Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
724/12.0YYPRT-A.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: EXECUÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA
GARANTIA AUTÓNOMA
CLÁUSULA ON FIRST DEMAND
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
INTERPELAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO BANCÁRIO - GARANTIAS BANCÁRIAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - ACÇÃO EXECUTIVA / TÍTULO EXECUTIVO - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Almeida e Costa e Pinto Monteiro, in CJ, ano 1986, tomo V, páginas 18 e 19.
- Inocêncio Galvão Telles, Revista de Direito e Economia, ano VIII, 281, 283-285.
- José Maria Pires, Direito Bancário, Volume II, 284.
- Romano Martinez e Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, Almedina 1994, pp. 49-50, 122.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, 405.º, 627.º, 631.º, 632.º, 637.º, 638.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA REDACÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 41/2013: - ARTIGOS 46.º, AL. C) 804.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 29/04/2008, REVISTA Nº 380/88; DE 19/05/2010, REVISTA N.º 241/07.OTBMCD-A.S1; DE 8/06/2010, REVISTA N.º 12720/06.1YYPRT-A.P1.S1;
-DE 13/01/2009, PROCESSO N.º 08A3725, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - A fiança é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta não o fazer, caracterizada pela sua acessoriedade (dependência) em relação à obrigação garantida (a do devedor principal).

II - O contrato de garantia bancária, não se encontrando previsto na nossa legislação, é aquele pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

III - Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, autonomia que a distingue, assim, da fiança.

IV - A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal). Correlativamente, nela estão em jogo três negócios jurídicos: (i) o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário; (ii) o contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e (iii), por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída.

V - A qualificação jurídica do negócio pretendido pelas partes (fiança ou uma garantia autónoma) supõe a sua interpretação nos termos do estatuído nos artigos 236º e 238º do Código Civil.

VI - A utilização das expressões “garantia irrevogável” e a obrigação de pagar “após potestativa interpelação do beneficiário, ao seu primeiro pedido e por escrito”, não podem deixar de ser interpretadas e de lhes conferir a natureza de garantia autónoma on first demand, ou seja, à primeira solicitação ou primeira interpelação.

VII - A garantia bancária, cuja eficácia estava suspensa, a aguardar somente o termo do prazo e que os montantes do saldo das contas entre os contraentes fossem definidos, tornou-se, a partir desse momento, definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

VIII - Se a obrigação de pagamento à primeira solicitação do Banco recorrente ficou sujeita a uma condição suspensiva – definição do valor a pagar pelo beneficiário aos exequentes – que já foi definitivamente realizada pelo tribunal com competência para julgar tal valor, face ao pacto de jurisdição convencionado por acordo das partes intervenientes no contrato – base, a garantia tornou-se definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

IX -Por conseguinte, constitui um título executivo, nos termos da alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013.

X - Ainda que, por mera hipótese, estivéssemos perante uma garantia bancária autónoma simples, isso não obstaria à sua execução, nos termos do artigo804º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aludida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1.

Por apenso à execução que lhe movem AA, S. A., BB, CC e DD, o Banco EE, S. A., deduziu oposição, invocando que o documento de garantia bancária dado à execução não vale como título executivo, por não se tratar de uma garantia autónoma, automática ou “à primeira solicitação", tratando-se apenas de fiança, sem renúncia ao benefício da excussão prévia. Sustenta, ainda, que não são exigíveis os juros de mora reclamados.

Contestaram os exequentes, defendendo tratar-se de garantia autónoma e à “à primeira solicitação", concluindo pela improcedência da oposição.

Conhecendo directamente do mérito da oposição, foi proferido saneador sentença, julgando procedente a oposição por considerar, em síntese, que a garantia dada à execução não constitui uma garantia bancária à primeira solicitação (on first demand) e determinou a extinção da acção executiva.

Inconformados, recorreram os exequentes, tendo o Tribunal da Relação, na procedência da apelação, revogado a sentença recorrida e determinado, em consequência, o prosseguimento da execução.

Inconformado, recorreu agora de revista o EE, formulando as seguintes conclusões:

1ª – O Recorrente entende que a decisão do Tribunal a quo fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados nos autos, relativamente a três questões essenciais, a saber:

a) – A natureza jurídica da garantia bancária que titula a execução;

b) – Os pressupostos/condições da "transformação” ou “conversão" da garantia condicional em garantia incondicional;

c) – A exequibilidade da garantia bancária que titula a execução.

2ª - Nos presentes autos, e com relevância para o presente recurso, foi considerado provado o teor dos documentos 1 (Garantia nº 05/021/22611), 2 (Protocolo de Acordo) e 3 (Acórdão da COUR d' APPEL de Bruxelas de 13/01/2011) e respectivas traduções, juntos com o requerimento executivo, transcritos parcialmente no corpo da presente alegação - que aqui se dá por integralmente reproduzida para evitar repetições inúteis -, por se entender imprescindível à resolução das questões suscitadas.

3ª - Defende-se na decisão sob recurso que a garantia em causa nos autos não é uma garantia automática, mas que a ausência de tal automaticidade não prejudica a sua autonomia ou independência em relação ao contrato base.

4ª - Com todo o respeito, o recorrente discorda da interpretação efectuada pelo Tribunal a quo.

5ª - Desde logo, no texto da garantia bancária não é feita qualquer alusão expressa quer a "Fiança", quer, também a "Garantia bancária autónoma", ou à exclusão da invocação de excepções do contrato-base por parte do garante.

6ª – O Banco recorrente comprometeu-se a pagar aos vendedores / beneficiários, “(…) ao seu pedido por escrito, declarando-se que o nosso cliente não cumpriu as suas obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos (…)”.

7ª - Ou seja, o ora recorrente obrigou-se a pagar aos vendedores / beneficiários apenas alguns montantes necessários para regularizar as prestações elencadas no texto da garantia, em conformidade com o Protocolo de Acordo celebrado entre vendedores e compradores.

8ª - Resulta da primeira parte do texto da garantia que o Banco recorrente prestou uma “garantia condicional” até ao montante de € 192.700, para caucionar uma parte dos pagamentos diferidos, no âmbito de um Protocolo de Acordo celebrado em 30/12/2004, entre a ordenadora e os beneficiários - "em conformidade com o ponto 1.2. do "Protocolo de Acordo" assinado em 30/12/2004 pelo comprador e vendedores".

9ª - Assim, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, a garantia bancária em causa nos autos não é autónoma relativamente ao contrato-base, na medida em que se faz expressa referência à falta de cumprimento das obrigações de pagamento previstas no Protocolo de Acordo (contrato-base): "(...), declarando-se que o nosso cliente não cumpriu as obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos (...)".

