Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
838/15.4T8VRL.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
INCAPACIDADE PERMANENTE
RECURSO DE REVISTA
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO / SENTIDO NORMAL DA DECLARAÇÃO.
Doutrina:
-António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, p. 124;
-Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 7.ª Edição, p. 262;
-Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6.ª Edição, p. 75;
-Menezes Cordeiro, Direito dos Seguros, Almedina, 2013, p. 731;
-Moitinho de Almeida, Contrato de Seguro, p. 23;
-Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, 2005;
-Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, p. 379.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20-11-2014, PROCESSO N.º 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1;
-DE 14-04-2015, PROCESSO N.º 294/2002.E1.S1;
-DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 109/13.0TBMLD.P1.S1;
-DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 542/13.8T2AVR.C1.S1;
-DE 05-04-2016, PROCESSO N.º 36/12.0TBALD.C1-A.S1;
-DE 13-09-2016, PROCESSO N.º 1445/13.1TVL.SB.L2.S1;
-DE 27-09-2016, PROCESSO N.º 240/11.7TBVRM.G1.S1;
-DE 29-11-2016, PROCESSO N.º 1274/15.8T8GMR.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Para que se considere irrelevante a dupla conforme, não se exige uma “fundamentação diferente”: essa fundamentação deve ser “essencialmente diferente”, ou seja, a fundamentação do Acórdão deve ser distinta, diversa, essencial, de facto ou de direito, da acolhida na fundamentação decisiva da sentença apelada. A essencialidade postula a invocação de outros argumentos jurídicos ou factuais considerados ex novo no Acórdão da Relação e decisivos para a confirmação da decisão apelada.

II. Pedra angular do regime jurídico dos contratos de adesão é o dever de informação a cargo predisponente, assim como o dever de agir de boa fé, deveres densificados no diploma que rege as ccg, como meio de protecção do contraente mais débil – o aderente.

III. A interpretação que protege o consumidor segurado, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora e o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação.

IV. A nota informativa (de fls. 32), dimanada da seguradora, na fase pré-contratual, interpretada como o faria um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, art. 236º, nº1, do Código Civil, inculca que o risco inerente ao conceito “incapacidade total e permanente resultante de acidente” é o que consta da al. c) do nº1, do art. 3º das Condições Particulares da Apólice, ou seja – “Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.

V. Estando em causa a cobertura do risco de acidente e a incapacidade total e permanente que causou ao sinistrado, e não risco doença, estipulando a apólice conceitos e regimes de cobertura e requisitos distintos de tais riscos, viola a regra da boa fé e exprime incumprimento do contrato de seguro de vida, a actuação da seguradora que pretende aplicar ao caso de acidente e à incapacidade/invalidez do segurado, o regime mais gravoso e exigente do risco incapacidade por doença e invalidez, num contexto de clara violação do dever de informação das cláusulas contratuais gerais do contrato.
Decisão Texto Integral:

Proc.838/15.4T8VRL.G1.S1

R-669-A[1]

Revista

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA instaurou, em 17.5.2015 – na Comarca de Vila Real Instância Central Cível – agora Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, V. Real – JC Cível – Juiz 2 – acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra:

 BB – Companhia de Seguros, S.A.

CC, S.A.,

Formulando os seguintes pedidos:

a) Que seja considerado válido e em vigor o contrato que o autor celebrou com a ré “BB”, por intermédio e, em consequência da sua adesão ao seguro de grupo, que aquela seguradora havia celebrado com a ré CC, e de que esta era tomadora e beneficiária, adesão essa que foi certificada pela mencionada ré BB, que lhe deu o número ... e a que se reporta a apólice nº ….

b) Que o acidente de viação, de que o autor foi vítima, em 07 de Março de 2011, do qual lhe resultaram lesões, que lhe causaram uma incapacidade permanente global de 63%, conforme avaliação feita por Junta Médica, de acordo com a TNI, seja considerado risco coberto pelo referido contrato de seguro, e, consequentemente, que ao autor seja considerada a garantia complementar, referida na al. c) do nº 1. do art. 3º das condições particulares da apólice nº ..., correspondente a cem por cento do capital seguro, que, a essa data, o autor, ainda, devia à ré CC, na decorrência do empréstimo, no âmbito do crédito à habitação, reportado no clausulado da acção, no valor de € 90.904,27.

