Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
303/12.1JACBR.P1-C.P1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: MARGARIDA BLASCO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Estipulam os artigos 437.º, n.os 1 a 3, e 438.º, n.os 1 e 2, do CPP, que o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, que tem como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando, desta forma, o conflito originado por duas decisões a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
II - A lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros (de natureza) substancial ou material.
Entre os pressupostos de natureza formal, contam-se: a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido; a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso; a identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição; o trânsito em julgado de ambas as decisões; a legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis.
Constituem pressupostos de natureza substancial: a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; e, a verificação de identidade de legislação à luz da qual foram proferidas as decisões.
A exigência de oposição de julgados deve considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.
A estes requisitos legais, o STJ de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito.
A oposição de julgados verifica-se quando: os dois acórdãos em conflito do STJ e/ou do tribunal da Relação se refiram à mesma questão de direito; os dois acórdãos em conflito do STJ e/ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação; haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas “; a questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas; as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.
III - Como facilmente se percepciona, no âmbito do acórdão fundamento, a factualidade tida como provada foi subsumida ao tipo legal de crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1-b) e 104.º, n.º 2, do RGIT, enquanto no Acórdão Recorrido, a factualidade dada como provada foi subsumida à prática do tipo legal de crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 9.º, da Lei n.º 50/2007, de 31-08.
Ora, a oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas, e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário.
Entende o recorrente que as decisões finais são conclusões do silogismo judiciário, que resultam de certos fundamentos, de facto e de direito, sendo aqueles fundamentos pressupostos das decisões, fazendo obviamente parte integrante das mesmas, sendo irrelevante a circunstância de os crimes subjacentes à apreciação do acórdão Recorrido e do acórdão Fundamento serem diferentes, uma vez que o princípio em causa aplica-se a quaisquer situações fácticas e crimes, já que aquilo que se disputa é a solução de direito relativamente ao regime daqueles factos indiciários.
IV - Resulta claramente da leitura dos acórdãos ditos em oposição que as situações factuais e o respetivo enquadramento jurídico - situações jurídicas tomadas a título principal - são distintas em cada um dos acórdãos em confronto, não existindo identidade ou similitude substancial dos factos, pelo que se verifica não ocorrer oposição de julgados. Tais distintas situações factuais e processuais ditaram decisões distintas em cada um dos acórdãos em confronto, não ocorrendo identidade de situações de facto. O substrato factual presente num e noutro dos acórdãos apontados como em oposição é diferente, reclamando, naturalmente, um tratamento jurídico próprio. Assim, os acórdãos trazidos pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que cada um deles assentam, por serem distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada um deles. A oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto, o que não se verifica.
V - Ora, os pressupostos objectivos e lógico-racionais de que deriva o percurso analítico e o alcance teleológico de cada um dos acórdãos apontados como em oposição, são distintos.
No acórdão recorrido analisou-se a possibilidade de recurso à denominada “prova indiciária”, estando dito que na decisão de 1.ª instância não foi vislumbrada qualquer indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária. Ou seja: o tribunal de 1.ª Instância elaborou o seu juízo crítico sobre a prova, aceitando juízos de inferência como adjuvante e não determinando por si só a prova de um determinado facto, pelo que se pode afirmar que está dito que nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por “racionalidade da inferência”. E, na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a lógica do acontecer, não se detectando qualquer utilização incorreta da prova indiciária.
Não se encontra no acórdão recorrido a indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária, sendo certo que o próprio recorrente não concretiza qualquer facto que tenha sido considerado como assente fundamentado em prova indiciária sem estar assente o facto indiciário, o que inviabiliza se faça uma apreciação incidindo sobre se determinados factos foram incorretamente dados como assentes com recurso à prova indiciária.
Enquanto no acórdão fundamento se diz que o tribunal deve proceder do modo seguinte: em primeiro lugar, identifica os factos indiciários provados relevantes (já enumerados na matéria de facto), indicando e fazendo o exame crítico da respetiva prova; depois, deve explicitar as razões objetivas porque é que daqueles factos indiciários inferiu a prova do facto probando. Assim se da prova de determinados factos (instrumentais), por inferência, de acordo com as regras da experiência, foi dado como provado determinado facto probando, deve ser claramente explicitado na motivação que foi através dessa prova indiciária — devidamente identificada e criticamente examinada — que aquele facto (probando) resultou provado.
Há, pois, que concluir pela inexistência de oposição de julgados já que não se vislumbra uma divergência na interpretação e aplicação das normas implicadas, mas apenas uma apreciação diferenciada de duas realidades factuais distintas.
VI - Pelo que em conclusão, não se verifica a necessária oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, o que redunda na rejeição do recurso de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.os 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do CPP.
Decisão Texto Integral:



Processo n.º 303/12.1JACBR.P1-C. P1.S1

Recurso Extraordinário Fixação de Jurisprudência

Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. AA, arguido nos autos à margem identificados, notificado do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (TC), datado de 21.10.2020 e não sendo admissível recurso ordinário, vem interpor, em 7.12.2020, recurso extraordinário para fixação de jurisprudência (RFJ), nos termos dos artigos 437.º e seguintes do Código de Processo Penal (CPP), sustentando a oposição entre o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de 28.10.2019, já transitado em julgado - Acórdão Recorrido -, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), de 18.07.2013, processo n.º 1/05.2FLSB.L1-3, transitado em julgado em 10.09.2013 - Acórdão Fundamento.

Para tal alega que a oposição existente e que origina o conflito de jurisprudência prende-se com a obrigatoriedade, por um lado, dos factos indiciários, dos quais é inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, deverem ser enumerados na matéria de facto provada, como o faz o Acórdão Fundamento, não bastando apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto, conforme o Acórdão Recorrido.

Com efeito, o Acórdão Recorrido basta-se com a “exposição sobre as condições da admissibilidade do recurso à prova indiciária (págs. 91-97)”, referindo que o Tribunal a quo “que se socorrerá daquilo a que se refere como “racionalidade da inferência”, observando os seus requisitos, mas sem que se encontre, depois, indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária”.

