Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
40/11.4TTSTR.L2-A.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RETIFICAÇÃO DE ERROS MATERIAIS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: INDEFERIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ATOS PROCESSUAIS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / EFEITOS DA SENTENÇA.
Doutrina:
-Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, 68.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 137.º E 614.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- DE 15/07/2013, ACÓRDÃO N. º 403/2013, PROCESSO N.º 869/12, IN HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS/20130403.HTML.
Sumário :
I – A retificação de erros materiais da sentença, nos termos do artigo 614.º do Código de Processo Civil, oficiosa ou a requerimento de uma das partes, não tem qualquer reflexo sobre o decurso de prazo de interposição de recurso da parte contrária que se encontre a decorrer.

II – Em caso de recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 614.º do Código de Processo Civil, a retificação só pode ter lugar antes de o processo subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entenderem de direito relativamente à retificação

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - Nos autos de ação emergente de contrato de trabalho que AA interpôs contra BB, S. A., CC, S. A., DD – ..., S. A. e EE – ..., S. A., notificadas do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 22 de fevereiro de 2017, que julgou a ação parcialmente procedente, vieram as Rés CC - …, S.A. (CC), ..., S.A. (DD) E EE -…, S.A. (EE), interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, pedindo que fosse «concedido provimento ao recurso, sendo revogado o Acórdão da Relação de Lisboa e confirmada a decisão da 1.ª instância, assim se cumprindo o Direito e fazendo a costumada Justiça».

Suscitada pela Autora a questão prévia da intempestividade do recurso interposto, o Exm.º Desembargador relator, por despacho de 19 de abril de 2017, rejeitou a admissão do recurso.

Inconformadas com este despacho, dele reclamaram as Rés para este Supremo Tribunal, nos termos do artigo 643.º do Código de Processo Civil.

Por despacho do relator de 4 de julho de 2017, foi indeferida a reclamação apresentada.

2 - O despacho impugnado é, parcialmente, do seguinte teor:

«Está em causa na presente reclamação saber se a apresentação de um requerimento de retificação da sentença, nos termos do artigo 614.º do Código de Processo Civil, por uma parte, tem reflexo no decurso do prazo para interposição do recurso da outra parte que se encontre a decorrer.

As reclamantes respondem afirmativamente a esta questão e pretendem que a apresentação desse requerimento de retificação prorrogue por 10 dias o prazo de recurso da contraparte.

Referem também que uma interpretação daquela norma do Código de Processo Civil que afaste a pretendida prorrogação é violadora de vários princípios e disposições constitucionais, nomeadamente, o princípio do processo equitativo, os direitos à defesa, ao contraditório e ao recurso, bem como o direito de acesso aos tribunais, atingindo também, em seu entender, os princípios da confiança e o da proporcionalidade relativo a medidas restritivas de direitos.

O art. 614.º do Código de Processo Civil tem a seguinte redação:


«Artigo 614.º
Retificação de erros materiais
1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.»

Decorre da disciplina estabelecida neste artigo que a sentença pode ser corrigida por simples despacho, oficiosamente ou a requerimento das partes e que, em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes do processo subir, podendo as partes alegar no tribunal superior o que entenderem relativamente à retificação.

A retificação, seja ela oficiosa ou a requerimento das partes, não tem deste modo, qualquer reflexo sobre o decurso do prazo de interposição do recurso, estando assegurado às partes o direito de se pronunciarem sobre a mesma no tribunal superior.

A preocupação subjacente a este regime assenta na aceleração da subida do processo ao Tribunal superior, em caso de recurso, evitando retardamentos motivados em incidentes que tenham por objeto simples retificações da decisão.

Esta preocupação está igualmente subjacente ao regime das nulidades ou à reforma da sentença, consagrado nos artigos 615.º, 616.º, e 617.º do mesmo código, de onde resulta de uma forma clara que a arguição de nulidades não interfere no prazo para a interposição de recurso, condicionando apenas a tramitação do mesmo, nos termos que resultam do artigo 617.º daquele código.

O regime da retificação de meros erros materiais da sentença, que resulta do dispositivo acima citado, incide sobre as desconformidades da decisão mencionadas no n.º 1 do mesmo artigo, ou seja, no caso em que a sentença «omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto».

