Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ACÁCIO DAS NEVES | ||
Descritores: | AVAL EXTINÇÃO RELAÇÕES IMEDIATAS RELAÇÃO JURÍDICA SUBJACENTE CONTRATO DE MÚTUO CONTRATO SOB CONDIÇÃO ALTERAÇÃO DO CONTRATO INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO AVALISTA LIVRANÇA LIVRANÇA EM BRANCO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/21/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGAR REVISTA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : |
I. Tendo o avalista singular tido intervenção no negócio causal da livrança dada à execução, no qual se incluem as condições relativas aos avales prestados, estando-se assim no domínio das relações imediatas, podem os embargantes, seus herdeiros habilitados, invocar a extinção do aval por aquele prestado à sociedade subscritora da livrança, com base na verificação da condição prevista para dispensa do aval (constituição de hipoteca sobre determinado imóvel). II. Não tendo aquele (que já havia falecido), nem os seus herdeiros, tido intervenção na posterior escritura de alteração (de prazos e reforço de garantias) do contrato de mútuo, onde os representantes das sociedades avalistas declaram manter os avales, não obstante a constituição da nova hipoteca, esta alteração não é oponível aos herdeiros do avalista singular. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista nº 1920/16.6T8ALM-B.L1.S1
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
Transportes Beira Rio S.A., Zafil Comércio e Reparação de Automóveis Lda, e AA, BB e CC(estes na qualidade de herdeiros do avalista singular DD), por apenso à execução que lhes foi movida pela exequente Caixa Geral de Depósitos, S.S., deduziram (em separado) oposição à execução, suscitando a questão da inexigibilidade do pagamento da quantia exequenda e pugnando, a final, pela procedência da oposição e consequente extinção da execução.
Alegaram para tanto e em resumo que os títulos executivos não são oponíveis aos embargantes, sendo que o aval caducou com o registo da hipoteca sobre o imóvel sito em …, e que a livrança foi objeto de preenchimento abusivo face ao teor do pacto de preenchimento.
Prosseguindo os autos, após contestação da exequente/embargada, veio a ser proferida sentença, nos termos da qual a oposição foi julgada improcedente.
Na sequência e no âmbito de recursos de apelação dos embargantes AA, BB e CC(na qualidade de herdeiros do avalista singular DD) e da embargante Transportes Beira Rio, S.A., a Relação de Lisboa, julgando improcedente a apelação desta e procedente a apelação daqueles, julgou extinta a execução relativamente aos embargantes herdeiros do avalista singular, prosseguindo contra as sociedades embargantes.
Inconformada, interpôs a exequente/embargada Caixa Geral de Depósitos o presente recurso de revista, no qual formulou as seguintes conclusões:
A) Com o devido respeito, o Douto Acórdão da Relação julgou procedente o a apelação dos recorrentes herdeiros, algo que não carece entendimento por parte do ora Recorrida. Vejamos, B) O tribunal de Primeira Instância julgou e bem os Embargos de Executado totalmente improcedentes. C) A ora Recorrida, salvo melhor opinião, entende que muito bem esteve o douto Tribunal a quo, ao julgar totalmente improcedente os presentes Embargos. D) Aliás, entende a mesma até que outra decisão não poderia ter sido tomada, atendendo à prova produzida nos presentes autos. Senão vejamos: E) O contrato inicial preveria que existisse uma alteração contratual com reforço de hipoteca mais à frente com libertação dos respetivos avais, contudo e como foi possível verificar em sede de julgamento e através de prova testemunhal, o que ficou patente no contrato foram as dificuldades financeiras por parte da empresa, e como tal o que foi feito foi um reforço da garantia, com manutenção das respetivas garantias (hipotecas sobre duas frações e os avais). F) Vem referido no próprio contrato que a alteração é feita devido a dificuldades financeiras, e por isso é que se optava por alterar a natureza do reforço da hipoteca, deixava de ser uma hipoteca para libertar ou substituir as garantias anteriores, mas passava a ser uma garantia para reforçar a garantia existente. G) E como tal veio reforçar uma garantia já existente e não constituir uma nova divida, não havendo novação da divida. H) Como se pode constatar a Clausula 19º do contrato inicial existe e a mesma encontra-se nos autos e faz parte da prova documental. I) O que ficou provado aquando da audiência de discussão e julgamento foi que a supra indicada Cláusula foi revogada, aquando da prestação do reforço da hipoteca, uma vez que, conforme indicado pelas duas testemunhas da Recorrida, a alteração contratual não foi