10ª - "Formulação esta," - nas palavras da decisão proferida em primeira instância - "mais compatível com uma responsabilidade subsidiária e não autónoma, inculcando também que o Banco não prescindiu de controlar, por alguma forma, o incumprimento do mandante" (cfr. fls. 12 da sentença proferida em 1ª instância).

11ª - Tal ideia de acessoriedade é ainda reforçada do texto da garantia, já que neste não se encontra expressa qualquer declaração de renúncia do Banco à invocação das excepções derivadas do contrato-base.

12ª - "Transformar esta garantia bancária simples em garantia autónoma - impedindo assim o Banco garante de discutir a relação de base quando nenhuma cláusula de exclusão foi contratada - fazê-Ia equivaler a garantia automática, apesar de não conter cláusula de pagamento à primeira solicitação ou semelhante, é concluir que qualquer garantia, só por ser prestada por um Banco, há-de ser garantia bancária autónoma, à primeira solicitação, é atraiçoar a liberdade contratual (...) (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 16.06.2011, no Proc. 2760/08.1 TBVCD-A.P1 (disponível em www.dgsi.pt/itrp).

13ª - Acrescenta-se, ainda, no Acórdão citado no número anterior:

"Tanto mais que, em caso de dúvida, o negócio de garantia presume-se ser de fiança, em virtude de ser esta o tipo considerado na lei e de em matéria de garantias autónomas valer a interpretação textual, o conteúdo objectivo do acto e não o literal. Isto, se dúvidas houvesse, o que não se nos afigura, ao menos fundamentadas (cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, Proc. 06A2412, a este propósito e que temos vindo a seguir de perto)."

14ª - As garantias autónomas distOOuem-se da fiança pela inexistência de acessoriedade com a relação jurídica principal, “(…)  pela completa distinção entre a obrigação principal (contrato identificado na garantia) e a obrigação de garantia, que se mantêm incomunicáveis ao nível das excepções que o garante pode opor ao beneficiário, como obstáculo ao pagamento da quantia garantida" (cfr. fls. 5 e 6 da sentença proferida em 1ª instância).

15ª – “O objecto da fiança confunde-se com o objecto da dívida afiançada, no sentido de que o fiador tem de pagar o que o afiançado deixou de satisfazer. O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato-base", razão pela qual “(…) o garante autónomo ou independente, ao contrário do fiador, não é admitido a opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido"(cfr. Acórdão do STJ de 28/09/2006, proferido no processo 06A2412, disponível em www.dgsi.pt jstj.(sublinhado nosso).

16ª - Face ao acima exposto e o texto da garantia bancária em causa nos autos, conclui-se -ao contrário da decisão recorrida - pela falta de autonomia da mesma relativamente ao Protocolo de Acordo assinado entre os ora Apelantes e a ordenadora, ou seja, pela existência da aludida acessoriedade, característica própria da fiança.

17ª - Por fim, a última parte do texto da garantia que titula a execução esclarece definitivamente as eventuais dúvidas sobre a natureza jurídica da mesma:

"Esta garantia condicional será convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido, nos termos do ponto 1.2. do Protocolo acima referido".

18ª - Para que a garantia condicional prestada pelo Banco fosse convertida em garantia incondicional, os beneficiários teriam que demonstrar que as condições expressamente acordadas no Protocolo de Acordo assinado em 30/12/2004 estavam integralmente cumpridas, o que, como se demonstrará de seguida, não ocorreu, contrariamente ao decidido.

19ª - Percorridas as várias etapas da análise interpretativa da garantia bancária que titula a execução, conclui-se que não estamos perante uma garantia autónoma e automática – “a garantia poderá ser transformada em garantia autónoma, automática ou à primeira solicitação”.

20ª - Com todo o respeito pelo entendimento do Tribunal a quo, foi precisamente essa actividade interpretativa que o Tribunal de primeira instância fez de forma exemplar, através de uma análise rigorosa e sistematizada do texto da garantia, partindo do elemento literal que "constitui, assim, o ponto de partida, o fundamento ou suporte basilar e o limite da interpretação, não podendo defender-se um entendimento que não tenha na letra do contrato um mínimo de correspondência verbal", conjugado com os "(...) restantes elementos da hermenêutica jurídica, designadamente o lógico e o teleológico (cfr. fls. 9 da sentença).

21ª - Por seu turno, para fundamentar o preenchimento das condições previstas no Protocolo de Acordo assinado em 30/12/2004, o Tribunal a quo invoca “(…) a decisão proferida no tribunal de instância de Bruxelas (...)”.

22ª - No entanto, como se refere na sentença recorrida, “(…) a decisão proferida pela COUR d'APPEL de Bruxelas (…) que não constitui título executivo contra o Banco Executado, pois este não foi parte na ação em que foi proferida a mencionada decisão - não basta para se poder afirmar (como afirmam os Exequentes) que "a garantia dada à execução, após a sentença proferida nos Tribunais Belgas (…) converteu-se numa garantia incondicional, ao primeiro pedido”.

23ª - Logo, conclui, "(…) a verificação das condições para a transformação ou conversão da garantia não está documentada no documento em que se baseia a execução, nem em qualquer outro documento com força executiva”.

24ª - Sustentando-se ainda o Tribunal de 1ª instância na própria decisão do Tribunal de Bruxelas, transcrita parcialmente no corpo da presente alegação, a qual se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos - "É a própria decisão que o dá a entender sob a epígrafe "remarques préliminaires" (…) ao referir que (…) ("este tribunal não se pronunciará sobre as consideracões das partes no gue se refere ao prazo previsto no acordo para a conversão pela FF das garantias bancárias em garantias incondicionais") (fls. 14 da sentença, sombreado e sublinhados nossos).

25ª - A citada decisão não resolveu definitivamente "todas as controvérsias que pudesse suscitar o aludido ponto 1.2 do Protocolo", referindo de forma expressa que não se pronunciaria sobre a questão do prazo da conversão da garantia, contrariamente ao afirmado na decisão recorrida.

26ª - Os condicionalismos e os pressupostos de facto necessários à conversão da garantia bancária em questão nos autos de condicional em garantia incondicional - e nessa medida, "ao nascimento da obrigação de garantia" - estão expressamente definidos no Protocolo de Acordo aceite pelas partes outorgantes, para o qual a própria garantia remete.

27ª - Não estando dirimidas de forma definitiva as condições que permitiriam a sua conversão em garantia incondicional, já que a decisão proferida pelos Tribunais belgas ressalva de forma expressa que não se pronunciará sobre tal questão.

