrar a dormir e, consequentemente, não ter capacidade de oferecer resistência e opor-se à consumação do referido ato sexual, bem sabendo que o fazia contra a vontade da mesma, assim violando o direito daquela à sua liberdade e autodeterminação sexual, para satisfação dos seus instintos libidinosos, aproveitando-se da relação de proximidade com a menor e oportunidade para cometer estes factos.

24.º Em dia não concretamente apurado de finais de novembro de 2014 o arguido, conduzindo a carrinha da Junta de Freguesia, foi buscar a CC, e uma amiga desta, a menor DD, nascida em .../.../2000, e, depois de as ter levado ao centro comercial ..., onde lhes pagou o almoço e carregou os telemóveis, levou-as até um local ermo, perto da ....

25.º Nesse local, o arguido sentou-se no meio das duas menores e, contra a vontade delas, apalpou-as nas pernas, beijou-lhes e apalpou-lhes os seios, por baixo da roupa, exibiu o pénis e ordenou àquelas que ali colocassem a boca, ao mesmo tempo que lhes empurrava as cabeças na direção do seu órgão sexual, conseguindo, através da força física, introduzir o pénis na boca da menor CC, por alguns segundos; a menor DD começou a chorar e conseguiu resistir fisicamente aos esforços que o arguido fazia, afastando a sua cabeça do pénis do arguido; seguidamente, o arguido disse a ambas as menores para colocarem a mão no seu pénis, ordem à qual não obedeceram.

26.º Tal situação acabou por ser interrompida por um telefonema efetuado pela mãe da CC e o arguido decidiu levar as menores para casa, tendo-lhes ordenado, durante o percurso, que não contassem nada a ninguém.

27.º Ao apalpar e beijar em zonas erógenas a menor CC, cuja idade conhecia, e ao empurrar a sua cabeça na direção do seu pénis, o arguido agiu com o propósito concretizado de, por meio de violência, através do emprego da força física, constrangê-la a sofrer atos sexuais de relevo e a praticar consigo coito oral, contra a vontade dela, bem sabendo que atentava contra a liberdade sexual daquela, visando satisfazer os seus instintos sexuais.

28.º Fê-lo ainda aproveitando-se da relação de proximidade com a menor CC, assim facilitando o cometimento de tais factos.

29.º Ao apalpar e beijar em zonas erógenas a menor DD, cuja idade conhecia, e ao empurrar a sua cabeça na direção do seu pénis, o arguido agiu com o propósito de, por meio de violência, através do emprego da força física, constrangê-la a sofrer atos sexuais de relevo e a praticar consigo coito oral, contra a vontade dela, bem sabendo que atentava contra a liberdade sexual daquela, visando satisfazer os seus instintos sexuais, apenas não tendo concretizado o intuito de consumar o coito oral por circunstâncias alheias à sua vontade.

30.º Anteriormente aos factos praticados pelo arguido, a menor CC era virgem e nunca tinha mantido relações ou contactos de natureza sexual com ninguém.

31.º A conduta do arguido, para além das dores físicas que em algumas das ocasiões causou, provocou na menor CC alguns sintomas depressivos, medos e elevados níveis de ansiedade.

32.º Como consequência direta e necessária da atuação do arguido sofreu a menor DD instabilidade emocional e elevados níveis de ansiedade.

33.º Agiu o arguido em todas as situações supra referidas de forma voluntária, livre e conscientemente, sabendo ser as suas condutas proibidas e punidas por lei.

B) No P. nº 3842/16.1T9VNG (nossos autos), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ... - Juiz ..., por acórdão datado de 29/09/2021, transitado em julgado em 02/11/2021, foi o arguido condenado pela prática, entre Maio de 2014 até finais de Novembro de 2014, em autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171º, n.º 1, do Código Penal, nas penas parcelares concretas de 2 (dois) anos de prisão por cada um dos crimes. Em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no nº 1, do art. 77º do Código Penal, condena-se o arguido na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.

Em súmula, apurou-se que:

1) O arguido é pai de EE, companheiro de FF, desde pelo menos o ano de 2004, sendo esta mãe da menor CC, nascida em .../.../2001.

2) Por força dessa relação existente entre a mãe da menor e o seu companheiro, a CC, desde os 11/12 anos, começou a conviver frequentemente com o arguido.

3) À data dos factos a seguir descritos o arguido exercia as funções de tesoureiro na Junta de Freguesia ..., situada na Rua ..., em ..., estando-lhe atribuído o veículo com matrícula ..-FC-.., de marca Toyota Hiace, de cor branca.

4) Em data não concretamente apurada, situada no período compreendido entre Maio de 2014 até finais de Novembro de 2014, nas instalações da Junta, o arguido encostou o seu pénis erecto ao ânus da menor CC, altura em que ejaculou.

