Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
793/19.1S7LSB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
ROUBO AGRAVADO
RAPTO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 05/06/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O regime de atenuação especial da pena para jovens delinquentes não constitui um “efeito automático” resultante da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor.
II - Atendendo ao comportamento anterior e posterior à prática dos crimes, não se apresentam evidências seguras que permitam que o julgador possa fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe for aplicado o regime especial referido.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 793/19.1S7LSB.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

I

Relatório

1. Em primeira instância, o arguido AA, identificado nos autos, foi julgado em tribunal coletivo, no Tribunal Judicial da Comarca ………. (Juízo Central Criminal ...……, Juiz ….), no âmbito do processo n.º 793/19.1S7SLB, e foi condenado nos seguintes termos:

 «(...) b) condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material, concurso real e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210, n.ºs 1 e 2, alínea b), do Código Penal, com referência à alínea f) do n.º 2 do artigo 204, do mesmo diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

c) condenar o arguido AA, pela prática, em coautoria material, concurso real e na forma consumada, de 1 (um) crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 161, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; (...)

l) determinar, ao abrigo do disposto no n.º 2, do artigo 8º, da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro, a recolha de amostra de A.D.N. aos arguidos AA, BB e CC, com os propósitos referidos no n.º 3, do artigo 18, do mesmo diploma legal, devendo oficiar-se ao L.P.C. da Polícia Judiciária para o efeito;

m) condenar os arguidos AA, BB e CC ao pagamento solidário de uma indemnização civil ao demandante DD, no valor global de € 17 484,83 (dezassete mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e oitenta e três cêntimos), nos termos do disposto no artigo 129, do Código Penal e artigos 562 a 564, 566 e 572, todos do Código Civil;».

2. Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso direto para este Supremo Tribunal de Justiça tendo concluído a motivação nos seguintes termos:

«1.ª — Tendo sido o Recorrente no passado dia 18 de Janeiro do corrente ano condenado no âmbito do Processo 793/19.1S7LSB, que correu os seus termos junto do Juiz .. do Juízo Central criminal ......., condenação essa em que aquele foi condenado numa pena única de 06 anos e 06 meses de prisão pela prática de um crime de roubo agravado e por um crime de rapto,

2.ª — Diga – se em abono da verdade que a pena ora aplicada é lhe completamente desfavorável, uma vez que na altura da prática dos crimes o Arguido tinha apenas 20 anos de idade, logo convém acrescentar que houve na condenação daquele um erro na apreciação da matéria de Direito,

3.ª — Além do mais como já se referiu o ora Recorrente á data da prática tinha apenas 20 anos e tendo essa idade deveria obrigatoriamente ser aplicado o regime penal para jovens mais concretamente o regime previsto e consagrado no Decreto Lei n.º 401/82 de 23/09,

4.ª — Regime Penal esses que se aplica a jovens entre os 16 e os 21 anos de idade é o regime-regra de sancionamento penal aplicável a esta categoria etária, logo o referido regime aplica – se ao ora Recorrente uma vez que á data da prática dos factos tinha 20 anos de idade, nos termos do artigo 4.º do referido regime consagra que aquele será aplicável quando sejam constatadas serias razões para crer que da atenuação da pena resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado,

5.ª — Assim sendo como já se referiu o ora Recorrente na altura da prática dos factos tinha 20 anos, está privado da liberdade desde o dia 20 de Dezembro de 2019 ou seja acerca de um ano e dois mais concretamente há 14 meses, como também não tem antecedentes criminais perante estes factos poderia e deveria ser aplicado o referido regime aplicando – se uma pena especialmente mais favorável,

6.ª — Logo e em face do que se foi expondo ao longo do presente Recurso entende – se por sinal que haveria e haverá todas as condições para que seja aplicado um regime mais favorável ao ora Recorrente por ser essa a medida justa dos factos, e tendo em conta o respeito pela interpretação da lei e pela jurisprudência em vigor, alterando – se assim a decisão do Tribunal a Quo.

Nestes Termos e nos melhores de Direito e sempre com o Mui Douto Suprimento de V.Exas deve o presente Recurso:

- Ser admitido na integra o presente Recurso;

- Devendo consequentemente ser alterada na integra a decisão proferida pelo Tribunal a Quo, por ser essa a medida justa dos factos.»

3. Ao recurso interposto respondeu a Senhora Procuradora da República no Tribunal Judicial da Comarca ……... (...º Juízo Central Criminal ….....), tendo concluído que o recurso “não poderá merecer provimento, pelo que deverá confirmar-se o douto acórdão recorrido”.

4. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer, concluindo pela improcedência do recurso interposto, considerando que:

- quanto à aplicabilidade (ou não) do Regime Penal Especial para Jovens Adultos (previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09,” a análise efectuada é objectiva e correcta pelo que era imperioso concluir, como fez o Tribunal recorrido, no sentido de se não verificarem os pressupostos para aplicação do referido regime e a consequente atenuação especial das penas”;

- e quanto às penas aplicadas “a decisão recorrida fez uma análise e valoração criteriosas das circunstâncias que rodearam a prática dos factos, do grau de culpa manifestado, da ilicitude e das exigências de prevenção especial e geral e valorou todas as circunstâncias anteriores e posteriores aos crimes que depõem a favor do arguido, mas também as que lhe são desfavoráveis, como impõe o art. 71, nº 2, do Código Penal, mas também as condições pessoais do arguido, pelo que as penas fixadas são adequadas, justas e proporcionais, não se vendo qualquer fundamento para que sejam reduzidas.”

5. Notificado o recorrente nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, não respondeu.

6. Colhidos os vistos em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

A. Matéria de facto

Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos[1]:

«1. Pelas 00 horas e 00 minutos, do dia 07 de outubro de 2019, o ofendido DD seguia apeado na Avenida ……..…., em ….., quando foi abordado pelos arguidos AA, CC e BB, os quais, de imediato, o empurraram para as escadas de acesso ao restaurante “H3” ali localizado, dizendo-lhe para “se sentar nas escadas para não chamar as atenções”.

2. De seguida, o arguido AA desferiu um murro na face esquerda do ofendido, enquanto lhe retiravam o telemóvel de marca e modelo Huawei ……, no valor de € 400 (quatrocentos euros), com o IMEI ………………68, exigindo que o desbloqueasse, o que o ofendido, por medo, fez, pois, um dos arguidos exibia-lhe uma soqueira e dizia “tira o código senão vais levar”.

3. Os arguidos retiraram também ao ofendido um relógio de marca “Fossil”, em aço de cor prateada, no valor de € 350 (trezentos e cinquenta euros), um anel de prata de marca “GUMOS”, com uma pedra quadrada preta, no valor de € 150 (cento e cinquenta euros), um anel prateado com símbolos tribais desenhados no valor de € 20 (vinte euros), um colar prateado com duas medalhas, no valor de € (dez euros), cerca de € 5 (cinco euros) em moedas, e outros objetos de menor valor e documentos pessoais, uma carteira em pele no valor de € 100 (cem euros), dois cartões multibanco em nome do ofendido, o seu cartão de cidadão, carta de condução, cartão de saúde europeu, os documentos do veículo automóvel de matrícula ..-XN-.., a chave do carro com respetivo porta chaves, exibindo-lhe também uma soqueira, na posse do arguido AA, com a qual ameaçaram bater-lhe.

4. Os arguidos exigiam ainda que o ofendido lhes entregasse os ténis que trazia calçados.

5. Os três arguidos continuaram a revistar o ofendido, encontrando os seus cartões multibanco, pelo que passaram a exigir que fossem ao multibanco para que o ofendido levantasse o dinheiro que fosse possível, dizendo um dos arguidos que se não fosse com eles levantar o dinheiro lhe daria uma facada e o mataria.

6. Mas ao encontrarem na sua mala as chaves do seu veículo automóvel de marca e modelo “………”, com a matrícula ..-XN-.., no valor de € 15 600 (quinze mil e seiscentos euros), passaram a perguntar onde se encontrava estacionado e a exigir que o ofendido os acompanhasse, o que sucedeu, tendo o arguido BB, dito ao ofendido que não era daqui, era de França e que não teria problemas de o matar e ir embora.

7. A caminho do local onde o veículo automóvel se encontrava estacionado, os arguidos e o ofendido cruzaram-se com duas pessoas, que atravessavam a rua em sentido contrário, tendo o ofendido olhado para trás na tentativa de pedir ajuda, momento em que um dos arguidos se apercebeu e disse “estás a olhar para trás porquê, olha mas é para a frente”.

8. Ao chegarem à viatura, os arguidos obrigaram o ofendido a sentar-se no lugar traseiro, atrás do pendura, sentando-se dois dos arguidos à frente e o terceiro ao lado do ofendido.

9. Iniciaram, então, marcha pela Avenida ……………, na direção da …………..

10. Durante o percurso, os arguidos disseram que o ofendido tinha que levantar € 600 (seiscentos euros), e um dos arguidos comentava que o ofendido iria à polícia, tendo um deles dito “ouve, nos teus documentos está a tua morada, nós vamos ficar a saber onde tu moras”.