28ª - Atenta a acessoriedade da garantia em causa nos autos e a posição reiteradamente manifestada pela ordenadora da garantia, o recorrente entende - tal como foi decidido em primeira instância - que ainda não se encontram preenchidos os condicionalismos e pressupostos que determinam a conversão da garantia.

29ª - São precisamente esses condicionalismos e pressupostos de facto que, tanto quanto foi reiteradamente transmitido ao Banco oponente pela ordenadora da garantia, se mantêm em discussão judicial entre as partes outorgantes do Protocolo de Acordo.

30ª - Aliás, na pendência do recurso de apelação intentado pelos exequentes, aqui recorridos, vieram os mesmos intentar outra execução contra a FF Portugal - Têxteis, S.A., ordenadora da garantia bancária em causa nestes autos, sustentada na já citada decisão proferida pelo COUR d' APPEL de Bruxelas de 13/01/2011, peticionando o pagamento da mesma quantia em causa na demanda executiva de que estes autos são apenso.

31ª - A ordenadora da garantia bancária apresentou oposição nessa execução, pendente no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Esposende, sob o nº 531/13.2 TBEPS, em 22/10/2013 (ref. eletrónica 14809469), reiterando, nessa sede, todos os factos que o aqui recorrente alegou na presente demanda, cuja junção se requer com a presente alegação.

32ª - Razão pela qual, tratando-se de um documento superveniente - já que respeita a ocorrência verificada já na pendência do recurso de apelação e após a apresentação da respectiva resposta às alegações dos apelantes -, relacionado com factos relevantes para a decisão da causa e desde sempre alegados pelo aqui recorrente, a junção daquela oposição à execução é requerida ao abrigo do disposto no artigo 695º do CPC.

33ª - Por fim, a garantia bancária que constitui o documento 1º do requerimento executivo não reúne as condições legalmente previstas para poder servir de base à execução, na medida em que não permite “(…) exigir do garante, sem mais, quantia que se contenha dentro dos limites garantidos (…)” e é “(…) possível ao Banco discutir a justeza do pedido, as razões por que o Exequente se diz credor" (cfr. Acórdão do STJ de 28/09/2006, proferido no processo 06A2412, supra citado).

34ª - A garantia bancária junta sob o documento 1 da execução não tem força executiva e não é enquadrável no anterior artigo 46º, alínea c) do CPC, pois não se trata de uma garantia autónoma e automática ou à primeira solicitação.

35ª - A obrigacão mantém a sua condicionalidade, na medida em que a decisão do Tribunal de Bruxelas não demonstra a verificação da condição suspensiva (admitida pelo artigo 804º, nº 1 do CPC – actual artigo 715º de que depende a sua exequibilidade.

36ª - O recorrente não se conforma com a decisão proferida, por a mesma enfermar de vícios graves, designadamente, por incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados nos presentes autos, designadamente o anterior artigo 46º, alínea c) do CPC.

37ª - Pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e alterada, determinando-se a extinção da instância executiva, tal como decidido em 1ª instância.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2.

Considerou o Tribunal da Relação que a 1ª instância, fazendo uso da técnica frequente, mas discutível, de dar por reproduzidos documentos em vez de seleccionar e indicar os factos julgados estabelecidos por esse meio, considerou provado o teor dos documentos apresentados com o requerimento executivo (designadamente, o documento intitulado "GARANTIE NR. 05/021/22611" e respectiva tradução, o documento intitulado "PROTOCOLE d'ACCORD" respectiva tradução e o Acórdão da COUR d'APPEL de Bruxelas de 13/01/2011, bem como a respectiva tradução).

Por interessarem à decisão do recurso, considerou assentes através de tais documentos os seguintes factos:

1º - Em 21/01/2005, o Banco EE emitiu um documento escrito em língua Francesa, denominado "GARANTIE NR 05/021/22611", nos seguintes termos:

“La BANCO EE-, S. A, Société Ouverte, dont le siège social est à Rua …, 284, …, Porto (Portugal), au capital social de 760.000.000 Euros / Personne Morale 501 214 534, (…) pour ordre de notre client FF Têxteis-, S.A.. (L’acheteur) dont le siège social est à Rua …,…, …, Esposende (Portugal) émit a faveur des bénéficiaires suivantes, attendu aux quotes-parts respectives: AA, S.A, - 65,96%, GG – 17,02% CC -16,76% et HH – 0,26%, (les vendeurs), une garantie conditionnelle jusqu'au montant de € 192,700 (cent novent mille sept cent euros) pour le cautionnement de une partie des paiements differés du valeur de la vente des 100% des partes sociales représentatives du capital social de la société II, sise/42; rue ..., … Bruxelles, conformément aux -termes constants du point 1.2, du «Protocol d’Accord» signé au 30.12.2004 pour l’acheteur et les vendeurs.

En conséquence, la Banco EE, S.A. s'engage à payer aux vendeurs précitées, à sa demande écrite déclarant qui notre-client n'a pas remplis ses obligations de paiement, quelques sommes nécessaires pour régler les: paiements suivantes:

1.ere échéance ; 30.06.2005 - € 115.000,00 (Cent quinze- mille euros);

5.eme échéance : 30.06.2007 - (parte) € 65.000,00 (soixante cinq mille euros);

6.eme échéance: 31.12.2007- (parte) € 12.700;00 (douze mille sept cent euros).

Cette garantie conditionnelle sera transformable en garantie inconditionnelle et a première demande d'accord aux termes du point 1.2 du Protocole précité”.

2º - Conforme tradução certificada, que foi junta, o aludido documento apresenta o seguinte teor.

“Banco EE SA, Sociedade Anónima, com sede social em Rua …, …, … Porto (Portugal), com o capital social de 760.000.000 de Euros, Pessoa Colectiva nº …, matriculada na CRC do Porto com o nº …, por ordem do nosso cliente FF PORTUGAL - Têxteis, S.A. (o comprador) sediado em Rua …, …, … …, Esposende (Portugal) emitiu a favor dos beneficiários seguintes, atendendo às respectivas participações, AA - 65,96%, BB - 17,02%, CC 16,76% e HH - 0,26% (os vendedores), uma garantia irrevogável até ao montante de € 192.700 (cento e noventa e dois mil e setecentos euros) para caucionar uma parte dos pagamentos diferidos do valor de venda da participação de 100% representativa do capital social da empresa II, com domicilio em …, RUE ..., … Bruxelas, nos termos constantes do ponto 1.1. do "Protocolo de Acordo" assinado em 30/12/2004 pelo comprador e os vendedores.