c) Que, por via do contratado, seja a ré BB condenada a pagar à ré CC o valor de € 90.904,27 (noventa mil novecentos e quatro euros e vinte e sete cêntimos) correspondente ao capital, que, em 07 de Março de 2011, data, em que foi vítima de acidente danoso, o autor devia à ré CC, na decorrência do empréstimo, que lhe foi feito no âmbito do crédito à habitação, reportado no clausulado da acção.

d) Que, em razão do contratado, seja a ré BB condenada a pagar à ré CC e, em simultâneo, esta seja condenada a restituir ao Autor o valor das prestações e outros pagamentos ou encargos, que deste recebeu, indevidamente, relacionados com o crédito à habitação, que lhe foi concedido a partir do dia 07/03/2011 (data do acidente), que, até ao momento, soma a quantia de € 10.633,87 (dez mil seiscentos e trinta e três euros e oitenta e sete cêntimos), a que devem acrescer juros, à taxa legal.

e) Que a ré BB seja condenada a pagar à ré CC e, em simultâneo, esta seja condenada a restituir ao Autor o valor das prestações e outros encargos, que o autor venha a pagar-lhe, em função e no âmbito do crédito à habitação, que lhe foi concedido, desde a citação para esta acção, até efectivo embolso, acrescido de juros, à taxa legal.

f) Que a ré CC seja, directamente, condenada a pagar ao Autor, o que este pede nas alíneas anteriores, na hipótese de absolvição da ré BB, em razão de vingar ou proceder, eventualmente, uma interpretação contratual, invocada por esta, diferente daquela, que consta dos documentos, referidos no texto, e que, porventura, seja decorrente de falta de elucidação e esclarecimento, devidos ao autor, à data da contratação, ou posteriormente.

g) Que as rés sejam condenadas, solidariamente, no pagamento das custas e encargos processuais, a que esta demanda vai dar causa.

Alega, sinteticamente, que:

 - No dia 18 de Setembro de 2003, o autor e sua mulher, DD, outorgaram em escritura de compra e venda, na qual declararam comprar à firma “EE, SA”, que, ali, declarou vender-lhes uma fracção autónoma, destinada a habitação dos adquirentes, designada pelas letras BW;

- No mesmo acto, o autor e sua mulher celebraram, ainda, com a ré CC, S.A., um contrato de mútuo ou empréstimo, em que, esta declarou mutuar ou emprestar àqueles, com destino à compra do referido imóvel, a quantia de cem mil euros;

- E, por intermediação da mesma ré CC, o autor, em 02 de Setembro de 2009, subscreveu um boletim/proposta de adesão ao seguro vida grupo, que aquela instituição estabelecera com a ré BB, e de que era tomadora e beneficiária;

- No dia 07 de Março de 2011, o veículo automóvel, em que o autor seguia, foi embatido na parte traseira por uma outra viatura;

- Do referido acidente resultaram para o autor várias lesões, designadamente, entorse cervical e lombar com limitação funcional acentuada da coluna cervical e parestesias dos membros superiores; feita RMN, verificou-se a existência de hérnias cervicais com compressão medular;

- Em resultado da avaliação feita pela referida Junta Médica foi arbitrada ao autor uma incapacidade permanente global de 63%.

 

A ré BB deduziu contestação, invocando, sumariamente, que a incapacidade apresentada pelo Autor não está abrangida pelo seguro e que não lhe pode ser imputável qualquer responsabilidade pela pretensa falta de informação que deveria ter sido fornecida por outrem.

Concluiu, propugnando a improcedência da acção.

A ré CC. contestou, alegando que cumpriu o dever de informação das cláusulas do seguro e impugnando a factualidade referente ao sinistro. 

Concluiu, advogando a improcedência da acção.

