Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5396/07.0TVLSB.L3.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO DE DOCUMENTO
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
VONTADE DOS CONTRAENTES
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
CONDIÇÃO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO ESPECIFICADA
PROVA TESTEMUNHAL
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 09/08/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO SINGULAR DE DÍVIDAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / QUESTÃO NOVA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 270.º, 275.º, 280.º, 374.º, N.º1, 376.º, NºS 1 E 2, 394.º, 595.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 608.º, N.º2.
Sumário :
I - A determinação do sentido da declaração negocial à luz do art. 236.º, n.º 1, do CC, justifica-se e impõe-se quando, nos articulados, as partes remetem o sentido das declarações proferidas para os documentos que as consubstanciam.

II - Se a vontade real dos declarantes não coincidir com o sentido objetivo normal correspondente à impressão real do destinatário concreto, é este o sentido a considerar pelo declaratário que conheça a vontade real (artigo 236.º, n.º 2, do CC), impondo-se a alegação de factos tendentes à determinação do sentido real.

III - Não pode considerar-se um sentido real, diverso do sentido que resulta da aplicação da doutrina da impressão do destinatário, quando as partes se limitam a remeter o julgador para o texto do acordo celebrado.

IV- Resulta da declaração negocial que o réu reconheceu juntamente com outra sociedade (D) o crédito da autora sobre uma outra sociedade do grupo (A), tendo em vista a assunção cumulativa parcial da dívida (art. 595.º do CC) condicionada à apresentação pelos réus de um plano de pagamento até setembro de 2005 de quantia a determinar correspondente à diferença entre o reconhecido crédito da autora para com a dita sociedade (A) e o valor que viesse a ser faturado à autora relativamente a trabalhos executados e a executar até setembro de 2005 pela dita sociedade D.

V- Não verificada a condição estipulada (art. 275.º, n.º 1, do CC) não se produzem os efeitos negociais traduzidos na assunção cumulativa parcial da dívida.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



1.  AA, - Sucursal em Portugal[1] intentaram no dia 10-12-2007 a presente ação declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, CC – Sociedade de Dragagens, Lda., e DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., - a instância foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide em relação às duas últimas[2] -, pedindo que sejam condenados solidariamente a pagar-lhe a quantia de 252.279,87€, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

2. Alegaram, em síntese, que a “AA”, Sucursal em Portugal, prestou serviços à EE, Lda., pelo preço de 645.389,42€, que esta não pagou integralmente, estando ainda em dívida a quantia peticionada; que o réu, em nome das demais rés, acordou que estas pagariam às autoras o montante em dívida, tendo-se obrigado ainda, em nome próprio, a cumprir esse mesmo acordo.

3. Não houve contestação da DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, tendo o réu e a então ré CC – Sociedade de Dragagens, Lda., apresentado articulado de defesa.

4. Foi proferido despacho saneador – fls. 201 e segs. - que, conhecendo do mérito da causa, a julgou improcedente.

5. Por acórdão desta Relação – fls. 277 e segs. -, proferido em 8 de julho de 2010, essa decisão foi revogada, tendo-se ordenado o prosseguimento dos autos com averiguação da matéria de facto controvertida e ulterior decisão.

6. Depois de ter sido selecionada a matéria de facto assente e de ter sido elaborada a base instrutória, foi proferida decisão que, constatatando a declaração de insolvência de todos os réus, julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

7. Esta decisão, pelo acórdão de fls. 453 e segs de 14-11-2013, foi confirmada quanto às rés, mas revogada quanto ao réu BB em relação ao qual se ordenou o prosseguimento da lide. Com efeito, no que respeita a este réu, embora tenha sido declarado insolvente por sentença transitada em julgado de 17-4-2009, o processo de insolvência foi encerrado por despacho de 17-10-2011 por terem sido pagos so créditos e os respetivos credores terem prestado o seu consentimento.

8. Realizou-se o julgamento e foi proferida sentença onde, com decisão sobre a matéria de facto levada à base instrutória, se julgou a ação improcedente e se absolveu o réu do pedido.