5) No dia 12/8/2014 o arguido, depois de ter deixado a mãe e o irmão da CC nas urgências do Hospital ..., à noite, levou a CC, então com 12 anos de idade, na carrinha da junta de freguesia até à Rua ..., a uma rua sem movimento e, dentro de tal veículo, deitou a menor num dos bancos, pôs-se em cima dela efectuando movimentos, assim esfregando a sua zona genital na menor; após, o arguido levantou-lhe a camisola e o soutien, colocou o pénis nos seios daquela e ejaculou.

6) Nas referidas ocasiões o arguido logrou manter com a menor CC os supra descritos actos de natureza sexual, aproveitando-se da relação de proximidade e do ascendente emocional que sobre a menor tinha, da sua imaturidade e da sua menor capacidade para compreender o significado e a gravidade de um envolvimento de cariz sexual, fruto da sua tenra idade, fazendo-a crer que tais actos aconteciam num contexto normal de afectos.

7) Conhecedor da idade da menor CC, quis e conseguiu o arguido manter com ela, os descritos actos de natureza sexual, assim violando o direito desta à sua autodeterminação sexual e prejudicando o livre e harmonioso desenvolvimento da respectiva personalidade, para satisfação dos seus próprios desejos sexuais.

8) Anteriormente aos factos praticados pelo arguido, a menor CC era virgem e nunca tinha mantido relações ou contactos de natureza sexual com ninguém.

9) A conduta do arguido, para além das dores físicas, nas situações supra descritas, provocou na menor CC alguns sintomas depressivos, medos e elevados níveis de ansiedade.

10) Agiu o arguido voluntária, livre e conscientemente, sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.

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Mais se provou, quanto aos antecedentes criminais do arguido, que este foi já condenado por diversos ilícitos criminais, conforme registo criminal junto aos autos, que consubstancia as condenações acima descritas e as que a seguir se descrevem, que não serão objecto do presente cúmulo, por não obedecerem aos necessários requisitos legais:

- Por decisão datada de 19/06/15, transitada em julgado em 06/11/15, foi o arguido condenado pela prática, em 2008, de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 107º, nº 1 e 105º, nº 1, da Lei nº 15/2001, de 05/06, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5, num total, pois, de € 900,00, posteriormente convertida em 180 horas de trabalho, já declarada extinta pelo cumprimento - P. nº 4/13...., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ..., ..., Secção Criminal J....

- Por decisão datada de 07/11/16, transitada em julgado em 07/12/16, foi o arguido condenado pela prática, em 23/10/2013, de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 375º do Código Penal, por referência ao art. 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, na pena de 1 (um) ano e 6 seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, já declarada extinta (por decisão proferida no dia 07/06/2018) - P. nº 4915/14...., do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, ..., ..., Secção Criminal J....

- Por decisão datada de 07/09/2021, transitada em julgado em 08/10/2021, foi o arguido condenado pela prática, em 10/2014, em autoria material e concurso efectivo, de um crime de participação económica em negócio, p. e p. pelos artigos 1.º, 3.º, n.º 1, al. i) e 23.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho (Crimes da Responsabilidade de Titulares de Cargos Políticos), na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão; suspensa na sua execução, subordinada à proibição de o arguido exercer qualquer cargo político (definido nos termos dos artigos 3.º e 3.º-A da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho) durante o referido período, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5 e 52.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, cujo início deverá ter lugar apenas após o cumprimento da pena de 8 anos de prisão que o arguido se encontra actualmente a cumprir à ordem do processo n.º 24/15.3JAPRT - P. nº 6154/15...., Tribunal Judicial da Comarca do Porto, BB - ... - Juiz ....

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Mais se apuraram os seguintes factos relativos às condições de vida do arguido, relatados no correspondente relatório social, junto aos autos:

Que AA tinha um ano de idade e após a morte da progenitora, perante a incapacidade da avó paterna e progenitor assumirem a sua educação passou a integrar o agregado familiar dos tios paternos (GG e HH, já falecidos). O agregado familiar dos tios paternos era composto por estes, um filho de ambos (II) e uma filha da tia paterna de um anterior relacionamento. A dinâmica familiar era positiva e marcada por laços de afectividade entre todos os elementos. A situação económica era equilibrada para fazer face às despesas básicas do agregado familiar, o tio trabalhava como litógrafo e tipógrafo e a tia ocupava-se com as lides domésticas.