Para tal, alega o seguinte que se transcreve:

(…) A. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 28/10/2019, encontra-se em oposição com outro Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 18/07/2013, processo n.º 1/05.2FLSB.L1-3, também ele devidamente transitado em julgado.

B. Ambos foram proferidos no domínio da mesma legislação.

C. O Acórdão fundamento encontra-se publicado e disponível para consulta em www.dgsi.pt.

D. O Acórdão da Relação do Porto foi proferido em último lugar e dele já não é admissível recurso ordinário.

E. A oposição existente e que origina o conflito de jurisprudência prende-se com a obrigatoriedade, por um lado, dos factos indiciários, dos quais é inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, deverem ser enumerados na matéria de facto provada (acórdão fundamento), não bastando apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto (acórdão recorrido).

F. O recurso foi tempestivamente apresentado.

G. Estão cumpridos os pressupostos substanciais e formais para interposição de recurso de fixação de jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e 438.º do C.P.P.

H. No acórdão fundamento ficou decidido que: “Os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não basta apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto. O Tribunal primeiro deve identificar e enumerar os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, partir para o exame crítico das provas”.

I. O Acórdão recorrido, por outro lado, entendeu que: “Lendo a motivação da matéria de facto, constata-se que o tribunal a quo faz uma exposição sobre as condições da admissibilidade do recurso à prova indiciária (págs. 91-97), anunciando que se socorrerá daquilo a que se refere como “racionalidade da inferência”, observando os seus requisitos, mas não encontramos depois indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária.

J. E que “(…) nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por “racionalidade da inferência”.

E na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a lógica do acontecer, não se detetando qualquer utilização incorreta da prova indiciária”.

K. Entre ambos os acórdãos, existe clara oposição quanto à obrigatoriedade dos factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, deverem ser enumerados na matéria de facto provada.

L. A falta dos factos indiciários dos quais foi inferida a prova dos factos probandos constitui nulidade do acórdão por falta de fundamentação, nulidade essa que o Tribunal a quo devia ter considerado por verificada.

M. O Acórdão recorrido não conheceu do recurso da matéria de facto por tal ser uma impugnação ampla, amplitude essa que resulta da não enumeração dos factos indiciários, à qual o recorrente é alheio.

N. Este grave falha no acórdão da 1ª instância e no acórdão recorrido contamina todo o processo de justificação constante da motivação, seja ela mais ou menos fundamentada, com mais ou menos sustentação.

O. No acórdão fundamento resulta claro da fundamentação que se transcreve:

 Não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Na verdade, sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar porque é que determinados factos resultaram provados e outros não, não se podem amalgamar realidades diferentes: factos e provas (…) De facto, não é lícito abrigar a prova deste segundo facto na prova dos primeiros, sem mais”.

P. Em ambos os acórdãos as situações de facto e o enquadramento jurídico são idênticos, no caso do acórdão recorrido, no que ao recorrente diz respeito, está-se perante crimes de corrupção activa e no acórdão fundamento perante crimes de fraude fiscal e de branqueamento, que integram crimes onde a supressão da prova é objectivo primordial dos seus agentes na tentativa de dificultar e impedir as investigações, sendo campo fértil para o recurso à prova indiciária.

TERMOS EM QUE,

Deve o presente recurso ser julgado procedente, fixando-se jurisprudência no sentido de que:

“Os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não basta apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto”.

Após ser reenviado o presente processo para o Tribunal da Relação do Porto para prolação de nova decisão em conformidade com a jurisprudência fixada. (…).

2. O recurso foi certificado e admitido – despacho de 8.03.2021 (fls. 75 destes autos).

3. O Magistrado do Ministério Público junto do TRP, respondeu ao presente recurso, no sentido de o mesmo ser rejeitado, por extemporaneidade, e se assim se não entender, por falta do requisito substancial de oposição de julgados, respectivamente nos termos do disposto nos artigos 438.º, n.º 1 e 441, n.º 1, ambos do CPP.

4. Moreirense Futebol Clube, arguido nos presentes veio aderir ao recurso interposto, aceitando integralmente os termos pelos quais foi interposto.

5. BB, arguido nos presentes veio aderir ao recurso interposto, aceitando integralmente os termos pelos quais foi interposto.

6. Os autos foram remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça.

7. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 440.º, do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de não se verificarem quer os requisitos formais, quer os substanciais, pelo que o presente recurso extraordinário deve, em conferência, ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º, n.º 1, ambos do CPP.

8. Foi dado conhecimento deste Parecer ao recorrente, que veio dizer o seguinte (transcrição):

(…). 1. Alega o M.P. que as situações factuais e o enquadramento jurídico entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento são distintos, uma vez que no primeiro se está perante o crime de corrupção activa e no outro perante um crime de fraude fiscal.

2. Invocando para o efeito o acórdão deste douto Tribunal no processo n.º 109/12.8GDARL.E3-A. S1, datado de 06/01/2021.

3. Salvo o devido respeito por opinião contrária, as decisões finais são conclusões do silogismo judiciário, que resultam de certos fundamentos, de facto e de direito.

4. Ora, aqueles fundamentos são pressupostos das decisões, fazendo obviamente parte integrante das mesmas.

5. Pelo que, se no acórdão fundamento ficou especificamente decidido que:

"E da prova de factos que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo objectivo de ilícito que o Tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência, dará ou não como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão. Ora se foi porque se provaram determinados factos indiciários — uma pluralidade — que por inferência resultaram provados os factos probandos integradores do tipo objectivo, é para nós claro que aqueles factos indiciários devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Na verdade, sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar porque é que determinados factos resultaram provados e outros não, não se podem amalgamar realidades diferentes: factos e provas. Parece-nos acertado que o tribunal primeiro identifique, enumere, os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, parta para o exame crítico das provas. Contudo, se os factos indiciários não estão enumerados na matéria de facto e apenas são invocados no discurso argumentativo da motivação há sério risco de perplexidade sobre quais os factos indiciários que verdadeiramente o Tribunal deu como provados, contaminando-se deste modo todo o processo de justificação. "

6.  Por outro lado, no acórdão recorrido, ficou decidido que:

"3) Alega ainda o recorrente /arguido que o Tribunal da Relação foi omisso quanto à questão suscitada em recurso de o Tribunal de 1" instância ter a obrigação de enumerar na matéria de facto provada os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objetivo.