9. Interposto recurso pela autora, foi proferido acórdão de fls. 664/693 que confirmou a sentença.

10. A A. nas respetivas conclusões, sustenta, em síntese, que o réu, garantindo pessoalmente o cumprimento do acordo consubstanciado no documento de fls 190 (reproduzido em 7 da matéria de facto infra) assumiu juntamente com a ré DD-Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA o pagamento da dívida de EE, Lda no montante peticionado de 252.279,87€ conforme resulta do disposto nos artigo 236.º e 595.º/2 do Código Civil.

11. Acresce, segundo a recorrente, que a ré DD detinha a totalidade do capital da ré CC - Sociedade de Dragagens Lda e da sociedade de EE, Lda e, por isso, seria sempre responsável nos termos do artigo 501.º do CSC pelo pagamento das dívidas da sociedade subordinada (EE). O réu BB, controlando a DD, controlava as sociedades do grupo. A assinatura deste réu, no aludido acordo, traduziu-se numa assinatura em verdadeira representação de todas as sociedades do Grupo por si controlado.

12. A assunção de dívida resulta ainda do facto de a ré DD não ter contestado e de as contestações dos réus CC e BB não terem impugnado a existência concreta da dívida e respetivo montante, mostrando-se, assim, violados os artigos 567.º/2 e 574.º do CPC

13. Sustenta ainda o recorrente que o entendimento do Tribunal da Relação de que o recurso à prova testemunhal está vedado pelo artigo 394.º do Código Civil padece de nulidade - omissão de especificação dos fundamentos de facto e de direito (artigo 615.º/1, alínea b) do Código Civil) - na medida em que não fundamenta, nem de facto nem de direito, a razão por que o caso dos autos não se subsume a nenhuma das exceções por si citadas; e, constituindo o acordo um princípio de prova dos factos alegados pela recorrente no que diz respeito  à assunção de dívida pelo recorrido a título pessoal, impõe-se uma interpretação restritiva do artigo 394.º do Código Civil, justificando-se, assim sendo, a pretendida reapreciação da prova incidente sobre os quesitos relativamente aos quais a Relação entendeu ser inadmissível a prova testemunhal.

14. Factos provados.

1 - A A. AA A/S dedica-se ao desenvolvimento de atividades de navegação e indústria e outras atividades consideradas relacionadas com aquelas.

2 - EE, Lda. dedicava-se à extração e comercialização de areias e materiais de construção.

3 - A sócia única da EE, Lda., é a ré DD.

4 - AA A/S - Sucursal em Portugal prestou diversos serviços de dragagem e repulsão para depósito de inertes dragados na Figueira da Foz à EE, Lda., serviços que deram lugar à emissão de faturas a 31 de janeiro de 2003, com data de vencimento a 1 de maio de 2003, no valor de 16.826,60€; a 18 de fevereiro de 2003, com data de vencimento a 19 de maio de 2003, no valor de 179.392,50€; a 30 de abril de 2003, com data de vencimento a 29 de julho de 2003, no valor de 106.012,34€; a 31 de outubro de 2003, com data de vencimento a 29 de janeiro de 2004, no valor de 131.922,27€; a 30 de novembro de 2003, com data vencimento na mesma data, no valor de 98.109,55€; e a 31 de janeiro de 2004, com data de vencimento a 30 de abril de 2004, no valor de 113.126,16€.

5 - A 30 de novembro de 2003, AA A/S - Sucursal em Portugal emitiu e enviou a EE, Lda., nota de crédito no valor de 98.109,55€.

6 - EE, Lda., pagou, a 15 de outubro de 2003, a quantia de 200.000,00€; a 4 de novembro de 2003, a quantia de 50.000,00€; a 25 de outubro de 2004, a quantia de 7.500,00€; a 28 de outubro de 2004, a quantia de 7.500,00€; a 29 de novembro de 2004, a quantia de 15.000,00€; e, a 27 de dezembro de 2004, a quantia de 15.000,00€.