Concluiu o 4º ano de escolaridade com 10 anos de idade, abandonou os estudos para passar a trabalhar como sapateiro e posteriormente trabalhou em diferentes áreas, para diferentes entidades, numa florista e numa fábrica de redes (até aos 19 anos de idade). Depois passou a trabalhar no sector da construção civil, inicialmente com cunhados e mais tarde por conta própria em 1992 com a empresa “C... Ldª.”, sendo sócios o cônjuge e os dois filhos mais velhos, à data menores, representados pelo arguido. Esta sociedade viria a encerrar cerca de 10 anos depois, constituindo o arguido nova sociedade a 19/12/2007, só com o filho (EE) “M..., Ldª.” que manteve atividade até abril de 2011.

A 21/08/1983 casou-se com JJ, de quem tem 5 filhos (KK, EE, II, LL e MM, atualmente com 37, 36, 25, 24 e 17 anos de idade respetivamente). O relacionamento entre o casal foi sempre positivo. No entanto, o casal optou por se divorciar em Janeiro de 2011, por questões que se prendiam com as empresas do arguido e os negócios deste, sem que nunca tenham estado separados.

As empresas tiveram sucesso ao longo dos anos e permitiram um estilo de vida confortável, situação que se alterou, quando ocorreu a crise no sector da construção civil e que viria a determinar o encerramento da última empresa.

Candidatou-se ao ensino superior, através do concurso de acesso para maiores de 23 anos e no ano letivo de 2006/2007 ingressou na Universidade ... no ... para ..., tendo concluído o primeiro ano optando depois por congelar a matrícula por dificuldades financeiras, mantendo expectativa de retomar a frequência do curso uma vez em liberdade.

À data dos factos, o arguido residia com a ex-mulher e filhos de ambos na morada supra - referida.

Após o encerramento da empresa, o arguido desde 2012 colaborava com o ..., vulgarmente denominado como “Associação ...”, tendo depois assumido a presidência da instituição. Em 2013 o arguido concorreu, como independente, às eleições autárquicas, no concelho ..., tendo integrado a lista que viria a ser mais votada para a Junta de Freguesia ... e ..., tendo sido convidado pelo Presidente da Junta a integrar o executivo com a categoria de tesoureiro, lugar que manteve de 24/10/2013 data da posse, até janeiro de 2015, data em que o arguido se demitiu após terem sido tornados públicos os factos que deram origem ao Proc. 24/15.3JAPRT (pelos quais cumpre pena atualmente).

As despesas do agregado familiar eram suportadas com o montante que a ex-mulher do arguido auferia como empregada de limpeza numa firma e com horas extraordinárias auferia cerca de €700/800 mensais. Os três filhos mais velhos contribuíam para as despesas com €100/mês cada um. A filha mais velha assumia as despesas da irmã mais nova. A situação financeira era descrita como marcada por dificuldades, por comparação com o passado, altura em que o arguido tinha as suas empresas, exigindo uma gestão criteriosa dos recursos.

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MOTIVAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS

O tribunal, para dar como provada a matéria que antecede, considerou os documentos juntos aos presentes autos, nomeadamente o teor da certidão da decisão a cumular; o C.R.C. mais actual do arguido, quanto aos antecedentes criminais e o seu relatório social actualizado, relativamente às suas condições de vida.

E, na fundamentação da pena única aplicada ao arguido, escreveu-se na decisão impugnada, após uma exposição teórica, o seguinte:

Desde logo, os presentes autos, com o nº 3842/16.1T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ... - Juiz ... (al. B), são, efectivamente, os competentes para efectuar o cúmulo jurídico, uma vez que correspondem ao processo da última condenação.

Ora, analisado o CRC do arguido, expurgadas, para o efeito de cúmulo jurídico, as penas em que o mesmo foi condenado, de multa, já extinta pelo pagamento e de suspensão, já extinta pelo decurso do prazo e a cujo prazo ainda se encontra em curso, que não serão objecto do presente cúmulo jurídico, considerando o atrás exposto e por aplicação dos princípios supra mencionados, constata-se, com interesse para a presente decisão de cúmulo, que o 1º trânsito em julgado ocorreu no âmbito do P. nº 24/15.3JAPRT, Comarca do Porto, BB - ... - ... Secção Criminal - J... (al. A).

Assim, os crimes pelos quais o arguido foi condenado nos presentes autos - P. nº 3842/16.1T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ... - Juiz ... (al. B), tendo sido cometidos antes do trânsito em julgado daquela condenação, estão com ela numa relação de concurso superveniente de penas para efeitos de realização de cúmulo jurídico de penas (cfr. art. 78º nº 1 e 2 do Código Penal), formando assim um único bloco de penas.

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Cumpre, então, decidir quanto à pena única a aplicar ao arguido.

A determinação da pena única é-nos ditada pelas regras contidas no artº 77º do C.P. Ali se estipula que dentro dos limites da penalidade do concurso, o juiz deverá determinar a pena a aplicar ao arguido, atendendo, em conjunto, à gravidade dos diversos factos praticados, e à personalidade do agente.