Por conseguinte, o Banco EE compromete-se a pagar aos vendedores acima mencionados, ao seu primeiro pedido por escrito, declarando que o nosso cliente não cumpriu as suas obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos: Primeira prestação: 30/05/2005 - € 115.000 (cento e quinze mil euros); Quinta prestação: 30/06/2007- (parte) - € 65.000 (sessenta e cinco mil euros); Sexta prestação - 31/12/2007 - (parte) - € 12.700 (doze mil e setecentos euros)
Esta garantia será condicional e convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido, nos termos do ponto 1.2. do Protocolo acima referido”.
3º - Foi ainda junta tradução certificada do "Protocolo de Acordo", assinado em 30/12/2004, nos seguintes termos:

“Entre AA S.A., com sede social em 42, RUE …, …, representada pela empresa JJ, ela própria representada por BB e detentora de uma participação de 65,96% na empresa II (248 acções), com sede em 42, RUE ..., … Bruxelas, BB, com domicilio em 42, RUE …, …, que detém uma participação de 17,02% na empresa II (64 acções), CC, com domicílio em …, …, … Bruxelas, que detém uma participação de 16,76% na empresa II (63 acções), DD, com domicílio em … …, … Paris, França, que detém uma participação de 0,26% na empresa II (1 acção), adiante designados os vendedores;

E FF Portugal - Têxteis, S.A., com sede na Rua …, …, .. . -Esposende, Portugal, representada por KK, adiante designada o comprador

É acordado o seguinte:

O comprador pretende adquirir uma participação de 100% (cem por cento) na empresa II.

Os vendedores assumem o compromisso de ceder ao comprador ou a uma empresa francesa designada por este, uma participação de 100% (cem por cento), representativa do capital social da empresa, ou seja, 376 acções, o mais tardar até 24 de Janeiro de 2005, nas seguintes condições:

1 - O preço de venda é de € 1.017.710 (um milhão, dezassete mil, setecentos e dez euros) dos quais € 310.000 (trezentos e dez mil euros) serão pagos por transferência bancária para as contas dos vendedores na data de cessão das participações e o saldo será pago em seis prestações semestrais como segue;

Primeira: 30/06/05 – € 115.000 (cento e quinze mil euros);

Segunda: 31/12/05 - € 115 000 (cento e quinze mil euros);

Terceira; 30/06/06 - € 115 000 (cento e quinze mil euros).

Na sexta prestação, as contas correntes de BB, DD e AA, conforme se apresentam em 30 de Setembro 2004, serão deduzidas do pagamento.

Sobre os montantes devidos em conta corrente será calculado um juro à taxa de 4% ao ano, a partir de 1/10/03, no montante de € 83.300 devido pela AA e, a partir de 01/10/04, nos montantes de € 13.036,69 devido por HH e de € 5.962,75 devido por BB, até à prestação de 31/12/07. Os juros serão lançados em conta corrente e recuperados na data da última prestação. Os montantes foram calculados em anexo e representam, no total, € 16.522.

Os pagamentos diferidos serão garantidos por:

1 - Uma garantia bancária irrevogável e ao primeiro pedido para a 2a, 3a e 4a prestações mais € 50.000 (cinquenta mil euros) sobre a 5a prestação e € 5.000 (cinco mil euros) sobre a sexta prestação, perfazendo um total de € 400.000 (quatrocentos mil euros). Esta garantia será entregue na data de cessão das participações.

2 - Uma garantia bancária condicional para a primeira prestação de € 115.000 (cento e quinze mil euros), para a quinta prestação de € 65.000 (sessenta e cinco mil euros) e para a sexta prestação de € 12.700 (doze mil e setecentos euros). Esta garantia condicional será convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido, o mais tardar 60 dias após a cessão das participações. As condições para efectuar esta conversão serão que, no prazo concedido, será efectuado pelo comprador, um controlo das contas, no intuito de verificar se:

O comprador adquire o capital da II em conformidade com as contas provisórias em 30 de Setembro 2004 anexas (cujo valor do activo líquido é de € 329.651). Estas contas serão auditadas pela fiduciária LL, de forma a entregar uma situação definitiva aos outorgantes, o mais tardar até 18 Janeiro 2005. Os outorgantes acordam que o comprador terá a possibilidade de rescindir a presente proposta no caso de a variação do activo líquido ser superior a 100.000 euros a menos.

Por outro lado, nenhuma variação anómala poderá ter lugar entre 30 de Setembro de 2004 e a data da assinatura definitiva, à excepção das operações ligadas à actividade corrente da II, no que se refere às contas de clientes, fornecedores, inventários (quantidade e valor), bancos, impostos, capital.

As contas em 30 de Setembro de 2004 reflectem a realidade no que respeita às rubricas seguintes:

Inventário físico, avaliado com base nos preços de compra;

Solvabilidade e exactidão das contas de clientes;

Contas bancárias;

Exactidão fiscal das contas;

Contas de fornecedores;

No caso de a verificação destas cinco rubricas revelar anomalias que gerem uma discrepância total superior a € 50.000 (cinquenta mil euros), o excedente será tido em conta pelo vendedor e deduzido na prestação de 30/06/05, assim como, eventualmente, na de 30/06/07, e, por conseguinte, deduzido das garantias condicionais que devem ser convertidas em garantias incondicionais.

Todavia, o vendedor procederá, através da fiduciária LL, que elaborou as contas, e a cargo da empresa II, a uma verificação contraditória das contas e, nesse caso, os dois auditores definirão uma solução justa e não discutível.

A garantia condicional de € 192.700 (cento e noventa e dois mil e setecentos euros) será entregue na data de cessão das participações.

2 - Os vendedores garantem, durante um período de três anos, a contar de 30 de Setembro de 2004, o risco fiscal anterior a 30 de Setembro de 2004. Esta garantia só é válida no caso de o comprador ter os arquivos completos e disponíveis e de os vendedores terem sido previamente informados pelo comprador, por carta registada, da ocorrência de um controlo fiscal, no prazo de cinco dias após a recepção do aviso de controlo. Os vendedores terão o direito de participar em cada controlo correspondente e de consultar e prestar assistência ao comprador. A garantia só poderá ser accionada no caso de os vendedores terem tido a possibilidade de defender e explicar o processo nos controlos fiscais e de ter sido debitada e inscrita pelas autoridades fiscais uma correcção superior a € 10.000 (dez mil euros) por exercício. Os montantes a pagar serão deduzidos de comum acordo nas prestações semestrais.