celebrada nas condições previstas do contrato inicial. J) Aliás estas alterações contratuais só foram feitas devido às dificuldades sentidas pela empresa, a mesma solicitou à CGD um período de deferimento de capital, com base nisso houve um reforço da hipoteca constituída no contrato inicial. K) O que em nada fez alterar a garantia de aval já prestada no contrato anterior. Sendo que todas as partes que assinaram este contrato, inclusivamente os herdeiros tinham conhecimento e aceitaram expressamente. L) Ora, portanto, ficou esclarecido que a natureza do reforço de capital se alterou, face às dificuldades financeiras da mutuária, pelo que não houve lugar a substituição das garantias existentes. M) E consta não só da prova testemunhal, mas igualmente da prova documental, de que os garantes pessoais mantiveram e confirmaram a aval anteriormente prestado. N) Razão pela qual bem a ora recorrida não pode concordar com a decisão do Tribunal da Relação apenas e tão só no que respeita à procedência da apelação dos recorrentes herdeiros. O) Aliás, entende ainda a ora recorrida, ao contrario do que o Tribunal de Relação entendeu, o aval prestado, não foi dispensado nem caducou. P) Mais, como se pode verificar no documento 2, junto no requerimento executivo, no documento complementar consta que mantem-se todas as cláusulas e condições do contrato referido em um que não foram alterados pela presente alteração contratual, pois a mesma não constitui novação da divida, mantendo-se as garantias constituídas. Q) Não foi prestado novo aval, mas mantido o anterior, assim se revogando o n.º 3 da cláusula 19.ª do contrato inicial. R) A livrança executada foi entregue à Recorrida para titular e garantir um empréstimo concedido à sociedade Beira Rio, Comércio e Indústria de Automóveis, SA. S) Nos termos do pacto de preenchimento, a Recorrida foi autorizada a preencher a livrança, “quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte: T) A data de vencimento será fixada pela Caixa quando, em caso de incumprimento pela Cliente das obrigações assumidas , a Caixa decida preencher a livrança; U) A importância da livrança corresponderá ao total das responsabilidades decorrentes do presente empréstimo, nomeadamente em capital, juros remuneratórios e moratórios, comissões, despesas e encargos fiscais, incluindo os da própria livrança”, cfr. cláusula 19ª do Doc. 1) V) Deste modo, tinha a Recorrida mandato para preencher a referida livrança, o que o fez nos termos do mesmo. W) A invocação do preenchimento da livrança contrariamente ao acordado é uma mera afirmação de princípio, não ancorada em quaisquer factos que a Recorrida possa contrariar. X) “Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto exceção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respetivo preenchimento tenha efetivamente desrespeitado. Se, em substituição do pacto inválido e excluído nenhum outro se invoca, como obrigação desrespeitada no ato de preenchimento da livrança, então não há objeto sobre o qual possa ser alegado e discutido preenchimento abusivo, carecendo o avalista de fundamento para discutir uma eventual exceção, por isso que nenhuma violação de convenção consigo celebrada imputa aos demais signatários do título cambiário, por via da qual se mantivesse nas relações imediatas. Assim sendo, sobra a posição jurídica de avalista, assumindo o aval a sua plena autonomia, mantendo-se aquele obrigado nos precisos termos resultantes da obrigação cambiária inerente ao aval dado.” In www.dgsi.pt, Douto Acórdão do STJ de 22/10/2013, proc. 4720/10.3T2AGD-A.C1. Y) Os avalistas respondem perante o titular do título, independentemente da obrigação subjacente. Z) Esta era já a posição jurisprudencial largamente dominante, sendo que o Ac. De Uniformização, do STJ n.º 4/2013, de 11/12/2012, publicado no DR n.º14,de21/1/2013,veio resolver tal questão. AA) Tal decisão vem fundamentada essencialmente na natureza do aval, pelo que em muito releva para estes autos: BB) “Trata-se, outrossim, de uma garantia objetiva para pagamento do título sem vinculação com a obrigação avalizada, exceto quanto à existência desta. Elimina-se, pois, o carácter subjetivo (este é a vinculação com a obrigação de uma determinada pessoa) do aval para se tornar objetivo (quer dizer uma obrigação abstrata, conforme a literalidade do documento). Trata- se de uma garantia cambiária típica, dado que a obrigação do avalista se encontra desligada do avalizado; a obrigação deste torna-se abstrata e literal como direito autónomo para o portador do documento, se bem que existindo uma obrigação formal com o ato avalizado se considere como um nexo de posição, sem que se requeira uma substancial posição entre ambas as