No acórdão proferido foi analisada a possibilidade de recurso à denominada "prova indiciária" (págs. 253 ss), estando dito que na decisão de 1.ª instância não encontramos depois indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária. Ou seja, aquilo que o tribunal a quo fez, foi no juízo crítico sobre a prova aceitar juízos de inferência como adjuvante (não determinando por si só a prova de um determinado facto), podendo afirmar-se que está dito que nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por "racionalidade da inferência ". E na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a qualquer utilização incorreta da prova indiciária.

Está, pois, claro que foi considerado no acórdão proferido que a decisão de 1ª instância contém, no seu todo, a devida justificação da matéria dada como provada, incluindo juízos de inferência.

Não se verifica, pois, omissão de pronúncia ".

7.Entende assim o recorrente que inexistem dúvidas quanto à identidade e similitude das situações jurídicas tomadas, pelo que o mesmo deve ser admitido, sem que se esteja perante qualquer contradição em relação ao acórdão deste STJ, processo n.º 109/12.8GDARL.E3-A. S1, datado de 06/01/2021.

8.Pelo que, deve o recurso prosseguir nos termos do artigo 441. °, n.º 1, 2a parte do C.P.P. (…).

9. Moreirense Futebol Clube, veio responder nos seguintes termos que se transcrevem:

(…) 1. A divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento é inequívoca.

2. Na tese do acórdão recorrido, os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo legal do crime, não têm de constar da matéria de facto dada como provada, podendo ser apenas referidos na motivação da decisão da matéria de facto.

3. Ora, o acórdão fundamento, e bem (salvo melhor opinião), entende que tais factos indiciários devem constar do probatório dado como assente.

4. Como bem se diz no acórdão fundamento, “sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar porque é que determinados factos resultaram provados e outros não, não se podem amalgamar realidades diferentes: factos e prova”.

5. Ademais, o entendimento normativo dado ao art. 374.º, n.º 2, do CPP, bem como ao art. 379.º, n.º 1, al. b), também do CPP, no sentido de que a sentença pode condenar com base em factos indiciários não constantes dos factos dados como provados, é inconstitucional, por violação dos princípios do acusatório e do contraditório, que se encontram consagrados no art. 32.º, n.º 5, da CRP.

6. Não é admissível, à luz desses princípios, que aos factos provados se venham a acrescentar novos factos fora dos casos e condições previstos nos arts. 358.º e 359.º do CPP.

7. A circunstância de os crimes subjacentes à apreciação do acórdão recorrido e do acórdão fundamento serem diferentes é irrelevante, uma vez que o princípio em causa aplica-se a quaisquer situações fácticas e crimes, já que aquilo que se disputa é a solução de direito relativamente ao regime daqueles factos indiciários.

8. Pelo exposto, e salvo melhor opinião, não procede a argumentação do Ministério Público. (…).

10. Cumprido o disposto nos n.ºs 3 e 4, do artigo 440.º, do CPP, foram os autos remetidos para conferência.

II.

11. Estipulam os artigos 437.º, n.ºs 1 a 3, e 438.º, n.º s 1 e 2, do CPP, que o recurso para fixação de jurisprudência é um recurso excepcional, com tramitação especial e autónoma, que tem como objectivo primordial a estabilização e a uniformização da jurisprudência, eliminando, desta forma, o conflito originado por duas decisões a propósito da mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação.
A lei processual faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, da existência de determinados pressupostos, uns de natureza formal e outros (de natureza) substancial ou material.
Entre os pressupostos de natureza formal, contam-se:
i. a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito em julgado do acórdão recorrido;
ii. a invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso;
iii. a identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição;
iv. o trânsito em julgado de ambas as decisões;
v. a legitimidade do recorrente, restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis.
Constituem pressupostos de natureza substancial:
i. a justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência; e,
ii. a verificação de identidade de legislação à luz da qual foram proferidas as decisões.
A exigência de oposição de julgados deve considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.
A estes requisitos legais, o STJ de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. É jurisprudência deste Supremo Tribunal que as soluções opostas relativas à mesma questão de direito exigem que a mesma integre o objecto concreto e directo das duas decisões, naturalmente fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.[1]
E, na doutrina, como nota Germano Marques da Silva[2], a finalidade específica do recurso para uniformização de jurisprudência é “evitar as contradições entre acórdãos dos tribunais superiores, assegurando assim a uniformização da jurisprudência”, realçando Maria João Antunes[3], que o recurso tem a sua “justificação na unidade do direito”. Pretende-se acautelar a previsibilidade e segurança jurídica, sem com isso colidir com a independência dos tribunais, já que, apesar do valor persuasivo do AFJ, poderão continuar a existir no futuro decisões discrepantes, se apresentarem uma argumentação não sopesada na fixação de jurisprudência. Se quisermos, não constitui “jurisprudência obrigatória”, mas, “tendencialmente vinculativa” ou “quase obrigatória”. Uma jurisprudência que deve ser aplicada pelos tribunais, apenas podendo não o fazer, se for fundamentada a divergência (cf. artigo 445.º, n.º 3, do CPP). Divergência essa, como referimos, que deverá aduzir um discurso argumentativo novo, diverso daquele que foi abrangido na discussão que culminou com o acórdão de fixação de jurisprudência.

Em suma, segundo a jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a oposição de julgados verifica-se quando:
1. Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou do Tribunal da Relação se refiram à mesma questão de direito;
2. Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação;
3. Haja entre os dois acórdãos em conflito “soluções opostas “;
4. A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas;
5. As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

12. O caso concreto.
12.1. Entre os pressupostos de natureza formal, e como se disse em sede de exame preliminar, verifica-se que:

i. Da tempestividade do recurso.
O Magistrado do Ministério Público, junto do TRP, na sua resposta, suscitou a questão da rejeição do recurso por entender que o mesmo é extemporâneo. Apreciemos:
O recurso tem de ser interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do Acórdão Recorrido (acórdão proferido em último lugar), conforme impõe o n.º 1, do artigo 438.º, do CPP.
O Acórdão Recorrido foi proferido em 28.10.2019.
Deste acórdão foi apresentada reclamação a qual foi indeferida por acórdão de 10.12.2019.
O arguido veio interpor recurso para o TC.
No TC foi proferido o acórdão de 26.10.2020, o qual transitou em julgado em 5.11.2020, conforme certificado por este tribunal.
Pelo que, o Acórdão Recorrido proferido pelo TRP em 28.10.2019, transitou em julgado em 5.11.2020.
O arguido interpôs o presente RFJ em 7.12.2020.
Destarte, o recurso mostra-se tempestivo.
 ii. Da invocação de acórdão anterior ao recorrido que sirva de fundamento ao recurso. Da identificação do acórdão fundamento, com o qual o recorrido se encontra em oposição.

