Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3443/17.7T8LSB.L1.S2
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
PRESUNÇÃO DE CULPA
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO ULTERIOR DE DANOS
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 07/04/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - Provado que o ex-marido da autora só aceitou a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo banco réu que se tratava de um produto “seguro”, com capital garantido a 100%, está demonstrado o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano nos termos do AUJ n.º 8/2022.

II - A avaliação do dano patrimonial deve ser aferida pelo princípio da compensação ou da equivalência entre o dano e a indemnização, que tem como corolários os sub-princípios de que a indemnização não deve ser inferior ao dano e de que não deve ser-lhe superior (princípio da proibição do enriquecimento do lesado).

III - A medida da indemnização devida à autora, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, deve ser encontrada pela soma da quantia investida (€ 50 000,00) com o valor dos juros que esta teria propiciado enquanto depósito a prazo, de acordo com a taxa inédia destes depósitos no período entre abril de 2006 e abril de 2016 (data do vencimento da obrigação), deduzido o montante dos juros remuneratórios recebidos pela autora até abril de 2015.

IV - À quantia assim determinada, a calcular em sede de ulterior liquidação, acrescem juros de mora, à taxa legal civil, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA intentou a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra BANCO BIC PORTUGUÊS, S.A. pedindo seja a Ré “condenada a restituir e a pagar à Autora a quantia de € 56.166,30, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre a quantia de € 50.000,00, desde a citação e até integral e efetivo pagamento”.

Alegou, para tanto, e em síntese, que ela e o seu ex-marido foram vítimas de uma “burla”, em termos de terem sido prestadas informações erradas relativamente às características do produto financeiro subscrito, de tal forma que se o seu ex-marido só aceitou a subscrição porque lhe foi “afiançado pelo Banco réu que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo”.

Citada para, querendo, contestar, a Ré fê-lo, em tempo, nos termos constantes de fls. 215-228, invocando a ineptidão da P.I., a prescrição e a caducidade, e concluindo pela sua absolvição do pedido.

Notificada para o efeito, a Autora respondeu à matéria de exceção, nos termos de fls. 247-251, pugnando pela improcedência das exceções invocadas.

2. Foi realizada audiência prévia, proferido despacho saneador, onde se julgou improcedente a exceção de ineptidão e se relegou para final o conhecimento das exceções de prescrição e caducidade, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova – cfr. fls. 258-261.

Procedeu-se a julgamento, com observância do formalismo legal.

3. Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo a presente ação improcedente e, consequentemente, absolvo a Ré do pedido.

Custas pela Autora»

4. Inconformada, apelou a autora para o Tribunal da Relação que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância.

5. AA, autora nos presentes autos, em que é Réu o Banco BIC, SA, não se conformando com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que confirmou a sentença do tribunal de 1.ª instância que julgou a ação improcedente, veio dele interpor recurso de revista excecional, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c), do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C., por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, alegando também que o acórdão recorrido contraria a jurisprudência constante e quase uniforme do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, tendo o recurso sido admitido pela Formação prevista no artigo 671.º, n.º 3, do CPC.

6. Na sua alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:

«A . A prolação do douto acórdão recorrido vai contra a jurisprudência constante e quase uniforme do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, bem como deste Colendo Tribunal.

B. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa prolatou, entre muitos outros, em sentido completamente oposto ao agora professado, em causas da mesma natureza e basicamente com os mesmos intervenientes (de um lado, lesados pela venda de obrigações da SLN aos balcões do BPN e do outro o ora réu e recorrido, o Banco BIC), um grande conjunto de acórdãos, entre os quais, o aqui escolhido como acórdão fundamento.

C. Em todos os acórdãos suprarreferidos se discute a mesma questão fundamental de direito: aquilatar da existência do nexo de causalidade entre a conduta do Banco e o prejuízo sofrido pela autora, ora recorrente.

D. O entendimento professado no douto acórdão agora recorrido colide frontalmente com aquele professado naquele outro acórdão de 19/04/2018.

E. Existe uma identidade total entre as causas: obrigações SLN 2006, vendidas, em ambos os casos, no balcão do BPN, de ....

F . A representação, razoavelmente feita pelo ex-marido da autora, de que o produto financeiro era seguro, com risco igual ao do Banco réu, e que poderia ser resgatado a qualquer altura, resultou de falsa informação prestada pelo Banco réu, que violou o dever de informação leal e verdadeira, não correspondendo aos ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, assinalados no n.º 1 do artigo 304.º do C.V.M.

G. No caso dos autos, foi omitida relevante informação que os factos demonstraram ser crucial: o produto não era seguro, nem o Banco réu, ante a insolvência da SLN, reembolsou a autora, que perdeu o valor investido, o que exprime o prejuízo sofrido de €50.000,00.

H. Quanto à verificação do nexo de causalidade, que no caso sub judice se considerou não existir, incorreu o douto acórdão recorrido em manifesta e ostensiva contradição com o entendimento professado no acórdão fundamento.

149. A págs. 65 e 66 do acórdão fundamento, considerou-se “que, se por um lado a responsabilidade do intermediário financeiro e a que alude o artigo 314.º do CVM é uma responsabilidade contratual, por outro e porque é fonte de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os Banco, nos termos do artigo 75.º, n.º 1 do RGIFSC, a responsabilidade civil aproxima-se da delitual, logo, e em última análise, a responsabilidade em apreço situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, aplicando-se em todo o caso o regime do art.º 799.º do Código Civil.

Presumindo-se a culpa nos termos do art.º 799.º do CC, e também por força do disposto no art.º 314.º, n.º 2 do CVM, e porque a norma do CC referida contem uma dupla presunção de ilicitude e de culpa, então, e quando na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente (caso em que a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade»)a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado, apenas logrando este último obstar à sua responsabilização se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa”.

I. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

J. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a contraparte.

K. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou Banco, que age nessa veste, presunção de culpa, nos termos do art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do art. 304.º-A do C.V.M. quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação”.

L. Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente, a falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade. Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado.

M. Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro se, no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir, em nome desse relacionamento contratual, também o reembolso do capital investido.

