Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1930/05.9TTPRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO ILÍCITA
Data do Acordão: 10/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO POR INICIATIVA DO TRABALHADOR.
Doutrina:
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, 2012, 3.ª Edição, pp. 533-535.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003 - REGIME JURÍDICO APROVADO PELA LEI N.º 99/2003, DE 27 DE AGOSTO, E REGULAMENTADO PELA LEI N.º 35/2004, DE 29 DE JULHO: - ARTIGOS 396.º, N.º 2, 441.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA F), E 4, 442.º, N.º1, 443.º, N.ºS 1 E 2, 444.º, N.º3, 447.º, N.º 1.
Sumário :
I – Nos termos do art. 441.º do Código do Trabalho/2003, verificada uma situação de grave infracção aos deveres contratuais por banda do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador subordinado a manutenção do vínculo juslaboral.

II – Na apreciação da invocada justa causa de resolução, operada, ex vi do n.º 4 do art. 441.º, por reporte à noção aberta prevista no art. 396.º/2 (com as necessárias adaptações), apenas são atendíveis os factos (provados) que tenham sido invocados pelo trabalhador como fundamento da resolução, na comunicação escrita oportunamente endereçada ao empregador.

III – Não integra justa causa de resolução do contrato de trabalho – por não constituir actuação culposa e grave do empregador, – a comunicação de transferência, determinada em consequência do encerramento definitivo do local onde antes laborava, sem que o trabalhador tenha alegado e demonstrado a existência de prejuízo sério ou a violação de suas garantias legais ou convencionais.

IV – Resolvido o contrato com invocação de justa causa, não provada, o empregador tem jus à reclamada indemnização por incumprimento do aviso prévio legalmente estabelecido no art. 447.º/1 do Código do Trabalho/2003.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                          

               I.

1.

AA, com os sinais dos Autos, intentou no Tribunal do Trabalho do Porto, em 17.11.2005, acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra a sociedade «BB, S.A.», pedindo, a final, a condenação desta no pagamento das importâncias discriminadas, relativas, além do mais, a indemnização por antiguidade, indemnização por danos não patrimoniais, férias e subsídio de férias, com juros de mora vencidos e vincendos.

Alegou para o efeito, em síntese útil, que, tendo sido admitido ao serviço pela antecessora da Ré, em Fevereiro de 1990, e havendo ascendido a director de restaurante três anos antes da propositura da acção, passou a ser ostracizado e vexado quando regressou ao serviço após um período de ausência por doença grave, com baixa médica.

Foi-lhe comunicada a transferência para outro restaurante, o que implicava folgas rotativas, horário de trabalho incerto e longa distância da sua residência, sem quaisquer subsídios para transporte, nem pagamento de horas extraordinárias, folgas, dias feriados e fins-de-semana.

Foi neste contexto que o A. resolveu o contrato, assistindo-lhe justa causa.

A Ré contestou, aduzindo, em resumo, não ter praticado as violações que o A. lhe imputou, sendo que a transferência, que se deu em virtude do encerramento do estabelecimento, por motivo que não lhe é imputável, se enquadra na mobilidade geográfica, não tendo o A. sofrido prejuízo sério.

Pediu, por sua vez, em reconvenção, a condenação do A. no pagamento da importância (€ 1.461,47) correspondente à falta de aviso prévio.

O A. respondeu.

Condensada, instruída e discutida a causa, proferiu-se finalmente sentença que julgou a acção improcedente e procedente a reconvenção, com a consequente absolvição da R. dos pedidos contra si deduzidos e com reconhecimento do …direito à compensação dos créditos salariais devidos pela R. ao A. com o valor da indemnização devida pelo A. à Ré pela falta de aviso prévio, compensação essa já operada pela Ré.

2.

Irresignado, o A. apelou da decisão para o Tribunal da Relação do Porto, recurso a que se concedeu parcial provimento, conforme Acórdão prolatado com data de 9.12.2013, a fls. 692-712, cujo dispositivo é do seguinte teor:

«Nos termos supra expostos acordam conceder provimento parcial ao recurso e em consequência revogam a sentença recorrida, a qual substituem pelo presente acórdão que, julgando a acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e julgando a reconvenção improcedente, condena a Ré a pagar ao A. a quantia global de € 25.378,42 (…), acrescida de juros de mora à taxa legal desde 15.4.2005 e até integral pagamento».

É a Ré que, inconformada, nos traz ora a presente Revista, cuja motivação remata com o alinhamento das seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão que, revogando parcialmente a sentença proferida em 1.ª instância no Tribunal do Trabalho do Porto, julgou a acção parcialmente procedente, julgando improcedente a reconvenção deduzida, e condena a aqui Recorrente a pagar ao Autor a quantia global de € 25.378,42, acrescida de juros de mora à taxa legal desde 15/04/2005 até integral pagamento, por entender que ao trabalhador assistia justa causa para promover a rescisão unilateral do contrato de trabalho que o ligava à Recorrente.

2. À data destes factos, encontrava-se em vigor o Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, sendo apenas as normas deste diploma que importa reter para subsumir correctamente os factos ao direito aplicável.

3. Os factos provados são os constantes de fls. dos autos.

4. Estabelece o art. 441.º do CT de 2003 que o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, ocorrendo justa causa, elencando o n.º 2 desse artigo alguns dos comportamentos que podem constituir a aludida justa causa para o efeito.

5. É jurisprudência pacífica, no que a esta matéria diz respeito, que “O trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.” (Ac. da Relação de Lisboa no Proc. n.º 178/09.8TTALM.L1-4).

6. E ainda que “Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo Tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.” (Ac. do S.T.J. de 21-10-2009, proferido no âmbito do Recurso n.º 1996/05.1TTLSB.S1-4.ª Secção), entre outros.

7. Para que se possa falar de justa causa e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 443.º daquele diploma legal, é pressuposto que aquele faça prova dos factos constitutivos do direito alegado, da culpa da empregadora, da impossibilidade de manutenção da relação de trabalho em face do(s) comportamento(s) daquela, ou seja, da inexigibilidade para o trabalhador da manutenção do vínculo laboral em face dos factos e da culpa, se todos forem apurados.

8. Devendo atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes…

9. A verificação de justa causa prevista no art. 443.º do CT pressupõe a verificação do facto material integrador de algum dos comportamentos referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 441.º do CT, do nexo de imputação desse comportamento, por acção ou omissão, à culpa exclusiva da entidade patronal, e do nexo causal entre o comportamento e a impossibilidade de manutenção da relação laboral, ou seja, que o comportamento da entidade patronal produza uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, tornando inexigível, em concreto e de acordo com as regras da boa-fé, que o trabalhador permaneça ligado à empresa por mais tempo.”

10. A prova da verificação de tais elementos e comportamentos incumbe ao trabalhador, aqui Recorrido, a qual, à luz dos factos provados, este não logrou fazer.

11. Desde logo, a necessidade de mudança de local de trabalho do Recorrido foi imposta pelo encerramento definitivo do estabelecimento onde até então prestava trabalho, denominado ‘...’, instalado no centro comercial Continente de ..., motivado por caducidade, em 28 de Fevereiro de 2008, do respectivo contrato de utilização de loja em centro comercial, celebrado pela Recorrente em 29 de Maio de 1989 – ponto 8. dos factos provados.

12. Tal situação motivou a necessidade de colocar todos os trabalhadores daquele estabelecimento, incluindo o Recorrido, em outros estabelecimentos cuja exploração a Recorrente detinha – ponto 9. dos factos provados.

13. Aliás, no que à transferência diz respeito, não está alegado nem provado qualquer prejuízo sério, sendo certo que a transferência definitiva apenas impõe o pagamento das despesas directamente impostas pela mesma, devendo o empregador “custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo de custos de deslocação e resultantes da mudança de residência”- art. 315.º, n.º 5, do CT.

14. A referência à inexistência de subsídio de transporte, que consta de 12. dos factos provados, mais não revela do que o entendimento de que, com a transferência e passando esse a ser em definitivo o novo local de trabalho, o mesmo não teria aplicação.

15. O mesmo se diga quanto à referência ao trabalho em turnos rotativos (12. dos factos provados), que mais não foi do que informar o Recorrido do regime em que o trabalho seria prestado no novo estabelecimento…

16. E ainda ao não pagamento de horas extraordinárias ou trabalho suplementar (12. dos factos provados), atento o facto de o Recorrido ter isenção de horário de trabalho (2. dos factos provados), ser director de restaurante e ir estagiar para chefe de direcção, sendo aqui aplicável o disposto nos artigos 178.º e n.º 2 do artigo 176.º do CT de 2003.