No despacho saneador foi fixado o objecto do litígio e os temas de prova.

 

***

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, decidiu:

A) Declarar a validade do contrato de seguro celebrado entre as Rés BB – …, S.A. e CC, S.A. com referência à apólice nº..., bem como da adesão ao mesmo do autor AA;

B) Absolver as Rés BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e CC, S.A. do demais peticionado;

C) Condenar o Autor no pagamento das custas processuais.

***

Inconformado, o Autor apelou para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por Acórdão de 26.10.2017 – fls. 295 a 311 verso - negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

***

Ainda inconformado, o Autor interpôs recurso de revista normal e excepcional[2], para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo, sido em sede de reclamação – ut. apenso –, admitido o recurso de revista normal.

Alegando, na revista que se aprecia, formulou as seguintes conclusões[3]:

1ª Conclusão/Questão – Tendo o autor/recorrente subscrito uma declaração pré-impressa no formulário do boletim de adesão ao seguro de grupo – ..., estabelecido, previamente, entre a seguradora BB e a CC do seguinte teor: “tomei conhecimento das informações pré-contratuais da Nota Informativa que me foi entregue” (fls. 29), não é razoável/correcto/admissível legalmente desconsiderar o valor jurídico do conteúdo dessa Nota Informativa (de fls. 32), como fez o douto acórdão recorrido, que a considerou irrelevante como elemento interpretativo para determinar o sentido do, realmente, contratado entre as partes, com violação, pois, do princípio da boa fé, contido no art. 227º do Código Civil.

2ª Conclusão/Questão – Não tendo sido comunicadas, nem explicitadas, ao autor/aderente as condições contratuais gerais da apólice do seguro de grupo, a que aderiu, fazer impender sobre ele o ónus de alegar e provar que, a essa data, desconhecia essas condições contratuais gerais viola, ostensivamente, o disposto nos arts. 5º, 6º e 8º, als a) e b) do DL. 445/85, de 25/10.

3ª Conclusão/Questão – Uma vez que na dita Nota Informativa, se afirma, inequivocamente, que a pessoa segura só deve considerar-se com invalidez total e permanente por doença “quando se encontrar num estado que a incapacite, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões.”

a) Mas que, no atinente ao que deve entender-se por invalidez total e permanente por acidente, se afirma, ali e, de forma seguida, no mesmo texto, que se verifica essa situação, quando a pessoa segura “apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades”.

b) Não era exigível ao autor como pretende o douto acórdão recorrido, que, em vez dessa específica definição de incapacidade total e permanente, em razão de acidente, tivesse ele de entender e, em abstracto, presumir-se que os pressupostos para que fosse declarado nessa situação seriam os mesmos previstos no mesmo texto para a incapacidade total e permanente por doença, estes, sim, coincidentes com os das condições gerais.

c) À evidência, os predisponentes entendiam estar-se, perante pressupostos diferentes, conforme incapacidade resultasse de acidente, ou de doença.

Caso, assim, não fosse entendido, bastava que, em ambos os casos, se remetesse para a definição dessa incapacidade, constante das condições gerais…

d) Porém, os predisponentes, afastaram-se da definição de incapacidade total e permanente, constante das condições gerais, quando esta resultasse de acidente…já, não, quando adviesse de doença…

e) O autor e qualquer pessoa normal e comum, colocada no seu lugar, depois da leitura das chamadas garantias complementares ficou a saber que para ser considerado incapaz total e permanentemente, em razão de doença, que lhe sobreviesse, teria de ter uma incapacidade igual ou superior a dois terços (seja o que isto for) e, em acréscimo, ficar incapaz completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões…

f) Contudo, caso viesse a ter, no futuro, um acidente, lhe bastaria, para ser considerado incapaz total e permanentemente, como, ali, era, distintamente, referido, apresentar uma incapacidade clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades.

g) Só, desse modo, se justifica que as predisponentes, BB e CC, tenham produzido um texto, fazendo uma clara distinção, entre os pressupostos e requisitos exigíveis para o preenchimento desse conceito de invalidez total e permanente, conforme a incapacidade adviesse de acidente ou decorresse de doença.

h) Não é legítimo, nem legal, neste contexto, inferir, como se fez no douto acórdão recorrido que qualquer declaratário normal deveria entender que era intenção dos contratantes remeter para a definição de incapacidade total e permanente por acidente, constante das condições gerais.

i) A fazê-lo, o douto acórdão recorrido violou, sob este enfoque, o disposto no nº3 do art. 12º do DL. 446/85, de 25/10 e o art. 236º do C. Civil.