N. Tendo o Banco réu violado o dever de prestar ao ex-marido da autora, na vigência do casamento entre ambos, a informação completa, leal e diligente – que os seus deveres profissionais impunham – é ele responsável pela obrigação de indemnizar o prejuízo causado; não só o réu não ilidiu a presunção de culpa que sobre si impendia, como ficou plenamente demonstrada nos autos a sua culpa efetiva.

O. Existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido que, afinal, não foi garantido pelo Banco, bem como o nexo de causalidade entre a atuação culposa e inadimplente do Banco réu, estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C..

P. A decisão agora posta em crise, para além de consubstanciar uma flagrante injustiça, procede a uma autêntica lavagem, se não mesmo derrogação, do regime da responsabilidade do intermediário financeiro.

Q. Perante a incontroversa omissão de um dever informativo, cabe ao Banco algum esforço probatório demonstrativo da irrelevância de tal omissão na produção dos danos sofridos pelo credor. De outro modo, alimentar-se-ia uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para terceiros a ele alheios; à margem de qualquer vontade livre e esclarecida, situação que o legislador de todo não visou.

R. O legislador não visou a instalação da indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

S. Na prática, a decisão recorrida alimenta uma lógica perversa de transferência do risco do negócio do próprio Banco para os clientes, investidores não qualificados, e instala a indiferença perante a observância ou a inobservância dos deveres contratuais do Banco.

T. O ónus probatório deve ser distribuído, não por causa da função que os factos desempenham no processo, mas antes em função do conceito de prova mais fácil, atribuindo-o, especificamente, à parte que está casuisticamente em posição mais favorável de o demonstrar.

U. Este entendimento faz todo o sentido, uma vez que só deste modo, se estimula a efetiva produção de prova e a procura da verdade material, onerando a parte com maior facilidade probatória, bem como se promove a igualdade material entre as partes, dando a ambas maior igualdade na possibilidade de fazerem valer a posição em juízo.

V. De facto, a parte com maior facilidade probatória pode sempre demonstrar a versão do facto que lhe aproveita e a parte contrária, apesar de ter menor facilidade em provar, pode sempre beneficiar de uma decisão de ónus da prova, caso a outra parte não consiga realizar a prova.

W. No plano de direito substantivo, só desta forma será possível repor a equivalência subjetiva entre a prestação e a contraprestação contratualmente fixada pelas partes.

X. Por sua vez, no plano do direito adjetivo, só deste modo será possível garantir a prossecução do princípio da efetividade, do dever de verdade processual e da justa composição do litígio em prazo razoável, enquanto corolários do princípio da celeridade e da economia processuais.

Y. Cabe ao investidor lesado em virtude do incumprimento de um dever de informação por parte do intermediário financeiro, demonstrar a existência desse dever, enquanto sobre o intermediário financeiro recai o ónus da prova de que cumpriu cabalmente o dever de informar, de acordo com os padrões enunciados nos artigos 7.º e 312.º do CVM.

Z. Tanto o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, como o tribunal de 1.º instância violaram as regras da apreciação de prova.

AA. O douto acórdão recorrido, contornando ostensivamente factos notórios vem passar uma esponja e branquear todo um conjunto de crimes perpetrados por BB e companhia.

BB. A informação prestada pelo Banco/réu, reportada à data em que foi prestada, no que respeita à venda das obrigações da SLN, não era completa, verdadeira, clara nem objetiva, em virtude de já em 2006 a situação do grupo SLN/BPN se encontrar em rutura financeira e os elementos económico-financeiros que apresentavam e serviram de base para a subscrição da emissão de obrigações da SLN eram falsos, estarem viciados e não traduzirem a verdadeira situação económico-financeira do grupo SLN/BPN.

CC. O impacto da realidade informal, a sua inclusão nas contas da SLN, implicavam capitais próprios negativos, ou seja, o grupo estava tecnicamente falido na data em que foram emitidas as obrigações dos autos.

DD. As condenações nos processos n.º 121/08.1... e n.º 4.910/08.9... demonstram cabalmente que afinal não foi a crise financeira do SUB PRIME que esteve na origem na rutura e no buraco financeiro do grupo SLN/BPN, pelo que não é pelo facto de a autora, ora recorrente, ter adquirido a obrigação dos autos ao seu ex-marido, em data posterior à nacionalização do BPN, num contexto de crise do sub prime, que se pode afastar a existência do nexo de causalidade entre o dano sofrido pela autora e a conduta ilícita do Banco réu

EE. A obrigação dos autos adveio á titularidade da autora, não por cedência, mas antes por partilha subsequente a divórcio, como o demonstra o documento 1 da petição inicial.

FF. Tanto o acórdão recorrido como o suprarreferido acórdão se debruçam sobre a mesma questão fundamental de direito: a de saber se se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada.

GG. Os Venerandos Desembargadores que prolataram o acórdão agora posto em crise responderam de modo negativo, enquanto outros deste mesmo Venerando Tribunal responderam de modo positivo.

HH. A apreciação da aludida questão é absolutamente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, nesta altura, a orientação dos nossos tribunais superiores não está sedimentada, não proporcionando ainda aos utentes da Justiça aquele grau de segurança que a aplicação do direito demanda.

II. Dever-se-á presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação dos deveres (acessórios) de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros na data acordada.

JJ. Num caso como o dos autos (em que temos de um lado um Banco que exerce a intermediação financeira com profissionalidade e, do outro, clientes, investidores não qualificados), as partes, atentos os interesses em jogo e a respetiva condição, não podem ser colocadas em igualdade de posições, no que tange ao esforço probatório de cada uma.

KK. O douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 9.º, n.º 2; 342.º, n.º 1; 344.º, 483.º, n.º 1; 563.º e 799.º do Código Civil e nos artigos 304.º-A; 306.º, 309.º, 310.º, 312.º e 314.º, n.º 1 do CVM.

Nestes termos, deverão V. Exas julgar procedente o presente recurso e, em consequência, verificada a ostensiva oposição de julgados, revogar o douto acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, condenando o recorrido no pedido, fixe jurisprudência, no sentido de estabelecer que se deverá presumir a existência de nexo de causalidade entre a ilicitude figurada pela inobservância dos deveres contratuais, nomeadamente, pela violação do dever de informação por parte do Banco e o dano sofrido pelo cliente pela falta de reembolso do capital e dos juros, com o que farão, como é timbre deste Colendo Tribunal, como sempre, inteira JUSTIÇA!