Trata-se de elementos complementares à decisão, que não incidem na sua substância e é isso que justifica que possam ser retificados nestes termos.

Assegurada como fica a possibilidade de as partes se pronunciarem sobre a retificação, em caso de recurso perante o tribunal superior, pode considerar-se que a retificação não colide com o direito ao recurso, ou com as outras manifestações do direito a um processo justo e equitativo, nomeadamente, o direito ao contraditório e à defesa que são invocadas pelas reclamantes.

Também tendo em conta as componentes da decisão sobre que incidem e a possibilidade do contraditório assegurado em sede de recurso, não pode considerar-se que a não extensão do prazo pretendido pelas reclamantes colida, com dimensões do princípio da confiança.

Por outro lado, o facto de a retificação poder ser posterior à apresentação das alegações do recorrente, como sucede no caso dos autos, não obsta a que a parte afetada possa pronunciar-se no Tribunal superior sobre a retificação em causa.

Conforme refere CARDONA FERREIRA, «temos por seguro que, nesta hipótese, o alcance lógico do n.º 2 do artigo 614.º implica que as partes disponham de prazo suplementar (…) para alegarem só quanto à retificação se o não tiverem feito, antecipadamente, nas alegações de recurso, se não deviam contar com a hipótese de correção»[1].

Por outro lado, a não prorrogação do prazo pretendido pelas reclamantes não integra qualquer restrição desproporcional do direito ao recurso, não atingindo por essa via o princípio da proporcionalidade.

Finalmente importa que se refira que a questão da constitucionalidade da não alteração do prazo para interposição de recurso, no caso de retificação de erros materiais da decisão recorrida no âmbito do processo penal, mereceu já uma pronúncia do Tribunal Constitucional, nomeadamente no acórdão n. º 403/2013, de proferido no Processo n.º 869/12 de 15 de julho de 2013[2], que embora proferido sobre normas do processo penal não deixa de refletir os princípios que a articulação da retificação com o direito ao recurso coloca.

Referiu-se naquele acórdão o seguinte:

«Até à revisão do sistema de recursos em processo civil operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, tal como sucedia, aliás, durante a vigência do Código de Processo Penal de 1929, perante a ausência de qualquer disposição que regulasse a interferência dos pedidos de correção na tramitação dos recursos da decisão corrigenda, os tribunais, em processo penal, habitualmente, aplicavam subsidiariamente o disposto no artigo 686.º, do Código de Processo Civil, o qual determinava que nessas situações o prazo para recorrer só se iniciava depois de notificada a decisão proferida sobre o pedido de correção.

O Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, veio, porém, revogar este último preceito e passou a exigir no artigo 669.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, que os pedidos de correção, reforma ou aclaração das sentenças, fossem efetuados no próprio recurso que delas fosse interposto, sendo certo que em caso de deferimento daqueles pedidos, o recorrente pode posteriormente alargar ou restringir o âmbito do recurso, em conformidade com a alteração operada (artigo 670.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). Procurou-se deste modo pôr termo à utilização abusiva dos incidentes pós-decisórios como forma de dilatar no tempo o desfecho dos processos em tribunal.»

O Tribunal Constitucional referiu ainda como fundamento do decidido que «Desta análise das condições de dedução do recurso, segundo a interpretação sob fiscalização, resulta que a manutenção dos prazos de recurso definidos no artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, mesmo quando tenha sido requerida pelo arguido a correção da decisão que se pretende impugnar, impõe um especial ónus de alegação cujo cumprimento não encerra uma dificuldade excessiva e que se revela proporcional face ao objetivo constitucional perseguido de assegurar uma maior celeridade processual (artigo 20.º, n.º 5, da Constituição), com isso contribuindo para uma boa administração da justiça», vindo a decidir naquele aresto «a) não julgar inconstitucional a norma resultante da interpretação dos artigos 380.º e 411.º, nº 1, do Código do Processo Penal, com o sentido de que o prazo para interposição do recurso começa e continua a correr a partir do termo inicial previsto no referido artigo 411.º, n.º 1, mesmo quando o arguido, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, b), tenha requerido a correção da sentença».