A razão de ser desta norma é de todos conhecida e reside no facto de que o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes é, justamente, a personalidade do delinquente, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário – Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, II, pág. 152.

Conforme se expôs acima, sobre a razão de ser da punição unitária do concurso, importa determinar uma única pena concreta a aplicar ao agente, pela prática dos vários crimes em concurso, que responda às finalidades da punição: tutela dos bens jurídicos e reintegração do delinquente na sociedade, no que é necessário atender à gravidade dos factos ilícitos e ao grau de culpa, na perspectiva da tutela dos bens jurídicos, e à culpa e personalidade do agente, na perspectiva da sua reintegração.

Nos factos no seu conjunto há que ver, por exemplo, se eles revelam ou não um acontecimento isolado na vida do agente, ou se são antes reflexo de uma tendência ou carreira criminosa – Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal anotado, 3ª edição, 1º volume, pág. 909 e ss.

Na personalidade do agente, há que atender à sua personalidade – mais ou menos desviante -, manifestada nos factos praticados, e que nos permite aferir da sua maior ou menor perigosidade social, funcionando a pena a aplicar como um factor de ressocialização daquele.

No caso concreto são de ponderar nomeadamente os factos constantes das decisões finais acima reproduzidas por súmula, bem como a história criminal do arguido espelhada no seu registo criminal.

Analisada a história criminal do arguido, verifica-se que este sofreu já um número elevado de condenações judiciais, pela prática de diversos crimes, sendo especialmente relevante a história criminal do arguido relativamente à prática de crimes de natureza sexual - percurso criminal que espelha tendência, da personalidade do arguido, para a prática criminosa, com relevância para a criminalidade de natureza sexual.

A pena de concurso tem como limite mínimo a pena mais elevada das parcelares e a máxima, sem exceder 25 anos, a soma aritmética de todas elas - art.° 77.° n.° 2, do CP, que tanto pode resultar de uma mera acumulação material, em exacerbação dela, pelas circunstâncias do caso, como de uma sua redução, quedando-se na parcelar mais elevada ou num distanciamento desta, mas sempre, sobretudo na pequena e média criminalidade, evitando-se que se atinja aquele limite máximo, de 25 anos.

A jurisprudência maioritária tem entendido tal por forma a que se introduza uma” compressão” às penas parcelares residuais, remanescentes, decidindo-se até, como critério possível, caminho de solução, até porque não está inscrito no texto legal, descer-se ao nível de 1/3 -cfr. Ac. do STJ de 9.2.2006 , Rec. n.° 109/06 , da 5.° Sec., ou, pelo menos, tomar tal nível como referência, sendo certo que, depois, caso a caso, consideradas as circunstâncias específicas de cada situação sub judice, é que se decidirá da concreta medida da pena única.

Assim, são as seguintes as penas parcelares a considerar para o presente cúmulo jurídico:

No P. nº 24/15.3JAPRT, Comarca do Porto, BB - ... - ... Secção Criminal - J... (al. A):

- 3 (três) anos de prisão;

- 6 (seis) anos de prisão;

- 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão;

- 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses, de prisão;

- 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.

No P. nº 3842/16.1T9VNG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal ... - Juiz ... (al. B):

- 2 (dois) anos de prisão;

- 2 (dois) anos de prisão;

Desta forma, a pena única a aplicar ao arguido, deverá situar-se nos seguintes limites: entre os 6 (seis) anos de prisão, como limite mínimo (pena parcelar mais elevada), e os 23 (vinte e três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, como limite máximo (soma de todas as penas parcelares) - art. 77º nº2 do C.P..

*

Ora, tudo ponderado, entendemos proporcional e adequada a condenação do arguido na seguinte pena única:

- 11 (onze) anos de prisão.

*

Direito

7. O objeto do recurso interposto pelo arguido, demarcado pelo teor das suas conclusões (art. 412.º, n.º 1, do CPP), prende-se, por um lado, com a questão de o acórdão impugnado omitir a menção ao desconto do tempo de prisão já cumprido à ordem do processo n.º 24/15.3JAPRT, devendo ser alterado para que nele fique a constar essa referência e, por outro lado, com a medida da pena única de 11 anos de prisão que lhe foi aplicada, a qual entende ser desproporcional, excessiva e injusta (por, na sua perspetiva, ser um mero somatório de factos criminosos e respetivas penas individuais, já considerados nas respetivas decisões, e ainda agravando as mesmas, sendo que hoje em dia é um “homem transformado” no que respeita à personalidade, resultado desde logo da sua submissão ao sistema prisional, tendo até se apresentado voluntariamente no Estabelecimento Prisional para cumprir pena, tendo atividade laboral nos Estabelecimentos Prisionais, não tendo sido objeto de qualquer sanção disciplinar no meio prisional, beneficiando de apoio familiar na atual situação de reclusão, o que se estenderá aquando da sua libertação, significando a pena única que lhe foi aplicada uma revogação da aplicada pelo STJ na sua decisão de 27.09.2017), pugnando pela sua redução para 9 anos de prisão.