7 - Existe um documento do seguinte teor:

“Acordo

Entre DD e qualquer uma das suas empresas parcial ou totalmente participadas, CC, EE e FF.

E

AA A/S (RN)

DD, representada pelo Sr. BB (AF) reconhece a existência de uma dívida à RN. Como garantia, por uma parte do pagamento, a DD emitiu cheques pós-datados no montante de 155.000,00€ que, por instruções de AF, não foram apresentados no Banco para pagamento nas devidas datas.

A DD, através de uma subsidiária, executou um trabalho para a RN no Porto de Setúbal, utilizando o rebocador “Canopus” com um nivelador de fundos, a uma taxa uniforme de 2.700,00€ por cada dia de trabalho de 12-14 horas mais uma taxa de mobilização de 10.000,00€.

O valor deste trabalho será faturado à RN pela DD ou qualquer uma das suas subsidiárias e deverá ser abatido à dívida acima mencionada.

Fica ainda acordado que a DD desempenhará futuros trabalhos para a RN com o nivelador de fundos, tanto nos existentes como em futuros contratos. Os valores faturados de qualquer um destes trabalhos deverão ser igualmente abatidos à dívida da DD para com a RN.

Deverá ser elaborado um plano de pagamentos da dívida vencida, à qual serão deduzidos os trabalhos já executados e agendados pela DD com o seu referido nivelador, até ao final de setembro de 2005.

AF garante pessoalmente o cumprimento do presente acordo”.

8 - O documento referido no ponto 7 contém duas assinaturas, uma por baixo dos dizeres “AA" e outra por baixo dos dizeres “DD”.

9 - No início do ano de 2005, a R. CC emitiu cheques no valor global de 155.000,00€, com datas de emissão entre 25 de janeiro e 25 de maio de 2005.

10 - A A. AA A/S - Sucursal em Portugal não solicitaram qualquer outro serviço à CC e à DD.

Na sentença escreveu-se ainda o seguinte:

Matéria de facto não provada:

1 – A vontade real do R. BB, da CC e da DD.”

Apreciando

15. A questão essencial que está em causa é a de saber se o réu BB deve ser condenado no pagamento da quantia de 252.279,87€ por se entender que está obrigado a pagá-la nos termos do acordo de fls. 190 (ver 7 da matéria de facto) à luz da doutrina da impressão do destinatário que resulta do disposto no artigo 236.º do Código Civil.

16. O Tribunal da Relação entendeu que "a declaração emitida pelo réu, no sentido de garantir “pessoalmente o cumprimento do (…) acordo”, interpretada segundo a regra ínsita no nº 1 do art. 236º do C. Civil, significa a assunção de compromisso no sentido do pagamento da dívida cuja existência fora reconhecida pela DD, mas não basta para concretizar aquilo que o mesmo AF assume, pois tal depende da definição, ainda por fazer, da dívida por ele assumida.

Um declaratário normal, colocado na posição da autora, não deduziria do comportamento do declarante, réu, o sentido que esta  atribui à declaração em causa – o de assunção, por parte dele, do compromisso de pagar a dívida de 250.000,00€ que a sociedade EE, Lda., tinha para com a autora.

17. Com efeito, do aludido acordo não resulta que a ré DD ou o réu BB se tenham obrigado a pagar a dita quantia. Nenhuma quantia concreta é mencionada no aludido acordo e, quanto ao momento de fixação da quantia, não se pode considerar que esse momento é o da data em que o acordo foi lavrado pois ele não está datado.

18. Essa ausência de determinação todavia compreende-se porque o acordo fixa um compromisso de pagamento da quantia que vier a ser determinada depois de deduzido o montante faturado de trabalhos já executados pela ré DD e o eventual montante dos trabalhos a efetuar ulteriormente, mediante um plano de pagamentos até ao final de setembro de 2005 sendo este o momento a considerar como o da fixação da dívida.

19. O acordo traduz o reconhecimento de uma dívida já existente, agora determinada no montante de 252.279,87€, mas não a obrigação do seu pagamento. A obrigação de pagamento estava dependente de um acerto de contas e da fixação de um plano de pagamentos.