4 - Os contratos de arrendamento (escritório...), leasOO (veículos ou outros), manutenção (escritórios, material), seguros, telefone, fax, telex, e-mail, EDF e quaisquer outros, directamente ligados à actividade e actualmente à guarda da empresa MM na Bélgica ou da NN em França serão adquiridos pelo comprador ou uma empresa francesa designada por este. As cauções pagas serão reembolsadas pelo comprador ou por uma empresa francesa designada por este, às empresas respectivas, assim como os pagamentos efectuados proporcionalmente aos períodos após a cessão das participações da II. Os outorgantes acordam efectuar as transferências o mais rapidamente possível após a cessão das participações

5 - O pessoal ligado à actividade da II que tenha contratos de trabalho ou outro tipo de contratos com a MM na Bélgica ou NN em França serão transferidos para a II, Bélgica, ou para uma empresa francesa designada ou criada pelo comprador. O pessoal será assumido com a antiguidade e todas as regalias adquiridas. Do pessoal fazem parte exclusivamente uma secretária em Paris e uma secretária em Bruxelas, um vendedor exclusivo e 17 vendedoras nas GALERIES LAFAYETTE (a tempo parcial).

6 - No termo da cessão, a MM declara não ter qualquer direito sobre a II nem sobre a FF relativamente à compra e venda dos produtos fabricados pela FF.

7 - A FF garante à MM o reembolso imediato de qualquer montante que o Banco OO possa reclamar em virtude do acto de caução que a MM entregou ao banco OO, a favor da II, para cobrir um montante em capital de € 300.000 (trezentos mil euros) de compromissos, acrescido de juros, comissões e quantias acessórias. A FF compromete-se a transferir esta caução o mais rapidamente possível.

8 – Todos os administradores da II apresentarão a sua demissão no dia da cessão das participações e o comprador compromete-se irrevogavelmente a proceder a uma assembleia geral na semana a seguir à cessão das participações a fim de validar a demissão de todos os administradores e de os desobrigar da gestão pessoal durante o exercício do seu mandato.

Os outorgantes concordam expressamente com a jurisdição exclusiva dos tribunais belgas em caso de litígio e com a aplicação exclusiva da legislação belga.

Celebrado em Bruxelas, em 30/12/04, em 6 exemplares” (fim de transcrição).
3º – Por sentença, transitada em julgado, do Tribunal de 2.ª Instância de Bruxelas de 13/01/2011, reformada em 18/08/2011 para rectificação de erro material, junta a fls. 38/53 do processo executivo, a sociedade FF Portugal SA foi condenada a pagar aos exequentes a quantia de € 310.308,29, acrescida dos juros moratórios, a partir de 22 de Janeiro de 2008, além dos juros judiciais, com dedução do pagamento de € 170.000 que a sociedade FF Portugal tinha efectuado em 20 de Fevereiro de 2008.
4.
A executada/recorrente insurge-se contra a decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou procedente a apelação e revogou a sentença recorrida, determinando, assim, o prosseguimento da execução intentada contra a ora recorrente, entendendo que a mesma fez incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos dados como provados nos autos, relativamente a três questões essenciais, relacionadas entre si que constituem afinal o objecto do recurso:
a) – A natureza jurídica da garantia bancária que titula a execução – se a mesma deve ser considerada como uma fiança ou uma garantia autónoma e automática;
b) – Saber se acaso se verificaram, ou não, as condições acordadas pelas partes no Protocolo de Acordo que permitem a “transformação ou conversão” da garantia condicional prestada pelo ora Recorrente em garantia incondicional;
c) – Saber se essa garantia bancária constitui, ou não, título executivo.
5.1.
A natureza jurídica da garantia bancária que titula a execução – se a mesma deve ser considerada como uma fiança ou uma garantia autónoma e automática.

Segundo os Exequentes, a garantia bancária que serve de base à execução é uma garantia bancária autónoma, irrevogável ao primeiro pedido, cujos beneficiários são os Exequentes.
Diferentemente, o Executado/Oponente sustenta que a garantia em causa não é autónoma. É uma garantia condicional que poderá ser convertida em garantia incondicional, que reveste a natureza de fiança.
Para uma melhor dilucidação da questão, importará ter presente a definição das duas figuras jurídicas invocadas pelas partes, bem como os traços fundamentais que as separam.
Tal como decorre dos artigos 627º, 637º e 638º do Código Civil, a fiança é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta não o fazer. Por outro lado, o fiador assume uma obrigação acessória, o que lhe possibilita opor ao credor os meios de defesa que competem ao devedor afiançado, conferindo-lhe também o benefício da excussão. Ainda que o fiador renuncie a tal benefício, a sua obrigação está sempre dependente da obrigação principal, porque a sua validade depende da validade daquela, extingue-se com ela, não a pode exceder, nem ser contraída em condições mais onerosas (vide artigos 631º e 632º).
Como referem Romano Martinez e Fuzeta da Ponte[1], a fiança implica que haja um segundo património, o património de um terceiro (fiador), que vai, conjuntamente com o património do devedor, responder pelo pagamento da dívida. Deste modo, acresce à garantia patrimonial que incide sobre os bens do devedor uma outra garantia patrimonial sobre os bens do fiador. O credor passa a ter como garantia de cumprimento dois patrimónios: o do devedor e o do fiador. Temos, então, que o património do devedor continua a responder por uma dívida própria enquanto o património do fiador responde por uma dívida alheia. Da parte do fiador há uma responsabilidade pessoal pelo cumprimento de uma obrigação alheia.

O contrato de garantia bancária, por sua vez, não se encontra previsto na nossa legislação, sendo aceite no nosso ordenamento jurídico, face ao princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405º do Código Civil.

As garantias em referência são chamadas, indiferentemente, garantias bancárias autónomas, garantias (bancárias) automáticas, puras, incondicionais, abstractas, independentes, à primeira solicitação, à primeira interpelação ou de pagamento imediato.

Compreende-se a finalidade prática da garantia autónoma quando, por hipótese, o interessado deseja uma garantia tão forte como o depósito de dinheiro ou de valores.

Dados os inconvenientes desse depósito, dispõe-se a aceitar no lugar dele, outra garantia, mas que o coloque em situação tão segura como a que lhe adviria de um depósito feito nas suas mãos.

Essa outra garantia será prestada por um banco, em termos de funcionamento automático, logo à primeira solicitação do interessado, sem este ter de justificar o pedido e sem que o banco possa opor-lhe quaisquer objecções.

O beneficiário abdica do depósito, mas no pressuposto de ser substituído por uma garantia que, chegado o momento oportuno, ele possa efectivar imediatamente, poupando-se aos incómodos e demoras de um procedimento judicial, e colocando nas suas mãos, a posteriori, aqueles fundos que renunciou a receber a priori[2].

A outra parte não pode deixar de se mostrar de acordo, visto tratar-se de sucedâneo prático de um depósito que tem vantagem em não efectuar.