11. À saída de uma rotunda, cerca das 00 horas e 15 minutos, embateram com a viatura do ofendido ligeiramente noutros dois automóveis ali estacionados e continuaram a marcha, mas o condutor de um desses veículos acabou por se colocar à frente, imobilizando o veículo, o que fez com que os arguidos também cessassem a marcha, pelo que o ofendido aproveitou o momento para fugir, correndo até à Esquadra da PSP ……………, onde relatou o sucedido e apresentou queixa.

12. O automóvel do ofendido, de marca e modelo “……”, com a matrícula ...-XN-..., foi encontrado e recuperado pelas 03 horas, imobilizado no Largo ………, próximo do lote .., onde residia o arguido BB, nos ……….., em ......

13. O ofendido DD recebeu tratamento hospitalar no Hospital ……, onde deu entrada pelas 02 horas e 37 minutos, do dia 07 de outubro de 2019, apresentando edema localizado a nível da hemiface/região geniana esquerda.

14. Os factos atrás relatados causaram ao ofendido os ferimentos descritos e à data da realização do exame médico-legal apresentava como sequelas, clínica compatível com perturbações de stresse pós-traumático, manifestada por revivências penosas do evento, condicionando alterações no seu comportamento.

15. As lesões sofridas pelo ofendido em resultado da conduta dos arguidos, determinaram--lhe 30 (trinta) dias de doença, com afetação para o trabalho geral e profissional, resultando como consequências permanentes perturbações de stresse pós-traumático, que afetam o ofendido de forma grave, quer a nível pessoal, social e profissional.

16. O arguido CC, após a prática dos factos atrás descritos, utilizou o aparelho de telemóvel que foi subtraído ao ofendido.

17. O arguido BB, aquando da realização de busca ao local onde pernoitava, tinha na sua posse, por cima do colchão onde dormia, uma navalha com fio de lâmina e serração, de punho coberto com borracha de cor preta, cuja lâmina mede 8,5 cm (oito vírgula cinco centímetros) de comprimento, perfazendo, quando aberta, o comprimento total de 20 cm (vinte centímetros).

18. Os arguidos atuaram, em conjugação de esforços, no âmbito de um plano previamente delineado e no propósito comum de se apoderarem dos bens de valor e dinheiro do ofendido, que concretizaram, de forma livre, voluntária e consciente, mediante o uso de violência e inclusive com recurso a uma arma, bem sabendo que os bens do ofendido não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo proprietário.

19. Agiram os arguidos, igualmente em conjugação de esforços, com intenção de imobilizar o ofendido e de o impedir de se ausentar do local dos factos, nomeadamente colocando-se em fuga ou pedindo ajuda a terceiros, obrigando-o a que os acompanhasse e entrasse no veículo automóvel no qual circularam, com destino a um terminal de ATM, privando-o da sua liberdade, quer através da sua clara superioridade numérica, quer pela exibição de uma soqueira que demonstravam poder utilizar caso resistisse, chegando a referir que o matariam com o uso de uma faca, tendo ainda atingindo o ofendido um murro que lhe causou dores e lesões físicas, factos que decorreram num período superior a 15 (quinze) minutos.

20. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e, ainda assim, quiseram agir do modo descrito, o que conseguiram fazer.

Mais se provou que: (...)

22. Do certificado do registo criminal do arguido AA consta:

a) a condenação na pena de 100 (cem) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco) euros, pela prática, em 18 de dezembro de 2015, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, por sentença proferida, no processo com o NUIPC 1484/15......., em 21 de fevereiro de 2017 e transitada em julgado em 14 de julho de 2017, pelo Juiz 2, do Juízo Local de Pequena Criminalidade.

Por despacho judicial proferido em 16 de janeiro de 2018, a pena foi declarada extinta pelo pagamento.

b) a condenação na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em 23 de abril de 2016, de 1 (um) crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152, n.º 1, alínea b), do Código Penal, por sentença proferida, no processo com o NUIPC 524/16......., em 15 de setembro de 2017 e transitada em julgado em 16 de outubro de 2017, pelo Juiz …, do Juízo Local Criminal ...............

Por despacho judicial proferido em 23 de outubro de 2019, a pena foi declarada extinta, nos termos do disposto no artigo 57, do Código Penal.

c) a condenação na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à razão diária de € 5 (cinco) euros, pela prática, em 11 de setembro de 2015, de 1 (um) crime de dano qualificado, previsto e punido pelo artigo 213, do Código Penal, por decisão proferida, no processo sumaríssimo com o NUIPC 822/15......., em 27 de setembro de 2018, pelo Juiz ..., do Juízo Local Criminal ............... (...)

