Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B557
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
COMPROPRIEDADE
LEGITIMIDADE ACTIVA
Nº do Documento: SJ200509220005572
Data do Acordão: 09/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 535/03
Data: 07/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - O comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência em consequência de alienação de quota de um seu consorte a estranho e não possa provar a renúncia dos outros consortes, deve propor acção conjuntamente com estes - ou provocar a sua intervenção na acção -, em litisconsórcio necessário activo, sob pena de ilegitimidade;

II - Trata-se de solução consentânea substantivamente com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403.º do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão;

III - A situação de preferência sub iudicio não deve ser assimilada à de reivindicação regulada no n.º 2 do artigo1405, posto que a lei não faculta neste caso ao consorte que age isolado a reivindicação da coisa comum para integração na sua esfera jurídica individual, mas unicamente no interesse de todos, uma vez que a coisa não lhe pertence por inteiro.
O mesmo não sucede com o exercício por natureza da preferência, que a própria lei de resto configura em contraponto como direito de o preferente - o preferente que seja único, evidentemente, posto que no caso de pluralidade rege o n.º 3 do artigo 1409 - «haver para si a quota alienada» (artigo 1410, n.º 1);

IV - O artigo 419, por seu lado, deixou de ser incluído na remissão operada pelo n.º 2 do artigo1409, não para excluir da compropriedade o exercício conjunto do direito de preferência previsto no n.º 1 daquele primeiro preceito, mas porque o n.º 3 do artigo 1409.ºdefinia do mesmo passo um específico regime na compropriedade - «sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas» -, implicando a mesma regra do litisconsórcio necessário activo estabelecida no n.º 1 do artigo 419.º, e ademais antitético da solução da licitação consignada no n.º 2 deste artigo.»
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
"A", residente no concelho de Anadia, instaurou no tribunal desta comarca, em 11 de Julho de 2001, contra 1.º B, e 2.º C, ambos também residentes naquele concelho, acção ordinária de preferência na venda que o 1.º réu fez ao 2.º, mediante escritura de 12 de Janeiro de 2001, da nua propriedade de 1/7 do prédio rústico identificado na petição, por 3.000 contos.

O autor é comproprietário da nua propriedade de 1/7 do mesmo prédio, pertencendo os restantes 5/7 da raiz aos irmãos do demandante e do 1.º réu, e o usufruto vitalício a seu pai, sendo o adquirente, por seu lado, totalmente alheio à comunhão.

Não obstante a sua posição de comproprietário, e de titular do direito de preferência na venda da quota do 1.º réu, à luz do artigo 1409.º do Código Civil, o alienante não lhe deu qualquer conhecimento, e bem assim aos demais comproprietários, dos termos essenciais do negócio, e o autor só teve conhecimento destes nos últimos dias de Janeiro de 2001.

Pede, nos termos do artigo 1410, n.º 1, lhe seja reconhecido o direito de haver para si a quota alienada, nas mesmas condições da venda, substituindo-se ao 2.º réu na posição de adquirente, uma vez depositados no prazo legal os valores do preço, da sisa e da escritura, com o cancelamento dos registos efectuados na base da alienação.

2. Regularmente citados os réus não contestaram, e foi proferido despacho considerando confessados os factos articulados pelo autor, conforme o n.º 1 do artigo 484.º do Código de Processo Civil.

Em cumprimento no disposto no n.º 2 do citado artigo, o 2.º réu apresentou alegação excepcionando, por um lado, a ilegitimidade plural do autor por agir desacompanhado dos demais comproprietários sem provar a renúncia destes; por outro lado, a caducidade da acção de preferência pelo facto de o depósito do preço ter sido efectuado fora do prazo legal.

A sentença, proferida nos termos do mesmo normativo, em 16 de Julho de 2002, julgou improcedente a ilegitimidade, considerando que a titularidade da relação jurídica controvertida, tal como configurada pelo autor, lhe confere interesse directo em demandar (artigo 26.º do Código de Processo Civil). E inexigindo a lei a intervenção dos demais comproprietários para assegurar a legitimidade, não resultou preterido o litisconsórcio necessário activo (artigo 28.º). Qualquer um dos comproprietários pode por si só intentar a acção de preferência.

No tocante, em segundo lugar, à caducidade, julgou-se precludida a sua apreciação por intempestividade.