Por outro lado, o banco, correndo um risco maior, também percebe do seu cliente uma comissão mais elevada; procura naturalmente acautelar em termos convenientes o eventual exercício do direito de regresso contra ele; e foge a imiscuir-se nos litígios entre garantido e o beneficiário, como terá de reembolsar o beneficiário, sem necessidade de o banco tomar posição a favor de um ou de outro.

Na verdade, o garante paga ao credor sem discutir; depois o devedor tem de reembolsar o garante, também sem discutir. E será, por último, entre o devedor e o credor que se estabelecerá a controvérsia, se a ela houver lugar, cabendo ao devedor o ónus de demandar judicialmente o credor para reaver o que houver desembolsado, caso a dívida não existisse e ele portanto não fosse, afinal, verdadeiro devedor.

Assim, segundo Galvão Telles[3], a garantia autónoma é o contrato pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

Ou, por outras palavras, garantia autónoma é “o contrato pelo qual um banco, por mandato do seu cliente, se obriga a pagar certa importância à outra parte (beneficiário), ficando esta com o direito potestativo de exigir a execução dessa garantia, sem que lhe possam ser opostos quaisquer meios de defesa baseados nas relações entre o banco e o ordenador ou entre este e o beneficiário[4]”.

Esta garantia caracteriza-se, pois, pela assumpção de uma responsabilidade de terceiro (devedor) por parte da entidade bancária (garante) perante um determinado credor (garantido), de indemnizar este pelo incumprimento daquele. Tal obrigação não depende da existência, da extensão, da validade ou mesmo da exequibilidade da obrigação do devedor. Em tais garantias, em que se estabelece a interpelação on first demand, o garante apenas ficará desobrigado de cumprir com o pagamento que lhe for exigido pelo credor garantido, caso seja manifesta e patente a obrigação deste.

Fácil é, pois, concluir que tal garantia representa para o beneficiário um acréscimo de garantia, pois que o garante fica constituído na obrigação de pagar imediatamente, a simples pedido do beneficiário, sem poder discutir os pressupostos que legitimam o pedido de pagamento.

Entre os diversos tipos de garantias bancárias, podemos ainda distinguir as garantias autónomas simples e as garantias autónomas automáticas (também designadas «à primeira solicitação» ou «in first demand». Enquanto na primeira o beneficiário só pode exigir o cumprimento da obrigação do garante desde que prove o incumprimento da obrigação do devedor ou a verificação do circunstancialismo que constitui pressuposto do nascimento do seu crédito face ao garante, já tal prova não lhe é exigível na segunda, devendo nesta o garante entregar imediatamente ao beneficiário, ao primeiro pedido deste, a quantia pecuniária fixada[5].

Com efeito, a garantia bancária à primeira solicitação, forma mais reforçada das garantias dessa natureza, abdica de qualquer possível discussão por parte do garante das relações subjacentes à emissão da garantia e de qualquer comprovação do incumprimento. Feita a solicitação de pagamento o garante deve pagar sob pena de incumprir os deveres que assumiu.

Importa, todavia, sublinhar que autonomia não se confunde com automaticidade, apenas esta reforça aquela. Na verdade, ainda que a garantia não tenha incluída a cláusula on first demand, a mesma continua a ser independente da obrigação garantida, com todas as características atrás enunciadas.

A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal).

As primeiras e as últimas são de natureza externa, no sentido de que nelas participa o beneficiário; as segundas são de índole interna, no sentido de que nelas não participa o beneficiário, travando-se entre os outros sujeitos.

Correlativamente estão em jogo três negócios jurídicos. Existe, em primeiro lugar, um o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário. Segue-se um contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário. E, por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída[6].

Em síntese, embora exista uma certa tendência para confundir a garantia autónoma com a fiança, essa tendência é errónea[7].

Resulta do que deixamos exposto que, sem dúvida, as duas correspondem a preocupações semelhantes, na medida em que ambas têm uma função específica de garantia. Não podem, todavia, assimilar-se, porque as separam traços fundamentais.

Como se referiu, a fiança é o contrato pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta o não fazer. O fiador compromete-se a pagar a dívida de outrem – o devedor principal. O seu compromisso é acessório.

No caso de garantia autónoma, o garante não se obriga a satisfazer uma dívida alheia. Mais do que isso, ele assegura ao beneficiário determinado resultado, o recebimento de certa quantia em dinheiro, e terá de proporcionar-lhe esse resultado, desde que o beneficiário diga que não o obteve da outra parte, sem que o garante possa entrar a apreciar o bem ou mal fundado desta alegação.

O objecto da fiança confunde-se com o objecto da dívida afiançada, no sentido de que o fiador tem de pagar o que o afiançado deixou de satisfazer. O objecto da garantia autónoma é distinto do objecto da obrigação decorrente do contrato – base.

Daqui resulta que o garante autónomo ou independente, ao contrário do fiador, não é admitido a opor ao beneficiário as excepções de que se pode prevalecer o garantido. Faz-se muitas vezes uma declaração expressa nesse sentido, afirmando-se no título da garantia não poder o garante invocar as excepções derivadas do contrato – base. Essa declaração não é indispensável, mas tem a vantagem prática de explicitar melhor que não se trata de uma fiança. Em regra, tal declaração aparece rotulada de renúncia, mas verdadeiramente não se trata de renúncia – ou melhor, exclusão – de um direito que assistisse em princípio ao garante, e sim de uma consequência necessária da natureza autónoma da garantia[8].
Nesta modalidade de garantia bancária, o garante não pode invocar em sua defesa quaisquer meios relacionados com o contrato garantido, ou seja, a garantia não é acessória da obrigação que garante, é autónoma face à dívida, independente da discussão acerca do cumprimento ou do incumprimento do contrato. Assim, ao accionamento da garantia basta a interpelação à instituição de crédito, por parte do beneficiário da garantia, tudo se passando como se o Banco, no momento em que se obrigou perante o beneficiário, tivesse depositado à ordem deste o montante estipulado na garantia[9].

Apontados os traços que separam a fiança da garantia autónoma, importa clarificar o contrato que exequentes e executado celebraram, para que, a partir daí, se possa qualificar a garantia prestada.
Como salienta a sentença, a qualificação jurídica de um contrato passa pela interpretação do alcance e sentido que as partes quiseram dar às suas declarações negociais. Para isso, terá de proceder-se à sua interpretação, que consiste em determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações, sujeita às regras estabelecidas nos artigos 236º e seguintes do Código Civil.
Aí se afirma o primado da vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário: do disposto no n.º 2 do artigo 236º resulta que, conhecendo o declaratário o sentido que o declarante pretendeu exprimir através da declaração, é de acordo com a vontade comum das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua, quer o seu sentido (objectivo) seja inequivocamente contrário ao sentido que as partes lhe atribuíram.
Nos casos em que o declaratário não conhece a vontade real do declarante, o artigo 236º consagra uma teoria objectivista da interpretação, mitigada por restrições de índole subjectivista: o sentido da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1) ou de o declaratário (n.º 2) conhecer a vontade real do declarante (n.º 2) ou prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.