24. O arguido AA é natural ........... e é filho único do casal progenitor.

25. Viveu com os progenitores até aos oito anos de idade, num contexto familiar de média condição socioeconómica, avaliado pelo próprio como pouco gratificante, em consequência da violência doméstica protagonizada pelo pai.

26. Após a separação, ficou a residir com o progenitor até concluir o primeiro ciclo de escolaridade, depois passou a residir com a progenitora.

27. Uns tempos após a separação, a progenitora do arguido encetou novo relacionamento amoroso (pouco duradouro), do qual nasceu o irmão uterino, atualmente com dez anos de idade.

28. O arguido AA, aos onze anos de idade voltou a integrar o agregado familiar do progenitor, com o intuito de manter um acompanhamento educativo mais rigoroso e frequentar uma escola com melhores condições.

29. Neste agregado, constituído pelo progenitor, madrasta e irmã consanguínea, atualmente com dez anos de idade, revelou dificuldades de adaptação.

30. Atravessou um período de instabilidade emocional, devido ao falecimento da avó paterna, de quem era muito próximo, o que o desmotivou das matérias letivas e não tinha ânimo para estudar, mantendo absentismo.

31. Posteriormente, em concordância com o progenitor, voltou a integrar o agregado materno.

32. Há cerca de seis anos, a progenitora encetou novo relacionamento afetivo e a família passou a viver no agregado do padrasto.

33. O arguido AA manteve uma relação de cordialidade e respeito para com padrasto.

34. O arguido AA registou um percurso escolar instável.

35. Apresentou duas retenções, no sexto e sétimo anos de escolaridade, encontra-se habilitado com um curso profissional de Turismo que lhe deu equivalência ao nono de escolaridade.

36. Apesar de se ter inscrito no décimo ano de escolaridade, não o chegou a frequentar.

37. Após o término dos estudos, com dezoito anos de idade, o arguido AA ingressou o mercado de trabalho, desempenhou trabalhos …… e trabalhou durante um ano no Posto de Turismo ...........

38. Aos dezoito anos de idade encetou um relacionamento amoroso, com uma jovem da sua idade, com quem chegou a viver maritalmente durante seis meses, em casa dos sogros.

39. Deste relacionamento, que durou cerca de dois anos, o arguido AA tem um filho, atualmente com dois anos de idade.

40. Após a separação, o filho ficou aos cuidados da progenitora, contudo, o arguido AA manteve convívio regular com o bebé e enquanto permaneceu em liberdade, assumiu as responsabilidades parentais.

41. O arguido AA, antes de ser preso preventivamente, vivia com a progenitora, padrasto e irmão.

42. A dinâmica relacional foi descrita como funcional, integradora e pautada por laços afetivos entre todos os membros.

43. A família reside em casa de tipologia T3, que adquiriram com recurso a empréstimo bancário.

44. A habitação está localizada numa zona residencial, sem associação a problemáticos sociais relevantes.

45. A economia doméstica é satisfatória, sendo o sustento da família assegurado pelos salários da progenitora e do padrasto, ambos empresários, que auferem um valor global mensal de cerca de € 4 000 (quatro mil euros).

46. O padrasto tem uma empresa de carpintaria e a progenitora é proprietária de um salão de beleza.

47. As despesas mais significativas relacionam-se com a amortização do empréstimo da habitação num valor de € 350 (trezentos e cinquenta euros) mensais, € 200 (duzentos euros) mensais referentes à prestação do empréstimo para obras da referida habitação e € 300 (trezentos euros) mensais referentes à mensalidade do colégio do irmão.

48. A este valor acrescem despesas com consumos domésticos (água, eletricidade, gás, comunicações) num valor mensal de aproximadamente € 250 (duzentos e cinquenta euros).

49. O arguido AA, no período que antecedeu a prisão preventiva, trabalhava com o padrasto na empresa de carpintaria e auferia um salário de cerca de € 800 (oitocentos euros) mensais.

50. Contribuía com uma parte do seu salário para o sustento do filho e o restante utilizava nas suas despesas pessoais.

51. O arguido AA iniciou consumos de estupefacientes com cerca de dezasseis anos de idade, inicialmente apenas consumia haxixe, depois passou a consumir pastilhas MDMA.

52. O arguido AA salientou que nunca fez qualquer tratamento/acompanhamento para esta problemática e desvaloriza essa necessidade, alegando que se encontra abstinente de consumos de estupefacientes desde que foi preso preventivamente.