7. O Banco BIC, notificado das alegações de recurso da autora, apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção do decidido, juntando para o efeito dois pareceres jurídicos.

8. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso a questão a decidir é a do nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano enquanto pressuposto da responsabilidade civil do Banco pela sua atuação como intermediário financeiro.

9. Em 13.11.2019, proferiu o Relator originário, que se veio a jubilar, despacho a declarar a suspensão da instância até que fossem decididos, por acórdão transitado em julgado, os recursos para uniformização de jurisprudência pendentes neste Supremo Tribunal, incidentes sobre as mesmas questões de direito aqui suscitadas e que se revestem de prejudicialidade relativamente à presente ação.

10. Distribuído o processo à agora Relatora, proferiu esta despacho em 19-01-2021, mantendo a suspensão da instância.

11. Tendo sido proferida ulteriormente decisão no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e tirado o respetivo Acórdão Uniformizador (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, p. 10 e ss), foi declarada a cessação da suspensão da instância.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

Os factos dados como provados pelo tribunal de 1.ª instância, com as modificações introduzidas pelo Tribunal da Relação, foram os seguintes:

1. A Autora foi casada com CC, de quem se divorciou em janeiro de 2013.

2. A Autora é (assim como o seu ex-marido era), na terminologia legal adotada pelo C.V.M., perante o Banco Réu, uma “investidora não qualificada”.

3. Em abril de 2006, a Autora e o seu ex-marido eram clientes do Banco Réu, através do balcão de ..., onde eram titulares de um depósito à ordem de montante superior a € 50.000,00.

4. Em 13 de abril de 2006, o ex-marido da Autora subscreveu uma obrigação “SLN 2006”, no valor nominal de € 50.000,00.

5. Com data-valor de 08/05/2006, foi retirado, da conta à ordem da Autora e do seu ex-marido, no Banco réu, o valor de € 50.000,00, para a aquisição de uma obrigação “SLN 2006”.

6. O ex-marido da autora só aceitou a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco Réu que se tratava de um produto “seguro”, com capital garantido a 100%.

7. Entretanto, em janeiro de 2013, a Autora divorciou-se e o seu ex-marido, declarou, em 19/06/2013, ceder-lhe a sua posição sobre as obrigações SLN 2006.

8. Por sua vez, a Autora declarou, na mesma data, que assumia a posição do seu ex-marido sobre as ditas obrigações.

9. A “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” não pagou as obrigações “SLN 2006” na data do seu vencimento, em 8 de maio de 2016, nem posteriormente, até ao presente.

10. Ainda assim, pagou os juros referentes às obrigações “SLN 2006” até abril de 2015.

11. Entretanto, a “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, hoje denominada “Galilei, SGPS, S.A.” apresentou, no Tribunal da Comarca ..., um Processo Especial de Revitalização, o qual correu seus termos pela 1.ª Secção de Comércio - J..., com o número 22922/15.4..., o qual terminou sem aprovação do Plano de Recuperação.

12. A “Galilei, SGPS, S.A.” foi, entretanto, declarada insolvente por sentença, de 29/06/2016, proferida pelo Tribunal da Comarca ..., 1.ª Secção de Comércio - J..., no âmbito do processo número 23449/15.0..., sem que tivesse sido paga a obrigação dos autos.

13. A Autora e o seu ex-marido recebiam os extratos mensais, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam expressamente discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza: “depósitos a prazo” e “carteira de títulos”.

14. As Obrigações “SLN 2006” foram emitidas pela “SLN, SGPS, S.A.”, Sociedade que era titular de 100% do capital social do Banco Réu.

15. Participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada.

16. A proposta de aquisição das Obrigações “SLN 2006” era feita com menção de “garantia de capital” e de “segurança”, pelo facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco.

17. O ex-marido da Autora foi contactado por funcionário bancário da Ré para oferta da possibilidade de adquirir o produto aqui em causa, como se tratando de subscrição de obrigações da sociedade “mãe” do Banco, pelo que se tratava de um produto “seguro”, com um nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo.

18. O funcionário bancário apresentou a remuneração do produto como vantajosa, relativamente aos depósitos a prazo, o seu prazo, de 10 anos, e as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso.

19. O que, à data, era fácil e rápido, porquanto a procura superava a oferta.

20. A Autora e o seu ex-marido, são há cerca de 15 anos, clientes do Banco réu, através do Balcão de ....

Com interesse para a boa decisão da causa, não resultou provado que:

a) em maio de 2006, foi dada instrução aos funcionários do Banco, nomeadamente aos gerentes e aos gestores de conta, para venderem o produto como um “sucedâneo de um mero depósito a prazo” e que, como tal, pudesse ser movimentado sempre que o respetivo titular assim o desejasse;

b) foram dadas instruções aos funcionários do Banco para não entregarem aos clientes, potenciais ou efetivos subscritores das obrigações, a “nota informativa”;

c) foram dadas ordens aos operacionais do Banco para não mostrarem tal “nota informativa” aos clientes;

d) a Autora e o seu ex-marido insistiram para que lhes fosse entregue a “nota informativa”;

e) o ex-marido da autora limitou-se a assinar o boletim de subscrição, julgando que se tratava de uma “variante de um depósito a prazo”, só que mais bem remunerado;

f) o ex-marido da autora só aceitou a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco Réu que o retorno da quantia subscrita era garantido pelo próprio Banco, uma vez que se tratava de um sucedâneo melhor remunerado de um depósito a prazo, com semelhantes características;

g) e porque lhe foi afiançado pelo Banco Réu que se tratava de um produto sem qualquer risco e que não obstante tratar-se de uma obrigação a dez anos, poderia, querendo, resgata-la a qualquer altura, com o que apenas sofreria, como sucede nos depósitos a prazo, uma penalização nos juros;

h) ao subscrever o produto, nunca passou pela cabeça do ex-marido da autora de que o “empréstimo” só poderia ser reembolsado a partir de 8 de maio de 2016;