obrigações cambiárias. Em virtude disso, o avalista assume uma obrigação direta e pessoal, não com o do seu avalizado, e portanto responde, direta e pessoalmente, perante o credor cambiário, pelo pagamento do título e não pelo cumprimento deste. O avalista não assegura que o avalizado pagará, mas sim que o título será pago; não participa da obrigação de outros, mas, ao invés, fá-la própria (non alienae obligationi accedit sed alienam facit propriam); a designação da pessoa a favor a quem se presta o aval tem tão só a finalidade de fazer assumir ao avalista uma responsabilidade cambiária de igual grau que a do avalizado”(com realces aditados). CC) Voltando a citar-se o Douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência já referido: “o avalista não se obriga perante o avalizado mas sim perante o titular da letra ou da livrança, constituindo uma obrigação autónoma e independente e respondendo, como obrigado cartular, pelo pagamento da quantia titulada na letra ou livrança. A circunstância de não ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante ação cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância de a relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária. A relação cambiária constituída permanece independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal.”. DD) Como resulta da LULL, “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada e mantém-se a sua obrigação, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma” (arts. 30.°, 32.°, ex vi art. 76.º). EE) Seguindo Oliveira Ascensão, “(o)avalista responde ainda que a obrigação que garantiu seja nula por razão que não seja um vício de forma (art.32º/2º§). A exclusão do vício de forma é óbvia, pois nesse caso não funciona já a aparência emergente da letra. Mas em todos os outros casos o avalista responde. Não se pode defender invocando vícios que atingiriam a obrigação do avalizado. E parece que devemos ir mais longe. Ele responde, mesmo que o avalizado não deva responder. A garantia dada pode funcionar separadamente da obrigação deste.(...) A ser assim, o avalista não esta só em posição paralela à do avalizado; está numa posição de todo autónoma em relação a este.” (Direito Comercial — Títulos de Crédito, III, Lisboa, 1992, p. 170-171). FF) A mesma regra – autonomia das diversas obrigações cambiárias – resulta ainda do art. 7.º da LULL, aplicável ex vi do art. 77.º. GG) À livrança em causa não falta quaisquer dos requisitos exigidos pelo art. 75º da LULL, tratando-se de livrança emitida em branco, preenchida de acordo com o respetivo pacto de preenchimento. Face a todo o exposto, deverão V. Exas. negar provimento ao Douto Acórdão do Tribunal da Relação, mantendo a Douta Decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, com as demais consequências legais.
A embargante AA contra-alegou, pugnando pela improcedência da revista.
Colhidos os vistos, cumpre decidir:
Atento o teor das conclusões recursórias, enquanto delimitadoras do objeto da revista, a questão de que cumpre conhecer consiste em saber se o aval prestado pelo, entretanto falecido, avalista singular DD se mostra extinto.
É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias:
Apreciando:
1) Conforme referido no relatório supra a 1ª instância julgou improcedentes, in totum, as oposições à execução deduzidas pelos avalistas da subscritora da livrança (a mutuária “Beira Rio - Comércio e Indústria de Automóveis Lda), ou seja, pelas sociedades “Transportes Beira Rio S.A.” e “Zafil Comércio e Reparação de Automóveis Lda”, e ainda por AA, BB e CC, todos estes na qualidade de herdeiros do avalista singular DD. E dos três avalistas apenas recorreram de apelação, e em separado, aquela 1ª sociedade (Transportes Beira Rio) e estes herdeiros do falecido avalista singular DD. 4) É certo que, em regra, conforme diz a recorrente, os avalistas respondem perante o titular do título independentemente da obrigação subjacente, e que, em princípio, conforme se diz na sentença da 1ª instância, “a obrigação do avalista é materialmente autónoma, não lhe sendo reconhecidos os meios de defesa oponíveis pelo avalizado, como decorre do artigo 32.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (L.U.L.L.)” É o que resulta efetivamente do disposto no artigo 32º da LULL (aplicável às livranças ex vi do artigo 77º do mesmo diploma), onde se estabelece que “O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma…” Mas isto apenas quando, o que sucede em regra, o avalista do subscritor da livrança está fora das relações imediatas, estando numa situação de imediação apenas com o subscritor da livrança, ou, seja quando o mesmo não tenha tido intervenção na relação causal e/ou no pacto de preenchimento.