53. O arguido AA salienta que, nos tempos livres, tinha como hobby a prática ………

54. Reconheceu que, por vezes, saia à noite e mantinha convívio ou outros jovens (alguns coarguidos), com comportamentos disruptivos.

55. O arguido AA manteve uma postura adequada e um comportamento consentâneo com as normas familiares até há cerca de dois anos, passando a sair à noite e não informando os locais que frequentava, demostrando a família dificuldade em exercer um controlo parental eficaz, até porque, o arguido já era de maior idade.

56. Em meio prisional, o arguido AA tem mantido um comportamento consentâneo com as regras e normas institucionais, trabalhando como faxina do pavilhão.

57. Participou no “Grupo ……” que tem como objetivo a integração ao em meio institucional e a estabilização emocional.

58. No Estabelecimento Prisional  …….., o arguido AA já teve visitas da progenitora e do padrasto.

59. Estes, apesar de se mostrarem desiludidos e magoados com os eventuais comportamentos disruptivos do arguido, estão disponíveis para futuramente o apoiar no que se mostrar necessário.

60. O arguido AA reconhece a sua situação jurídica como legítima, porém, aparenta um certo distanciamento emocional e tende a adotar atitudes de minimização perante práticas similares às que lhe são imputadas, desvalorizando os danos nas eventuais vítimas de condutas desta natureza.

61. Demonstrou, porém, uma postura de alguma intimidação relativamente à sua reclusão, evidenciando uma atitude pouco favorável em relação ao desfecho do presente processo em virtude de ter antecedentes criminais. (...)

Do pedido de indemnização civil:

143. Devido à agressão de que foi vítima, o demandante experimentou sofrimento e dores físicas.

144. Ficou ainda emocional e psicoafetivamente afetado, apresentando dificuldade em dormir, nervoso com a situação por que passou, revelando-se atemorizado, receoso e ansioso.

145. Desde os factos, o demandante sente-se ainda perturbado e inseguro, sendo frequente estar desconfiado, temer pela sua liberdade física, pela consumação das ameaças pelos arguidos e que volte a passar por semelhante situação.

146. O demandante procura evitar frequentar o local da prática dos factos, receando novos acontecimentos.

147. Os factos importaram uma afetação à estabilidade emocional, familiar, profissional e social do demandante.

148. O demandante pagou € 40 (quarenta euros) pela assistência hospitalar, pois, em sequência do murro que lhe foi desferido, ficou com edema da hemiface/região geniana esquerda.

149. O demandante, por ter ficado afetado na sua capacidade laboral, deixou de auferir € 1345,83 (mil trezentos e quarenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos).

150. Com a renovação dos documentos subtraídos, suportou um encargo de € 104 (cento e quatro euros).

151. Despendeu € 949,48 (novecentos e quarenta e nove euros e quarenta e oito cêntimos) com a aquisição de um novo telemóvel e uma nova carteira.

152. O demandante evita sair à rua e sair à noite com os amigos, procura lugares de estacionamento mais seguros e companhia no percurso até ao carro.

153. A perda do seu telemóvel importou invasão da sua privacidade, perdendo com ele contatos, fotografias e documentos.»

B. Matéria de Direito

1. Analisando o recurso interposto, o arguido apenas alega que, tendo sido aplicada uma pena única conjunta de 6 anos e 6 meses de prisão (1.ª conclusão), esta “é-lhe completamente desfavorável” (2.ª conclusão) e, dado que à data da prática dos factos apenas tinha 20 anos, dever-lhe-ia ter sido “obrigatoriamente” (3.ª conclusão) aplicado o Regime Especial para Jovens Adultos constante do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23.09.

2. Na verdade, o arguido nasceu a 28.07.1999, tendo os factos ocorrido a 07.10.2019, ou seja, quando tinha 20 anos de idade, apenas perfazendo 21 anos de idade a 28.07.2020.

Assim, e aquando da determinação das penas concretas a aplicar a cada um dos crimes praticados, o Tribunal deve avaliar da possibilidade ou não de aplicação daquele regime especial. E neste ponto entendeu o Tribunal a quo que:

«Consigne-se por que razão não se aplica o regime dos jovens:

Não obstante os arguidos AA e BB, à data dos factos, terem menos de 21 (vinte e um) anos de idade e, por conseguinte, abstratamente ser de atender ao Regime Penal Aplicável aos Jovens Delinquentes, nos termos do disposto no artigo 1º, do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, não beneficiam do mesmo.

Da aplicação deste regime resultaria a atenuação especial das penas, nos termos do disposto nos artigos 73 e 74, do Código Penal. Porém, esta atenuação não é de aplicação imediata e, por conseguinte, a mesma só faz sentido se resultar dos autos sérias razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado.