Na motivação de recurso e nas respectivas conclusões, o recorrente invoca a oposição entre o Acórdão do TRP, proferido nos presentes autos, em 28.10.2019 - Acórdão Recorrido-, e o Acórdão do TRL, de 18.07.2013, processo n.º 1/05.2FLSB.L1-3 - Acórdão Fundamento.
Nos termos do disposto nos artigos 437.º, n.ºs 1, 2 e 4 e 438.º, n.º 2, do CPP, constituem pressupostos formais do recurso extraordinário, que devem necessariamente figurar do requerimento de interposição:
               - A oposição referir-se a acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por um Tribunal da Relação; e,
               - A indicação de um único acórdão fundamento, transitado em julgado.
Razão pela qual, também se mostra preenchido, o presente pressuposto formal.
iii. Da legitimidade do recorrente.

O recurso foi interposto por quem tem legitimidade para tal, nos termos dos artigos 401.º e 437.º, n.º 5, tendo sido fixado o devido efeito (devolutivo), nos termos dos artigos 438.º, n.º 3.
iv. Do trânsito em julgado de ambas as decisões.

Ambos os acórdãos transitaram em julgado, conforme o certificado nos presentes autos, sendo que o Acórdão Fundamento se encontra publicado e disponível para consulta em www.dgsi.pt.

A instrução do recurso satisfaz o exigido nos artigos 438.º e 439.º, do CPP.

Pelo que, nada obsta, deste modo, do ponto de vista formal o seguimento do recurso.

12.2.
Da leitura do recurso e do que resulta do atrás dito quanto à observância dos pressupostos de natureza substancial - a oposição de julgados -, digamos, desde já, que falta o requisito substancial (ou material), como analisaremos em seguida.

Como se disse em supra 11., a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça considera que se verifica oposição de julgados quando:
i. As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;
ii. As decisões em oposição sejam expressas;
iii. As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

Assim, um dos requisitos substanciais é a oposição expressa de julgados relativamente à mesma questão de direito.

Por outro lado, a existência de soluções de direito antagónicas pressupõe a identidade das situações de facto, base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes, sendo incontornável a necessidade de identidade de factos, não se restringindo, pois, à oposição entre as soluções de direito.

Recorde-se que, a questão em causa - a oposição existente e que origina o conflito de jurisprudência -, tal como o recorrente a equaciona, prende-se com a obrigatoriedade, por um lado, dos factos indiciários, dos quais é inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objectivo, deverem ser enumerados na matéria de facto provada, como o faz o Acórdão Fundamento, não bastando apenas identificá-los na motivação da decisão da matéria de facto, como o faz o Acórdão Recorrido. Assim, no entender do recorrente, este último acórdão basta-se com a “exposição sobre as condições da admissibilidade do recurso à prova indiciária (págs. 91-97)”, referindo que o Tribunal a quo “que se socorrerá daquilo a que se refere como “racionalidade da inferência”, observando os seus requisitos, mas sem que se encontre, depois, indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária”.

Por último, alega o recorrente que “em ambos os acórdãos as situações de facto e o enquadramento jurídico são idênticos, no caso do acórdão recorrido, no que ao recorrente diz respeito, está-se perante crimes de corrupção activa e no acórdão fundamento perante crimes de fraude fiscal e de branqueamento, que integram crimes onde a supressão da prova é objectivo primordial dos seus agentes na tentativa de dificultar e impedir as investigações, sendo campo fértil para o recurso à prova indiciária.”.

13. Recordemos:

13.1. No Acórdão Recorrido, decidiu-se pela improcedência do recurso interposto pelo ora recorrente, AA, mantendo-se a decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância.

O ora recorrente foi condenado pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de quatro crimes de corrupção activa, p. e p. pelo artigo 9.º, da Lei n.º 50/2007, de 31.09, na pena de 1 ano e 6 de prisão por cada um deles.

Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de prisão de 3 anos, suspensa na sua execução por igual período, mediante a condição de entregar a quantia de € 2.000,00, no prazo de seis meses, ao Centro Social (...).

Recorde-se que no recurso que apresentou perante o TRP da decisão de 1.ª Instância, o ora recorrente tinha aduzido, entre outras, as seguintes conclusões (transcrição):
(…) P) A sentença recorrida, embora tenha feito a apologia do uso de prova indirecta ao longo da sua fundamentação, não enumerou na matéria de facto provada os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objetivo.
Q) No que diz respeito ao arguido AA, o Tribunal optou por colocar de lado a ciência Jurídica a abraçar um processo de Fé, que culminou na sedimentação de factos provados, exclusivamente motivados por deduções, ilações e presunções.
R) O Tribunal não se coibiu de seccionar, retirar valor e alcance inexistente a provas, que redundaram na invenção de factos provados.
S) A omissão do dever de enumeração na matéria de facto provado dos factos indiciários constitui ainda falta de fundamentação, o que enferma de nulidade a sentença em crise, o que se arguiu para os devidos e legais efeitos.
T) A decisão recorrida é toda ela contraditória, verificando-se essa contradição entre a fundamentação e a decisão que recaiu sobre a matéria de facto dada com provada, quer quanto ao Recorrente (que é o que aqui interessa), quer quanto aos restantes arguidos.
U) A sentença recorrida deu como provado uma coisa e o seu contrário, deu como provados conceitos indeterminados e deu o mesmo núcleo de factos essenciais como provados e não provados. (…).
Quanto a esta questão, fundamentou o Acórdão Recorrido da seguinte forma[4]:
(…) Do recurso à prova indiciária:

Temos como pacífico ser possível em processo penal o recurso à denominada “prova indiciária”, tendo em conformidade o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 521/2018, de 17.10.2018, decidido não julgar inconstitucional o art.º 125º do Código de Processo Penal, na interpretação de que a prova indiciária e a prova por presunções judiciais são admissíveis em direito penal e em direito processual penal.