5) Todavia, estando-se no domínio das relações imediatas - o que é, manifestamente, o caso dos autos, conforme adianta explicitaremos - pode o avalista do subscritor invocar os meios de defesa relativos à invalidade do aval por si prestado e invocar a violação do pacto de preenchimento da livrança dada à execução. Trata-se de entendimento pacífico da jurisprudência, particularmente da jurisprudência deste Tribunal. Nesse sentido, para além do próprio acórdão citado na conclusão X) pela própria recorrente (disponível, não in www.dgsi.pt mas sim in Sumários dos Acórdãos das Secções Cíveis do STJ de 2013), onde se considerou que “Para que se coloque uma questão de preenchimento abusivo, enquanto exceção pessoal do obrigado cambiário, é necessário que se demonstre a existência de um acordo, em cuja formação tenham intervindo o avalista e o tomador-portador do título, acordo que este último, ao completar o respetivo preenchimento tenha efetivamente desrespeitado”), vide ainda os seguintes acórdãos do STJ, disponíveis in www.dsi.pt): - De 25.05.2017 (revista nº 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1: “III - O aval é o acto pelo qual uma pessoa estranha ao título cambiário, ou mesmo um signatário (art. 30.º da LULL), garante por algum dos co-obrigados no título, o pagamento da obrigação pecuniária que este incorpora. O aval é uma garantia dada pelo avalista à obrigação cambiária e não à relação extracartular. IV - Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento. V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança, mas, antes de o portador do título o completar, não é condição de exequibilidade do mesmo, que o credor/exequente informe e discuta com o avalista o incumprimento da relação extracartular, de que o primeiro não foi parte”. De 19.06.2019 (revista nº 1025/18.5T8PRT.P1.S1): “I - Os avalistas de livrança em branco, destinada a caucionar um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, atribuem ao portador o direito de preencher o título nos termos constantes do pacto de preenchimento. III - Havendo pacto de preenchimento, tal pacto deve ser objecto de interpretação à luz dos critérios previstos no artigo 236º e seg. do Código Civil. IV - Tendo o avalista intervindo na celebração do pacto de preenchimento, tal como o subscritor, é-lhe possível opor ao beneficiário a excepção material de preenchimento abusivo do título.” De 28.09.2017 (revista nº 779/14.2TBEVR-B.E1.S1: “IV - Já no domínio das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as exceções perentórias inerentes à relação causal, nomeadamente a violação do pacto de preenchimento, recaindo sobre ele o respetivo ónus de prova, nos termos conjugados dos arts. 342.º, n.º 2, e 378.º do CC e artigos 10.º e 17.º da LULL a contrario sensu.”