20. Partiu a A. do princípio de que " a 1ª e 2ª rés, quer com a assinatura do acordo, quer com a emissão de cheques pós-datados, assumiram a obrigação de pagar as dívidas existentes, nomeadamente a dívida existente decorrente das relações comerciais estabelecidas com a referida EE, Lda" (artigo 24º da petição).

21. Esclareça-se que tais cheques pós-datados no montante de 155.000€ não foram, por instruções do réu BB, apresentados no Banco para pagamento nas devidas datas, como se lê no §1º do acordo; tais cheques são datados de 2005, mas anteriores ao mês de setembro de 2005, referenciado no acordo.

22. No entanto, um acordo de pagamento nesses precisos termos não resulta do aludido documento nem é aceitável que à luz dos factos provados pudesse ser assumido com esse sentido pela autora, não podendo, diga-se, igualmente aceitar-se que o réu BB razoavelmente pudesse contar com esse sentido. Na verdade, o texto do acordo é claríssimo quanto ao reconhecimento da existência de uma dívida à autora, mas é igualmente claríssimo de que a dívida a pagar não seria a dívida que então se verificava, mas aquela que constaria do plano de pagamento a fixar ulteriormente.

23. A interpretação da recorrente seria aceitável se a expressão "AF garante pessoalmente o cumprimento do presente acordo" se inscrevesse, não no final do texto, mas a seguir ao §1º do acordo e ainda se do acordo não constassse § 2º.

24. Nesse caso a "garantia pessoal do cumprimento", interpretada pelo Tribunal da Relação como "assunção de compromisso no pagamento da dívida cuja existência fora reconhecida pela DD", referir-se-ia necessariamente ao montante da dívida existente nesse momento, não se referiria ao montante inferior que resultaria da dedução do custo dos trabalhos realizados à reconhecida dívida na quantia entretanto determinada de 252.279,87€.

25. Pretende, no entanto, a recorrente que a obrigação de pagamento do aludido montante está confessada pelo réu, "não se encontrando verdadeiramente e especificadamente impugnados como manda a redação atual dos artigos 571.º/1 e 574.º/2 do CPC"; mais refere que "nem a ré CC nem o réu, ora recorrido, negaram ou contestaram factos que pudessem contrariar a conclusão, de direito, da existência da assunção de dívida da EE por parte das rés e do recorrido BB […] apesar de, no articulado de contestação, a ré CC e o recorrido BB terem indicado como matéria impugnada o vertido nos artigos 10.º e 12.º da petição inicial, o que é facto é que não negam a existência da dívida da EE, Lda como incluída no âmbito do acordo".

26. Importa sobre esta questão de natureza processual salientar que a lei não impõe atualmente ao réu o ónus de impugnação especificada (ver artigo 490.º do CPC/61). O réu, por isso, validamente pode limitar-se a impugnar os factos peticionados tout court, o que fez no tocante aos referenciados no artigo 10.º e 12.º da petição, conjugando-se, no caso, essa impugnação com a declaração de que não se obrigou pessoalmente a cumprir o referido acordo porque a assinatura aposta no acordo foi feita apenas enquanto representante da ré DD.

27. Se o réu não aceita a sua responsabilidade no pagamento da quantia peticionada por entender que nem sequer se obrigou pessoalmente parece que tal oposição não deve ser vista restritivamente; ela implica o entendimento de que o réu não aceita seja a que título for a sua responsabilização pessoal.

28. Por isso, não se pode considerar admitido por confissão judicial que o réu se obrigou, nos termos do acordo, a pagar a quantia peticionada. É claro que a partir do momento em que se entenda, no plano de direito, tal como o Tribunal da Relação, que o réu está vinculado pessoalmente às obrigações assumidas nessa declaração, agora do que se trata é de interpretar a declaração negocial e, na verdade, dela resulta que o réu reconhece a dívida e assume o seu pagamento nas condições exaradas no aludido documento.