Tal prova está ligada a factos que, não sendo representações dos factos a provar, permitem, contudo, afirmar, isoladamente ou em conjugação com outros meios de prova, com maior ou menor probabilidade, que os factos a provar existiram ou, ao invés, não existiram.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 06.02.2014, na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz.
A prova indiciária realizar-se-á, para tanto, através de três operações: (i) em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, (ii) num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, (iii) num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento; a prova indiciária parte de um facto certo, conhecido, para por presunção se concluir outro, desconhecido, mas em relação causal com o indiciante.
A lógica tratará de explicar o correto da inferência e será a mesma a outorgar à prova capacidade de convicção.
Assim, os indícios devem ser sujeitos a uma constante verificação que incida não só sobre a sua demonstração como também sobre a capacidade de fundamentar uma lógica dedutiva; devem ser independentes, firmes e concordantes entre si.
Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova direta, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência.
O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, direto, segundo as regras da experiência.
Ou ainda, como se retira do Ac. do STJ de 07.04.2011, a avaliação dos indícios pelo juiz implica uma especial atenção que devem merecer os factos que concorrem em sentido oposto, os contraindícios também eles valorados livremente pois é da sua superação que podem impor-se como tal; o funcionamento do contra indício, ou do indício de teor negativo, tem como pressuposto básico a afirmação de uma regra de experiência que permita, perante um determinado facto, a afirmação de que está empobrecida a presunção de culpabilidade à luz das regras de experiência, concebidas como critérios generalizantes de inferência lógica e que permitem, de acordo com o que é usual ocorrer em casos semelhantes e extrair uma conclusão segura de que também assim deverá ser.
Parte-se do pressuposto de que “em casos semelhantes existe um idêntico comportamento humano” (id quod plerumque accidit), e este relacionamento permite afirmar um facto histórico não com plena certeza, mas, como uma possibilidade mais ou menos ampla. A máxima da experiência é uma regra e, assim, não pertence ao mundo dos factos.
Consequentemente, origina um juízo de probabilidade e não de certeza.
Os indícios, devem ser valorados conjuntamente com as demais provas e não isoladamente, desconexos; hão de ser graves, resistentes às objeções; e ter uma elevada carga de persuasividade, como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade.
Por seu turno, o indício é preciso quando não é suscetível de outras interpretações; o facto indiciante deve estar amplamente provado e, por fim devem ser concordantes, convergindo na direção da mesma conclusão do facto indiciante, assim se convertendo o conhecimento provável, encoberto, em conhecimento límpido e firme à luz do dia.
De referir que os factos psicológicos em que se traduz a intencionalidade/dolo constituem um exemplo frequente de demonstração por prova indireta, não sendo de esperar que sejam provados diretamente pela prova produzida, antes sendo uma conclusão que o tribunal retira a partir da conduta do arguido, na medida em que seja uma consequência ou prolongamento dos factos que se lhe imputam e são demonstrados, isto é, será objeto de prova indireta, com base em inferências sobre factos materiais e objetivos analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, os princípios da culpa, do contraditório, da acusação e da vinculação temática.
Alega o recorrente AA que o acórdão de 1ª instância é nulo por falta de fundamentação, ao usar prova indireta sem enumerar os factos indiciários.
(…)

Todavia, não concretizam os recorrentes qualquer facto que tenha sido considerado como assente fundamentado em prova indiciária sem estar assente o facto indiciário, o que inviabiliza se faça uma apreciação incidindo sobre se determinados factos foram incorretamente dados como assentes com recurso à prova indiciária.

Assim, apenas se pode fazer uma apreciação genérica, no âmbito da qual se diz o seguinte:

Lendo a motivação da matéria de facto, constata-se que o tribunal a quo faz uma exposição sobre as condições da admissibilidade do recurso à prova indiciária (págs. 91-97), anunciando que se socorrerá daquilo a que se refere como “racionalidade da inferência”, observando os seus requisitos, mas não encontramos depois indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária.

Ou seja, aquilo que o tribunal a quo fez, foi no juízo crítico sobre a prova aceitar juízos de inferência como adjuvante (não determinando por si só a prova de um determinado facto), podendo afirmar-se que está dito que nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por “racionalidade da inferência”.

E na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a lógica do acontecer, não se detetando qualquer utilização incorreta da prova indiciária.

Deste modo, aquilo que se impõe é analisar as impugnações dos pontos concretos de facto apresentadas pelos recorrentes, a impugnação em termos amplos, a fim de saber se foi a prova incorretamente valorada, se houve um julgamento incorreto de certos e determinados pontos de facto, que se vai analisar infra. (…).

Deste acórdão de 28.10.2019, arguiu o ora recorrente a sua nulidade, por omissão de pronúncia sobre questões suscitadas no recurso, nomeadamente no que aqui interessa (transcrição):

 (…)

3) o Tribunal da Relação foi omisso quanto à questão suscitada em recurso de o Tribunal de 1.ª instância ter a obrigação de enumerar na matéria de facto provada os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objetivo; (…).

Tal arguição de nulidade foi decidida improcedente, por acórdão do TRP, de 10.12.2019.

Recorde-se a sua fundamentação (transcrição):

(…) 3) Alega ainda o recorrente /arguido que o Tribunal da Relação foi omisso quanto à questão suscitada em recurso de o Tribunal de 1ª instância ter a obrigação de enumerar na matéria de facto provada os factos indiciários, dos quais foi inferida a prova dos factos probandos integradores do tipo objetivo.

No acórdão proferido foi analisada a possibilidade de recurso à denominada “prova indiciária” (págs. 253 ss), estando dito que na decisão de 1.ª instância não encontramos depois indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária. Ou seja, aquilo que o tribunal a quo fez, foi no juízo crítico sobre a prova aceitar juízos de inferência como adjuvante (não determinando por si só a prova de um determinado facto), podendo afirmar-se que está dito que nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por “racionalidade da inferência “.