i) nunca o ex-marido da autora teria aceitado subscrever 1 obrigação “SLN 2006”, se lhe tivessem sido bem explicadas as características do produto que lhe estava a ser vendido e, sobretudo, se lhe tivessem sido mostrados os documentos relativos ao “REEMBOLSO ANTECIPADO”; “LIQUIDEZ” e “SUBORDINAÇÃO”, bem como a ausência de garantia do Banco à subscrição, estando em causa uma diferença de menos de 2% na taxa de juro nominal;

j) após a nacionalização, os funcionários do Banco Réu diziam à Autora e ao seu ex-marido para terem paciência e aguardarem, pois as obrigações SLN seriam pagas;

l) a Autora exigiu inúmeras vezes que lhe fosse dada informação, nomeadamente, documento escrito com as condições da aplicação de tal quantia, o prazo, a rentabilidade, as condições de movimentação;

m) nem a Autora nem o seu ex-marido sabiam da existência da “SLN – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.”, atualmente “Galilei, SGPS, S.A.”;

n) o ex-marido da autora só aceitou subscrever uma obrigação SLN 2006 sob o compromisso expresso do “BPN” recomprar a obrigação na data acordada, pelo valor da compra, pagando juros por esse valor e pelo período correspondente, à taxa pré-estabelecida;

o) foi entregue ao ex-marido da Autora a “nota informativa”;

p) O funcionário bancário da Ré transmitiu ao ex-marido da Autora que tais valores mobiliários eram uma representação de dívida da sociedade emitente;

q) o ex-marido da Autora foi total e exaustivamente esclarecido sobre as condições do produto, de forma acompanhada com a respetiva nota técnica.

B – O Direito

1. No caso presente o ex-marido da autora, investidor não qualificado, subscreveu, em abril de 20006, obrigações SLN 2006, no valor de 50.000,00 euros, comercializadas nos balcões do BPN (agência de ...), na sequência de uma proposta do funcionário da agência, que lhe assegurou que se tratava de um produto seguro com capital garantido com um nível de risco equivalente ao de um depósito a prazo.

2. No caso vertente, o Banco atuou como intermediário financeiro, veste que foi aceite pelo acórdão recorrido e não vem questionada no recurso.

As instituições de crédito podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira — cf. artigos 3.º, alínea a) e 4.º, n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), na redação em vigor à data dos factos e artigo 293.º, n.º 1, alínea a) do CVM.

Essas atividades de intermediação financeira estão reguladas em especial nos artigos 289º e ss. do CVM, onde são classificadas, seguindo Menezes Leitão (“Actividades de Intermediação e Responsabilidade dos Intermediários Financeiros”, in: Direito dos Valores Mobiliários, Volume II, Coimbra: Coimbra Editora, 2000, p. 131 e 132): 1) em serviços de investimento em valores mobiliários; 2) serviços auxiliares de investimento e 3) gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários.

No caso, o que releva são os serviços de investimento previstos no artigo 290º do CVM, na redação do DL n.º486/99 de 13/11, que estava em vigor, em abril de 2006, data em que o ex-marido da Autora adquiriu obrigações SLN, por sugestão e intermédio do Réu, dado que as alterações introduzidas ao CVM pelo DL n.º 357-A/2007, de 31.10, apenas passaram a vigorar em 01-11-2007.

O artigo 290º, na redação original, estipulava:

1- São serviços de investimento em valores mobiliários:

a) A receção e a transmissão de ordens por conta de outrem;

b) A execução de ordens por conta de outrem;

c) A gestão de carteiras por conta de outrem;

d) A colocação em ofertas públicas de distribuição;

2- A negociação por conta própria em valores mobiliários é considerada serviço de investimento quando realizada por intermediário financeiro.

Por outro lado, o n.º 3 dispunha que «A mediação em transações sobre valores mobiliários considera-se equiparada ao serviço receção e a transmissão de ordens por conta de outrem».

No caso, dado que a intervenção do Réu consistiu na aquisição de obrigações na sequência da ordem meramente formal por parte do ex-marido da Autora, mas induzido pelo funcionário do Réu, estamos perante uma atividade de mediação em transações prevista no n.º 3 do artigo 290º do CVM.

A ordem de aquisição de investimento, em si, não é em rigor um contrato, mas em regra a emissão da ordem é efetuada no âmbito de uma relação jurídica existente entre o investidor e o intermediário financeiro, que pode integrar a tipificada relação de clientela, prevista no artigo 322º n.º 3, do CVM, ou um contrato-quadro.

Assim, como ocorreu no caso presente, a ordem de investimento dada ao banco insere-se numa relação estável estabelecida entre banco e ordenador, que era cliente do Banco há 15 anos, e não pode ser considerada isoladamente.

Esse contrato celebrado entre o banco e o cliente teve início com a abertura de contas bancárias, e apresenta um carácter genérico, dentro do qual cabem várias figuras contratuais e atividades de natureza material, funcionando como uma espécie de contrato quadro. A relação estabelecida entre o banco e o ordenador com este enquadramento é diferente da simples ordem de bolsa e, na medida em que traduz um encontro de vontades, é um contrato.

Os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados, prestam, no mercado de valores mobiliários, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.

O direito dos valores mobiliários constitui um ramo do direito especial em relação ao direito comum, que visa proteger a parte mais fraca desta relação jurídica – o investidor não qualificado – em virtude da profunda assimetria informativa existente, que descarateriza a igualdade jurídica e forma pressuposta pelo direito comum dos contratos.

Assim, enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.º, n.º 1, alínea a) e 290.º, n.º 1, alínea c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.º a 342.º do CVM.

3. O direito aplicável ao caso concreto, tratando-se de obrigações SLN 2006, subscritas em abril de 2006, é o Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, conjugado com as regras da responsabilidade civil pré-contratual (artigo 227.º do Código Civil) e contratual (artigos 798.º e 799.º, bem como os artigos 562.º, 563.º e 564.º do Código Civil relativos ao dano, à obrigação de indemnizar e ao nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Estas normas jurídicas devem ser interpretadas à luz dos critérios fixados no AUJ n.º 8/2022.

Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ n.º 8/2022, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

4. Trata-se pois, de proceder à aplicação da orientação fixada no AUJ n.º 8/2022 aos factos do caso concreto, procedendo a uma operação de subsunção dos factos na norma.