17. Na verdade, e ainda como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2012, proferido no âmbito do Processo n.º 407/08.5TTMTS.P1.S1 “ao trabalhador isento de horário de trabalho, na modalidade de isenção total, não é devido o pagamento de trabalho suplementar em dia normal de trabalho, conforme resulta dos artigos 17.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, e 197.º, n.º 4, alínea a), do Código do Trabalho de 2003, mesmo que ultrapasse os limites legais diários ou anuais estabelecidos nos artigos 5.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 421/83, de 2 de Dezembro, e 200.º, n.º 1, alíneas a) a c), do Código do Trabalho de 2003, após a entrada em vigor deste diploma”.

18. No regime de turnos rotativos, e na restauração rápida em particular, os sábados, domingos ou feriados constituem dias normais de trabalho.

19. Cumpre referir ainda que o Recorrido não alegou, e não demonstrou, ter interpelado a Recorrente para conhecer os contornos objectivos da transferência, no que a um eventual acréscimo de despesas dizia respeito, e se esta o compensaria desse facto, caso existissem, para assim avaliar em concreto, e documentalmente munido, das condições da transferência projectada, sendo certo que não existe prova de que a Recorrente se tenha recusado a suportar as mesmas.

20. Também nenhuma prova existe nos autos de que tal transferência fora motivada por propósitos mesquinhos por parte da Recorrente no sentido de perseguir, vexar ou desprestigiar o Recorrido; bem pelo contrário, como se deixou alegado, a transferência era sustentada no facto objectivo do encerramento do estabelecimento onde o trabalhador prestava o seu trabalho e abrangia, por igual, todos os trabalhadores do estabelecimento (10. dos factos provados).

21. Assim, não se vislumbra, nem está demonstrado, que a transferência fosse lesiva das garantias legais e convencionais do Recorrido, que lhe causassem um prejuízo sério ou que fosse ofensiva da sua integridade moral, nem que fosse discriminatória relativamente àquele em confronto com os demais trabalhadores do estabelecimento encerrado, nem mesmo o Recorrido concretizou objectivamente em que se traduziria esse prejuízo ou discriminação, como lhe competia, pelo que foi legítima a instrução de transferência que a Recorrente comunicou ao Recorrido.

22. De notar que o denominado prejuízo sério deve assumir um peso significativo na vida do trabalhador, que tenha uma repercussão relevante na estabilidade da vida deste, não se bastando com um mero incómodo ou transtorno suportável e como se viu, nada ficou provado a esse propósito que possa justificar aquele peso ou repercussão relevante nessa estabilidade.

23. Resta acrescentar, a propósito da transferência em causa que, contrariamente ao afirmado no douto acórdão recorrido, não há prova de que o trabalhador fora transferido para o novo estabelecimento; apenas está provado que o trabalhador recebeu uma ordem de transferência, mediante notificação de 4 de Abril de 2005, (como consta de 11. dos factos provados), onde se escreve A R. determinou que o A. se apresentasse no estabelecimento comercial denominado CC, sito no ... Shopping, mediante notificação que lhe fez em 04.ABR.2005, informando-o que iria ser transferido para o referido CC, no ... Shopping”.

24. Não há que confundir o momento em que ocorreu a caducidade do contrato de utilização do espaço em que se situava o estabelecimento de ..., 28 de Fevereiro de 2005, com o momento em que a Recorrente notificou o Recorrido da transferência que se iria operar, notificação essa efectuada em 04 de Abril de 2005, muito embora não conste dos factos provados qual a data em que o trabalhador se deveria apresentar no novo local de trabalho (CC, do ... Shopping), para se poder concluir se foi ou não respeitado o pré-‑aviso de 30 dias a que se refere o art. 317.º do CT de 2003.

25. No que à categoria diz respeito, ficou provado que o estágio para chefe de direcção se impunha em razão das características de tipo diferente das funções a desempenhar no estabelecimento CC, no ... Shopping, em relação às por si até então desempenhadas no Iber de .... – 13. dos factos provados.

26. Não estando provada qualquer modificação substancial da posição do Recorrido ou qualquer diminuição de retribuição, referindo mesmo o douto acórdão recorrido que “nem sequer estão provados factos relacionados com as funções concretas de um estagiário e se supõe que o estágio de direcção não é o mesmo que o estágio para operador manual, ou seja, na medida em que não conseguimos afirmar que esse estágio originaria uma modificação substancial da posição do trabalhador, e sendo certo ainda que também não está demonstrado, e de resto nem sequer foi alegado, que a colocação em estágio implicasse diminuição de retribuição.

27. Refere o douto acórdão recorrido que a Recorrente faltou ao dever de urbanidade e probidade para com o Recorrido e que produziu afirmações ofensivas da honra e dignidade do trabalhador, susceptíveis de constituírem crime de injúria, nos termos do art. 181.º do Código Penal, por este ter tomado conhecimento que responsáveis dos recursos humanos da Recorrente haviam dito que “não precisavam mais dele”, que “com o seu ordenado pagavam a três” e que “ia estagiar 6 meses mas depois ia continuar assim indefinidamente”, e que tais expressões lhe foram ditas em reuniões convocadas pela Recorrente em finais de Fevereiro e em Abril de 2005 (7. dos factos provados).

28. Por ausência de outros elementos constantes dos factos provados, desconhece-se a contextualização de tais expressões, não sendo difícil adivinhar que as mesmas, para além de não terem o peso que lhes é atribuído no douto acórdão recorrido, terão sido proferidas no âmbito da projectada transferência do Recorrente, e produzidas maxime pela pessoa ou pessoas com quem o Recorrido reuniu para discutir a mesma, transferência que, no entendimento da Recorrente, era justificada.

29. Acresce que tais expressões estão atribuídas a “responsáveis dos recursos humanos da Recorrente” mas não se demonstra que tal facto tivesse sido do conhecimento da Recorrente ou susceptível de por ela ser conhecido, para lhe poder ser concretamente atribuído a título de culpa.

30. No que a esta matéria diz respeito, comecemos por atentar nos termos do disposto no art. 441.º, n.º 2, alínea f), que refere: “Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (…) f) Ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo”.

31. Se bem que os comportamentos elencados naquela norma não sejam taxativos, e assim não se exclua a possibilidade de existirem outros comportamentos susceptíveis de fundamentar a justa causa aqui em análise, a verdade é que, quanto às ofensas referidas na alínea f), o legislador limitou as mesmas àquelas e só àquelas que sejam puníveis por lei, já que, se tal não fosse o seu desiderato não faria referência expressa a tal condição.

32. No douto acórdão recorrido afirma-se que as expressões acima referidas são do mesmo passo ofensivas da honra e da dignidade do trabalhador e susceptíveis de constituírem crime de injúria, nos termos do art. 181.º, n.º1, do Código Penal (CP). Ora,

33. É o seguinte o teor do n.º1 do art. 181.º do Código Penal: “Quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou dirigindo-lhe palavras, ofensivas da sua honra ou consideração, é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 120 dias”.

34. Na verdade, as expressões imputadas aos responsáveis dos recursos humanos (cuja concreta identificação estranhamente se desconhece), que não à Recorrente, não poderão integrar tal tipo legal de crime, pois que, por um lado, nenhum facto, mesmo sob forma de suspeita, foi imputado ao trabalhador e, por outro lado, aquelas expressões não são em si mesmas, subjectiva ou objectivamente ofensivas, nem susceptíveis de beliscar a honra e consideração daquele.

35. Atente-se que no crime de injúria o bem protegido é a honra e não se afigura que, no caso concreto, aquelas expressões possam ter a virtualidade de contender com tal bem jurídico.

36. Como se refere na douta sentença da 1.ª instância “As referidas expressões, não sendo por certo agradáveis nem porventura justas para com o autor, não integram, todavia, o crime de injúria ou de difamação, pois não são susceptíveis de o atingirem na sua honra e consideração em termos tais que mereçam a tutela da lei penal. Ou seja, ainda que aquelas afirmações atinjam a consideração do autor, não são ofensivas dela, pelo que não são susceptíveis de tutela penal; ora, como se referiu antes, apenas as ofensas puníveis por lei autorizam a resolução do contrato”.