Ora, o Tribunal ponderou este regime legal e a sua aplicação sub judice, concluindo pela inexistência das referidas razões sérias para crer ser mais favorável para a reinserção social do condenado a atenuação especial, considerando:

- a iniciativa criminal que adotaram nos presentes autos, a qual se revela mais intensa que a iniciativa do arguido CC, mais velho;

- os antecedentes criminais do arguido AA, que impunha uma maior reflecção na adoção dos seus comportamentos, sendo-lhe devido um maior sentido crítico relativamente aos bens jurídicos de terceiros, protegidos pelas normas incriminadoras; não interiorizando, nem a necessidade absoluta de abandonar a prática dos atos, nem o desvalor das suas condutas;

- a obrigação que os arguidos tinham de estar conscientes deste tipo de crimes, considerando o massificado acesso à informação que tem havido a este respeito; e

- a criminalidade violenta que protagonizaram, num contexto de intimidação com emprego de armas e ameaça de morte, verbalizando uma absoluta desvalorização pela vida humana.

Pelo exposto, as penas aplicadas aos arguidos AA e BB terão por ponto de partida as molduras abstratas e não especialmente atenuadas, afastando-se expressamente o Regime Penal Aplicável aos Jovens Delinquentes.»

Vejamos se estavam ou não reunidas as condições para que fosse possível aplicar o regime especial para jovens adultos constante do decreto-lei n.º 401/82, de 23.09, salientando, desde já, que da lei não resulta qualquer imposição de aplicação do regime apenas pelo simples facto de o arguido, ao tempo da prática dos factos, ter a idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.

Nos termos do art. 9.º, do CP, são aplicáveis as normas relativas a maiores de 16 anos e menores de 21 anos estabelecidas em legislação especial — decreto-lei n.º 401/82, de 23.09, e de acordo com ao art. 4.º do diploma referido, “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Assim, verificamos que a atenuação especial não constitui um “efeito automático” resultante da juventude do arguido, mas uma consequência, a ponderar caso a caso, em função dos crimes cometidos, do modo e tempo como foram cometidos, do comportamento do arguido anterior e posterior ao crime, e de todos os elementos que possam ser colhidos do caso concreto e que permitam concluir que a reinserção social do delinquente será facilitada se for condenado numa pena menor. Conciliando as exigências especiais de prevenção no sentido de integração do delinquente na sociedade e as exigências de prevenção geral, deve a pena ser reduzida para que aquelas exigências de prevenção especial sejam asseguradas, entendendo o legislador que ainda assim as exigências de prevenção geral não são demasiadamente comprimidas. Ou seja, cabe ao julgador, por força do disposto no art. 9.º, do CP, averiguar se é possível aplicar as normas especiais aplicáveis a delinquentes com idade entre os 16 anos e os 21 anos, devendo aplicá-las sempre que admita, com uma razoabilidade evidente, que daí possam resultar vantagens para a ressocialização daquele jovem. Ou seja, a jovem idade do delinquente não é requisito que automaticamente permita ao julgador atenuar especialmente a moldura abstrata do crime em que aquele será condenado. A idade jovem é apenas o requisito formal que impõe ao julgador averiguar se estão ou não verificados os requisitos para a aplicação da atenuação especial — estes requisitos são a existência de “sérias razões” que lhe permitam “crer” que daquela atenuação resulte alguma vantagem para uma mais fácil reintegração do jovem agente. Abstratamente analisando qualquer situação, haverá sempre vantagem na ressocialização sempre que a pena seja menor. Sabendo do efeito altamente criminógeno da pena de prisão, tudo aponta no sentido de que, quanto menor for a pena de reclusão, menor será aquele efeito e, consequentemente, maior a possibilidade de uma vez fora da prisão, o jovem poder optar por uma vida longe do crime. Mas, a esta consideração abstrata, o julgador terá que juntar elementos concretos que lhe permitam concluir que, atento o comportamento anterior do delinquente, este, uma vez fora da prisão, tudo fará para se afastar de ambientes, lugares e pessoas que o poderão levar, novamente, para a prática de atos da mesma natureza dos praticados. Ora, para tanto o julgador deverá munir-se de elementos necessários que lhe permitam objetivamente decidir, e neste âmbito os factos provados relativos às condições pessoais do arguido assumem um relevo especial. 