Esta é a metodologia decisória que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

5. No presente caso não vem questionada, no recurso de revista, a violação do dever de informação, reconhecida pelo acórdão recorrido, nos seguintes termos:

«(…)

O ponto é que quando a entidade bancária presta ao cliente as informações que prestou, nos termos que a factualidade assente evidencia, fá-lo, como a apelante indicou — e ao contrário do que o tribunal entendeu —, de forma incorreta e não verdadeira, porque não sinalizou minimamente o risco daquele produto vendido, em função da sua especificidade, nessa medida violando o dever de informação que recai sobre o intermediário financeiro em ordem a que o cliente possa tomar uma decisão esclarecida quanto ao investimento que vai realizar e riscos subjacentes a essa operação.

Efetivamente, como a entidade bancária não pode ignorar, não estando a emissão das obrigações em causa associada a qualquer mecanismo destinado a salvaguardar o reembolso do capital investido, nomeadamente em caso de falta de solvabilidade do emitente [24 ], o dever de informação quanto ao risco do investimento coloca-se com particular nitidez; é o que acontece quando se trata de uma emissão de obrigações subordinadas, com menor proteção do investidor em caso de insolvência do emitente — cfr. o regime previsto no arts. 47°, n°4, alínea b) e 48°, alínea c) do CIRE. Não olvidando que estamos perante um investidor não qualificado e que, podemos inferir da factualidade assente, tinha um baixo nível de literacia financeira uma vez que se provou possuir apenas a 4.ª classe como grau de escolaridade — dedicando-se, segundo indicou uma testemunha, ao comércio de madeira e lenha —, o que a entidade bancária não ignorava, como à evidência resultou do depoimento do funcionário da ré, à data. - destaque nosso

(…)

Em suma, afigura-se-nos que os elementos de informação que foram fornecidos pela entidade bancária ao cliente, à data da subscrição da obrigação, não foram corretos, impondo-se julgar verificada a ilicitude da conduta do réu, entendido este pressuposto como a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado, ao contrário do que se entendeu na sentença recorrida».

6. Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

7. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1 do AUJ n.º 8/2022).

O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

8. Apesar de o AUJ n.º 8/2022 não ter aceitado a tese da presunção do comportamento conforme à informação, não quis dificultar ao investidor não qualificado o cumprimento do ónus da prova do nexo causal, nem afastar todo o lastro doutrinal e jurisprudencial produzido acerca do nexo de causalidade, pretendendo até facilitar o ónus da prova para não se inverter a lógica do instituto da responsabilidade civil.

Veja-se o seguinte excerto dos fundamentos do AUJ n.º 8/2022:

«O que o regime do CVM pode trazer de diverso é a diminuição da exigência do regime da prova do nexo de causalidade no sentido de se dever facilitar ao investidor a demonstração da sua ocorrência, por forma a não se inverter a lógica do sistema de responsabilidade civil, pois é de reconhecer que é difícil ao investidor demonstrar, sem sombra de dúvidas, que nunca realizaria o investimento efetuado se a informação em falta lhe tivesse sido prestada, mas tal facilitação não se traduzirá numa inversão do ónus da prova, nem da adesão à doutrina do “comportamento conforme à informação”, que tem sido propugnada por alguns autores e já subscrita por algumas decisões dos tribunais».

Como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-03-2019 (proc. n.º 2259/17.5T8LRA.C1.S1), sobre a conceção de nexo causal na responsabilidade civil:

«É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.

É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([5]).

(…)

Essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados ([6]).»

(…)

9. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova do nexo de causalidade, importa analisar a matéria de facto provada.

Com relevo para a questão do nexo de causalidade, deu-se como provado no facto n.º 6 que «O ex-marido da autora só aceitou a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco Réu que se tratava de um produto “seguro”, com capital garantido a 100%»

Nesta factualidade é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade naturalística entre a conduta do Banco Réu/recorrente e o dano.

Acresce que à luz de todas as circunstâncias que decorrem da matéria de facto (factos provados n.ºs , 17, 18 e 20) – o investidor não tinha literacia financeira, completou apenas o ensino primário (4.ª classe), a ordem de aquisição que emitiu não foi da sua iniciativa, mas fruto de conselho do funcionário bancário da agência onde tinha conta há cerca de 15 anos, que, atuando em nome do Banco, violou o dever de informação acerca das caraterísticas do produto financeiro e dos seus riscos, tal como reconhecido pelo acórdão recorrido – deduz-se do facto provado n.º 6 que ficou provado o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano. Este facto, no contexto em que ocorreu, significa, no plano normativo, que, à luz de um juízo de prognose posterior objetivo, a violação do dever de informação é a causa adequada do dano sofrido, a perda do capital que o Banco afirmou estar subtraído a risco.

Apesar da sua formulação positiva, o facto n.º 6 assume um significado equivalente à do segmento n.º 4 do AUJ n.º 8/2022, estando demonstrada a sua aptidão geral e abstrata para produzir o dano, no sentido em que o autor não teria subscrito a obrigação SLN se tivesse percebido que estava a dar ordem de compra de um produto de risco, sem capital garantido.

10. Provados os requisitos da ilicitude e do nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano, o Banco incorre no dever de indemnizar a autora pelos danos patrimoniais por esta sofridos, enquanto cessionária dos direitos e obrigações do ex-marido, subscritor da obrigação, nos termos dos factos provados n.ºs 7 e 8 (7. Entretanto, em janeiro de 2013, a Autora divorciou-se e o seu ex-marido, declarou, em 19/06/2013, ceder-lhe a sua posição sobre as obrigações SLN 2006. 8. Por sua vez, a Autora declarou, na mesma data, que assumia a posição do seu ex-marido sobre as ditas obrigações).

A autora termina a petição inicial, pedindo que a entidade bancária ré seja “condenada a restituir e a pagar à Autora a quantia de € 56.166,30, acrescida de juros à taxa supletiva legal para as operações comerciais, contados sobre a quantia de € 50.000,00, desde a citação e até integral e efetivo pagamento”.

Peticiona a autora o pagamento de juros de mora vencidos, 6.166, 30 euros, contados desde 30 de abril de 2015, data em que cessou o pagamento de juros pela GALILEI, e os juros vincendos, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à taxa supletiva legal para as operações comerciais.