À luz do exposto e por maioria de razão, pode concluir-se que o requerimento de retificação de meros erros materiais da sentença apresentado por uma parte nos termos do artigo 614.º do Código de Processo Civil, não interfere com o decurso do prazo de recurso da parte contrária, que sempre poderá no Tribunal superior pronunciar-se sobre as retificações operadas na decisão recorrida, não legitimando qualquer prorrogação daquele prazo.»

3 - Inconformadas com este despacho, vêm as Rés reclamar do mesmo, nos termos das disposições conjugadas do n.º 4 do artigo 643.º e do n.º 3 do artigo 652.º do Código de Processo Civil, fundamentando a reclamação apresentada nos seguintes termos:

«1.° Como decorre do douto Despacho reclamado, as oras Reclamantes interpuseram recurso do Acórdão da Relação de Lisboa de 22 de fevereiro do corrente ano que julgara procedente o recurso de apelação interposto pela A. AA da sentença de primeira instância que absolvera as Rés dos pedidos por aquela formulados.

2.º Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de revista dessa Decisão e a Recorrida por seu turno, notificada deste requerimento de interposição e alegação, veio suscitar, por requerimento a questão da extemporaneidade da apresentação do mesmo pelo facto desse requerimento ter sido apresentado no primeiro dia útil após o decurso do prazo de 30 dias, contados da notificação do Acórdão da Relação, com pagamento da correspondente multa.

3.° Sem esperar pela pronúncia das Recorrentes sobre tal requerimento, o Exm.º Relator na Relação julgou deserto o recurso de revista por falta de apresentação de alegações tempestivas.

4.° Notificadas deste Despacho, as Recorrentes reclamaram para a conferência, invocando a violação do princípio do contraditório.

5.° E, simultaneamente, interpuseram reclamação para a Relação de Lisboa, nos termos do art. 82.°, n.° 2, do Código de Processo do Trabalho.

6.° O apenso da reclamação subiu ao Supremo Tribunal de Justiça.

7.° Por douto Despacho de 4 de julho de 2017, o Exmo Relator indeferiu a reclamação das ora Reclamantes.

8.° Depois de reproduzir integralmente a reclamação apresentada, o Exm.º Relator fundamentou a decisão de indeferimento nos seguintes termos:

"Está em causa na presente reclamação saber se a apresentação de um requerimento de retificação da sentença, nos termos do art. 614. ° do Código de Processo Civil por uma parte tem reflexo no decurso do prazo para interposição do recurso da outra parte que se encontra a decorrer.

As reclamantes respondem afirmativamente a esta questão e pretendem que a apresentação desse requerimento de retificação prorroga por 10 dias o prazo de recurso da contraparte [...]" (pág. 9).

9.° E, depois de transcrever o art. 614.° do CPC, escreve-se no douto Despacho reclamado:

"A retificação, seja ela oficiosa ou a requerimento das partes, não tem, deste modo, qualquer reflexo sobre o decurso do prazo de interposição do recurso, estando assegurado às partes o direito de se pronunciarem sobre a mesma no tribunal superior [...]

Esta preocupação está igualmente subjacente ao regime das nulidades ou à reforma da sentença, consagrada aos artigos 615. ° 616. ° e 617° do mesmo código, de onde resulta de uma forma clara que [a] arguição de nulidades não interfere no prazo de interposição de recurso, condicionando apenas a tramitação do mesmo, nos termos que resultam do artigo 617.° daquele Código" (pág. 10).

10.° Para o Exm.º Relator, é determinante que, no caso do pedido de retificação poder ser posterior ao prazo de apresentação das alegações do recorrente - como sucede no caso dos autos - nada obsta a que a parte afetada possa pronunciar-se sobre a retificação em causa no Tribunal Superior, nessa medida, e "[também tendo em conta as componentes da decisão sobre que incidem e a possibilidade de contraditório assegurado em sede de recurso, não pode considerar-se que a não extensão do prazo pretendido pelas reclamantes colida com dimensões do princípio da confiança]" (pág. 11).

Tão pouco haveria, na solução adotada, uma "restrição desproporcional do direito ao recurso, não atingindo por essa via o princípio da proporcionalidade'", como fora reconhecido no Acórdão n.° 403/2013 do Tribunal Constitucional, "que embora proferido sobre normas de processo penal não deixa de refletir os princípios que a articulação da retificação com o direito ao recurso coloca".