 E na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a lógica do acontecer, não se detetando qualquer utilização incorreta da prova indiciária.

Está, pois, claro que foi considerado no acórdão proferido que a decisão de 1ª instância contém, no seu todo, a devida justificação da matéria dada como provada, incluindo juízos de inferência.

Não se verifica, pois, omissão de pronúncia. (…).

13.2. Por seu turno, no Acórdão Fundamento foi decidido (transcrição):

(…) Em dar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida no segmento impugnado em que “manda entregar ao arguido JVP a quantia que remanescer ao valor de €678.490,23 e acréscimos legais, valor que corresponde à prestação tributária cujo pagamento foi omitido e que deu origem à condenação de todos os arguidos pela prática do crime de fraude fiscal.»

§ Em julgar providos os recursos dos arguidos AJV; LVD; e RBM e, consequentemente, revoga-se a decisão final impugnada datada de 12SET2012 que se substitui pelo presente Acórdão que decide do seguinte modo:

§ Absolve o arguido AJV da prática entre Julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.;

§ Absolve o arguido AJV da prática entre 06MAR2002 e 11MAR2002 de 1 (um) crime de branqueamento, previsto e punível pelo art. 368.º-A do Código Penal, aplicável ex vi do art. 2.º, n.º 4 do mesmo Corpo de Leis, e art. 2.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 325/95 de 02DEZ., na redação da Lei n.º 10/02 de 11FEV.

§ Considera prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas por este arguido AJV, na sua motivação recursória.

§ Julga improvido o recurso interposto pelos arguidos LVD; e RBM do despacho de fls. 3657-3661 (volume 14.º).

§ Absolve o arguido LVD da prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.

§ Absolve o arguido RBM da prática, entre julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T.

§ Julga totalmente improvido o recurso interposto pelo arguido JVP, e, consequentemente, no seguimento do provimento do recurso interposto pelo Ministério Público acima referido, condena-se o arguido JVP, pela prática, entre Julho de 2000 e 14MAR2003, de 1 (um) crime de fraude fiscal, previsto e punido pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea b) e 104.º, n.º 2 do R.G.I.T, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão. (…).

Enquadrando o Acórdão Fundamento, retira-se do mesmo, o seguinte:

(…) BREVE DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES ACIMA ENUNCIADAS

Os factos dados como provados e imputados ao arguido JVP podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do RGIT]?

Os factos dados como provados e imputados ao arguido AJV, podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]? e, 1 (um) crime de branqueamento de capitais (art. 368.º-A do CP)?

Os factos dados como provados e imputados ao arguido LVD podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]?

Os factos dados como provados e imputados ao arguido RBM podem fundamentar a sua responsabilização como autor de 1 (um) crime de fraude fiscal qualificada [art. 103.º, n.º 1, al. b) e 104.º, n.º 2, do R.G.I.T.]?

Será de afastar a responsabilidade penal dos arguidos; AJV; LVD e RBM por razões atinentes à tipicidade?

E, por vias disso, a instância superior para assegurar a vigência e o respeito pelo imperativo constitucional da legalidade, nullum crimen sine lege (cf. art. 29.º, n.º 1 da CRP)?
No que tange ao crime de fraude fiscal afigura-se-nos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, parecem faltar os pressupostos imprescindíveis à qualificação dos arguidos AJV; LVD e RBM como autor da infração, não podendo nesta sede ignorar-se que se trata de uma infração imputada sob a forma omissiva (“ocultação”), prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 103.º do R.G.I.T..

Assim, desde já adiantamos que, salvo o devido respeito por opinião em contrário, a qualificação dos aludidos arguidos como autores está afastada pela singela razão, mas relevante e decisiva, de que sobre eles não impendia o dever (de declarar), essencial à afirmação da autoria nos crimes de omissão pura como aquele que aqui está em causa.

Por outra banda, salvo o devido respeito por opinião em contrário, parece-nos que não terá agasalho na lei a possibilidade de elevar a conduta dos aludidos arguidos à figura e ao regime da coautoria. Isto tanto da coautoria por omissão como da coautoria por acção. Assim, nesta ordem de ideias sendo de afastar a tipicidade do crime de fraude fiscal na sua forma fundamental, ficará também excluída a possibilidade de imputação do crime na sua forma qualificada.

Por sua vez, com o devido respeito por opinião em contrário, vistas as coisas do lado do tipo subjetivo parece-nos igualmente mostrar-se operante a atipicidade da demonstrada conduta dos aludidos arguidos [AJV; LVD e RBM] no que tange à fraude fiscal.

No que concerne ao branqueamento imputado à pessoa do arguido AJV, a tipicidade parece-nos estar aqui afastada logo pela falta dos três momentos nucleares do tipo objectivo: acção típica, objeto típico e relação típica entre ambos. Por sua vez, não se mostra plasmada em factos concretos e precisos, nem a prova produzida nesta sede relativamente ao tipo legal de crime precedente parece agasalhar a demonstração cabal de factos inteligíveis, idóneos e relevantes a alcançar tal desiderato. Com tal fundamento não se nos afigura existir no caso sub judice insuprível relação típica que tem de mediar entre o crime prevalecente e o branqueamento, traduzido na prioridade cronológica e etiológica do primeiro sobre o segundo. (…).

Prossegue o Acórdão Fundamento elaborando considerações sobre a PRIMEIRA CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE BRANQUEAMENTO, prosseguindo pela análise da PROVA DO CRIME PRECEDENTE, fundamentando o seu entendimento no seguinte (transcrição):

(…) Discute-se na doutrina e na jurisprudência a prova do crime precedente, em posições que podem ser escalonadas em ordem de maiores para menores exigências.

Podemos apontar quatro correntes, quanto à prova do crime precedente:

a) É necessária sentença transitada em julgado em processo anterior. Esta posição é recusada maioritariamente, e de facto significa fazer exigências que nenhuma convenção internacional ou lei nacional levou a efeito.

b) Exige-se prova direta. Ainda que não se busque a condenação prévia pelo crime precedente, é mister que seja provado este de forma direta, pelo que são insuficientes os indícios.

c) Basta a prova indiciária para iniciar a ação penal; entretanto, será necessária prova direta para uma sentença condenatória;

d) Basta a prova indiciária para a condenação.