Nos termos dos factos provados n.º 9 e 10, a “SLN - Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A.” não pagou as obrigações “SLN 2006” na data do seu vencimento, em 8 de maio de 2016, nem posteriormente, até ao presente. Ainda assim, pagou os juros referentes às obrigações “SLN 2006” até abril de 2015.

Ou seja, não foi restituído à autora o capital investido nas obrigações referidas, 50.000,00 euros, cujo vencimento ocorreu a 8 de maio de 2016, tendo-se produzido o dano da perda do capital.

Todavia, a autora recebeu juros remuneratórios desde a data da subscrição da obrigação (abril de 2006) até abril de 2015 e esses juros foram mais elevados do que aqueles que seriam produzidos pelo depósito a prazo que o seu ex-marido, investidor conservador, queria efetivamente subscrever. Haverá, pois, de determinar a extensão ou o âmbito do dever de indemnizar de acordo com a teoria da diferença, nos termos da qual o lesado deve ser colocado na situação em que estaria se o facto ilícito não tivesse sido praticado. Se, por um lado, o dano tem de ser integralmente reparado, por outro, não pode obter qualquer enriquecimento com o facto ilícito.

11. Das regras do instituto da responsabilidade civil decorre que, para que o intermediário financeiro se constitua no dever de indemnizar o cliente é necessário, segundo as normas contidas nos artigos 562.º e 564.º, nº 1 do Código Civil, que este tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais. Tais prejuízos tanto se podem traduzir numa desvalorização ou diminuição real do património do cliente (danos emergentes) como numa frustração da valorização ou do incremento desse mesmo património (lucros cessantes).

Dispõe o artigo 562.º do Código Civil que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação».

Nos termos do artigo 564.º, n.º 1, do Código Civil prescreve que «O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão».

Em razão da natureza dos lucros cessantes, a desvantagem considerada deve tomar por referência critérios de verosimilhança ou de probabilidade (Cfr. Henrique Sousa Antunes, Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, 2018, Lisboa, p. 561).

Segundo Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 580) «São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fosse o facto lesivo».

O Código Civil aderiu à teoria da diferença, estipulando que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem danos (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).

Assim, os danos patrimoniais serão avaliados em concreto, atendendo à teoria da diferença, para determinar a extensão do dever de indemnizar (artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil).

Dispõe o artigo 314.º, n.º 1, do CVM, na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 357-A/2007, de 31-10 que os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

Da conjugação das duas normas citadas decorre que a avaliação do dano patrimonial deve ser aferida pelo princípio da compensação ou da equivalência entre o dano e a indemnização, que tem como corolários os sub-princípios de que a indemnização não deve ser inferior ao dano e de que não deve ser-lhe superior (princípio da proibição do enriquecimento do lesado) - cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pp. 690-691.

A indemnização deve, assim, colocar o lesado na situação em que estaria se o dever de informação tivesse sido regularmente cumprido. Trata-se de reparar o dano causado por uma informação deficiente e não do dano provocado pelo incumprimento de uma obrigação contratual.

12. Na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, encontramos casos em que foram aplicados alguns métodos distintos de determinação do dano indemnizável e de cálculo da indemnização:

a) - O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2016 (Proc. nº 70/13.1TBSEI.C1.S1), sustenta que o valor do dano é equivalente ao capital investido, isto é, o valor do capital perdido, acrescido dos juros remuneratórios garantidos pelo Banco, no período em durou a aplicação, descontando-se os juros recebidos. Esta posição, também adotada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-01-2013, Revista n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1 pressupõe, contudo, nos termos da interpretação das declarações negociais do Banco, de acordo com os critérios fixados no artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil, que este assumiu a garantia, perante o cliente, de reembolso do capital e dos respetivos juros remuneratórios.

A este propósito, é de salientar o Acórdão de 11-07-2019, Revista n.º 901/17.7T8VRL.G2.S1, que determinou a baixa do processo ao tribunal recorrido para a ampliação da matéria de facto respeitante à “garantia” de pagamento dada pelo Banco, e no qual se avança o seguinte quanto ao dano:

“De qualquer forma, a decisão recorrida também não poderia ser aceite na parte em que condena o banco a reembolsar o capital das obrigações com a taxa de juro que lhe estava associada pelo contrato de subscrição: se a fonte da responsabilidade do banco fosse a violação do dever de informação, o banco teria de responder pelos danos que não se teriam verificado caso a informação fosse prestada e tivesse sido esclarecedora; ora, pela indicação do A. vê-se que o mesmo não quereria senão um depósito a prazo do valor de 50.000 euros e os DP não tinham, na data em que a subscrição ocorreu, uma rentabilidade igual à das obrigações subordinadas subscritas. Sabendo que o A. recebeu periodicamente o valor dos juros das obrigações até ao momento em que a emitente deixou de os pagar e também não reembolsou o capital, a indemnização a atribuir teria de entrar em linha de conta com aqueles juros percebidos pelo A.

Contudo, os factos provados parecem apontar (ou indiciar) um outro motivo de responsabilização do banco: o de o mesmo ter assegurado um determinado resultado – o reembolso do capital, na data em que o cliente o solicitasse, e respectivos juros contratualizados.

Estaria aqui em causa uma responsabilidade directa por ter assumido uma obrigação de reembolso e remuneração – e não já uma responsabilidade por violação do dever de informação.

Nesta parte, porém, os factos provados não estão suficientemente detalhados para se poder concluir em que sentido há aqui alguma garantia assumida pelo intermediário financeiro.”.

b) - O Acórdão de 19-03-2019 (proc. n.º 3922/16.3T8VIS.C2.S1) entendeu que o investidor, na hipótese de responsabilidade do intermediário financeiro por informação errada, só terá direito aos juros remuneratórios à taxa acordada na subscrição, no caso de ter havido da parte do intermediador financeiro uma assunção de dívida da entidade emitente, mas afasta esta conclusão na generalidade dos casos. Na sua fundamentação afirma-se que se foi dito aos Autores que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significaria, que o Banco prestou informações que não eram exatas ou verdadeiras, sendo apenas daqui que deve nascer a sua responsabilização, fazendo-se a reparação através do pagamento (indemnização) daquilo que os Autores entregaram e perderam (acrescendo juros), e que não teriam entregado e perdido se tivessem sido devidamente informados acerca daquilo que estavam a subscrever realmente (artigo 563.º do Código Civil).

c) - O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-12-2018, Revista n.º 3703/16.4T8VFR.P1.S2, aplica, para determinar a indemnização, a taxa de juro dos depósitos a prazo e não aquela, superior, que tinha sido acordada na subscrição, arbitrando uma indemnização correspondente à quantia investida e ao valor dos juros que esta quantia teria propiciado se aplicada num depósito a prazo, com dedução dos juros já recebidos, relegando o cálculo para execução de sentença.