37. Ao que acresce que, como se deixou já expresso, não está alegado nem demonstrado que a Recorrente tivesse conhecimento que tais expressões tivessem sido proferidas, que com elas concordasse ou mesmo que as aceitasse, de modo a poderem ser-lhe imputadas a título de culpa, tendo as mesmas, segundo os factos provados, sido proferidas por “responsáveis dos recursos humanos”, cuja identidade e posição hierárquica estranhamente se desconhece e que o Recorrido se absteve de revelar na sua carta de rescisão do contrato, quando tal lhe seria muito simples fazer, não só porque, por sua iniciativa, estava a deixar definitivamente a empresa e não mais iria trabalhar com ela, mas também porque nela trabalhava há 15 anos e não podia deixar de conhecer tais “responsáveis”, pessoas com quem frequentemente lidava, como é evidente.

38. O mesmo se diga se olharmos para essas expressões na perspectiva de uma hipotética violação do dever de urbanidade e probidade, uma vez que também por esse prisma não se afigura que tais expressões deixem de cumprir com as regras da boa educação e de respeito ou coloquem em causa a honradez e honorabilidade do trabalhador/Recorrido, que carreguem em si mesmas uma tal carga negativa que justifique a rescisão de um contrato, sabendo como sabemos que as relações de trabalho encerram em si vicissitudes próprias do relacionamento humano em geral, não podendo, assim, tais expressões justificar a rescisão do contrato pelo Recorrido.

39. Não estando demonstrado ter tido a Recorrente aquele conhecimento, não podem as mesmas ser-lhe imputadas a título de culpa, uma vez que esta culpa tem de ser afirmada face à empregadora já que não foi aferida perante um seu comportamento próprio mas de incerto/s trabalhador/es seu/s, como em situação semelhante decidiu esse Supremo Tribunal no acórdão proferido em 23-11-2011, no Proc. n.º 2412/06.7TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

40. Também não pode concluir-se, em presença da factualidade provada, estarmos perante uma situação de discriminação, ainda que sob a forma de assédio, nos termos previstos nos artigos 22.º, 23.º e 24.º do Código do Trabalho/2003.

41. Desde logo há que atentar que o conceito de assédio moral ou mobbing terá de se encontrar no confronto entre o disposto no n.º 2 do art. 24.º do CT de 2003, consubstanciado num comportamento indesejado do empregador, com efeitos hostis no trabalhador, que esteja conexionado com um ou mais factores de discriminação expressamente previstos e elencados no art. 23.º, n.º 1, do diploma citado e ainda do art. 32.º, n.º 1, do Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho – veja-se a este propósito o Acórdão do STJ supra citado, proferido em 23-11-2011, no âmbito do Proc. n.º 2412/06.7TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.

42. Por outro lado, cabe ao trabalhador fundamentar a discriminação invocada, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, como se prevê no n.º 3 do art. 23.º do CT de 2003.

43. A carta do Recorrido que sustenta a rescisão do seu contrato de trabalho com invocação de justa causa, junta a fls., não expressa objectivamente que tal decisão se fundamente em qualquer tipo de discriminação, mormente em assédio moral ou mobbing.

44. Ainda que se queira, com esforço, descortinar ser esse o fundamento da rescisão, a verdade é que não se encontra a indicação de qual ou quais os trabalhadores concretos em relação aos quais o Recorrido teria sido discriminado e em que consistiu tal discriminação, não se encontrando também nos autos, no conjunto dos factos provados, qualquer objectivação da tal discriminação, quer quanto a fundamentos, quer quanto às pessoas em relação às quais tal discriminação possa ter ocorrido.

45. Como se deixou já alegado, tanto a transferência como o exercício de funções de estagiário se encontram fundamentadas e justificadas, uma pelo encerramento definitivo do estabelecimento por caducidade imperativa do contrato de utilização de espaço em Centro Comercial, inelutável para a Recorrente; e outra atento o facto de o restaurante onde até então o Recorrido tinha exercido funções ser de tipo diferente daquele para onde iria ser transferido (CC) e ser necessária uma adaptação a essa nova realidade.

46. Nem mesmo as expressões utilizadas por “responsáveis dos recursos humanos” podem, por si só, integrar o conceito de assédio, porquanto não se subsumem no disposto no art. 23.º, n.º 1, do CT citado, nem no disposto no art. 32.º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004), nem podem as mesmas ser atribuídas à Recorrente, já que não se mostra alegado nem provado pelo Recorrido, como lhe competia, que aquela fosse conhecedora, por qualquer forma, de terem sido proferidas tais expressões ou mesmo que estivesse em condições de as conhecer.

47. No douto acórdão de que se recorre é feita referência à dimensão da Recorrente, escrevendo-‑se ser “notório que a Ré possui vários estabelecimentos e por isso tem uma estrutura alargada, tanto que tem responsáveis por recursos humanos; em empresas desta escala não é suposto que seja o Conselho de Administração a dirigir-se directamente a cada trabalhador”, para extrair daí a conclusão de que tudo quanto foi transmitido ao Recorrido pelos ditos responsáveis, não só sobre a transferência e suas condições e bem assim as expressões por eles utilizadas foram determinadas pela vontade daquele órgão máximo e por isso pela Recorrente, o que, como se viu, não foi alegado nem provado.

48. Finalmente, e quanto ao assédio moral ou mobbing, não poderá deixar de se referir que todo o conjunto de situações descritas, a transferência, as funções, as condições da transferência, as expressões analisadas, ocorrem no momento em que se mostra necessário proceder à transferência de todos os trabalhadores do anterior estabelecimento e não traduzem qualquer prática persecutória, reiterada e continuada da Recorrente contra o Trabalhador/Recorrido com o objectivo de o fazer abandonar a empresa, nem tal conclusão se pode extrair dos factos dados por provados, não podendo, assim, concluir-se estarmos em presença de qualquer tipo de discriminação sob a forma de assédio moral ou mobbing.

49. Mas também não pode concluir-se, como se faz no douto acórdão recorrido, que, não se podendo analisar a situação vertida nos autos aspecto a aspecto, a mesma deva ser analisada por conjugação de todos eles, uma vez que não estando demonstrado que cada um deles de per si tenha a virtualidade para justificar a rescisão unilateralmente operada pelo Recorrido, também não se pode concluir que o seu somatório o tenha.

50. Para além de que, se percorrermos o que consta do próprio acórdão recorrido, ali se expressa também não existir demonstração da ilegitimidade da transferência, mas antes da sua legitimidade e justificação, a demonstração da necessidade do Recorrido passar por uma fase de estágio, a não demonstração, nem mesmo a alegação, de qualquer diminuição de retribuição ou a existência de discriminação.

51. Sendo ainda de atentar na não demonstração que a Recorrente não suportasse as despesas directamente impostas pela transferência, sendo que especificamente quanto a estas o Recorrido nunca as concretizou perante a Recorrente, nem isso foi alegado ou provado nos autos, sendo que o invocado na dita reunião sobre o não pagamento de transportes ou do trabalho suplementar fundou-se no facto de, consumada a transferência, passar a ser esse o novo local de trabalho do Recorrido e não haver lugar a pagamento de despesas de deslocação, como numa transferência temporária de local de trabalho (o que não era o caso por desaparecimento definitivo do primitivo local de trabalho), e quanto ao trabalho suplementar o referido ao Trabalhador fundou-se no facto deste auferir remuneração por isenção de horário de trabalho, nas condições já acima referidas. Ora,

52. “A resolução (com justa causa subjectiva) pressupõe, enquanto manifestação/concretização da ideia geral de justa causa de cessação do contrato de trabalho, a verificação dos requisitos essenciais da justa causa definida pelo legislador no contexto da cessação/despedimento por facto imputável ao trabalhador, retendo-se, como postulado essencial, que o comportamento culposo seja grave, em si e nas suas consequências, tornando, numa objectivada relação de causa-efeito, imediata e praticamente impossível, a manutenção do vínculo”, como se escreve no Acórdão desse Venerando Tribunal, de 26-06-2013, proferido no Proc. nº 136/05.1TTVRL.P1.S1, da 4.ª Secção, e que pode ser consultado in www.dgsi.pt.

53. No caso dos autos não pode concluir-se, tendo presente os factos dados por provados, que a Recorrente tenha tido um comportamento culposo, e muito menos grave em si ou nas suas consequências, que justificasse que o Recorrido/trabalhador colocasse termo imediato à relação de trabalho, num momento em que havia encerrado definitivamente, e sem culpa daquela, o estabelecimento onde este trabalhava e no decurso de um processo tendente à integração do trabalhador num outro estabelecimento, com realidade operativa diferente, o que, obviamente se traduzia numa mudança na sua vida e nos seus hábitos, mas não num “terramoto” que a abalasse irremediavelmente.