4ª Conclusão/Questão – Sendo o contrato de seguro de grupo em causa regulado não só por cláusulas contidas em condições gerais, mas, também, sujeito a cláusulas particulares, conforme documento, de fls. 35, onde, logo na parte introdutória se refere que o dito seguro de vida, 100% contributivo, se regula pelas “condições gerais do seguro vida grupo, por estas condições particulares da apólice, e de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e que dela faz parte integrante”;

a) Sabendo-se que a proposta, que lhe serviu de base é o boletim de adesão, de fls. 29, donde consta a declaração do autor/aderente: “Declaro que que tomei conhecimento das informações pré-contratuais que constam da Nota Informativa que me foi entregue”;

b) Apurando-se da leitura dessas condições particulares, de fls. 35, que no seu art. 3º se define invalidez total e permanente, coincidentemente com a constante na Nota Informativa, referida no boletim de adesão, a saber;Considera-se inválido a pessoa segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”…

c) Não há qualquer justificação razoável para que as instâncias, em especial, o douto acórdão recorrido, afaste, ostensivamente, as declarações constantes da proposta/adesão e o clausulado e definido nas condições particulares contratadas, na determinação do que deve entender-se, no caso concreto, por incapacidade total e permanente, resultante de acidente.

O acórdão recorrido violou os arts. 7º e 11º do DL. 446/85, de 25/10.

5ª Conclusão – Porque violou, recorrentemente, a lei substantiva indicada, por erro de interpretação e aplicação, pede-se a esse Venerando Supremo Tribunal de Justiça que, sem embargo das consequências, decorrentes das invocadas nulidades, seja o douto acórdão recorrido substituído por um outro, a proferir por Vossas Excelências, dando guarida ao que pelo autor foi pedido na primeira instância, de modo a que lhe seja feita JUSTIÇA!  

A Ré CC contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso de revista normal, por considerar que existe dupla conforme, e de revista excepcional por entender que não se verificam os requisitos invocados de relevância social e contradição de acórdãos.

***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1. A Ré BB, S.A. subscreveu com a CC, S.A. um “seguro de grupo” contributivo ..., titulado pela apólice nº …, consignando-se a CC, SA como tomadora de seguro e beneficiários as pessoas seguras como os clientes do Tomador de Seguro.

2. As condições gerais do seguro referenciado em 1) consignam, designadamente, que:

Artigo 1.º - Definições

Invalidez Total e Permanente – A limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos:

 

a) A Pessoa segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;

b) Corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para ao seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.

c) Seja reconhecida previamente pela Instituição da Segurança Social pela qual a Pessoa Segura se encontre abrangida ou pelo Tribunal de Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica.”

3. As condições particulares do seguro referido mencionado em 1) consignam, designadamente, que:

Artigo 1.°

Objecto do Seguro

O presente contrato de seguro cobre os riscos de morte e invalidez ligados a contratos de mútuo de crédito à habitação, garantindo o pagamento ao beneficiário designado do capital seguro em caso de morte ou invalidez total e permanente.