Há que reconhecer que os métodos tradicionais de investigação e o Direito Penal clássico não oferecem respostas adequadas à criminalidade organizada, a crimes de fraude fiscal e de branqueamento que deitam cada vez mais as suas raízes em jurisdições internacionais.

Como se sabe, os factos internos, v.g. relativos à intenção criminosa, na normalidade das situações, não resultam provados através de prova direta, mas de prova indiciária.

É da prova de factos materiais e objetivos (factos indiciários) que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo de ilícito que o Tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência comum, dará ou não como provados os factos integradores do tipo subjetivo de ilícito. Afigura-se-nos que para além dos factos essenciais, também os factos circunstanciais ou instrumentais relevantes para a prova dos factos probandos devem ser objeto de pronúncia por parte do Tribunal. Assim, se v.g. o Tribunal dá como provados os factos probandos integradores do tipo subjetivo recorrendo à prova indiciária parece claro que devem ser dados como provados os factos indiciários dos quais resultou, por inferência, a prova daqueles factos. Do mesmo modo relativamente a factos indiciários para a prova dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito. Como se sabe, p. ex. em matéria de criminalidade económica na normalidade das situações, a prova dos factos integradores do tipo objectivo de ilícito não é feita de modo direto. Na verdade, é sabido que uma das características da criminalidade organizada é uma “cultura de supressão da prova” que dificulta de forma extrema a investigação e posterior prova em julgamento, o que conduziu ao fracasso dos instrumentos clássicos do sistema penal na luta contra tal tipo de criminalidade.

É da prova de factos que não fazendo parte dos concretos factos integradores do tipo objectivo de ilícito que o Tribunal, por inferência, no respeito das regras da lógica e da experiência, dará ou não como provados os factos integradores do tipo objectivo de ilícito em questão. Ora se foi porque se provaram determinados factos indiciários - uma pluralidade - que por inferência resultaram provados os factos probandos integradores do tipo objectivo, é para nós claro que aqueles factos indiciários devem ser enumerados na matéria de facto provada. Não nos parece procedimento legal e salvo o devido respeito por opinião contrária, apenas identificar os factos indiciários, que se têm como provados, na motivação da decisão da matéria de facto. Na verdade, sendo a motivação um discurso argumentativo no sentido de justificar porque é que determinados factos resultaram provados e outros não, não se podem amalgamar realidades diferentes: factos e provas. Parece-nos acertado que o tribunal primeiro identifique, enumere, os factos que deu como provados e depois, com aquela matéria claramente autonomizada, parta para o exame crítico das provas. Contudo, se os factos indiciários não estão enumerados na matéria de facto e apenas são invocados no discurso argumentativo da motivação há sério risco de perplexidade sobre quais os factos indiciários que verdadeiramente o Tribunal deu como provados, contaminando-se deste modo todo o processo de justificação.

Como se sabe, pressuposto do juízo inferencial é que os factos, indícios estejam provados. De facto, não se constrói nenhum processo dedutivo sobre a incerteza dos factos de que se parte. A motivação deve abranger quer a prova direta quer a prova indiciária. A motivação é mais necessária na prova indiciária do que na prova direta, uma vez que naquela não há uma ligação imediata ao facto. Na verdade, se o facto não resulta de prova direta, o Tribunal, num exercício democrático do poder jurisdicional, está mais obrigado a esclarecer as razões da decisão. Assim o Tribunal está obrigado a expor de forma clara as razões objetivas pelas quais da prova de determinados factos indiciários inferiu a prova do determinado facto probando apelando para as regras da experiência.

Com efeito, a análise destas razões permitirá ao destinatário concluir se se tratou de uma inferência de acordo com as regras da lógica, da razão, da experiência, dos conhecimentos científicos ou técnicos ou, se pelo contrário, se se tratou de uma inferência ilógica, com vícios de raciocínio, resultante de mero preconceito e no desrespeito das regras da experiência. Assim o Tribunal deve proceder do modo seguinte: em primeiro lugar, identifica os factos indiciários provados relevantes (já enumerados na matéria de facto), indicando e fazendo o exame crítico da respetiva prova; depois, deve explicitar as razões objetivas porque é que daqueles factos indiciários inferiu a prova do facto probando. Assim se da prova de determinados factos (instrumentais), por inferência, de acordo com as regras da experiência, foi dado como provado determinado facto probando, deve ser claramente explicitado na motivação que foi através dessa prova indiciária — devidamente identificada e criticamente examinada — que aquele facto (probando) resultou provado. De facto, não é lícito abrigar a prova deste segundo facto na prova dos primeiros, sem mais. (…).

14. Apreciemos.

Elaborada a síntese que entendemos necessária para o julgamento deste RFJ, cumpre realçar o seguinte:

Como facilmente se percepciona, no âmbito do Acórdão Fundamento, a factualidade tida como provada foi subsumida ao tipo legal de crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1-b) e 104.º, n.º 2 do RGIT, enquanto no Acórdão Recorrido, a factualidade dada como provada foi subsumida à prática do tipo legal de crime de corrupção ativa, p. e p. pelo artigo 9.º da Lei n.º 50/2007, de 31.08.

Ora, como se disse supra 11., a oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas, e não apenas contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário.

Entende o recorrente que as decisões finais são conclusões do silogismo judiciário, que resultam de certos fundamentos, de facto e de direito, sendo aqueles fundamentos pressupostos das decisões, fazendo obviamente parte integrante das mesmas, sendo irrelevante a circunstância de os crimes subjacentes à apreciação do Acórdão Recorrido e do Acórdão Fundamento serem diferentes, uma vez que o princípio em causa aplica-se a quaisquer situações fácticas e crimes, já que aquilo que se disputa é a solução de direito relativamente ao regime daqueles factos indiciários.

Ora,

Resulta claramente da leitura dos acórdãos ditos em oposição que as situações factuais e o respetivo enquadramento jurídico - situações jurídicas tomadas a título principal - são distintas em cada um dos acórdãos em confronto, não existindo identidade ou similitude substancial dos factos, pelo que se verifica não ocorrer oposição de julgados.