Vejamos então.

A exigência de realização de cúmulo jurídico em caso de conhecimento superveniente de concurso tem a sua explicação: basta atentar no disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, sobre as regras de punição do concurso, onde se estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[1].

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP, por referência ao conjunto dos factos[2]).

Neste caso concreto, não há dúvidas que se verificam os pressupostos do conhecimento superveniente do concurso de penas indicadas pelo Coletivo, que abrangem as penas individuais impostas nos processos acima identificados, a saber as destes autos, n.º 3842/16.1T9VNG, com as individuais impostas no processo n.º 24/15.3JAPRT.

O arguido/recorrente está preso em cumprimento da pena única de 8 (oito) anos de prisão à ordem do processo n.º 24/15.3JAPRT, imposta por acórdão do STJ de 27.09.2017, tendo beneficiou já de dois dias de desconto (5 e 6.02.2015, dias detenção nesses mesmos autos) e tendo iniciado o cumprimento da pena em 5.12.2017, de forma ininterrupta, data essa em que se apresentou voluntariamente no EP.

De esclarecer, no que aqui interessa, que o referido ac. do STJ de 27.09.2017, proferido no processo n.º 24/15.3JAPRT, reduziu a pena única de 9 anos e 11 meses de prisão aplicada por Acórdão do TRP de 22.02.2017 (que já havia reduzido a pena única de 10 anos de prisão aplicada pela 1ª instância) e manteve, no mais, o decidido no referido acórdão da Relação, isto é, manteve ainda a alteração efetuada quanto à qualificação jurídica e pena aplicada pelo crime cometido em relação à ofendida DD, que passou a ser um crime de violação na forma tentada p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º, e 164.º, n.º 1, a), do Código Penal, com a agravação do n.º 5 do artigo 177.º do mesmo Código (na versão vigente à data da prática dos factos, que corresponde ao n.º 6 da versão atualmente vigente), sendo a pena reduzida (de 1 ano e 8 meses de prisão aplicada pela 1ª instância) para 1 (um) ano e 7 (sete) meses de prisão.

Portanto, o acórdão da 1ª instância sob recurso padece de erro, quando não teve em devida conta que, a pena individual aplicada pelo crime de violação agravado na forma tentada p. e p. nos 22.º, 23.º, 73.º, e 164.º, n.º 1, a) e 177.º, n.º 5, do CP, cometido na pessoa da ofendida DD, é de 1 ano e 7 meses de prisão (e não 1 ano e 8 meses de prisão, como foi referido e considerado na decisão impugnada), tal como decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, confirmado pela referida decisão do STJ, assim sendo feita a devida correção onde na decisão impugnada ora em apreciação consta essa menção errada.

Quanto à questão do desconto, independentemente da natureza jurídica desse instituto (que, como sabido, tem subjacente uma ideia de justiça material), a verdade é que, nos termos dos arts. 78.º, n.º 1, 80.º, n.º 1, e 81.º, n.º 1, do CP, todo o tempo de detenção processual e de prisão que tiver cumprido no processo n.º 24/15.3JAPRT, é descontado, por inteiro, no cumprimento da pena única de prisão aplicada no processo n.º 3842/16.1T9VNG.

Em termos práticos, quando o arguido/recorrente for colocado em prisão à ordem do processo n.º 3842/16.1T9VNG (o que sucederá após o trânsito em julgado da respetiva decisão condenatória que efetua o cúmulo jurídico das penas desse processo com as que lhe foram impostas no processo n.º 24/15.3JAPRT, à ordem do qual atualmente se encontra preso em cumprimento da pena única de 8 anos de prisão), será feita a liquidação da pena única imposta no processo da última condenação, ou seja, no processo n.º 3842/16.1T9VNG, sendo então aí que a detenção e a prisão que já tiver sido cumprida descontada por inteiro no cumprimento da pena única aplicada.