29. Acompanha-se o entendimento da Relação, a propósito da responsabilização do réu pela assinatura aposta no documento, quando diz que "não faz sentido[…] dizer que a assinatura do réu constante do documento vale só para as declarações por ele emitidas, enquanto representante da DD, quando do mesmo documento constam, para além dessas, declarações que só a ele respeitam. Afigura-se-nos não ser exigível que o autor das declarações incorporadas no mesmo documento, umas em nome próprio e outras em representação de outrem, haja de o subscrever nessa dupla qualidade, escrevendo duas vezes a sua assinatura. Daí que, nos termos dos artigos 374.º, n.º1 e 376.º, nº1 e 2, ambos do Código Civil, esse documento faça prova plena quanto à generalidade das declarações que emitiu, seja em nome próprio, seja enquanto representante da DD; e os factos compreendidos nessa declaração, na medida em que sejam contrários, aos interesses dos declarantes, consideram-se igualmente provados".

30. O réu impugnou os aludidos artigos 10.º e 12.º em que se sustentava que as rés se obrigavam, nos termos do acordo, a pagar a dívida em causa, obrigando-se o réu pessoalmente a cumprir o acordo; o réu, impugnando esses artigos, nega a sua responsabilização, não aceitando que se tenha vinculado ao acordo e, por conseguinte, nega que se tenha obrigado ao pagamento da quantia de 252.279,87€. Não há confissão.

31. A base instrutória integra dois quesitos, perguntando-se no primeiro se " o réu BB, em nome dos réus CC e DD, sociedades que administrava, acordou com a A. AA A/S - sucursal em Portugal que aquelas procederiam ao pagamento da dívida de EE, Lda" e se " o réu BB se obrigou pessoalmente a cumprir o acordo referido em 1".

32. Tais quesitos foram dados como não provados nestes termos: "Matéria de facto não provada 1- A vontade real do réu BB, da CC e da DD".

33. A resposta dada significa que o Tribunal não determinou a vontade real dos intervenientes no negócio. Daí que a interpretação da declaração negocial deva ser feita à luz do artigo 236.º do Código Civil.

34. O Tribunal da Relação, e também o Tribunal de 1ª instância na motivação da matéria de facto, perspetivaram, dada a matéria de facto peticionada nos artigos 10.º e 12.º da petição e impugnada no artigo 21.º da contestação, os quesitos como convenções adicionais ao conteúdo do documento -  ver artigo 394.º do Código Civil - o que pressupõe o entendimento de que o acordo à luz do artigo 236.º/1 do Código Civil não comporta de todo o sentido de que todos os RR se obrigavam ao pagamento da dívida de EE, Lda para com a A., entenda-se, da dívida de 252.279,87€ .

35. Assim sendo, a prova testemunhal é inadmissível conforme resulta do artigo 394.º do Código Civil, fundando a Relação o seu entendimento de modo efetivo e amplo. A Relação referiu que essa regra não é absoluta e, apoiando-se na lição de Vaz Serra, indicou três exceções que houve por não verificadas por ser manifesto que não se verificavam no caso, não incorrendo, assim, o acórdão na invocada nulidade. O escrito a que se refere uma das exceções à regra - a existência de um princípio de prova por escrito proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante que torne verosímil o facto alegado - não é o próprio acordo objeto de convenção adicional.

36. Esclareça-se que a matéria constante dos aludidos quesitos vista como matéria que integra estipulações adicionais ao contrato não admite prova testemunhal; mas vista como alegação de factos tendo em vista a determinação da vontade real dos outorgantes já admite prova testemunhal. Esclareça-se ainda que a autora, nos aludidos artigos 10.º e 12.º da petição refere que todos os réus acordaram no pagamento da quantia em causa de 252.279,87€ conforme cópia do acordo que se junta e se dá por integralmente reproduzida. A autora remete-nos, pois, para o documento e para a interpretação que dele flui à luz da doutrina da impressão do destinatário. Compreende-se, assim, o entendimento da Relação de que a prova testemunhal não era admissível nos termos do artigo 394.º do Código Civil porque tais quesitos não visavam a fixação da vontade real das partes.