54. Ao que acresce que era ao Recorrido/trabalhador que competia alegar e demonstrar o prejuízo sério causado pela transferência, o conhecimento pela Recorrente/empregadora das expressões proferidas pelos responsáveis referidos – muito embora elas não encerrem em si qualquer ofensa à sua honra e consideração nem sejam criminalmente puníveis – ou mesmo que fosse susceptível de ser por si conhecida tal ocorrência, em ordem a poder ser-lhe imputada, a título de culpa, uma vez que esta culpa tem de ser afirmada face à empregadora já que não foi aferida perante um seu comportamento próprio mas de trabalhador/es seu/s, cuja identidade estranhamente se desconhece, e que, repete-se, o Recorrido se absteve de revelar na sua carta de rescisão do contrato, quando tal lhe seria muito simples fazer, não só porque estava a deixar definitivamente a empresa, e não mais iria trabalhar com elas, mas também porque nela trabalhava há 15 anos e conhecia as pessoas com quem frequentemente lidava, como é evidente.

55. Em face de tudo quanto se deixou alegado, terá de concluir-se, como o faz a douta sentença de 1.ª instância, que “não se recorta a existência de motivos, suficientemente fortes e justificativos, que permitam afirmar que deixara de ser exigível e suportável para o autor a manutenção da relação laboral com a ré; em conformidade se conclui que não assistia ao demandante justa causa para o autor fazer cessar o contrato como o fez”.

56. Não se mostrando preenchidos e verificados os requisitos impostos pelos artigos 441.º e 396.º do Código do Trabalho, então vigente, para a rescisão do contrato promovida pelo Recorrido, a qual foi promovida sem justa causa, e não lhe assistindo o direito a ser indemnizado nos termos do disposto no art. 443.º do mesmo diploma, nem ao percebimento de qualquer indemnização por danos não patrimoniais, por inexistência de qualquer tipo de ilicitude por parte da Recorrente, deverá a acção ser julgada improcedente e ser assim dado provimento ao presente recurso, substituindo-se o douto acórdão recorrido por outro que tal declare.

57. Pelo contrário, deveria o Recorrido ter cumprido com o pré-aviso legal de 60 dias para pôr termo ao seu contrato de trabalho e não o tendo feito, é devida à Recorrente a indemnização prevista nos artigos 446.º e 448.º do Código do Trabalho em causa, pelo que deverá ser dada procedência ao pedido reconvencional formulado pela Recorrente, tal como foi decidido em 1.ª instância.

58. Ao decidir como decidiu, revogando a decisão de 1.ª instância e dando parcial provimento o recurso de apelação, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 22.º, 23.º, 24.º, 314.º, 316.º, 317.º, 396.º, 441.º, 446.º e 448.º, todos do Código do Trabalho, e ainda os artigos 483.º e 496.º do Código Civil e o art. 181.º, n.º1, do Código Penal, impondo-se que seja dado provimento ao presente recurso, concedendo a revista, sendo revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que julgue a improcedência da acção e a procedência do pedido reconvencional.

O recorrido não respondeu.

                                                           ____

Admitido o recurso e subidos os Autos a este Supremo Tribunal, neles tomou posição o Exm.º Procurador-Geral Adjunto, em circunstanciado parecer, propendendo no sentido da procedência da Revista, com reposição da sentença proferida na 1.ª Instância.

Deles notificado, A. e R., apenas o A. veio responder.

E fá-lo em termos que excedem – como melhor adiante se objectivará – o contraditório assegurado pela parte final do n.º 3 do art. 87.º do C.P.T.

(O âmbito da resposta da parte está logicamente condicionado pelo conteúdo do parecer, apenas sendo lícito à parte refutar/discutir as razões aí invocadas pelo M.º P.º).

                                                           ___

   

Visando a preparação da deliberação, distribuiu-se oportunamente cópia do projecto de solução aos Exm.ºs Juízes-Adjuntos.

Tudo visto, cumpre ora analisar, ponderar e decidir.

                                                           ___

                                                            II.

           1. – O ‘thema decidendum’.

Conferido o acervo conclusivo – por onde se afere e delimita, por via de regra, o objecto e âmbito do recurso – é questão axial a de saber se assistiu ou não ao A. justa causa para a resolução do contrato de trabalho que manteve com a Ré.

2. Fundamentos.

2.1De Facto.

Vem dada como assente, pelas Instâncias, a seguinte factualidade:

1. O A. e ‘AA, S.A.’ celebraram, em 01.FEV.90, um denominado Contrato de Trabalho a Termo Certo, pelo qual aquele se comprometeu a exercer as tarefas correspondentes à categoria de Estagiário, mediante a retribuição mensal de Esc. 85.000$00, com início em 01.FEV.90 e pelo prazo de seis meses.

2. Por força de sucessivas cessões da posição contratual, o A. passou a prestar funções, já com a categoria de director de restaurante para a ré ‘BB, S.A.’, a partir de Março de 1996, sem perda de antiguidade, categoria profissional, com isenção de horário de trabalho e demais regalias de que beneficiava.

3. Ultimamente, o A. prestava serviço no restaurante da ré denominado ‘...’, instalado no centro comercial denominado Continente de ....

4. O A. efectuava o atendimento ao público na cafetaria do ‘… ...’ — designadamente ao balcão — e servia refeições no mesmo local aos clientes que se encontravam sentados à mesa na designada hora de pico, em virtude da escassez de pessoal nesse estabelecimento.

5. A R. determinou que o A. prestasse funções em outros restaurantes, quando colegas seus se encontravam indisponíveis ou de férias, nos Carvalhos, no Porto, na Maia, em ....

6. Em todos os estabelecimentos da R. existe um fundo de maneio para reposição de faltas de caixa e trocos.

7. Tomou conhecimento o A. de que os responsáveis dos recursos humanos da R. haviam dito que “Não precisavam mais dele”, que “Com o seu ordenado pagavam a três” e que “Ia estagiar 6 meses mas depois ia continuar assim indefinidamente”; tais expressões foram dirigidas ao A. em reuniões convocadas pela Ré e ocorridas em finais de Fevereiro e em Abril de 2005.

8. O ‘...’, onde o A. prestava serviço, resultava de um contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado pela R. em 29.MAI.89, tendo sido estipulado que o mesmo caducaria, impreterivelmente, em 28.FEV.05, tendo tal ‘...’ encerrado definitivamente em 28.FEV.05, em consequência da caducidade desse contrato de utilização.

9. O A. tinha conhecimento do encerramento do ‘Iber’ de ... pelo menos desde finais de Fevereiro de 2005.

10. Por força desse encerramento, a R. iniciou diligências tendentes à colocação dos trabalhadores que aí orientavam serviço, incluindo o A., em outros estabelecimentos cuja exploração detinha.

11. A R. determinou que o A. se apresentasse no estabelecimento comercial denominado CC, sito no ...Shopping, mediante notificação que lhe fez em 04.ABR.05, informando-o que iria ser transferido para o referido CC, no ...Shopping.

12. Tal transferência implicaria folgas rotativas para o A., sem subsídio de transporte, de pagamento de horas extraordinárias e por trabalho em dias de folga, em dias de feriado ou aos fins-de-semana.

13. A colocação do A. no CC foi determinada pela R. atenta a categoria daquele, passando a estagiário dos chefes de direcção, sendo que tal estágio era necessário em virtude de o restaurante onde até aí o autor havia desempenhado funções ser de tipo diferente do CC.

14. O A. ficaria sujeito a avaliação durante seis meses, sendo transferido para outra unidade, caso não se adaptasse ao CC.

15. Entrou o A. de baixa médica por motivos de depressão, ficou com dificuldade em dormir, com elevada irritabilidade, levando-o a consultar um médico da especialidade.

16. Tal ocorreu em virtude da conduta da Ré referida nos pontos 7., 11. e 12. a 14.

17. Com a redacção introduzida pelo Tribunal da Relação (cfr. fls. 701-702):

Como resulta dos autos, a referência no facto n.º 17 ao documento de fls. 33 a 35 dos autos é incorrecta, seguramente por mero lapso, pois a carta de 12.4.2005 encontra-se a fls. 44 a 47.