Neste acórdão, entendeu-se que «não vemos como possa ser exigida ao A. a integral reversão da remuneração do capital investido, considerando um locupletamento injusto e sem causa justificativa a prestação a que o banco, afinal, estava contratualmente adstrito, por se preencherem os pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente. Realmente, a entrega de tal remuneração correspondeu ao cumprimento do acordo celebrado entre o banco, intermediário financeiro, e o ora A, seu cliente, no quadro negocial entre ambos desenvolvido, mediante o qual aquele assumiu o reembolso do capital por este investido e também a respectiva rentabilidade, como se tratasse de um depósito a prazo.

Ora, estando assente que o banco responde pela violação do dever de informação, sem a qual, como resulta dos factos, o cliente não teria subscrito a aplicação, mas, sim, um depósito a prazo, não podem subsistir dúvidas de que o montante da indemnização adequado à respectiva violação deve corresponder ao interesse contratual positivo, por se afigurar ser o mais consentâneo com a realização da justiça material deste caso, uma vez que a questão - tal como o objecto deste recurso a confina - é a da necessidade da proteção da confiança na execução do negócio celebrado.

Assim sendo, a medida da indemnização devida ao A, nos termos do art. 566° n° 2 do CC, deve ser encontrada pela soma da quantia investida (€ 50.000) com o valor dos juros que esta teria propiciado enquanto depósito a prazo, entre a sua entrega e a sua efectiva restituição, deduzida, naturalmente, do montante dos juros já recebidos pelo A (até 7-05-2015)». destaque nosso

d) - O Acórdão de 05-06-2018, Revista n.º 18331/16.6T8LSB.L1.S1 entende, tal como o anterior, que o dano indemnizável não envolve os juros remuneratórios à taxa acordada no contrato subscrito, mas à taxa de um depósito a prazo simples, mas determina que o lesado devolva a parte dos juros recebidos que excede a que resultaria da aplicação da taxa de um depósito a prazo simples.

Na sua fundamentação afirma-se que:

«O dano do autor deve resultar ou deve traduzir-se na diferença entre. a situação que o autor ficou e a situação em que o autor estaria se o dever de informação tivesse sido cumprido.

Desde logo, o Autor tem direito ao valor investido (150.000,00 + 100.000,00) acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados (19.10.2014 para as obrigações subscritas em 2004 e 09.05.2016, para as obrigações subscritas em 2006).

Isto é o que sucede com qualquer depósito a prazo (o Banco devolve o capital mais os juros remuneratórios que se foram vencendo)

O autor teve um dano directo derivado de ter aplicado aquelas quantias e de não as ter recuperado nas datas em que as mesmas lhe deveriam ter sido disponibilizadas.

No caso concreto o Autor viu o capital que investiu em 2004 ser remunerado (facto provado n.º 17) mas desconhecemos a que taxa.

Também é inequívoco que o autor é titular das obrigações que adquiriu sendo certo que as mesmas têm valor (apesar da insolvência da DD).

Desconhecemos o valor que as obrigações adquiridas pelo autor ainda podem representar.

Ora, na indemnização devida ao autor deve ser descontado não só o valor que as obrigações ainda representam mas também o valor dos juros remuneratórios que recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Todavia, nos autos não há elementos que nos permitam, com segurança, efectuar tais operações contabilísticas, não é possível determinar o concreto prejuízo ou dano do autor.

Não sabemos nem o valor que as obrigações podem ainda alcançar nem quais os juros remuneratórios que o autor auferiu e que não auferiria se tivesse aplicado o capital num depósito a prazo.

O processo não tem elementos que nos permitam determinar o valor da indemnização, pelo que se impõe apenas condenar o Banco Réu a pagar ao Autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, tendo em consideração os critérios supra referidos (artigo 609 n.º 2 do Código de Processo Civil)».

Neste caso, o Banco réu foi condenado na quantia que vier a liquidar-se em execução de sentença e que engloba o valor do capital investido, acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados, a este valor se descontando não só o valor que as obrigações ainda representam, mas também o valor dos juros remuneratórios que o investidor recebeu e que excedam o valor dos juros que teria recebido se o capital estivesse aplicado num depósito a prazo.

Aí se sumariou que:

«Apurando-se que o autor investiu em obrigações convencido que estava a investir num depósito a prazo, o dano directo por ele sofrido corresponde aos montantes investidos, acrescido de juros de mora à taxa legal (por não se verificar o pressuposto a que alude o art. 102.º do CCom) a contar das datas em que os mesmos dever-lhe-iam ter sido reembolsados (como sucederia se, efectivamente, tivesse sido contratado esse depósito); a essa importância devem ser deduzidos o valor das obrigações da emitente (apesar da insolvência desta) e o valor dos juros remuneratórios que foram por esta pagos, assim se limitando a medida da responsabilidade do recorrente ao prejuízo efectivamente sofrido pelo recorrido».

13. Sobre o enquadramento dogmático desta indemnização, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem, em torno da questão de saber se é indemnizável o interesse contratual positivo, ou seja, saber se o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido pontualmente cumprido (artigo 562.º do Código Civil) ou se a indemnização deve ser limitada ao interesse contratual negativo, ou seja, ao valor correspondente às despesas suportadas por via das negociações, ao tempo perdido e, eventualmente, aos negócios que ficaram por celebrar.

Esclarece Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol. IX, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 155), que esta dicotomia interesse contratual positivo e interesse contratual negativo nasceu no contexto da responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e visou limitar as indemnizações por incumprimento ao denominado interesse negativo, reduzindo substancialmente o seu montante.