37. Na verdade, a matéria alegada não contempla a determinação da vontade real do declarante que seria a de saber se o réu BB, quando assinou o acordo, "quis obrigar-se desde logo ao pagamento da aludida quantia", matéria não alegada); a matéria alegada não nos indica factos de que se possa concluir o entendimento de que o réu BB assumiu comportamento no sentido de se obrigar a pagar a aludida quantia logo que ela lhe fosse exigida (ver artigo 236.º/1 do Código Civil).

38. O Tribunal, face ao alegado, teve de considerar a posição assumida pelos réus declarantes no aludido acordo à luz da doutrina da impressão do destinatário. Ora, de acordo com este entendimento, a obrigação de pagamento que foi assumida estava condicionada à elaboração de um plano de pagamentos em que se deduziria ao montante em dívida à A por parte de EE, Lda os valores a pagar pela A. à DD que, nestes termos, juntamente com o réu assumia assim o pagamento de dívida alheia contraída por aquela primeira sociedade.  

39. A recorrente sustenta que o Tribunal da Relação deve reapreciar a prova tendo em vista a determinação da vontade real dos intervenientes no negócio, pois, em seu entender, da prova resulta que o réu BB se obrigou pessoalmente a cumprir o acordo de pagamento da dívida de EE, Lda para com a autora.

40. Não se justifica determinar a baixa dos autos para reapreciação da prova tendo em vista a determinação da vontade real dos intervenientes pois, como já se salientou, o acordo em causa não admite à luz da doutrina da impressão do destinatário o entendimento de que os intervenientes acordaram no pagamento da dívida de 252.279,87€ e não foi alegado pela A. que a vontade real das partes, quando subscreveram o acordo, era a de que o pagamento dessa quantia seria exigível independentemente do abatimento de valores e independentemente da elaboração do plano de pagamentos a efetuar até setembro de 2005. Tudo se reconduz afinal à determinação do sentido da declaração negocial à luz do disposto no artigo 236.º do Código Civil.

41. Como se viu, o Tribunal da Relação interpretou a declaração constante do acordo no sentido de o réu BB se obrigar ao pagamento da dívida", não o pagamento da dívida como pretende a A., mas o pagamento da dívida a concretizar. A este propósito o acórdão muito claramente diz que a assunção de compromisso do pagamento da dívida "cuja existência fora reconhecida pela DD […] não basta para concretizar aquilo que o mesmo AF assume, pois tal depende da definição, ainda por fazer, da dívida por ele assumida".

42. Nada temos a objetar a esta interpretação e, por isso, a baixa dos autos, para reapreciação da prova, seria manifestamente inútil. Ela apenas se justificaria se, existindo factualidade relevante, a interpretação da declaração negocial nos termos do artigo 236.º do Código Civil fosse diferente.  

43. Deve, por conseguinte, considerar-se assente, tal como decidiu o Tribunal da Relação, que o réu assumiu o compromisso de pagamento da dívida cuja concretização se efetuaria em função da dívida reconhecida pela DD, verificando-se, assim, uma assunção cumulativa de dívida. A determinação daquela dívida, nos termos do acordo, estava sujeita à condição suspensiva (artigo 270.º do Código Civil) da fixação de um plano de pagamentos até ao final de setembro de 2005 em que se deduziria ao crédito então existente da autora sobre Areias Quebra Mar o crédito a faturar da ré Dragamés sobre a autora (artigo 595.º/2 do Código Civil).

44. Ora a dita condição não se verificou (artigo 275.º/1 do Código Civil) pois não foi apresentado pelos réus nenhuma faturação nem plano de pagamentos até setembro de 2005. Não pode produzir efeitos a assunção cumulativa da dívida visto que não ficou determinado o objeto do negócio (artigo 280.º do Código Civil).

45. Compreende-se que os réus tenham aceitado assumir o pagamento de dívida de terceiro, deixando precisamente por isso à sua própria vontade (poder potestativo) a possibilidade de verificação da condição suspensiva estipulada. Naturalmente os réus devem agir de boa fé e, por conseguinte, uma inércia injustificada não pode ser aceite, porque isso traduzir-se-ia em violação das regras da boa fé (artigo 275.º/2 do Código Civil). Mas nenhum elemento de facto foi invocado no sentido de que a omissão de apresentação de factura e de um plano de pagamento até setembro de 2005, como estava estipulado, já estava na predisposição dos réus quando foi elaborada a declaração negocial.