Artigo 2.°

Pessoas Seguras

São Pessoas Seguras os clientes do Tomador do Seguro que contratem com o Tomador do Seguro empréstimos para a compra de habitação própria (1ª habitação ou habitação secundária), e os respectivos fiadores, em qualquer dos casos, desde que satisfaçam as seguintes condições:

1. Terem preenchido o Boletim de adesão e satisfeito as demais formalidades decorrentes da grelha de selecção médica em vigor no Segurador à data da adesão ou as solicitadas pelo Segurador para aferir do risco moral, de local de residência ou estadia, ou de actividade profissional, ocupacional e desportiva;

2. Terem idade inferior a 65 anos na data da adesão;

3. Ter sido a adesão aceite pelo Segurador, após apreciação do respectivo processo de aceitação.

Artigo 3°

Riscos Cobertos

O que está coberto:

1. O Contrato de Seguro abrange as seguintes garantias:

a) Garantia Principal - Morte por Doença ou Acidente;

b) Garantia Complementar - Invalidez Total e Permanente por Doença;

c) Garantia Complementar - Invalidez Total e Permanente por Acidente.

Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes.

A garantia corresponde à antecipação de 100% do capital seguro.

2. Para além do previsto nas Condições Gerais as garantias cessam os seus efeitos nas seguintes situações:

(…)

b) Pagamento do capital seguro por Morte ou Invalidez;

c) Limite de idade em relação a cada Pessoa Segura:

(…)

ii. Garantia de Invalidez Total e Permanente por Acidente, no termo da anuidade em que a Pessoa Segura completa 65 anos de idade.

Capital Seguro:

1. O capital seguro para as garantias de Morte ou Invalidez incluídas neste contrato corresponde:

(…)

b. Ao longo da vigência do contrato, depende da opção de actualização contratada, conforme detalhado de seguida:

i. OPÇÃO 1 - a 100% do capital em divida actualizado automaticamente de acordo com a informação prestada pela Instituição de Crédito mutuante, com efeitos reportados à data de cada alteração do capital em dívida ao abrigo do contrato de crédito à habitação, de acordo com o regime de actualização previsto por defeito no Artigo 7° do Decreto-lei n.°222/2009, de 11 de Setembro. Nesta situação, o capital seguro será actualizado em função da evolução do capital em dívida à Instituição de Crédito e corresponderá, durante o prazo do empréstimo, ao capital em dívida à Instituição de Crédito;

Artigo 4.°

Beneficiários

(…)

3. No caso de subscrição da opção 1 não haverá valor remanescente, pelo que o capital seguro corresponderá ao capital em dívida, sendo a Instituição de Crédito o único beneficiário do contrato.

(…)

Artigo 5°

Início e Duração do Contrato e das Adesões

(…)

2. Relativamente a cada Pessoa Segura, as garantias contratuais entram em vigor na data de aceitação do risco pelo Segurador ou na data de celebração do contrato de empréstimo ou escritura se posterior, renovam-se a 1 de Janeiro de cada ano e vigoram por 1 ano e seguintes.”

4. No dia 18 de Setembro de 2003, por escritura pública de “compra e venda e mútuo com hipoteca” lavrada no Cartório Notarial de ..., exarada de fls. 2 a 4 do Livro 475-C, subscrita por .......e ...........s na qualidade de procuradoras da sociedade EE, SA, como primeiras outorgantes, AA e mulher DD, como segundos outorgantes, e .......... na qualidade de procurador da Caixa de Geral de Depósitos, S.A., como terceiro outorgante, consignou-se designadamente, que:

a) As primeiras outorgantes, na referida qualidade, declararam vender aos segundos outorgantes, pelo preço global de cento e quinze mil duzentos e cinquenta e quatro euros, as fracções autónomas BW e AD do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, localizado no lugar de Caldas- Praça do Brasil, freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número quatro mil cento e trinta e sete, inscrita, na respectiva matriz sob o art.º 6994º;

b) A Caixa de Geral de Depósitos, S.A. declarou conceder aos segundos outorgantes um empréstimo da quantia de cem mil euros.

5. Em 2 de Setembro de 2009, o Autor subscreveu um boletim/proposta de adesão ao seguro vida grupo indicado em 1), com referência ao “contrato de mútuo” mencionado em 4), sendo que a BB emitiu em nome do mesmo, o certificado n.º ....