Entendeu-se efectivamente que a excepção em apreço, estabelecida no caso em matéria não excluída da disponibilidade das partes, não é cognoscível oficiosamente pelo tribunal, dependendo de invocação da parte (artigos 333.º e 303.º do Código Civil), a suscitar, todavia, na contestação, onde em princípio deve ser deduzida toda a defesa (artigo 489.º do Código de Processo Civil), e não na alegação final como na situação sub iudicio.

Quanto ao fundo, julgando-se verificados todos os respectivos pressupostos substantivos e processuais, foi a acção considerada provada e procedente, declarando-se em suma a preferência do autor e o direito deste a fazer sua a quota alienada.

Apelou o 2.º réu sem sucesso, tendo a Relação de Coimbra negado provimento à apelação, confirmando na íntegra a sentença do Tribunal da Anadia conforme o artigo 713.º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

3. Do acórdão neste sentido proferido, em 9 de Julho de 2003, interpôs o mesmo réu vencido a presente revista, a processar nos termos dos artigos 732-A e 732-B do Código de Processo Civil, sintetizando a alegação respectiva nas conclusões que se reproduzam:

3.1. «A tese vertida no acórdão recorrido que o ‘exercício do direito de preferência é livre e individual e reveste carácter potestativo pelo que cada um dos preferentes, sem o litisconsórcio de todos, nem necessidade de afastar os demais preferentes, tem legitimidade activa para intentar a acção’ está em manifesta contradição com outros acórdãos, quer do Supremo Tribunal de Justiça, quer das Relações nacionais;

3.2. «As restrições ao direito de propriedade decorrentes da previsão de um direito legal de preferência não se justificam apenas com interesses ou pretensões de cariz subjectivo e privado, mas sim com o interesse colectivo e até razões de natureza económica;

3.3. «O entendimento de que a lei não exige a intervenção dos restantes comproprietários para assegurar a legitimidade do autor na acção de preferência frustará as finalidades da lei e por isso a decisão a obter não produzirá o seu efeito útil normal (artigo 28 do Código de Processo Civil);

3.4. «De acordo com este entendimento, a decisão nunca pode regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado;

3.5. «O artigo 419, n.° 1, do Código Civil prevê o caso de o direito de preferência pertencer a vários titulares conjuntamente e nesse caso só por todos, conjuntamente, poderá ser exercido;

3.6. «O mais alto Tribunal, em acórdão de 5 de Maio de 1988, não deixou de sublinhar que quando o direito de preferência pertence simultaneamente a vários titulares, aplica-se o artigo 1459-B do Código de Processo Civil que obriga ao exercício conjunto do mesmo direito, exemplificando com o caso do comproprietário que na acção de preferência tem de vir acompanhado dos restantes ou provocar a intervenção dos mesmos, sob pena de ilegitimidade.»
Nestes termos, remata o recorrente, «deve dar-se provimento ao recurso, e julgar-se improcedente a acção, uniformizando a jurisprudência decidindo-se que numa situação de pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito de preferência, o comproprietário que pretenda instaurar acção de preferência e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a sua intervenção na acção, sob pena de ilegitimidade activa».

4. O autor contra-alega, pronunciando-se pela confirmação do acórdão sub iudicio.

E o objecto do recurso, considerando a respectiva alegação e suas conclusões, à luz da fundamentação da decisão em recurso, compreende a questão de saber se o comproprietário autor pode, por si só e desacompanhado dos demais, intentar acção de preferência na venda a um estranho, o 2.º réu, da quota do 1.º réu seu consorte, com os inerentes reflexos na decisão de mérito do acórdão recorrido.

5. O recorrente requereu, todavia, a ampliação da revista ao abrigo dos artigos 732- A e 732-B do Código de Processo Civil, para uniformização de jurisprudência, alegando contradição de julgados espelhada em acórdãos do Supremo e das Relações identificados na alegação.

O Ministério Público e o relator emitiram, no entanto, pareceres desfavoráveis à ampliação, dignando-se Sua Excelência o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça concordar, determinando a prossecução do recurso como revista simples.