O envio de tal carta foi aceite pela Ré e deste modo, mostrando-se provado por acordo, e por interessar à decisão da causa, altera-se a redacção do facto n.º 17 para:

“O A., por carta datada de 12.ABR.05, e por si assinada, levou ao conhecimento da R., que a recebeu em 14.4.2005, que:

‘(…) Vem, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 441.º n.° 1, als. b) e f), do Código do Trabalho, resolver com justa causa o contrato de trabalho celebrado com V. Ex.ªs, nos termos e com os seguintes  fundamentos:

A 1 de Fevereiro de 1990 celebrei um contrato de Trabalho a termo certo pelo período de 6 meses com a empresa DD, S.A., para, sob a sua direcção efectiva e no seu interesse exercer actividade como estagiário, com a retribuição de 85.000$00 (425,00 euros) passado aquele prazo, fui promovido a chefe de secção passados seis meses.

Em 1992 transitei, sem perda de antiguidade, para a empresa ‘EE, SA’ (...), por cessão da posição contratual da DD, SA para as funções de director de restaurante.

Posteriormente, em Março de 1996, cedeu aqueloutra empresa a posição contratual à empresa ‘BB-…, SA’ para exercer as mesmas funções junto de V. Exas, sem perda de antiguidade, categoria profissional, retribuição mensal, isenção de horário de trabalho e todas as demais regalias que auferia com a entidade cedente.

O certo é, que de há três anos para cá, depois de me ter encontrado de baixa médica por doença grave, de que padeci, passei a ser alvo de atitudes profundamente vexatórias para a minha dignidade profissional e pessoal, exercendo funções fora da minha categoria profissional, sentindo-me por várias vezes ostracizado, votado ao abandono e vítima de assédio no local de trabalho.

Cada dia que passava era diminuído profissionalmente, exercendo tarefas que não se coadunavam com a minha categoria profissional, antes com categorias bem inferiores daquela para a qual fui contratado, que provocaram directa e necessariamente o esvaziamento de funções e despromoção profissional, à vista de todos os trabalhadores da empresa, fazendo com que me sentisse diminuído e fortemente lesado na minha dignidade profissional e profundamente vexado por atitudes lamentáveis imputáveis à minha entidade patronal, sendo obrigado a andar de um lado para o outro, “tapando buracos”, quando outros colegas de outros restaurantes se encontravam… (…impedidos?).

Assim, foi fixado o meu horário de trabalho e local para a prestação do mesmo, independentemente do local, aqui e ali, onde existiam lojas … como CARVALHOS, PORTO, MAIA e ..., onde fosse, e quando houvesse algum colega de férias, sem receber, nunca, fundo de maneio, sem ser informado das reuniões que eram realizadas, mas os outros colegas eram-no, e sem ser convidado para integrar formação.

Em todo o caso, sempre demonstrei zelo, diligência, assiduidade e cuidado no exercício das funções que exercia.

No exercício das funções para as quais fui contratado agi sempre com a maior flexibilidade e autonomia e em nome dos superiores interesses da minha entidade patronal, sempre gozei da maior confiança de todos os superiores hierárquicos até há cerca de três anos.

O meu comportamento na empresa sempre foi exemplar, nunca fui advertido para o que quer que fosse, fazendo com que o meu empregador beneficiasse com a minha conduta sempre briosa e leal.

No dia 28 de Fevereiro de 2005, foi-me dito na cara que “NÃO PRECISAVAM DE MIM”, que “E QUE COM O MEU ORDENADO PAGAVAM A TRÊS” e “QUE IA ESTAGIAR 6 MESES MAS DEPOIS IA CONTINUAR ASSIM INDEFINIDAMENTE”, mas sem me informarem se tal iria acontecer, quando ou para onde iria, talvez aproveitando o facto do gozo de férias que iria ter dali a dias, em todo o caso sempre direi que tais expressões são absolutamente esclarecedoras do modo como tenho vindo a ser tratado do ponto de vista profissional, e por que não dizê-lo, do ponto de vista pessoal.

Fui notificado a 5 de Abril de 2005, como havia sido ordenado pelo superior hierárquico para no dia 31 de Março de 2005 solicitar a informação sobre o meu novo posto de trabalho, da minha transferência para a unidade “CC”, no ...Shopping, o que contende claramente com os meus direitos, designadamente porque tal acarreta a mudança de categoria profissional no sentido da despromoção, uma vez que, passados quinze anos de serviço efectivo passaria a estagiários dos chefes da direcção, ficando sujeita a avaliação durante seis meses até que hipoteticamente surja a possibilidade de transferência para outra unidade, e que “IA ESTAGIAR 6 MESES MAS DEPOIS IA CONTINUAR ASSIM INDEFINIDAMENTE”, com folgas rotativas, com horário de trabalho incerto e a longa distância da minha casa de morada de família.

Tal transferência é manifestamente lesiva das garantias legais e convencionais que me assistem, como ofensivas tanto da minha integridade moral como da minha dignidade profissional, por facto imputáveis a V. Exas, desde logo deslocação para longa distância da sede do meu agregado familiar, alteração substancial do meu horário de trabalho e das condições para o exercício da minha actividade, para mais sem subsídio de transporte, sem pagamento da prestação de horas extraordinárias, sem retribuição por trabalho em dias de folga, em dias de feriado ou aos fins-de-semana, salientando-se desde já que em momento algum trabalhei ao fim-de-semana.

Este comportamento da entidade empregadora é inaceitável, persecutório e só poderá ser entendido como uma tentativa despudorada de me desprestigiar e vexar perante todos os colegas de trabalho e de me rebaixar numa operária não especializada.

Perante tal alarvidade, tamanha falta de urbanidade, probidade e imoralidade que se traduziu na transferência de local de trabalho da qual fui notificado, outra alternativa não restará que resolver de imediato, e com justa causa, o contrato de trabalho.

A referida transferência de local de trabalho, “ou desterro”, não é, contudo, de estranhar, uma vez que se traduz no culminar da pressão psicológica, da coacção moral, das atitudes assaz persecutórias, vexatórias e abusivas da posição dominante que tenho vindo a ser alvo por V. Exas.

Verificam-se assim presentes as condições de que a lei faz depender a ocorrência de justa causa para a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, o que faz a produzir efeitos imediatos após a recepção da presente missiva por V. Exas.

Nos termos do artigo 443.º do Código de Trabalho, a resolução com fundamento em justa causa do contrato de trabalho pelo trabalhador faz incorrer a entidade patronal na obrigação de indemnizar todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo a mesma ser fixada entre 15 e 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade.

O exponente conta com quinze anos de antiguidade, auferindo actualmente a quantia de 1.330,00 Euros por mês, pelo que deverei ser indemnizado no montante de 19.950 Euros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

Assim aproveito para solicitar os bons ofícios de V. Ex.ª no sentido de me ser paga tal quantia com a maior brevidade possível (…).”

18. A R. procedeu à compensação da quantia de € 1.461,47 com os valores devidos ao A. pela cessação do seu contrato de trabalho, aquando do processamento dos referidos valores, por ter considerado ilícita a resolução do contrato, efectuada pelo A., e, assim, entender que o mesmo devia ter cumprido o prazo legal de 60 dias de aviso prévio.

Consignou-se ainda, no Acórdão da Relação, em sede de Fundamentação de Facto:

Por se mostrar provado por acordo nos articulados, considerando o alegado em 145.º da petição inicial e 8.º da contestação, adita-se oficiosamente à matéria de facto um n.º 19, com o seguinte teor: “À data da cessação do contrato de trabalho o Autor auferia a retribuição base de € 1.330,00.

                                                              __

A factualidade assim estabelecida não foi objecto de impugnação, nem se prefigura qualquer das situações previstas ora no n.º 3 do art. 682.º do C.P.C., pelo que será com base nos factos fixados que há-de ser resolvida a problemática suscitada na presente Revista.

                                                        _____

2.2Os Factos e o Direito.

A questão axial.

Como se constata, as Instâncias não coincidiram na solução do litígio protagonizado.

Enquanto a sentença julgou a acção improcedente, absolvendo a R. dos pedidos contra si formulados, (maxime por inverificação da justa causa invocada pelo A. para a resolução do contrato), a deliberação aprecianda considerou ocorrer justa causa para o efeito e, julgando a acção parcialmente procedente (e improcedente, em consequência, a reconvenção), revogou aquele decisão e condenou a R. em conformidade.

É contra o assim ajuizado que esta ora se rebela, aduzindo as razões adiante analisadas.

2.2.1

Vejamos então.

O A. pôs termo ao vínculo juslaboral que a ligava à R., com alegada justa causa, invocando fazê-lo nos termos da comunicação resolutiva escrita, que então lhe endereçou, em carta datada de 12.4.2005, na qual invocou, em consideração global, lesão das suas garantias legais e convencionais.