Aliás, como se esclarece no acórdão de fixação do STJ n.º 9/2011, de 20.10.2011 (DR I Série de 23.11.2011), “Seja qual for a posição que se adopte quanto à natureza jurídica do desconto - caso especial de determinação da pena ou regra legal de execução da pena -, mesmo sendo ele obrigatório e legalmente predeterminado, justifica-se plenamente o tratamento sistemático do instituto do desconto no quadro da determinação da pena porque o desconto transforma o quantum da pena a cumprir; embora a pena, na sua espécie e gravidade, esteja definitivamente fixada antes de o tribunal considerar a questão do desconto, o que é certo é que a gravidade da pena a cumprir é também determinada pela decisão da questão do desconto. Tudo leva, assim, a que o desconto - mesmo quando legalmente predeterminado - deva ser sempre mencionado na sentença condenatória. Nos casos em que o desconto a efectuar decorra de detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido em processo distinto, as eventuais dificuldades ou demoras na recolha dos elementos necessários à sua comprovação e determinação poderão, frequentemente, conduzir a que o desconto não seja mencionado na sentença condenatória. A ser assim, o desconto deve ser ordenado em decisão judicial posterior, nomeadamente no momento da homologação do cômputo da pena ou, mesmo, mais tarde, rectificando -se, então, a anterior contagem.”

Note-se que, perante o art. 80.º, n.º 1, do CPP, a importância de dispor de todos os elementos relativos às medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, relativos à contagem de penas de prisão que podem vir a ser objeto de desconto na pena única é essencial, quando se profere a decisão em que se elabora o concurso superveniente de penas, uma vez que pode ocorrer que, por via do desconto, aquela pena única que vier a ser aplicada fique extinta e, portanto, o arguido/condenado tenha de ser solto, no caso de estar preso ou até já não ser caso de emissão de mandados de detenção para cumprimento de pena única de prisão imposta (esteja ou não o condenado preso à ordem do processo onde é proferida a decisão final onde se realizou o cúmulo jurídico de penas).

Daí que deva sempre, na sentença ou acórdão condenatório, em que se elabora o cúmulo jurídico de penas, fazer constar, a final, os elementos respetivos relativos ao desconto, fazendo, nessa altura, os cálculos para apurar se há ou não pena a cumprir e, consoante cada caso concreto, determinar o que for conveniente.

Portanto, no caso em análise, em que apenas estavam em causa o concurso de penas de prisão, impunha-se ao Coletivo quando elaborou o acórdão impugnado que fizesse constar os elementos relativos ao desconto, dos quais dispunha, por lhe terem sido remetidos por ofício datado de 26.01.2022, ainda que, neste caso, considerando a pena única aplicada, o desconto apenas viesse a ser liquidado em momento posterior, quando o arguido/recorrente fosse colocado à ordem do processo da última decisão condenatória.

Com efeito, é por aplicação do disposto nos arts. 78.º, n.º 1, 80.º, n.º 1 e 81.º, n.º 1, do CP que o tribunal no acórdão se pronuncia sobre o desconto das medidas processuais privativas de liberdade e, bem assim, sobre o desconto da pena de prisão já cumprida no processo englobado no cúmulo jurídico de penas efetuado nos autos em que está a elaborar a decisão de cúmulo jurídico.

Sem o tribunal determinar o desconto das medidas processuais (que varia consoante os casos, como se verifica, por exemplo, pelo disposto no n.º 1 e no n.º 2 do art. 80.º do CP, conforme for aplicada pena de prisão ou pena de multa, sendo no primeiro caso o desconto das medidas processuais privativas de liberdade por inteiro e, no segundo caso, ou seja, quando é aplicada a pena de multa, o desconto de medidas processuais privativas de liberdade feito à razão de um dia de privação de liberdade por, pelo menos, um dia de multa, o que significa que deverá ser encontrada na sentença uma justa equivalência) ou o desconto das penas anteriores já cumpridas (regendo nessa matéria o disposto no art. 81.º do CP, sendo que, conforme estabelece o n.º 1, no caso da pena anterior ser de prisão é descontada por inteiro na pena posterior na medida em que já estiver cumprida e, no caso de a pena anterior e a pena posterior serem de diferente natureza, conforme resulta do seu n.º 2, terá de ser feito na sentença “na nova pena o desconto que parecer equitativo”) - em qualquer caso sendo ainda aplicável o disposto no art. 82.º do CP, verificando-se os respetivos pressupostos - não pode depois ser liquidada a pena aplicada no momento da execução, a menos que seja fixado pelo juiz nesse momento, em último recurso, o desconto, mas sempre tendo em atenção que não pode ser prejudicado o arguido, nomeadamente colocando em causa a sua liberdade ou a sua saída antecipada, no caso de estar preso.

Portanto, diremos que tem de haver um despacho do juiz a fazer operar o desconto, sendo o momento próprio para o fazer o da sentença, como aliás também foi defendido no acórdão de fixação n.º 9/2011 acima citado, ainda que ali também se admitisse que, na falta de elementos atempados para emitir a decisão, a mesma devesse ser proferida logo que possível.