No que se refere aos negócios formais, rege o artigo 238º do Código Civil, nos termos do qual não há sentido possível que não tenha no texto do preceito um mínimo de correspondência, a não ser que se trate de matéria relativamente à qual se não exija a forma prescrita na lei ou prevalecer um sentido que não tenha aquele mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, se esse sentido corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma se não opuserem a essa validade.
5.2.
Saber se acaso se verificaram, ou não, as condições acordadas pelas partes no Protocolo de Acordo que permitem a “transformação ou conversão” da garantia condicional prestada pelo ora Recorrente em garantia incondicional;
Para decidir a questão subjacente à questão fundamental dos autos, importa analisar o teor do documento, isto é, o texto da garantia n.º 05/021/22611.
Nesse documento, começa-se por salientar que o Banco EE, por ordem do seu cliente “FF PORTUGAL” (o comprador), emitiu a favor dos beneficiários aí mencionados, uma garantia irrevogável até ao montante de € 192.700 para caucionar uma parte dos pagamentos diferidos do valor de venda da participação de 100%, representativa do capital social da empresa II, nos termos constantes do ponto 1.1. do "Protocolo de Acordo" assinado em 30/12/2004 pelo comprador e pelos vendedores.
E acrescenta:

“Por conseguinte, o Banco EE compromete-se a pagar aos vendedores acima mencionados, ao seu primeiro pedido por escrito, declarando que o nosso cliente não cumpriu as suas obrigações de pagamento de alguns montantes necessários para liquidar os seguintes pagamentos: Primeira prestação: 30/05/2005 - € 115.000 (cento e quinze mil euros); Quinta prestação: 30/06/2007- (parte) - € 65.000 (sessenta e cinco mil euros); Sexta prestação - 31/12/2007 - (parte) - € 12.700 (doze mil e setecentos euros)
Esta garantia será condicional e convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido, nos termos do ponto 1.2. do Protocolo acima referido”.

Procurando demonstrar que se trata de uma garantia autónoma, salientam, ajustadamente, os recorridos, que, em primeiro lugar, no documento, em local algum se faz menção a fiança, sendo que, se fosse essa a sua vontade, teria naturalmente sido utilizada a expressão “fiança bancária” e não “garantia bancária”.
Em segundo lugar, o texto do documento refere expressamente “compromete-se a pagar aos vendedores acima mencionados, ao seu primeiro pedido por escrito (sublinhado nosso) e ainda “esta garantia condicional será convertível em garantia incondicional e ao primeiro pedido”.
Ao contrário do pretendido pelo recorrente, a circunstância de não constar da garantia a expressão «on first demand» não significa que, ipso facto, fique excluída a possibilidade de se considerar, à luz da doutrina da impressão do destinatário, que a garantia bancária prestada é uma garantia bancária á primeira solicitação
A falta da expressão impressa «on first demand» não altera a sua natureza. A cláusula on first demand não é uma cláusula sacramental. Basta que do seu texto constem outros elementos, como de facto constam, que permitam com segurança concluir que se trata de uma garantia autónoma.
Ainda, segundo o referido documento, era condição necessária e suficiente, para que este pagamento fosse exigível, a comunicação (declaração) pelos vendedores / beneficiários ao Banco/garante de duas condições exaradas no texto da garantia:
1ª - O pedido do pagamento garantido terá de ser efectuado por escrito, dirigido ao Banco;
2ª – Os beneficiários terão de declarar que o comprador, o cliente do Banco, não cumpriu as suas obrigações de pagamento do valor determinado.
Esta declaração de vontade é, não só, unilateral, como é também potestativa, porque se impõe eficazmente, independentemente da vontade do comprador ou do garante.
Significa isto que, não dependendo a obrigação do garante da extensão, validade ou exequibilidade, da obrigação do terceiro, o pagamento deverá ser feito após potestativa interpelação do beneficiário.
Aliás, no referido texto da garantia bancária ou mesmo nas condições do Protocolo de Acordo, ou na decisão do tribunal belga, não se refere que os vendedores /beneficiários teriam de demonstrar ou provar ao garante, que os termos do ponto 1.2 do protocolo de Acordo tinham sido cumpridos ou definidos.
Donde, considerando que as partes são as indicadas no título executivo, delimitadas pelo negócio formal da garantia, sendo esta independente da relação subjacente, confirma-se, assim, a autonomia da garantia em causa.
Daí que, uma vez interpelado pelo beneficiário, o garante deve ter uma posição de estrita neutralidade perante qualquer litígio entre as partes do contrato – base, não podendo invocar em seu benefício qualquer meio de defesa relacionado com aquele contrato.

Argumenta, contudo, o recorrente que o aludido documento, por expressa referência para o ponto 1.2. do Protocolo, refere que, pela obrigação garantida, o recorrente obrigou-se a pagar aos recorridos um montante de € 192.700, em condições determináveis, pelo que a garantia bancária em causa não seria autónoma.
Salvo o devido respeito não lhe assiste razão.
Interpretando o aludido texto, manifesta-se claramente que, no momento da elaboração da garantia, a obrigação de pagamento à primeira solicitação do Banco recorrente ficou sujeita a uma condição suspensiva: definição do valor a pagar pelo beneficiário aos exequentes nos termos do ponto 1.2 do Protocolo de Acordo, no termo do prazo estipulado, após um controlo de contas efectuado pelo perito contabilista – Fiduciária LL.
Ou seja, embora esta garantia, desde a sua génese, se considerasse garantia bancária autónoma, a mesma passaria da forma ou condição suspensiva para a sua eficácia plena, logo que verificadas as condições previstas no ponto 1.2 do Protocolo.

Ora, a decisão proferida no tribunal de 2ª instância de Bruxelas que, fixando o valor das acções vendidas, de II SA, condenou a compradora, a FF Portugal Têxteis SA, a pagar aos recorrentes a quantia de € 310.308,29, a acrescer dos juros moratórios a partir de 22 de Janeiro de 2008, além dos juros judiciais, com dedução do pagamento de € 170.000, pôs fim a todas as controvérsias que pudesse suscitar o aludido ponto 1.2 do Protocolo, referente a discrepâncias de valor susceptíveis de serem verificadas através de auditoria das contas da “II”.