A doutrina transpôs esta oposição para a resolução do contrato e costuma distinguir entre os chamados danos positivos ou de cumprimento e os danos negativos ou de confiança.

Como ensina Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª edição, p. 548), trata-se de «(…) uma classificação particularmente ligada à responsabilidade contratual, pelo que se alude, em correspondência, à violação do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo».

Prosseguindo, o mesmo Autor afirma: «A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão».

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, teríamos que, na hipótese de indemnização pelo interesse contratual positivo, o investidor seria indemnizado pelo capital investido, acrescido da totalidade dos juros remuneratórios que teria recebido até à maturidade da obrigação.

Nos termos no teor do artigo 152.º do CVM, “1 - A indemnização deve colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. 2 - O montante do dano indemnizável reduz-se na medida em que os responsáveis provem que o dano se deve também a causas diversas dos vícios da informação ou da previsão constantes do prospeto.”

Este normativo reporta-se à indemnização pelo interesse contratual positivo, devendo a indemnização colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. A indemnização abrangeria, assim, quer os danos emergentes – aqueles que o investidor sofreu com a subscrição do produto financeiro – quer os lucros cessantes, isto é, os juros que era expetável vir a auferir com a subscrição daquele produto e que deixou de auferir.

Esta solução, se entendida no sentido de implicar que o investidor receberia a totalidade dos juros remuneratórios, surge como excessiva, pois o investidor, se tivesse tido conhecimento da informação correta, não teria aplicado o dinheiro naquele produto financeiro, mas num depósito a prazo, remunerado com uma taxa de juro mais baixa.

Todavia, a indemnização pelo dano negativo ou da confiança, num contexto em que se deu a celebração do contrato, pode ficar aquém daquela que o credor obteria com a aplicação de uma taxa de juro remuneratória, fosse ela a acordada no contrato, fosse a do depósito a prazo.

Assim, atendendo à boa fé do investidor e à confiança que depositou nas informações erróneas que lhe foram fornecidas pela contraparte e no contrato que foi celebrado, todo o valor por este representado poderá ser tido em conta na indemnização, atenuando-se, nestas posições matizadas, a contraposição entre o interesse negativo e o interesse positivo (Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 160-161). O que se afigura relevante não é a adoção da corrente do interesse positivo ou negativo, mas a interpretação das normas do instituto da responsabilidade civil e a sua aplicação aos factos de cada caso concreto, de acordo com uma ajustada ponderação de interesses, importando para o efeito a análise da jurisprudência.

14. Regressando ao caso, importa determinar a extensão ou o âmbito do dever de indemnização.

Ficou demonstrado que o ex-marido da autora, caso tivesse sido corretamente informado, teria subscrito um depósito a prazo, que vencia juros mais baixos do que a obrigação efetivamente subscrita.

Assim, há que aplicar, ao valor do capital, 50.000, 00 euros, a taxa média dos depósitos a prazo para o período de imobilização do capital, que se presume ser equivalente ao prazo da obrigação (desde abril de 2006 até abril de 2016, data do vencimento) e, à quantia assim determinada, subtrair o valor dos juros remuneratórios efetivamente recebidos pela autora, para evitar que se produza um enriquecimento do lesado. Ao valor assim calculado, acrescem juros de mora, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

15. A autora peticiona juros de mora à taxa supletiva legal para as operações comerciais.

Todavia, esta taxa de juro comercial, de valor acrescido em relação à taxa civil, é uma medida destinada a proteger os comerciantes e só é aplicável quando as duas partes da relação jurídica são empresas que se dedicam ao comércio como atividade profissional, mas não aos consumidores, quer ocupem a posição de credores, quer a de devedores, sendo esta a orientação que decorre de dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-05-2020 (Processo n.º1330/12.4TVLSB.L2.S1) e de 31-11-2021 (Proc. n.º 557/16.4T8PNF.P1.S1).

16. Uma vez que o processo carece de dados de facto suficientes para determinar com exatidão o valor da indemnização, relega-se o cálculo desta para ulterior liquidação, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º do CPC.

17. Quanto à restituição das obrigações ou do seu valor, o Banco não formulou a esse respeito qualquer pedido na contestação, nem em sede de recurso subordinado nas contra-alegações para o Supremo, pelo que não se pronuncia este Supremo Tribunal sobre a questão.

18. Anexa-se sumário, elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I –Provado que o ex-marido da autora só aceitou a subscrição do título aqui em causa porque lhe foi afiançado pelo Banco Réu que se tratava de um produto “seguro”, com capital garantido a 100%, está demonstrado o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano nos termos do AUJ n.º 8/2022.

II – A avaliação do dano patrimonial deve ser aferida pelo princípio da compensação ou da equivalência entre o dano e a indemnização, que tem como corolários os sub-princípios de que a indemnização não deve ser inferior ao dano e de que não deve ser-lhe superior (princípio da proibição do enriquecimento do lesado).

III – A medida da indemnização devida à autora, nos termos do artigo 566°, n° 2, do Código Civil, deve ser encontrada pela soma da quantia investida (€ 50.000) com o valor dos juros que esta teria propiciado enquanto depósito a prazo, de acordo com a taxa média destes depósitos no período entre abril de 2006 e abril de 2016 (data do vencimento da obrigação), deduzido o montante dos juros remuneratórios recebidos pela autora até abril de 2015.

IV – À quantia assim determinada, a calcular em sede de ulterior liquidação, acrescem juros de mora, à taxa legal civil, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

III – Decisão

Pelo exposto concede-se parcialmente a revista e condena-se o Banco réu:

a. a pagar à autora indemnização no montante de 50.000,00 euros;

b. acrescida de juros a calcular em ulterior liquidação, de acordo com os seguintes critérios: à quantia de 50.000,00 euros será aplicada a taxa de juro média vigente para os depósitos a prazo no período mediado entre abril de 2006 a abril de 2016, devendo deduzir-se ao valor assim encontrado o montante dos juros remuneratórios efetivamente percecionados pela autora até abril de 2015.

c. Sobre a quantia assim determinada, acrescem juros de mora, à taxa legal civil, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

d. Custas da revista a calcular a final, na proporção do decaimento de cada uma das partes.

Supremo Tribunal de Justiça, 4 de julho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)