De todo o modo, existindo nestes autos os elementos pertinentes para efetuar o desconto, entendemos que assiste razão ao recorrente, pelo que, afinal, iremos determinar o desconto dos elementos relativos às medidas processuais privativas de liberdade (dois dias) e do tempo de prisão que tiver cumprido à ordem do processo n.º 24/15.3JAPRT, o que já devia ter sido determinado pela 1ª instância no respetivo acórdão, por tais elementos serem conhecidos nos autos[3].

Vejamos, agora, se a medida da pena única de 11 anos de prisão aplicada ao recorrente, foi ou não desproporcional, excessiva e injusta.

Começaremos por analisar a moldura abstrata do concurso de penas, uma vez que houve um lapso cometido na decisão recorrida, em desfavor do arguido recorrente.

Tendo em atenção as decisões do Tribunal da Relação e do STJ acima referidas e visto o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP, temos que o limite mínimo é de 6 anos de prisão (que é a pena individual mais alta que lhe foi imposta) e o limite máximo é de 23 anos e 3 meses prisão (=3 anos+6 anos+3 anos e 2 meses+5 anos e 6 meses+1 ano e 7 meses+2 anos+ 2anos), correspondente à soma de todas as penas individuais que lhe foram impostas, e não 23 anos e 4 meses de prisão, como erradamente referiu a 1ª instância.

Assim, a pena única terá de ser encontrada dentro da moldura abstrata entre 6 anos de prisão e 23 anos e 3 meses de prisão.

Ora, como acima se disse, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, para se determinar a pena única a aplicar.

Como se verifica do teor do acórdão sob recurso, o Coletivo fez constar dessa decisão os motivos que entendeu justificarem a opção por aquela concreta pena única (11 anos de prisão) que julgou adequada aplicar ao arguido.

Analisando concretamente a fundamentação da medida da pena única que foi vertida para o acórdão impugnado, verifica-se que o Coletivo foi sucinto na fundamentação apresentada para a pena única encontrada, tendo feito uma apreciação em parte genérica do comportamento do arguido/recorrente, baseando-se na referência às condenações sofridas (quer relacionadas com os crimes em concurso, quer com antecedentes criminais) e daí retirando ilações, conjugadas com a personalidade do arguido, quanto à sua tendência para a criminalidade de natureza sexual (não resultando do que consta do acórdão sob recurso que tivesse sido feita qualquer “dupla valoração” entre os fatores que determinaram as penas individuais e os fatores que determinaram a pena única como erradamente alega o recorrente).

Vejamos então a medida concreta da pena única, tendo em atenção que apenas pode ser atendido o que resulta dos factos dados como provados, não se podendo acolher outra matéria que extravase o que deles consta (designadamente vertida no relatório social que o recorrente invoca, mas que não consta dos factos provados, v.g. que o arguido “homem atual”, «é já um “homem transformado” no que respeita à sua personalidade, transformação essa resultante desde logo da sua submissão ao sistema prisional, com o inerente afastamento comunitário, familiar, etc.”, que “tem apoio familiar na atual situação de reclusão”, que se estenderá aquando da sua libertação”, sobre o seu comportamento nos estabelecimentos prisionais), tanto mais que o STJ funciona como tribunal de revista e os seus poderes de cognição estão definidos no art. 434.º do CPP, mesmo tendo em atenção igualmente o art. 5.º do mesmo código[4].

Ora, considerando os factos no conjunto e período temporal já considerável em que ocorreram (foram cometidos entre Maio de 2014 e Novembro de 2014, portanto durante cerca de 6 meses), estando em causa o concurso de 7 crimes sexuais[5], importa atender à gravidade relevante que assumiu o modo de execução (incluindo pelas consequências causadas), sendo certo que o recorrente (nascido em .../.../1963) já tinha antecedentes criminais (tendo sido condenado em multa por crime de abuso de confiança contra a segurança social cometido em 2008, tendo sido condenado em prisão suspensa na sua execução por crime de peculato cometido em 23.10.2013 e tendo sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução por crime de participação económica em negócio cometido em 10/2014), ainda que por crimes diversos, mas que revelaram que as condenações anteriores sofridas não o motivaram a alterar o seu comportamento.

Há que ponderar os respetivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos, seu diferente grau de gravidade, olhando para a sua natureza e dos bens jurídicos violados, tendo em atenção que os crimes cometidos, enquanto crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual são de maior gravidade e, face ao período de tempo durante o qual foram cometidos, com diferentes vítimas, revela, para um adulto da idade do recorrente, a sua indiferença para levar uma vida conforme ao direito, bem como desprezo pelas regras e valores subjacentes ao ordenamento jurídico) e a personalidade do arguido/recorrente (avessa ao direito, atento o circunstancialismo fáctico global apurado), que se mostra adequada aos factos cometidos, mostrando naquele período de tempo uma certa tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, maior perigo de reincidência nessa área, o que também torna mais elevadas as exigências de prevenção geral e especial relativamente ao ilícito global.