Pelo que, feita a respectiva comunicação e apresentação da decisão proferida pelo Tribunal Belga perante o garante, nada mais seria necessário para que operasse a prevista conversão de uma garantia condicional em garantia incondicional e ao primeiro pedido.
Ou seja, as condições estabelecidas no Protocolo de Acordo para converter a garantia dada à execução em garantia incondicional encontram-se definitivamente analisadas e definidas pelos Tribunais Belgas, aliás, os únicos para julgar os litígios decorrentes da celebração e execução do Protocolo de Acordo, face ao pacto de jurisdição convencionado por acordo das partes intervenientes no contrato – base.
Assim, a garantia bancária, cuja eficácia estava suspensa, a aguardar somente o termo do prazo e que os montantes do saldo das contas entre os contraentes fossem definidos, tornou-se, a partir desse momento, definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.
5.3.
Saber se essa garantia bancária constitui, ou não, título executivo.

Objecta o recorrido que estão pendentes outras ações judiciais intentadas pela ordenadora da garantia "FF" contra os ora vendedores/exequentes, quer nos Tribunais Franceses, quer no 1.º Juízo do Tribunal Judiciai de Esposende, cujo objecto são precisamente os condicionalismos previstos no Protocolo de Acordo.

Contudo, de tal Protocolo de Acordo consta ainda que “os outorgantes concordam expressamente com a jurisdição exclusiva dos tribunais belgas em caso de litígio e com a aplicação exclusiva da legislação belga”.

Consequentemente, a pendência daquelas acções não impede a verificação da condição suspensiva constante do ponto 1.2 do Protocolo de Acordo.

Resulta do exposto que a garantia dada à execução, sendo uma garantia autónoma, á primeira solicitação, constitui um título executivo, nos termos da alínea c) do artigo 46º do CPC, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013.

Ainda que, por mera hipótese, estivéssemos perante uma garantia bancária autónoma simples, isso não obstaria à sua execução, pois o artigo 804º, n.º 1 do CPC, na redacção anterior à Lei 41/2013, admite a acção executiva quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva, contanto que o exequente prove documentalmente perante o Agente de Execução que a condição se verificou ou se efectuou.

Ora os exequentes provaram as condições de conversão da garantia, tendo esta, por isso, aptidão de título executivo.

Nada obsta, assim, ao prosseguimento da execução, devendo, em conformidade, julgar-se procedente a apelação e revogar-se a decisão recorrida.

6.

Concluindo:

I - A fiança é o negócio jurídico pelo qual uma pessoa se obriga para com o credor a cumprir a obrigação de outra pessoa, no caso de esta não o fazer, caracterizada pela sua acessoriedade (dependência) em relação à obrigação garantida (a do devedor principal).

II - O contrato de garantia bancária, não se encontrando previsto na nossa legislação, é aquele pelo qual o banco que a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia em dinheiro, no caso de inexecução ou má execução de determinado contrato (o contrato – base), sem poder invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com esse mesmo contrato.

III - Entre as situações de garantia autónoma, figura a garantia on first demand, que se pode traduzir por uma promessa de pagamento à primeira interpelação ou primeira solicitação, não podendo ser discutido o cumprimento ou incumprimento do contrato, bastando a interpelação do beneficiário da garantia, autonomia que a distingue, assim, da fiança.

IV - A garantia autónoma é uma figura triangular, supondo três ordens de relações jurídicas: (i) relação entre o garantido (dador da ordem) e o beneficiário (credor principal); (ii) relação entre o garantido (dador da ordem) e o garante (banco); (iii) relação entre o garante (banco) e o beneficiário (credor principal). Correlativamente, nela estão em jogo três negócios jurídicos: (i) o contrato – base, em que são partes o dador da ordem, o mandante da garantia, e o beneficiário; (ii) o contrato qualificável como de mandato, mediante o qual o mandante incumbe o banco de prestar garantia ao beneficiário e (iii), por último, o contrato de garantia, celebrado entre o banco e o beneficiário, em que o banco se obriga a pagar a soma convencionada logo que o beneficiário o informe de que a obrigação garantida se venceu e não foi paga e solicite o pagamento, sem possibilidade de invocar a prévia discussão dos bens do beneficiário ou a impossibilidade da obrigação por este contraída.

V - A qualificação jurídica do negócio pretendido pelas partes (fiança ou uma garantia autónoma) supõe a sua interpretação nos termos do estatuído nos artigos 236º e 238º do Código Civil.

VI - A utilização das expressões “garantia irrevogável” e a obrigação de pagar “após potestativa interpelação do beneficiário, ao seu primeiro pedido e por escrito”, não podem deixar de ser interpretadas e de lhes conferir a natureza de garantia autónoma on first demand, ou seja, à primeira solicitação ou primeira interpelação.

VII - A garantia bancária, cuja eficácia estava suspensa, a aguardar somente o termo do prazo e que os montantes do saldo das contas entre os contraentes fossem definidos, tornou-se, a partir desse momento, definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

VIII - Se a obrigação de pagamento à primeira solicitação do Banco recorrente ficou sujeita a uma condição suspensiva – definição do valor a pagar pelo beneficiário aos exequentes – que já foi definitivamente realizada pelo tribunal com competência para julgar tal valor, face ao pacto de jurisdição convencionado por acordo das partes intervenientes no contrato – base, a garantia tornou-se definitivamente eficaz e incondicional, ao primeiro pedido.

IX -Por conseguinte, constitui um título executivo, nos termos da alínea c) do artigo 46º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013.

X - Ainda que, por mera hipótese, estivéssemos perante uma garantia bancária autónoma simples, isso não obstaria à sua execução, nos termos do artigo804º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aludida.

7.

Em face do exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido, devendo, consequentemente, prosseguir a execução.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 22 de Maio de 2014

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Fernanda Isabel Pereira

_______________________
[1] Garantias de Cumprimento, Almedina 1994, páginas 49-50.
[2] Inocêncio Galvão Telles, Revista de Direito e Economia, ano VIII, 281.
[3] Obra citada, 283.
[4] José Maria Pires, Direito Bancário, Volume II, 284.
[5] Vide Ac. STJ de 13/01/2009, Processo n.º 08A3725, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Vide Ac. STJ de 29/04/2008, Revista n.º 380/08 (Relator Nuno Cameira).
[7] Pedro Romano Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte, Garantias de Cumprimento, 4ª edição, 122.
[8] Galvão Telles, Obra Citada, 284-285.
Vide Acs. STJ de 29/04/2008, Revista nº 380/88; de 19/05/2010, Revista n.º 241/07.OTBMCD-A.S1; de 8/06/2010, Revista n.º 12720/06.1YYPRT-A.P1.S1
[9] Vide Parecer dos Profs. Almeida e Costa e Pinto Monteiro, in CJ, ano 1986, tomo V, páginas 18 e 19.