Atenta a data da resolução do contrato, é aplicável no caso, como bem se consignou, a disciplina adrede constante do Código do Trabalho/2003[1], regime jurídico aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, e regulamentado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho.

O quadro normativo de significação vem adequadamente identificado no Aresto sub specie, com pertinentes referências complementares de ordem doutrinária e jurisprudencial, não sofrendo contestação.

Relembram-se apenas as suas coordenadas estruturantes.

Ocorrendo justa causa, pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato, com direito a indemnização.

Constitui justa causa, nomeadamente, o comportamento do empregador que integre, na hipótese concretamente invocada para o efeito pelo A., ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo – arts. 441.º, n.ºs 1 e 2, alínea f), e 443.º, n.ºs 1 e 2.

A resolução pressupõe, enquanto concretização da ideia geral de justa causa de cessação do contrato de trabalho[2], a verificação dos requisitos essenciais da justa causa definida pelo legislador no contexto da despedimento por facto imputável ao trabalhador, retendo-se, como postulado essencial, que o comportamento culposo seja grave, em si e nas suas consequências, tornando, numa objectivada relação de causa-‑efeito, imediata e praticamente impossível, a manutenção do vínculo.

Devendo apreciar-se a justa causa nos termos do n.º 2 do art. 396.º do mesmo Código – com as necessárias adaptações,  como preceitua o n.º 4 do mesmo inciso –, a opção pela desvinculação imediata, por banda do trabalhador, pressupõe, pois, a ocorrência de uma situação anormal, particularmente grave, emergente de uma conduta culposa do empregador, violadora de deveres contratuais cuja infracção torne objectivamente insuportável, e por isso inexigível, a vinculação à empresa por mais tempo.

(Na sua caracterização interagem, numa necessária relação de causalidade, compreendida no âmbito gestionário da empresa, além do carácter das relações intersubjectivas, o grau de lesão dos interesses do trabalhador e as demais circunstâncias que se mostrem relevantes).

Mantém-se o entendimento jurisprudencial, há muito firmado, no sentido de que a cláusula geral prevista não se preenche, sem mais, com a verificação material de uma qualquer das situações exemplificativamente elencadas no referido n.º 2 da previsão, antes se demandando que a conduta causal protagonizada pelo empregador seja, enquanto indutora da alegada impossibilidade da manutenção do vínculo, efectivamente grave em si e nos seus efeitos.  

Ainda assim – como também é pacífico –, a sua ponderação, à luz da noção de justa causa subjectiva (para onde remete), impõe ao intérprete um juízo de prognose mitigado, diremos menos exigente, no que concerne à inexigibilidade da manutenção da relação contratual, na consideração de que o trabalhador, quando confrontado com a real lesão dos seus direitos e/ou garantias, não dispõe, ao contrário do opositor, de reacções alternativas.

(Lembra-se, a propósito, a teorização doutrinal à volta da noção de justa causa, concretamente neste contexto e perspectiva, invocando a reflexão dos autores citados, v.g., no Acórdão desta Secção de 11.12.2013, tirado na Revista n.º 160/10.2TTEVR.E1.S1, em cujos termos a aproximação do regime jurídico da resolução do contrato pelo trabalhador ao regime jurídico do despedimento disciplinar não pode/deve desconsiderar a diferença que subjaz a uma e outra formas de cessação: enquanto naquele se salvaguarda o valor primordial da estabilidade do emprego, obstando ao despedimento arbitrário, neste o valor proeminente é o da liberdade de desvinculação do trabalhador).

Em suma, no que a este nevrálgico ponto concerne:

Sabido que perante uma situação de afronta séria, susceptível de legitimar a resolução, ao trabalhador apenas resta a opção da desvinculação, não é, ainda assim, uma qualquer conduta do empregador que constitui justa causa para a cessação unilateral e imediata da relação juslaboral, na dimensão normativa postulada.

Importa também, neste conspecto, ter presente que são apenas atendíveis, na apreciação da invocada (i)licitude da resolução, os factos (…a indicação sucinta dos…) constantes da comunicação, invocados como justificativos para o efeito – cfr. o n.º 1 do art. 442.º e o n.º 3 do art. 444.º –, cumprindo ao trabalhador o ónus da respectiva demonstração, nos termos gerais da repartição do ónus da prova.

 Neste plano de consideração é, pois, determinante verificar que factos – dos invocados no escrito que contém a declaração resolutiva, feita, como é mister, em conformidade com o procedimento exigido pelo n.º 1 do art. 442.º – se mostram provados.

Tendo presentes estas coordenadas referenciais, prossigamos.

2.2.2

O Acórdão ora sub judicio considerou, como se disse, assistir ao A. justa causa para a resolução operada, determinante da obrigação de indemnizar por banda do empregador, e revogou a sentença que decidira em sentido oposto, condenando o R. em conformidade.

 Reportando-se ao quadro normativo subjacente, acima avivado, estribou-se basicamente em dois blocos de factos provados que arrumou assim (transcrição parcial, com alteração da sequência expositiva):

(…)

· ‘…[A] recorrida provou que o estabelecimento de ... encerrou por ter terminado impreterivelmente o prazo do respectivo contrato de utilização, e que diligenciou pela colocação de todos os trabalhadores desse estabelecimento noutros.

Provou ainda que o estágio determinado ao A. era necessário em virtude de o estabelecimento de ... ser diferente do de ....

· Ora, dentre os factos constantes dessa comunicação, (…) o recorrente logrou provar o seguinte circunstancialismo:

- Era director de restaurante; já tinha 15 anos de antiguidade; o estabelecimento de ... em que prestava funções foi encerrado por o contrato de utilização do espaço ter cessado impreterivelmente; foi transferido no início de Abril de 2005 para outro estabelecimento em ..., mas passava a ser estagiário dos chefes de direcção, por 6 meses e, se não se adaptasse, seria colocado noutro lado; a sua colocação em ... implicava trabalhar em regime de folgas rotativas, sem subsídio de transporte, de pagamento de horas extraordinárias e por trabalho em dias de folga, em dias de feriado ou aos fins-de-semana.

- Além disso, provou ainda o recorrente que, em reuniões havidas em finais de Fevereiro de 2005 e em Abril de 2005, os responsáveis de recursos humanos da Ré disseram na sua presença que ‘não precisavam mais dele’, que ‘com o seu ordenado pagavam a três’ e que ‘ia estagiar 6 meses mas depois ia continuar assim indefinidamente’.

Em consequência disto tudo, o A. entrou de baixa médica por motivos de depressão, ficou com dificuldade em dormir, com elevada irritabilidade, levando-o a consultar um médico da especialidade.’

2.2.3

Antes de aproximarmos a resposta que temos por consentânea, vejamos os termos da reacção da Recorrente, analisando-os, pari passu, em contraponto com a interpretação e alcance conferidos, no Aresto, aos factos correlativos.

É pacífico que o litígio equacionado entronca na circunstância, que também não se questiona, de a R., por força da caducidade do contrato de utilização de espaço/loja em centro Comercial, ter encerrado definitivamente (em 28.2.2005) o restaurante que explorava no ‘Continente de ...’, onde o A. prestava serviço.

 Enfrentando a situação, a R. iniciou diligências tendentes à colocação dos trabalhadores que aí serviam, incluído o A., noutros estabelecimentos sob a sua exploração.

E determinou, depois, ao A. – mediante notificação que lhe fez, informando-o de que iria ser para aí transferido – que se apresentasse no estabelecimento comercial ‘CC’, sito no ...Shopping, embora não indicando, tanto quanto o acervo factual reflecte, a data a partir da qual o deveria fazer.

Diremos que, quanto a esta relatada conduta da R., não se descortina qualquer actuação ilícita/culposa.

Assim também parece ter-se (sub)entendido na deliberação sub judicio, apoiada em Jurisprudência que cita, quando, nada objectando quanto à licitude do encerramento definitivo do restaurante/estabelecimento, se consigna, nomeadamente, que … ‘[q]uanto à transferência do local de trabalho – …se ela resulta do encerramento do estabelecimento e não duma atitude discriminatória ou especificamente dirigida a um trabalhador – e assim abrange todos os trabalhadores desse estabelecimento –, é legítimo à empregadora proceder à transferência, sendo pois que o trabalhador tem, como alternativa, se demonstrar a existência de prejuízo sério, a possibilidade de resolver o contrato.