11.° Não obstante a manifesta qualidade do Despacho reclamado, entendem as Reclamantes que a doutrina nele expendida não é conforme ao Direito e à Justiça.

12.° Brevemente, explicitarão as razões da sua discordância.

13.° Salvo o devido respeito, a invocação da doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 403/2013 aplica-se a uma situação processual diversa da do caso nos autos e dos casos resolvidos pela jurisprudência prevalecente.

14.° De facto, não há razões fundadas para considerar que o pedido de retificação deva suspender o prazo para interposição do recurso e, concomitantemente, para apresentar a alegação quando o requerente da retificação e o recorrente são a mesma pessoa, na medida em que, se o pedido de retificação proceder, se deverá aplicar, diretamente ou por analogia, o disposto no art. 617.°, n.° 2, do CPC, podendo o recorrente, uma vez alcançado o desiderato obtido com a retificação ou correção, desistir do recurso, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença.

15.° A situação é diferente quando o requerimento de retifícação - que, podendo ser inócuo, poderá dar também origem a uma alteração substancial do decidido, como foi demonstrado por ALBERTO DOS REIS in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra, Coimbra Editora, 1952, págs. 130-131, onde se distinguem os erros materiais dos erros de julgamento (cfr. Acórdão do STJ, de 21 de maio de 1940, aí indicado ou, mais recentemente, Acórdãos do Supremo de 30 de abril de 2002, Revista n.° 689/02 - 6.ª, e de 12 de fevereiro de 2009, Proc. 08A2680).

16.° Por isso, é que, tendo começado a correr o prazo para interposição do recurso, se a contraparte tiver apresentado um pedido de retificação de erro material ou de escrita, parece racional não suspender o prazo, mas prorrogá-lo por um máximo de 10 dias, para, se possível, o recorrente poder tomar posição sobre a decisão de retificação, assegurando-se o contraditório à contraparte, no prazo da sua contra-alegação.

17.° Trata-se de uma solução racional e de economia processual, para evitar a abertura de um incidente contraditório na instância de recurso.

18.° Por isso, a situação não tem paralelo com a arguição de nulidade da sentença ou o pedido de reforma, na medida em que, sendo interposto recurso, o recorrente haverá de suscitar a questão na sua alegação ou em requerimento autónomo.

19.° A não admissão da solução de prorrogação - e não de suspensão do prazo - por 10 dias, pode afetar os direitos do recorrente, se este não poder tomar posição esclarecida na alegação, sendo o incidente contraditório na instância superior um sucedâneo arriscado para tirar da matéria da alegação o eventual abuso cometido no despacho de retifícação pelo Juiz a quo que queira alterar um erro de julgamento.

20.° Eis as razões pelas quais as ora Reclamantes discordam do douto Despacho de V. Ex.ª, vendo-se na contingência de esgotar os meios de impugnação ordinários para acederem à jurisdição constitucional.

21.° As ora Reclamantes dão, por reproduzida, a sua argumentação transcrita no douto Despacho reclamado que, por razões de clareza, ora repetem: a prorrogação do prazo por 10 dias afigura-se razoável e adequada, e assegura a aplicação do princípio da igualdade em ambas as situações.»

Integraram na reclamação apresentada as seguintes conclusões:

«a) O Código do Processo de Trabalho não contém nenhuma regra sobre retificação, incluindo prazo para a requerer e para impugnar a respetiva decisão.

b) O Código de Processo Civil, desde 1939, garante uma impugnação ulterior na instância de recurso da decisão que admitiu ou negou a retificação, implicitamente admitindo que haja um prazo suplementar - prazo geral de 10 dias - na instância "a quo" quando a decisão seja proferida antes do despacho de admissão do recurso.

c) Tratando-se de uma situação de retificação do Acórdão requerido pelo autor quando está em causa a contagem de prazo de recurso interposto pelo réu, a referência à autoria do pedido de retificação é crucial para se compatibilizar os prazos e regimes em presença face à decisão a impugnar.