Considerou-se, na verdade, inexistir necessidade ou conveniência na uniformização de jurisprudência, quando se verifica a assinalável uniformidade de entendimento sobre o tema no seio do Supremo que flui dos acórdãos desta estância jurisdicional citados pelo recorrente em ilustração da disparidade jurisprudencial: cinco desses arestos - de 6 de Novembro de 1979, 27 de Fevereiro de 1986, 22 de Janeiro de 1987, 14 de Abril de 1988, e 9 de Dezembro de 1999, adiante sumariamente vistoriados - perfilharam a tese segundo a qual, em suma, a preferência na alienação da quota de um dos comproprietários deve ser exercida por todos os demais em litisconsórcio necessário activo, respeitando as duas decisões restantes a distinta questão fundamental de direito.
II
1. A Relação deu como assente a matéria de facto provada na 1.ª instância, para a qual, não impugnada e devendo aqui manter-se inalterada, desde já se remete nos termos do n.º 6 do artigo 713 do Código de Processo Civil.

A partir dessa factualidade, à luz do direito aplicável, a sentença e o acórdão recorrido julgaram, como se referiu no intróito, que qualquer um dos comproprietários, e por conseguinte, o autor, tem legitimidade para, por si só, desacompanhado dos demais, intentar singularmente uma acção de preferência como a presente, a qual, por conseguinte, verificados todos os respectivos pressupostos substantivo-processuais, foi considerada procedente, condenando-se os réus no pedido.

2. A jurisprudência, porém, desde há muito seguida no Supremo Tribunal de Justiça, abstraindo da casuística envolvida, é nuclearmente no sentido do litiscosórcio necessário activo, como há momentos se deixou entrever.

Examinem-se paradigmaticamente em breve escrutínio os cinco acórdãos referenciados pelo 2.º réu recorrente a propósito da pretensão de ampliação da revista.

2.1. Assim, do acórdão de 27 de Fevereiro de 1986 (1) recorta-se uma das premissas fundamentais da tese aludida (pág. 536):

«O direito de preferência não se radica em qualquer dos comproprietários individualmente, mas no conjunto, como unidade, e, portanto, cada um daqueles não tem um direito autónomo, pertencendo ele a todos os comproprietários.»

2.2. Enquanto no acórdão de 22 de Janeiro de 1987 (2) já a referida doutrina aparece explicitamente enunciada (págs. 525/526):

«Não pode o comproprietário preterido intentar, isoladamente, a acção de preferência sem a intervenção dos demais ou a sua prévia notificação, salvo se eles houverem renunciado ao seu direito.
(..)
«Portanto, dada a situação da pluralidade de preferentes, respeitante ao mesmo direito de preferência ou contitularidade de uma única relação de preferência, e não a direitos de preferência distintos, porventura, da mesma natureza, o comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência, em consequência de alienação de quota de um seu consorte a um estranho, e não possa provar a renúncia dos outros consortes, terá que propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção - artigo 356.° do Código de Processo Civil - sob pena de ilegitimidade activa.»

2.3. No mesmo sentido discorre o acórdão de 14 de Abril de 1988 (3) , louvando-se em Antunes Varela (pág. 572):

«O comproprietário que se apresente isoladamente a preferir, sem provar a intervenção dos restantes ou sem provar a renúncia deles, não pode deixar de ser considerado parte ilegítima, por não ser o único titular da relação controvertida, no momento em que a acção é proposta.»

2.4. E numa formulação acabada da mesma teoria, ainda o acórdão de 9 de Dezembro de 1999 (4) , cujo sumário se transcreve:

«I - O comproprietário que pretenda instaurar a acção de preferência contra a alienação da quota de um consorte e não possa provar a renúncia dos outros consortes terá de propor a acção conjuntamente com estes ou provocar a intervenção deles na acção, sob pena de ilegitimidade;
II - Trata-se de um caso de litisconsórcio necessário, tendo em conta que, se o comproprietário não interveniente na acção propusesse acção para obter a sua proporção na quota alienada, como tinha o direito de o fazer, verificar-se-ia, ou podia verificar-se, conflito de decisões e a decisão a favor dos autores não regulava definitivamente a questão (artigo 28, n.° 2, do Código de Processo Civil).»

2.5. Deixámos deliberadamente para o fim o acórdão de 5 de Novembro de 1979 (5) , pela sua flagrante afinidade com o nosso caso, propiciando o ensejo de clarificar a problemática ora em apreciação.

Na linha da jurisprudência que vem de se examinar, entendera-se já no citado aresto que o direito de preferência pertence a todos os comproprietários e por todos deve ser exercido, tal implicando logicamente, observamos nós, a exigência da intervenção de todos para assegurar a legitimidade, em litisconsórcio necessário activo (artigo 28 do Código de Processo Civil).