Tais distintas situações factuais e processuais ditaram decisões distintas em cada um dos acórdãos em confronto, não ocorrendo identidade de situações de facto.

O substrato factual presente num e noutro dos acórdãos apontados como em oposição é diferente, reclamando, naturalmente, um tratamento jurídico próprio.

Assim, os acórdãos trazidos pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que cada um deles assentam, por serem distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada um deles.

Reafirmando o que se referiu supra 11., a oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, e pressupõe igualmente uma identidade essencial da situação de facto de ambos os acórdãos em confronto.

Ora, e repete-se:

O requisito de oposição de acórdãos, para efeito de divergência normativa positiva tendente a uma pronúncia uniformizadora de jurisprudência, comporta, indubitavelmente, a necessidade de o quadro factual de que se faz emergir, ou em que se fundeia a subsunção jurídico-normativa, ser idêntico, ou seja, que possua a mesma, e, ou similar, configuração fáctico-realística.

Com efeito, o quadro factual em que se enquadra e donde procederá a questão jurídico-normativa que servirá para delimitar e definir a questão fulcral da contradição de jurisprudência, tem de se prefigurar com contornos lógico-perceptivos e compreensivos idênticos. Por outras palavras, a questão de direito tem de derivar de um idêntico quadro lógico-factual.

À identidade lógico-factual não pode deixar de corresponder uma teleologia de sentido funcional-processual, ou seja, uma inferência de alcance e dimensão compreensivas que se contêm no momento em que se coloca em apreciação a questão jurídico-normativa que se aprecia e se decide. Ou seja, a oposição de decisões para que possa vir a ser processualmente apta a validar e preencher o requisito exigido pela norma adrede tem de se inserir e integrar num quadro teleológico similar e idêntico para ambas as decisões. Vale, assim, por dizer que o pressuposto discursivo e lógico-funcional em que as decisões, tomadas como em oposição, assentam no mesmo fim correlativo de análise e sentido teleológico.

Ora, os pressupostos objectivos e lógico-racionais de que deriva o percurso analítico e o alcance teleológico de cada um dos acórdãos apontados como em oposição, são distintos.

Vejamos ainda que:

No Acórdão Recorrido analisou-se a possibilidade de recurso à denominada “prova indiciária” (págs. 253 ss), estando dito que na decisão de 1.ª instância não foi vislumbrada qualquer indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária. Ou seja: o tribunal de 1.ª Instância elaborou o seu juízo crítico sobre a prova, aceitando juízos de inferência como adjuvante e não determinando por si só a prova de um determinado facto, pelo que se pode afirmar que está dito que nem todas as afirmações constantes dos factos assentes terão correspondência direta (ipsis verbis) na prova produzida, mas têm apoio nela seguramente por análise crítica, nem que seja por “racionalidade da inferência “. E, na leitura da motivação da matéria de facto encontramos uma análise que relaciona toda a prova produzida, retirando conclusões coerentes, seguindo a lógica do acontecer, não se detectando qualquer utilização incorreta da prova indiciária.

Em síntese: não se encontra no Acórdão Recorrido a indicação de que certo e determinado facto tenha sido dado como provado apenas por via de prova indiciária, sendo certo que o próprio recorrente não concretiza qualquer facto que tenha sido considerado como assente fundamentado em prova indiciária sem estar assente o facto indiciário, o que inviabiliza se faça uma apreciação incidindo sobre se determinados factos foram incorretamente dados como assentes com recurso à prova indiciária.

Enquanto no Acórdão Fundamento se diz e recorda-se: (…) Assim o Tribunal deve proceder do modo seguinte: em primeiro lugar, identifica os factos indiciários provados relevantes (já enumerados na matéria de facto), indicando e fazendo o exame crítico da respetiva prova; depois, deve explicitar as razões objetivas porque é que daqueles factos indiciários inferiu a prova do facto probando. Assim se da prova de determinados factos (instrumentais), por inferência, de acordo com as regras da experiência, foi dado como provado determinado facto probando, deve ser claramente explicitado na motivação que foi através dessa prova indiciária — devidamente identificada e criticamente examinada — que aquele facto (probando) resultou provado.

Há, pois, que concluir pela inexistência de oposição de julgados já que não se vislumbra uma divergência na interpretação e aplicação das normas implicadas, mas apenas uma apreciação diferenciada de duas realidades factuais distintas.
15. Em conclusão: não se pode concluir pela verificação da necessária oposição de julgados entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento, o que redunda na rejeição do recurso de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 441.º, n.º 1 do CPP.
Verifica-se, deste modo, que falecem os requisitos substanciais do recurso extraordinário.
16. Nesta conformidade, não se verificando a existência dos respectivos requisitos indicados no artigo 437.º, do CPP, o presente recurso extraordinário vai rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440. º, n.ºs 3 e 4 e 441. °, n. º 1, ambos do CPP.
17.O decaimento total no recurso impõe a condenação do demandante em custas, nos termos e com os critérios fixados no artigo 521.º, do CPP, e no artigo 8.º e tabela III, estes do Regulamento das Custas Processuais.

III.

18. Pelo exposto,
a) rejeita-se o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência interposto pelo arguido AA;
b) condena-se o arguido nas custas com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta (UC).

27 de Outubro de 2021

Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP.

Margarida Blasco (Relatora)

Eduardo Loureiro (Adjunto)

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[1] Proc. n.º 1986/10.2TXCBR-M. P1-C. S1 - 3.ª Secção, de 27.02.2019; Proc. n.º 251/18.1T8VIS.C1-A. S1 - 3.ª Secção, de 13.02.2019; Proc. n.º 137/16.4YUSTR.L1-A. S1 – 5.ª Secção, de 28.09.2017; Proc. n.º 170/05.1PQLSB.L1-A. S1 - 5.ª Secção, de 23.02.2012.
[2] Direito Processual Penal Português, Do Procedimento (Marcha do Processo), Universidade Católica Editora, vol. 3, 2015, Lisboa, p. 361.
[3] Direito Processual Penal, Almedina, 2016, p. 214.
[4] Dispensamo-nos de referir as notas de rodapé inseridas no Acórdão Recorrido.