Para avaliar da capacidade de reinserção social do arguido/recorrente, tendo por referência os factos no conjunto em avaliação, importa considerar as suas condições de vida, incluindo a fase de crescimento e de adolescência, o seu comportamento no período em que cometeu os crimes em questão (particularmente condições de vida e situação económica e profissional) e, ainda, o seu comportamento posterior aos factos, sendo certo que se apresentou voluntariamente no EP em 5.12.2017 para cumprir a pena em que fora condenado como resulta dos autos nº 24/15.3JAPRT e não consta que posteriormente tivesse sofrido outras condenações.
Assim, considerando as suas carências de socialização é de atender ao efeito previsível da pena única a aplicar sobre o seu comportamento futuro, a qual não deve ser impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor das condutas que praticou, apure o sentido crítico, reflita sobre as consequências dos seus atos sobre as outras pessoas e continue a preparar-se para adotar uma postura socialmente aceite, cumprindo as regras da instituição (o que, por certo, se tal se justificar, poderá a seu tempo igualmente contribuir para beneficiar de medidas flexibilização que o vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Outros factos e deduções alegados pelo recorrente, mas que não se extraem dos dados como provados não podem ser aqui atendidos, como acima já se referiu.

Na perspetiva do direito penal preventivo, tendo presente a moldura abstrata do concurso (que foi corrigida nos termos acima apontados) julga-se na medida justa, por ser adequado e proporcionado, a redução da pena unitária aplicada pela 1ª instância para 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada considerando os factos no conjunto, à luz das considerações que acima fizemos), assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Redução superior da pena única, como pretendido pelo recorrente, mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas (na medida do exposto, não se pode aceitar a conclusão do recorrente, quando alega que a pena única que lhe foi imposta mais não é do que uma revogação do ac. do STJ que reduziu a pena imposta no processo n.º 24/15.3JAPRT).

Em conclusão: apenas procede parcialmente o recurso, sendo certo que na parte em que improcede não se podem considerar violados os princípios e as disposições legais pertinentes invocados pelo recorrente.

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III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso em apreciação e, consequentemente, alterar o acórdão impugnado, condenando o arguido AA na pena única de 10 (dez) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Mais se determina o desconto das medidas processuais privativas de liberdade sofridas pelo arguido/recorrente nos processos cujas penas foram cumuladas nos autos n.º 3842/16.1T9VNG, computadas em dois dias e, bem assim, o desconto do tempo de prisão que tiver cumprido à ordem do processo n.º 24/15.3JAPRT, devendo, após trânsito, ser passados os competentes mandados de desligamento a fim do arguido/recorrente passar a cumprir a pena única aqui imposta.

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Sem custas.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 8.09.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo (Juiz Conselheiro Adjunto)

Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

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[1] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[2] Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.
[3] No STJ, há uma corrente jurisprudencial que vem defendendo que a omissão da menção ao desconto na sentença não constitui nulidade, porque decorre automaticamente da lei e outra que, por sua vez, defende que a sua omissão integra nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, mas que pode ser suprida em sede de recurso, perante o n.º 2 da mesma disposição legal.
De qualquer modo, os elementos relativos ao desconto tem de constar de decisão judicial (seja da sentença, seja quando nessa altura não existem, de decisão posterior). Mas, até face à redação do art. 80.º, n.º 1, do CP, será mais seguro, que todos os elementos relativos a medidas processuais sofridas noutros processos constem dos autos antes da realização da sentença de cúmulo jurídico superveniente.

[4] De resto, não ocorrendo qualquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto que acima foi transcrita, a qual nessa parte está devidamente sustentada e fundamentada e nem sequer foi questionada pelo recorrente.
[5] Sendo dois crimes de abuso sexual de criança em relação a uma ofendida p. e p. no art. 171.º, n.º 1, do CP e dos restantes 5 crimes, um deles foi cometido em relação a uma outra ofendida, tratando-se de um crime de violação, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 73.º, 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º, n.º 5 (e atualmente n.º 6), todos do Código Penal, e os restantes quatro crimes foram cometidos em relação a uma terceira ofendida, tratando-se de um crime de abuso sexual de crianças p. e p. pelo art.º 171.º n.º 1, do Código Penal, um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º n.º 6, (atualmente n.º 7), ambos do Código Penal, um crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência, p. e p. pelo art.º 165.º n.º 1 e 2, do Código Penal e um crime de violação, p. e p. pelo art.º 164.º n.º 1 a), com a agravação do art.º 177.º n.º 6, (atualmente n.º 7), ambos do Código Penal.