Os factos praticados pelo recorrente são graves. Na verdade, não só a abordagem (juntamente com outros 2 arguidos) a uma pessoa que durante a noite circulava numa avenida de uma grande cidade, como também a violência utilizada, impõem fortes exigências de prevenção geral, que só podem ser fortemente comprimidas se para tanto existirem elementos relevantes em sede de prevenção especial que nos permitam concluir existem sérias razões para crer que da atenuação resultem, em concreto, vantagens para a reinserção. E neste contexto cumpre destacar que, na motivação da matéria de facto, foi referido que o Tribunal formou a sua convicção considerando que:

as declarações dos arguidos que, de um modo genérico, assumiram como verdadeiros os factos que lhes eram imputados.

O arguido AA afirmou mesmo que “era quase tudo verdade”, que foi ele quem deu o “murro” na face do ofendido, encontrando-se sob o efeito de álcool, haxixe e MDMA. Mais acrescentou estar arrependido do que fez. Negou estar na posse da soqueira, tal qual referido em 3. da acusação, e não viu qualquer face, ou referência a facada.

Não obstante ter afirmado o dito arrependimento, o certo é que o arguido tendo tido oportunidade de se desculpar na presença do ofendido, quando o mesmo prestou declarações como demandante, não o fez.

Assim, se, por um lado, se mostra relevante o facto de o arguido não ter negado os factos, por outro lado, não podemos deixar de dar relevo ao facto de, pese embora tenha demonstrado arrependimento, não tenha, apesar de ter prestado declarações, formalizado um pedido de desculpas. O que constitui um comportamento posterior aos factos que não pode ser olvidado.

Além disto, também é relevante o facto de ter afirmado que praticou os factos sob influência de álcool e estupefacientes, e da matéria de facto resultar que o início destes consumos começou aos 16 anos (facto provado 51), nunca fez qualquer tratamento e “desvaloriza essa necessidade” (facto provado 52). Acresce o convívio do arguido com outros jovens com “comportamentos disruptivos” (facto provado 54) e um comportamento em contexto familiar que dificulta qualquer possibilidade de uma qualquer colaboração familiar (facto provado 55) de modo a sensibilizá-lo para um comportamento aceite socialmente.

Ora, atendendo ao comportamento anterior e posterior à prática dos crimes, não se apresentam evidências seguras que permitam que o julgador possa fazer um prognóstico favorável ao arguido quanto a uma maior facilidade de ressocialização se lhe for aplicado o regime especial referido. Ou seja, os elementos que constam dos autos, e que nos deveriam levar a concluir que a partir do comportamento anterior e posterior ao crime o arguido iria prosseguir o seu comportamento no sentido de se afastar da prática do crime, não são nada esclarecedores nesse sentido. Para além disto, não estamos perante um delinquente primário, dado que já anteriormente foi condenado, nomeadamente, por um crime de violência doméstica, numa pena de prisão de 1 ano e 6 meses [facto provado 22 b)] que terá sido suspensa, mas nem assim o demoveu do “mundo do crime”.

Tendo em conta todos estes elementos, consideramos que não se vislumbram vantagens para a reinserção social do delinquente na aplicação do regime especial, previsto no decreto-lei n.º 401/82, de 23.09.

3.1. Improcedendo o recurso interposto nesta parte, as penas a aplicar deverão ser determinadas com base nas molduras legais previstas em cada um dos tipos legais de crime. O arguido vem condenado pela prática de um crime roubo qualificado, nos termos dos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), do CP, com uma moldura de 3 a 15 anos de prisão, e num crime de rapto, nos termos do art. 161.º, n.º 1, al. a), do CP, com uma moldura de de 2 a 8 anos de prisão.

No recurso interposto, o arguido não recorre expressamente destas penas, mas sim da pena única.

Porém, cumpre referir que as penas aplicadas de 5 anos e 6 meses de prisão para o crime de roubo e de 3 anos e 6 meses de prisão para o crime de rapto não se mostram desadequadas ou desproporcionais, pelo que não se impõe um conhecimento oficioso destas.

3.2. No que respeita à pena única consideramos, e afirmamo-lo desde já, que se mostra adequada, mas perante a alegação expressa de que a pena única é “completamente desfavorável” para o arguido, analisemos em concreto esta pena.

A determinação da pena tem como limite máximo o admitido pela culpa de cada arguido — a culpa de cada um é individualizável e insuscetível de equiparação entre os diversos arguidos, pois estes participam de forma diferente e de modo diverso nos diferentes factos praticados, assim revelando uma atitude particular contra o direito —, e como limite mínimo o determinado pelas exigências de prevenção geral impostas pela comunidade de acordo com os crimes praticados; será dentro destas balizas que em função das exigências de prevenção especial de cada arguido que se determinará a medida concreta da pena, necessariamente diferente consoante as distintas exigências que cada um impõe.