No caso dos Autos, os factos provados não permitem afirmar com rigor a existência de prejuízo sério.’ (…)

Prosseguindo:

O acórdão revidendo versou o caso sujeito na perspectiva das subquestões da proibição de discriminação e do assédio (reflectido nas situações atinentes à alteração/baixa da categoria e do local de trabalho/transferência), para afinal concluir (transcrição parcial de fls. 708 v.º):

‘Vindo agora ao caso concreto, a primeira nota é que, entre o que o trabalhador alegou na carta de resolução e o que provou, há alguma diferença. Em primeiro lugar, o trabalhador alegou que (…).

 Por outro lado, alegou que (…) e, por outro lado, ainda alegou que…

Lida a matéria de facto provada, nenhum destes aspectos ficou provado.

Não ficou provado que o A. tivesse estado doente anteriormente; que fosse em função disso que começou a ser-lhe ordenado que substituísse colegas em folgas e férias em diversos estabelecimentos; não ficou provado que não lhe pagassem por isso. Consta dos autos a morada do A. e as localizações dos estabelecimentos antes e depois da ordem de transferência, mas nada sobre as transferências dos colegas do A.

Apesar de sabermos que o A. iniciou a sua carreira como estagiário, ao serviço de outra empresa, isso não nos diz, em rigor, se era dispensável voltar a ser estagiário – e de resto não poderíamos chegar a essa conclusão porque o facto contrário, a necessidade, alegado pela Ré, foi mesmo dado como provado.’

E logo a seguir:

‘Se formos analisar, ponto a ponto, a questão do assédio, da categoria (violação da proibição pelo empregador de baixar a categoria) e do local de trabalho (violação da proibição do empregador de transferir o trabalhador para outro local de trabalho), verificamos que, atendendo ao regime legal em vigor à data dos factos, como já referimos, não ficou provado nenhum facto relativamente ao factor de discriminação – que poderíamos reconduzir, com algum esforço, à situação de doença/diminuição de capacidade (artigo 23.º n.º 1 do CT 2003), se a alegada doença anterior se tivesse provado’.

(…)

       Por outro lado, se considerarmos a categoria, e a menção (13 e 14 dos factos provados) de estágio por seis meses, necessário em virtude da diferença de estabelecimentos, (…não) conseguimos subsumi‑la à possibilidade prevista no artigo 314.º, nº 1, do Código do Trabalho, na medida em que nem sequer estão provados factos relacionados com as funções concretas dum estagiário, e se supõe que o estágio de direcção não é o mesmo que o estágio para operador manual, ou seja, na medida em que não conseguimos afirmar que esse estágio originaria uma modificação substancial da posição do trabalhador, e sendo ainda certo que também não está demonstrado, e de resto nem sequer foi alegado, que a colocação em estágio implicasse diminuição da retribuição.

       Quanto à transferência de local de trabalho (…), …é legítimo à empregadora proceder à transferência, sendo pois que o trabalhador tem, como alternativa, se demonstrar a existência de prejuízo sério, a possibilidade de resolver o contrato.

No caso dos autos, os factos provados não permitem afirmar com rigor a existência de prejuízo sério.’ (…)

Chegados a este ponto, diremos que a análise e valoração dos factos tratados, em termos do seu relevo e qualificação lógico-jurídica, concitam, genericamente, a nossa aprovação.

o mesmo não sucede relativamente ao desenvolvimento e conclusão seguintes.

2.2.4

Procedendo, por último, à análise autónoma relativa à problemática da violação do dever de urbanidade e probidade – e, produzindo, na sequência, um juízo de valor de toos os factos conjugados – o Acórdão sob censura expendeu as considerações seguintes (que se transcrevem, em síntese):

‘Resta-nos, para efeito de análise autónoma, a questão da violação do dever de urbanidade e probidade e de proporcionar boas condições de trabalho, que o trabalhador também invocou na sua carta de resolução.

 Em nossa opinião, (…)tem de entender-se que as ordens são dadas através duma cadeia hierárquica, e que a autonomia decisória de cada escalão se refere sempre, por se conter na delegação ou desdobramento escalonado, aos escalões superiores até ao mais alto, isto é, o escalão mais alto é responsável pelas decisões tomadas pelos escalões inferiores.

Quando os responsáveis por recursos humanos dizem a um trabalhador que não precisam dele, que com o ordenado dele pagavam a três e que vai ficar indefinidamente na situação de estagiário, na ocasião de reuniões contemporâneas com uma transferência inelutável, violam o dever de urbanidade e probidade, pois essas afirmações são equivalentes a dizer que o trabalho não presta e que no máximo vale 1/3.

 Estas afirmações (as duas primeiras) são do mesmo passo ofensivas da honra e da dignidade do trabalhador, e susceptíveis de constituírem crime de injúria, nos termos do artigo 181.º, n.º1, do Código Penal.

(…)

Dizer a um empregado com 15 anos de casa que não é preciso, significa abrir-lhe imediatamente a perspectiva sobre todo o leque de derrapagem profissional que se vai seguir, abrir-lhe a suspeita de que cada ordem futura conterá um segundo sentido visando intencionalmente levá-lo a incumprir os deveres laborais.

Dizer-lhe ainda que com o seu ordenado se paga a três trabalhadores significa, para o trabalhador médio, abrir-se fundada suspeita de que, por razões económicas, o seu destino para o desemprego está traçado. E, esta derrapagem e este destino foram além disso, claramente enunciados pelos responsáveis de recursos humanos: ficaria assim (como estagiário e aos saltos de estabelecimento para estabelecimento) indefinidamente, o que vale por dizer que nada que o trabalhador pudesse fazer o salvaria desse caminho para o desemprego.

      

É aqui, a nosso ver, que bate o ponto da decisão dos autos:

Não se pode analisar aspecto a aspecto, mas todos conjugadamente e sob a superior revelação da intenção do empregador, manifestada nas palavras dos responsáveis pelos recursos humanos.

Note-se ainda que se é legítimo ao empregador transferir o trabalhador em caso de encerramento do estabelecimento, já não lhe é legítimo não lhe custear as despesas decorrentes do acréscimo de custos de deslocação (e é um facto notório que passando-se de ... para ... e residindo-se em Custóias, há um acréscimo de custos), e foi dado como provado que o trabalhador não iria receber subsídio de transporte (facto 12).

Por outro lado, a legitimidade da transferência cai também no aspecto em que ela teria de ter sido comunicada ao trabalhador com 30 dias de antecedência, e o que está provado é que o recorrente teve conhecimento do encerramento do estabelecimento – que aliás ocorreu a 28 de Fevereiro – em finais de Fevereiro – e que foi transferido por ordem do início de Abril, mas não está provado que em finais de Fevereiro soubesse que ia ser transferido para ... (factos 9 e 11) – e esses 30 dias são os necessários, legalmente, para o trabalhador concretamente perceber se a transferência lhe causa prejuízo sério e/ou para se adaptar/organizar à nova realidade.

Portanto, quanto à transferência de local de trabalho, a legalidade não foi completamente observada.

Por outro lado, quanto à passagem a estagiário de direcção, a legitimidade que lhe apontámos só existe se ela for temporária, e por um tempo previsível.

 Mas se, na ocasião da transferência em que simultaneamente se opera esta passagem a estagiário, a uma categoria inferior, os responsáveis pelos recursos humanos afirmam ao Autor que assim vai ficar indefinidamente, então a baixa de categoria resolve-se em ilegítima, por não se verificarem os requisitos previstos no artigo 313.º, n.º 1, parte final, do Código do Trabalho.

E, independentemente das afirmações dos responsáveis dos recursos humanos se virem a concretizar ou não, o certo é que vale quanto a elas a teoria da impressão do destinatário, ou seja, a de que qualquer trabalhador médio, na posição do recorrente, teria entendido delas que se iriam mesmo concretizar.

Ora, assim sendo, a perspectiva que o trabalhador teve à sua frente, e que qualquer trabalhador médio teria, foi a de que, após 15 anos de serviço, sendo director de restaurante, ia passar para um estabelecimento mais distante da sua casa, onde teria de trabalhar por folgas rotativas, sem subsídio de transporte, sem retribuição (supõe-se, especial) por trabalho aos fins-de-semana e feriados, a exercer funções de estagiário, e assim ficaria indefinidamente ali, ou na melhor das hipóteses passando a ser transferido de estabelecimento em estabelecimento, com a natural implicação na calma e confiança provenientes da habitualidade e segurança que qualquer trabalhador precisa para desempenhar produtiva e meritoriamente as suas funções)’. 

(…)

E a rematar:

‘Estamos pois em crer que a análise conjugada e particularizada de todos os factos e de todos os institutos jurídicos convocados leva à conclusão de se mostrar objectivamente justificado o juízo de insustentabilidade imediata da relação laboral, por parte do trabalhador.