Considera, todavia, o acórdão que se o autor se arroga em exclusivo a titularidade do direito de preferência - como nitidamente sucede na presente acção, em que o demandante pede o reconhecimento do direito de haver para si a quota alienada, e de se substituir ao 2.º réu na posição de adquirente -, então está assegurada a sua legitimidade, posto que tem interesse directo em demandar, nos termos do artigo 26.º, por se apresentar como sujeito da relação material controvertida, tal como configurada na petição.

Só que, pertencendo a preferência a todos os comproprietários, o autor não tem realmente o direito que se arroga, improcedendo a acção, por conseguinte, quanto ao fundo.

A solução não pode, contudo, ser esta actualmente.

A regra de aferição da legitimidade em função da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, extraída pelo Supremo do artigo 26.º na época em que proferiu o aresto, foi introduzida no n.º 3 do mesmo artigo pela Reforma de 1995/96, sob reserva, passe a expressão, de inaplicabilidade à legitimidade plural.

É neste sentido elucidativo o seguinte excerto do relatório preambular do Decreto--Lei n. 329-A/95, de 12 de Dezembro:

«Circunscreve-se, porém, de forma clara, tal problemática ao campo da definição da legitimidade singular e directa - isto é, à fixação do ‘critério normal’ de determinação da legitimidade das partes, assente na pertinência ou titularidade da relação material controvertida - e resultando da formulação proposta que, pelo contrário, a legitimação extraordinária, traduzida na exigência do litisconsórcio ou na atribuição de legitimidade indirecta, não depende das meras afirmações do autor, expressas na petição, mas da efectiva configuração da situação em que assenta, afinal, a própria legitimação dos intervenientes no processo.»

Pois bem. Não obstante a intencionalidade restritiva da Reforma que vem de se ilustrar, a sentença julgou positivamente a legitimidade plural do autor no presente processo segundo o artigo 26, tal como preconizava o acórdão de 5 de Novembro de 1979, considerando, por seu lado, a acção procedente.

E a Relação de Coimbra confirmou a decisão mediante o acórdão recorrido, que assim não poderá manter-se em qualquer dos dois aspectos.

3. Na verdade, propendemos igualmente a subscrever o entendimento delineado na jurisprudência recenseada, não vislumbrando razões de tomo que nos movam a divergir.

Pensa-se, aliás, ser essa a solução substantivamente consentânea com a natureza jurídica da compropriedade, na concepção, mais adequada às soluções legais e ao próprio conceito formulado no artigo 1403 do Código Civil, de um único direito de propriedade com pluralidade de titulares, pertencendo a cada um deles uma quota ideal do mesmo direito (6) .

Consoante observa a doutrina italiana, não pode existir ao mesmo tempo mais de um direito de propriedade sobre o mesmo bem - duorum vel plurium in solidum dominium esse non potest -, mas de um mesmo direito podem ser titulares vários sujeitos conjuntamente, e nada impede, por consequência, que a propriedade, na sua natureza de domínio pleno e exclusivo, pertença simultaneamente a várias pessoas em conjunto. Então, nas relações internas da comunhão cada consorte detém uma quota ideal do direito, que exprime o quantum de poderes sobre a coisa comum enquanto dura a comunhão, e a medida do direito no momento da divisão (7) .

Pois bem. Uma semelhante construção não permitiria, assim o cremos, explicar que o mais lesto quiçá dos consortes preferentes pudesse isoladamente agir e haver para si a quota alienada em detrimento dos demais. Pelo menos a sentença que a favor desse comproprietário se proferisse não produziria o seu efeito útil normal, como se mostrou, deixando de regular definitivamente a situação concreta dos interessados na fattispecie sub iudicio.

Tais na realidade as consequências a que conduziria o entendimento adoptado nas instâncias, verdadeiramente tributário, se bem julgamos, de um concepção individualista do direito de propriedade - porventura tradicional, mas ultrapassada no vigente Código Civil -, conducente à qualificação da compropriedade como uma pluralidade de direitos de domínio, quer sobre quotas ideais ou intelectuais do objecto (Manuel Rodrigues), quer sobre todo o objecto da compropriedade concretamente considerado (Pinto Coelho/Windscheid) (8) ..

Daí que a preferência devesse ter sido exercida por todos os comproprietários, em litisconsórcio necessário activo.