46. A autora não podia interpretar a declaração de forma diversa considerando, por exemplo, que se nenhuma faturação ou plano de pagamentos fosse apresentado, então os réus assumiam o pagamento da dívida reconhecida no montante pedido porque o acordo não contempla essa possibilidade, ou seja, uma assunção cumulativa de dívida a título subsidiário nestes termos: no caso de não ser apresentada faturação nem plano de pagamentos até ao final de setembro de 2005, a dívida da sociedade EE, Lda seria integralmente assumida pelos réus.

47. O acordo firmado não implicava a extinção do crédito da autora sobre EE; implicava uma assunção cumulativa parcial desse crédito. Se implicasse a extinção do crédito da autora sobre EE então a autora não podia ficar sujeita ao plano de pagamentos que viesse a ser apresentado com redução do seu crédito porque obviamente a autora bem podia discordar dos valores faturados ou do próprio plano de pagamentos que viesse a ser apresentado. A assunção cumulativa de dívida dependia, pois, da verificação da condição estipulada dependente da vontade daqueles que iriam assumir o pagamento parcial de dívida alheia. A fixação dessa dívida estava então, como agora, absolutamente indeterminada (artigo 280.º do Código Civil).

48. O acordo abria tão somente para a A. a possibilidade de os réus assumirem o pagamento parcial da dívida que um terceiro contraíra para com a autora uma vez verificada a condição suspensiva estipulada que tinha em vista a determinação do objeto negocial.   

49. Estão prejudicadas as considerações sobre a responsabilidade para com os credores por parte da sociedade subordinada (artigo 501.º do CSC) sendo certo que a ação não prosseguiu contra a sociedade DD, não sendo esta questão passível de conhecimento por se tratar de questão nova só agora suscitada (artigo 608.º/2 do CPC).

Concluindo:

I - A determinação do sentido da declaração negocial à luz do artigo 236.º/1 do Código Civil justifica-se e impõe-se quando, nos articulados, as partes remetem o sentido das declarações proferidas para os documentos que as consubstanciam.

II - Se a vontade real dos declarantes não coincidir com o sentido objetivo normal correspondente à impressão real do destinatário concreto, é este o sentido a considerar pelo declaratário que conheça a vontade real (artigo 236.º/2 do Código Civil), impondo-se a alegação de factos tendentes à determinação do sentido real.

III - Não pode considerar-se um sentido real, diverso do sentido que resulta da aplicação da doutrina da impressão do destinatário, quando as partes se limitam a remeter o julgador para o texto do acordo celebrado.

IV - Resulta da declaração negocial que o réu reconheceu juntamente com outra sociedade (DD) o crédito da autora sobre uma outra sociedade do grupo (EE) tendo em vista a assunção cumulativa parcial da dívida (artigo 595.º do Código Civil) condicionada à apresentação pelos réus de um plano de pagamento até setembro de 2005 de quantia a determinar correspondente à diferença entre o reconhecido crédito da autora para com a dita sociedade (EE) e o valor que viesse a ser faturado à autora relativamente a trabalhos executados e a executar até setembro de 2005 pela dita sociedade DD.

V - Não verificada a condição estipulada (artigo 275.º/1 do Código Civil) não se produzem os efeitos negociais traduzidos na assunção cumulativa parcial da dívida.

Decisão

Nega-se a revista

Custas pela A.

Lisboa, 8-9-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso

_________________________

[1] Por afirmada falta de personalidade judiciária, foram os réus absolvidos da instância relativamente a esta autora, por decisão de fls. 201 e segs. que, nesta parte, transitou em julgado.

[2] Através da decisão proferida a fls. 369 -370, nessa parte confirmada pelo acórdão desta Relação de fls. 453 e segs..