 Sendo ainda certo que esse juízo procede de factos imputáveis ao empregador (vejam-se os particulares aspectos de ilicitude que apontámos) e que os mesmos são causa exclusiva (nada foi apurado quanto a qualquer contribuição por comportamento do trabalhador) da impossibilidade de manutenção da relação laboral, podemos concluir que ao trabalhador assistiu justa causa para resolver o contrato de trabalho e que a mesma determina para o empregador a obrigação de o indemnizar por antiguidade, do mesmo passo que implica a improcedência do pedido reconvencional.’

                                                           ___

2.2.5

Como se adiantou já, não é este o juízo final que temos por consentâneo.

A leitura da materialidade seleccionada, analisada e conjugadamente sopesada à luz da dimensão normativa do convocado contexto de significação, aponta, com o devido respeito, no sentido oposto ao da solução eleita.

Eis linearmente porquê.

Como judiciosamente se observou, algures na narrativa da fundamentação reportada, há alguma diferença entre o que o A. alegou na carta de resolução…e o que provou.

Assim é realmente.

E, do que se provou, não só não resultam elementos bastantes para sustentar as premissas fundantes do alcançado juízo de síntese, (proposição adiante circunstanciada), como resulta desde logo que, no que tinha a ver com as anunciadas condições da transferência, do estabelecimento definitivamente encerrado para o local de trabalho alternativo (…solução ainda assim de algum modo provisória, pois se previu expressamente a hipótese de o trabalhador/A. poder ser transferido do estabelecimento indicado para outra unidade, das que a Ré explora, caso não se adaptasse ao ‘CC’ – cfr. ponto 14. Da FF[3]), as mesmas não chegaram sequer a concretizar-se – não ocorreram, não se confirmaram  portanto –, uma vez que o A. entrou logo de baixa médica (por motivos de depressão…), decidindo-se pela resolução do contrato uns dias após, formalizada na carta de 12.4.2005, que então fez chegar ao conhecimento da sua empregadora.

Concretizando:

Na carta que contém a indicação dos motivos refere-se concretamente a pretensa violação da previsão constante da alínea f) do n.º 1 do art. 441.º (ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo), preenchida com as expressões proferidas pelos responsáveis dos recursos humanos da R., nas circunstâncias de tempo e lugar  descritas no ponto 7. da FF.

Como se reconhece, as ditas expressões (v.g. ‘com o seu ordenado pagavam a três’; ‘não precisavam mais dele’; ia estagiar 6 meses mas depois ia continuar assim indefinidamente’),  dirigidas ao A. no âmbito de reuniões havidas aquando do encerramento do ‘...’ e da implementação da solução alternativa (finais de Fevereiro/Abril de 2005), não só não contêm contornos de ilicitude penal (não se imputando ao visado factos desonrosos, sequer sob a forma de suspeita, nem lhe dirigindo palavras ofensivas da sua honra ou consideração pessoal, não se afrontou  o bem/valor tutelado pelo art. 181.º/1 do Cód. Penal, a honra), como não podem deixar de ser compreendidas e valoradas no contexto em que foram produzidas.

Em suma:

Não sendo plausíveis, em boa prática, infringirão, de algum modo e/ou medida, admite-se, o recíproco dever de urbanidade e probidade; longe, contudo, de assumirem, no contexto, a densidade ofensiva, humilhante ou vexatória que se lhes conferiu.

 Igualmente não se alcança, nas demais circunstâncias, lidas conjugadamente, o juízo de relevância global conformador da licitude da resolução, enquanto fundada em justa causa.

Diremos – em remate desta análise –  não reconhecer como factores de relevo atendível, no balanço global das ponderáveis já sopesadas, as anunciadas implicações da transferência de local do trabalho (v.g. folgas rotativas, sem subsídio de transporte, sem pagamento de horas extraordinárias, passagem por um período de estágio dos chefes de direcção, legitimidade da ordem de transferência ).

O seu relativizado merecimento flui do antedito e a sua valia não resulta acrescida no exercício de caldeamento global a que se procedeu, e a que nos reportamos.

(Basta relembrar os considerandos acima expendidos acerca da regularidade da transferência dos trabalhadores em caso de encerramento definitivo do estabelecimento onde laboravam; a justificada passagem do A. por um período de estágio, com vista à adaptação a funções específicas, não se falando em modificação substancial da sua posição nem em alteração da retribuição; a colocação/transferência seria, em princípio, definitiva, no sentido de apenas ser devido o acréscimo de despesas resultantes da mudança de residência; a isenção de horário de trabalho de que o A. beneficiava, no que respeita à pretensa relevância do não pagamento do trabalho extraordinário; inexistência de data para início da actividade no novo local de trabalho, etc.).

Na nossa perspectiva, o legítimo interesse em manter a relação  de trabalho, já longa de 15 anos ao serviço do empregador, teria justificado, no caso, o teste do cenário anunciado pelo empregador enquanto solução alternativa.

Em conclusão:

A analisada actuação da empregadora/Ré, necessariamente reportada ao quadro de facto presente – seja no condicionalismo que determinou o encerramento do estabelecimento em que o A. laborava, seja nas concretas circunstâncias que envolveram a obtenção de um novo local de trabalho – não pode qualificar-se como constituindo um comportamento suficientemente culposo e grave, em si e nas suas consequências, causalmente determinante de uma situação de inexigibilidade na manutenção do vínculo por banda do A.

                                                           __

No sentido da solução que se anuncia vai também o proficiente parecer do Exm.º Procurador-Geral Adjunto, para quem, em conclusão, (citamos, de fls. 797)…[o]s motivos invocados pelo autor para a resolução do contrato não se apresentam convincentes (…), razão pela qual não lhe deveria ser reconhecido o direito à indemnização a que alude o art. 443.º do Código do Trabalho/2003…

Anotamos, por fim:

No exercício do direito de resposta, o A. (que não contra-minutou as alegações do recurso…) não veio propriamente refutar os pontos relevantes versados no douto parecer do M.º P.º, antes carreando, além do mais em reedição, uma extensa narrativa de  pressupostas/virtuais circunstâncias de facto que não constam sequer do acervo relevante, oportunamente fixado.

 E desenvolve, a dado passo (ponto sequencial 144./seguintes da peça processual), um conjunto de considerações sob a epígrafe ‘Violação de preceitos e princípios constitucionais que se deixam invocados e alegados para todos os legais efeitos’ (bold e sublinhado no original), nas quais não se identifica concretamente a afronta de uma qualquer disposição do Texto Fundamental, para além, tanto quanto se depreende, da alusão genérica ao princípio da igualdade aquando da abordagem da questão do assédio moral/mobbing,  questão esta prejudicada, como resulta do sentido da solução que se anuncia.

                                                           ___

Aproximando a conclusão:

Como acertadamente se considerou e decidiu na 1.ª Instância, inexistindo motivos suficientemente fortes e justificativos que permitam afirmar que deixara de ser exigível e suportável para o trabalhador a manutenção da relação laboral estabelecida com a Ré, conclui-se que… não assistiu ao demandante justa causa para fazer cessar o contrato, como o fez.

A resolução do contrato pelo trabalhador com invocação de justa causa que não tenha sido provada, confere ao empregador o direito a uma indemnização não inferior ao montante calculado nos termos do art. 448.º, ut art. 446.º.

Por falta do aviso prévio legalmente devido, a R., como justamente lhe foi reconhecido na sentença, tem jus à indemnização oportunamente reclamada em reconvenção.

Tudo revisto e ponderado, não se sufraga o juízo plasmado na deliberação sindicada, devendo prevalecer a decisão da 1.ª Instância.

Acolhem-se, consequentemente, as razões maiores que enformam as proposições conclusivas que remataram a motivação recursória.

Vamos terminar, uma vez resolvido tudo quanto, do essencial, nos cumpria tratar.

                                                           __

                                                         III.

                                                  DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se conceder a Revista e, revogando o Acórdão impugnado, repristina-se a sentença prolatada na 1.ª Instância.

 Custas pelo A., nas Instâncias e neste Supremo Tribunal.

                                                        ***

(Anexa-se sumário).

 Lisboa, 29 de Outubro de 2014

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

 

_______________________
[1]  - Compêndio a que pertencem as disposições legais referidas no texto sem outra menção.
[2] - Cfr. Pedro Furtado Martins, ‘Cessação do Contrato de Trabalho’, 2012, 3.ª Edição, pgs. 533-535).
[3] - FF = Fundamentação de Facto.