4. Duas objecções suscita o autor recorrido na contra-alegação.

4.1. A primeira relaciona-se com o disposto no n.º 2 do artigo 1405 do Código Civil.

Se, na verdade, de acordo com este preceito, um «consorte, desacompanhado dos restantes, pode reivindicar de terceiro a coisa comum», não se compreenderia, objecta o recorrido, que não pudesse «preferir na venda que foi feita a terceiro sem o seu conhecimento».

A dificuldade é, porém, meramente aparente.

Desde logo, se a lei não estipulasse a norma especial do n.º 2 do artigo 1405.º, seguir-se-ia ficar a reivindicação sujeita à regra do exercício conjunto estabelecida no n.º 1, susceptível de suscitar aporias e de causar até danos irremediáveis na consistência prático--jurídica da compropriedade.

Sendo esta a teleologia do normativo em apreço, o certo em todo o caso é que as duas situações, da reivindicação e da preferência, não devem ser assimiladas.

No primeiro caso, ao consorte que age isolado de modo algum faculta a lei teleologicamente, como acabamos de mostrar, a reivindicação da coisa comum para integração na sua esfera jurídica individual, mas unicamente no interesse de todos, uma vez que a mesma não lhe pertence por inteiro, consoante sublinha o preceito legal.

O mesmo não sucede com o exercício por natureza da preferência, que a própria lei, aliás, configura em contraponto como direito de o preferente - o preferente que seja único, evidentemente, porque no caso de pluralidade de comproprietários preferentes rege o n.º 3 do artigo 1409.º, a que de seguida aludiremos - «haver para si a quota alienada» (artigo 1410.º, n.º 1).

4.2. A segunda objecção tem a ver com a remissão delineada no n.º 2 do artigo 1409.º

Mediante essa remissão, a lei manda aplicar à preferência do comproprietário os artigos 416.º a 418.º, excluindo, portanto, o artigo 419.º, cujo n.º 1 dispõe: «Pertencendo simultaneamente a vários titulares, o direito de preferência só pode ser exercido por todos em conjunto.»

Sinal certo, no ponto de vista do autor recorrido, de que, afastado expressamente esse normativo do regime da preferência na compropriedade, o direito de preferência «não tem que ser exercido por todos os titulares, podendo sê-lo por qualquer um deles individualmente».

Mas o argumento logicamente prova demais.

O artigo 419.º deixou de ser incluído na remissão operada pelo n.º 2 do artigo 1409, não propriamente porque se quisesse excluir da compropriedade o exercício conjunto do direito de preferência previsto no seu n.º 1.

Mas porque o n.º 3 do artigo 1409 definia do mesmo passo um específico regime na compropriedade - «sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada a todos, na proporção das suas quotas» -, implicando a mesma regra do litisconsórcio necessário activo estabelecida no n.º 1 do artigo 419.º, e ademais antitético da solução da licitação consignada no n.º 2 deste artigo.

5. O autor carece, em conclusão, de legitimidade, porque desacompanhado, no exercício da preferência, dos demais comproprietários preferentes.

E a decisão de mérito que julgou a acção procedente não pode consequentemente manter-se.
III
Nos termos expostos, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em conceder a revista, julgando procedente a excepção de ilegitimidade plural do autor, revogam o acórdão recorrido e absolvem os réus da instância.
Custas pelo autor recorrido (artigo 446.º do Código de Processo Civil).

Lisboa, 22 de Setembro de 2005
Lucas Coelho, (Relator)
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.
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(1) «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 354 (Março de 1986), págs. 532 e seguintes.
(2) «Boletim» citado, n.º 363 (Fevereiro de 1987), págs. 523 e segs., com outros subsídios doutrinários e jurisprudenciais na respectiva anotação (págs. 527/528).
(3) «Boletim», n.º 376 (Maio de 1998), págs. 569 e seguintes.
(4) «Boletim», n.º 492 (Janeiro de 2000), págs. 391 e seguintes.
(5) «Boletim» n.º 291 (Dezembro de 1979), págs. 396 e seguintes.
(6) Neste sentido, Manuel Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das lições ao curso de 1966-1967 (policopiados), Coimbra, 1967, págs. 245 e seguintes.
(7) Alberto Trabucchi, Instituzioni di Diritto Civile, 41.ª edizione, a cura di Giuseppe Trabucchi, CEDAM, Padova, 2004, págs. 534/535.
(8) Acerca da teorização sumariada, cfr., mais desenvolvidamente, Manuel Henrique Mesquita, op. cit., págs. 242 e seguintes.