d) A consagração constitucional do direito ao recurso pressupõe que o processo esteja estruturado de forma a permitir o seu efetivo exercício, ficando o Estado vinculado a criar as normas procedimentais necessárias para o efeito, incluindo uma regra clara de fixação do termo inicial do prazo para a interposição de recurso nos casos em que é requerida uma aclaração ou correção da sentença que, desde logo, não existe em processo de trabalho.

e) O recorrente para exercer, efetivamente, o seu direito ao recurso tem de ter conhecimento da decisão consolidada, ou seja, tem de ter conhecimento da decisão que recaiu sobre o pedido de correção, que é complemento e parte integrante da primeira decisão.

f) As normas de direito ordinário, nomeadamente as de direito processual, devem ser interpretadas em conformidade com os princípios e normas constitucionais, entre os quais a garantia duma tutela efetiva, com prevalência da decisão de mérito, o princípio da proporcionalidade e o princípio da tutela da confiança.

g) Ora, se a correção ou a retificação passam a fazer parte integrante da sentença ou acórdão, e só depois disso é que existe uma decisão completa suscetível de recurso, em nome da unidade da ordem jurídica, não podiam as ora Recorrentes ficar privadas dessa prorrogação de 10 dias, que somado corresponde aliás ao prazo geral cível (30 dias) de interposição de recursos para os Tribunais superiores, mostrando-se proporcional aos interesses em presença.

h) O processo equitativo impõe que as normas processuais proporcionem aos interessados meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, nomeadamente prazos razoáveis de recurso nos casos em que esse direito esteja previsto, sem comprometer a descoberta da verdade material e a decisão ponderada da causa num prazo razoável.

i) Para além destas limitações, o legislador dispõe de reconhecida margem de liberdade na conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, designadamente em processo laboral. Ponto é que essas regras, em nome da celeridade, não traduzam na perda de direitos ou na imposição de ónus injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais.

j) O sistema processual civil português, integrado até pela Constituição da República, consagra o direito de defesa, o princípio do contraditório e, em especial, o direito de recurso contra decisões judiciais desfavoráveis, traduzido na possibilidade da parte prejudicada por uma dada decisão judicial tenha ou possa ter conhecimento efetivo do seu conteúdo e reagir contra ela, através dos meios processuais adequados (cf. Acs n.ºs 183/98 e 384/98, 632/99 e 148/01, apud Rui Medeiros, idem, anot. XI ao art.0 20.°), designadamente, através de recurso, sob pena de violação do art.º 20.° n.ºs 1, 4 e 5 da Constituição da República.

k) O direito de defesa, o princípio do contraditório e o direito ao recurso pressupõem que o prazo para a interposição do recurso só termine depois de o recorrente ter a possibilidade efetiva de apreender o texto integral da decisão que pretende impugnar.

1) O direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.° da Constituição da República (CRP), a interpretar de acordo com o art. 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, implica, entre outras derivações, a consagração dum direito de defesa efetivo e a imposição dum processo equitativo, dirigido a uma tutela efetiva.

m) Por sua vez, o art. 202° n.° 2 CRP aponta aos tribunais a função de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos e dirimir os conflitos de interesses privados, acentuando assim que a tutela efetiva a que se refere o art. 20° n.° 5 implica a prevalência da decisão de mérito sobre a decisão baseada no jogo das preclusões processuais.

n) Finalmente, tal como estas normas, dois outros princípios constitucionais devem orientar o intérprete da lei ordinária; o princípio da tutela da confiança e o princípio da proporcionalidade. O princípio da tutela da confiança, derivado do princípio do Estado de direito democrático, contido no art. 2.º CRP, postula, fundamentalmente, a "ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas" (cfr. Acórdão n° 556/03 do TC, relatado por GIL GALVÃO, sintetizando a orientação firme do Tribunal Constitucional na matéria),

o) Bem como "publicidade e transparência dos atos dos poderes públicos, designadamente os suscetíveis de afetarem negativamente os particulares''' o que engloba a atuação de todos quantos em nome dos tribunais atuam (magistrados, funcionários judiciais, auxiliares da justiça) - cfr. JORGE REIS NOVAIS, Os princípios constitucionais estruturantes da República Portuguesa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, p. 261.