A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º, do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela dos bens jurídicos em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenham sido tomadas em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).

Acresce que o nosso sistema de reações criminais é claramente caracterizado por uma preferência pelas penas não privativas da liberdade ─ cf. art. 70.º do CP ─ devendo o tribunal dar primazia a estas quanto se afigurem bastantes para que sejam cumpridas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Mas, a determinação da medida da pena, em sede de concurso de crimes, apresenta especificidades relativamente aos critérios gerais do art. 71.º do CP.

Nos casos de concurso de crimes (e em obediência ao princípio constitucional da legalidade criminal, a pena única apenas pode ser aplicada caso estejam verificados os seus pressupostos de aplicação, isto é, caso estejamos perante uma situação de concurso efetivo de crimes), a determinação da pena única conjunta tem que obedecer (para além daqueles critérios gerais) aos critérios específicos determinados no art. 77.º, do CP. A partir dos critérios especificados é determinada a pena única conjunta, com base no princípio do cúmulo jurídico. Assim, após a determinação das penas parcelares que cabem a cada um dos crimes que integram o concurso, é construída a moldura do concurso, tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e o limite máximo a soma das penas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).

A partir desta moldura, é determinada a pena conjunta, tendo por base os critérios gerais da culpa e da prevenção (de acordo com o disposto nos arts. 71.º e 40.º, ambos do CP), ao que acresce um critério específico — na determinação da pena conjunta, e segundo o estabelecido no art. 77.º, n.º 1, do CP, "são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". Assim, a partir dos factos praticados, deve proceder se a uma análise da "gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”. Na avaliação da personalidade, ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade, sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade; exigências, porém, limitadas pelas imposições derivadas de finalidades de prevenção geral de integração (ou positiva).

São estes os critérios legais estabelecidos para a determinação da pena e, em particular, para a determinação da pena única conjunta.

Nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, a pena única conjunta, a aplicar a um caso de concurso crimes, é determinada a partir de uma moldura que tem como limite mínimo “a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”, e como limite máximo “a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”. Pelo que as penas concretas aplicadas a cada crime constituem os elementos a partir das quais se determina aquela moldura.

Nestes termos, no presente caso, a moldura do concurso de crimes a partir da qual deve ser determinada a pena concreta a aplicar tem como limite mínimo 5 anos e 6 meses de prisão (a pena concreta mais elevada) de prisão, e como limite máximo 9 anos de prisão (correspondente ao limite máximo permitido pelo disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).

Analisando globalmente os factos, todos realizados num mesmo momento, estes assumem uma especial gravidade a demandar algumas exigências de prevenção geral tendo em conta a violência dos factos. A pena a aplicar deve, pois, respeitar estas exigências de modo a que assegurando à comunidade que a norma violada se mantém em vigor, e tanto assim é que quem as viola é punido. Mas, a idade jovem do arguido, assim como, apesar de já ter sido anteriormente condenado pela prática de outros crimes (facto provado 22), a inexistência de uma carreira criminosa, impõem que a pena aplicada se situe abaixo da metade da moldura penal que andará pelos 7 anos de prisão.

O arguido, em meio prisional, mostra já alguma adaptação atuando de acordo com as regras e normas institucionais (facto provado 56) apresentando uma boa integração e uma estabilização emocional (facto provado 57). Além disto, tem recebido visitas de sua mãe e do padastro (facto provado 58), que se mostram disponíveis para o apoiar (facto provado 59) — o que demonstra que, uma vez em liberdade, o arguido encontrará um ambiente favorável a uma possível integração (com as limitações eventualmente decorrentes do facto de o arguido vir a assumir um comportamento que dificulte aquele apoio – cf. facto provado 55), mas que não nos permite considerar que as exigências de prevenção geral possam ser asseguradas com uma pena coincidente com o mínimo da moldura penal do concurso de crimes. Tanto mais que o arguido mantém ainda algum “distanciamento emocional” relativamente aos factos e “tende a adotar atitudes de minimização perante práticas similares” (facto provado 61). Tendo em conta todos estes elementos, consideramos que a pena de 6 anos e 6 meses (apenas um ano acima do limite mínimo) se mostra adequada à culpa do agente, proporcional com às exigências de prevenção especial, e necessária perante as exigências de prevenção geral que o caso impõe.

Pelo que improcede também, nesta parte, o recurso interposto.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em julgar improcedente o interposto pelo arguido AA.

Custas em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 6 de maio de 2021

As juízas conselheiras,

Helena Moniz (Relatora)

Margarida Blasco

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[1] Apenas se transcrevem os factos relevantes para o único recorrente.