6) Conforme resulta da escritura relativa ao contrato de mútuo com hipoteca, de 22.06.2011 (cujo conteúdo foi dado como provado) e do respetivo documento complementar, elaborado na mesma data e que, nos termos do mesmo “constitui parte integrante do contrato de mútuo…” – documentos esses referidos nos nºs 1 a 5 dos factos provados (aos quais não obstante não constarem do processo eletrónico, nos foi possível aceder, dado que os mesmos foram juntos ao processo em papel, a solicitação da anterior relatora) verifica-se o seguinte: i. O avalista singular, DD interveio efetivamente, conforme se diz no acórdão recorrido (e não é sequer posto em causa pela recorrente) na escritura de “mútuo com hipoteca e pacto de preenchimento da livrança” e bem assim no “documento complementar”, assinando ambos os documentos; Na escritura: ii. interveio como gerente e em representação - juntamente com CC(um dos herdeiros habilitados daquele): - da mutuária Beira Rio – Comércio e Indústria de Automóveis Lda); - e da avalista Transportes Beira Rio SA; iii. E ainda como gerente e em representação da avalista Zafil – Comércio e Reparação de Automóveis Lda; iv. Nos termos da escritura, (para além de, como garantia, terem sido constituídas hipotecas sobre duas frações autónomas) estes dois (DD e CC) disseram ainda que a mutuária (Beira Rio) entregava à mutuante (Caixa Geral de Depósitos) uma livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada pelas sociedades, por si representadas, Transportes Beira Rio e Zafil, declarando autorizar o aval. No documento complementar: v. Identificado como “parte integrante do contrato de mútuo com hipoteca”; vi. São identificados como intervenientes: - A Caixa Geral de Depósitos, como parte credora; - A sociedade Beira Rio, como parte devedora; - A sociedade Transportes Beira Rio como hipotecante; - E, como avalistas, para além das sociedades Transportes Beira Rio e Zafil, o referido DD; vi. E, para além de outras cláusulas (relativas às obrigações decorrentes do contrato de mútuo), estipulou-se ali, na cláusula 19ª o que consta do nº 5 dos factos provados (aditado pela Relação:
6) Resulta do que se acaba de referir que apesar de na escritura não ter tido intervenção em nome pessoal, mas apenas em representação da sociedade mutuária e das sociedades avalistas, já que ali nada foi referido sobre a prestação de aval pessoal por parte do avalista DD, a constituição do aval pessoal deste (à subscritora da livrança, a sociedade mutuaria) teve lugar no documento complementar da escritura, que faz parte integrante desta e no qual o dito DD interveio não só em representação das ditas sociedades mas também em nome pessoal para efeitos de constituição do seu aval pessoal.
Em suma, o avalista DD foi parte interveniente no negócio causal da livrança (conforme o diz a Relação, ao afirmar que “o avalista singular apenas interveio no acordo inicial de 2011”- o que, de resto, nem sequer é questionado diretamente pela recorrente) no qual se incluem as condições relativas à prestação dos avales – razão pela qual os embargantes seus herdeiros habilitados, ora recorridos, podiam discutir, nos termos em que o fizeram, a cessação ou extinção do aval por aquele prestado à luz do supra transcrito nº 3 da cláusula 19º do documento complementar.
Tal entendimento em nada contraria o acórdão uniformizador nº 4/2013 de 11.12.2012 invocado pela recorrente (vide conclusão Z), na medida em que a jurisprudência ali fixada (“Tendo o aval sido prestado de forma irrestrita e ilimitada, não é admissível a sua denúncia por parte do avalista, sócio de uma sociedade a favor de quem aquele foi prestado, em contrato em que a mesma é interessada, ainda que, entretanto, venha a ceder a sua participação social na sociedade avalizada”) nada tem a ver com a situação dos autos.
7) Posto isto, importa verificar se, conforme se considerou no acórdão recorrido, o aval pessoal do avalista singular, DD, se extinguiu com base na verificação da condição de dispensa de aval prevista no nº 3 da cláusula 19ª do documento complementar, onde ficou estabelecido que o aval concedido “será dispensado pela Caixa assim que seja feito o reforço de garantia, com constituição de hipoteca sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o número mil cento e cinquenta e seis da freguesia de …, imóvel que vai ser adquirido pela hipotecante.” Isto tendo-se em conta que ficou provado que, posteriormente (pela escritura de alteração de 28.09.2012, adiante referida) veio efetivamente a ser constituída hipoteca sobre o dito imóvel . Resulta daí que tal condição se veio a verificar, razão pela qual, a priori, os avales prestados se teriam extinguido – e daí que, a priori, a ora recorrente não pudesse acionar os avalistas.
Lx., 21.10.2020 (Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL nº 20/2020, de 1 de maio, o Relator, que assina eletronicamente, declara que os Exmos. Conselheiros Adjuntos, abaixo indicados, têm voto de conformidade e não assinam o presente acórdão por não o poderem fazer pelo facto de a sessão, dada atual situação pandémica, ter sido realizada por videoconferência).
Acácio das Neves (Relator) Fernando Samões (1º Adjunto) Maria João Vaz Tomé (2ª Adjunta). |