p) O princípio da proporcionalidade, expresso em várias normas constitucionais, entre as quais sobressaem as dos arts. 18°-2, 19°-4, 30-5 e 266°-2 da Constituição da República, impõe que, na aplicação das preclusões processuais - como seria a não admissão de um prazo adicional de 10 dias face à retificação ordenada - se tenha em conta a comparação entre a dimensão dos prejuízos materiais que do seu excesso podem resultar e a gravidade de que esse excesso se reveste no âmbito da duração e da economia do processo - cfr. Lebre de Freitas, estudo Função e requisitos da norma do art. 389-1-b CPC / Princípio da proporcionalidade / Abuso de direito, in Estudos sobre Direito Civil e Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, II, n° 5.

q) Em qualquer caso, esta prorrogação de 10 dias não causa qualquer prejuízo quanto à celeridade do processo e permite o pleno contraditório da contraparte em sede de contra-alegações de recurso, em hipóteses como a dos autos.

r) De todo o modo, uma interpretação do art. 614° do CPC conjugado com os artigos 1.º n.º 2, 80° n.° l e 81° n.° 1 e 5 do CPT, que não admitisse a prorrogação de prazo por 10 dias no caso de retificação da decisão suscetível de impugnação, sempre seria violadora da CRP, nomeadamente dos princípios da tutela da confiança, na vertente da primazia da materialidade subjacente, da igualdade, da proporcionalidade e do acesso ao direito e aos Tribunais (arts 2.º, 13°, 20°, 200°);

s) Pelo exposto, deve ser deferida a presente reclamação, ordenando-se  a admissão do recurso de revista.»

Terminam requerendo que «sobre a matéria do Despacho reclamado recaia Acórdão da Conferência».

Cumpre considerar.


II

As Reclamantes não apresentam quaisquer novos argumentos que não tenham sido já ponderados no despacho impugnado.

Importa, contudo, que se tenha presente que o tempo da prática dos atos processuais, é o que decorre dos artigos 137.º e ss. do Código de Processo Civil, não podendo os mesmos ser praticados fora dos prazos legalmente definidos.

A estabilidade dos prazos processuais e a rigidez que os caracteriza é essencial à normalidade da evolução do processo e à salvaguarda dos princípios fundamentais que o enformam, nomeadamente, o contraditório e a defesa.

Carece, deste modo, de fundamento a pretensão das reclamantes de deduzirem de supostos princípios de «racionalidade» e «economia processual» a justificação para o reconhecimento de uma extensão do prazo para a interposição do recurso que não levaram a cabo dentro do prazo legalmente definido para a prática desse ato.

Por outro lado, tal como se referiu no despacho reclamado, a evolução do processo civil evidencia claramente a intenção de limitar os efeitos de incidentes que retardavam o trânsito em julgado das decisões, ou a subida dos recursos sem pôr em causa os direitos das partes.

Neste contexto, não deixa de ser significativo que, quer o Código de Processo Civil de 1939, quer o de 1961, este na sua versão inicial, tal como decorria dos artigos 686.º, § 2.º e 667.º do primeiro e 667.º e 686.º do segundo, consagrassem o princípio de que o prazo para a interposição de recurso, quando tivesse sido pedida a retificação da sentença, só começava a correr depois de notificada a decisão proferida sobre esse requerimento, e que esse regime tenha sido abandonado posteriormente.

Na verdade, a revisão do Código de Processo Civil de 1961 decorrente do Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, pôs fim àquele regime, conforme decorre da nova redação dada aos artigos 667.º, 669.º e 680.º e 685.º daquele código, deixando tais incidentes de retardar a subida do processo.

A extensão do prazo para a interposição de recurso pretendida pelas reclamantes, motivada na apresentação de um pedido de retificação da sentença apresentada pela parte contrária, carece de qualquer fundamento legal e não decorre dos princípios constitucionais invocados, como fundamento da pretensão.


III

Em face do exposto, acorda-se em indeferir a reclamação apresentada e em confirmar o despacho impugnado.

Custas pelas reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta.

Lisboa, 12 de outubro de 2017.

António Leones Dantas (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso

_______________
[1] Guia dos Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, p. 68.
[2] Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20130403.html.