6. No momento da subscrição daquele boletim de adesão, foi entregue ao autor um texto encimado pelo logotipo da ré BB com a epígrafe “Seguro de Vida Crédito Habitação Clientes – Nota Informativa”, o qual, enunciava, nomeadamente, que:

“O presente documento procura esclarecer, de uma forma sucinta e clara, as principais questões que por norma se colocam aquando da adesão a um seguro de vida nas circunstâncias da contratação de um empréstimo para crédito à habitação.

PARA QUE SERVE?

O Seguro de vida destina-se a garantir aos clientes da CC, mutuários de um crédito à habitação em qualquer um dos regimes existentes para este fim, o pagamento da sua dívida, caso ocorra um imprevisto que ponha em causa a sua capacidade financeira

(…)

CLIENTES NO REGIME GERAL

……….

Protecção mais-apólice ...

Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data da adesão ao seguro, através das seguintes garantias:

CLIENTES NO REGIME GERAL

(…)

Protecção mais-apólice ...

Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data da adesão ao seguro, através das seguintes garantias:

(…)

-Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%)

DEFINIÇÕES

Capital seguro: montante do empréstimo ou o valor em dívida actualizado no início de cada ano.

Beneficiário: CC

Pagamento do prémio: por débito mensal em conta bancária, sem encargos adicionais.

(…)

Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%)

Considera-se que uma pessoa segura se encontra numa situação de invalidez Total e Permanente se, em consequência de acidente, apresentar uma incapacidade, clinicamente constatada e sobrevinda nos dois anos imediatamente posteriores à data do acidente, de grau igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades.

INÍCIO E DURAÇÃO DO SEGURO

O seguro de vida tem início na data da escritura ou na data de aceitação por parte da seguradora, se esta for posterior.

A duração do seguro acompanha o prazo do empréstimo, no máximo até aos 70 anos de idade do cliente. As garantias do seguro cessam nas seguintes situações:

(…)

- O cliente atingir os 65 anos para a garantia de Invalidez por Acidente.”

7. No dia 07 de Março de 2011, o veículo automóvel em que o autor seguia foi embatido na parte traseira por uma outra viatura.

8. Do referido embate, resultaram para o autor entorse cervical e lombar com limitação funcional acentuada da coluna cervical e parestesias dos membros superiores.

9. Na sequência do enunciado em 8), o Autor foi operado no Hospital da ..., em 11/06/2011, onde lhe foi feita prótese de disco em C4-C5 e artrodese em C3-C4, C5-C6 e C6-C7.

10. Em consequência do indicado em 7) a 9), em 07 de Fevereiro de 2014, o Autor apresentava as seguintes sequelas: entorse cervical e hérnias discais cervicais com compressão medular a três níveis; com artrose a quatro níveis; com radiculopatias a três níveis; bilateralmente, com parestesias; impotência funcional dos membros superiores e disfunção vesical (bexiga e função urinária) sendo acompanhado e medicado por urologia.

11. Em 3 de Julho de 2014, a Junta Médica do Ministério da Saúde decidiu atribuir ao Autor uma incapacidade permanente global de 63% (sessenta e três por cento), determinada nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades.

12. Em consequência do referenciado em 10), o Autor apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos.

13. Em 7 de Março de 2011, o capital em dívida do empréstimo referido em 4) era de € 90.904,27.

14. Entre 7.3.2011 e Maio de 2015, o Autor pagou o montante total de €15.772,56 por conta das prestações referentes ao empréstimo citado em 4).

15. O Autor nasceu em ... e é agente de PSP, exercendo actualmente funções nos serviços administrativos.

B) Factos não provados:

16. A funcionária da Agência de ... da CC FF declarou ao Autor que a celebração de um “contrato de seguro de vida” era uma condição para a concessão do crédito enunciado em 4).

17. As Rés BB e CC, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2).

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o Acórdão é nulo por contradição entre os fundamentos e a decisão e, ainda, por omissão de pronúncia;

- se a interpretação acolhida pelo Acórdão recorrido, do contrato de seguro de vida de que o Autor é aderente, viola o regime das cláusulas contratais gerais (doravante ccg) e as regras interpretativas negociais.

Foi, com fundamento na existência das referidas nulidades processuais assacadas ao Acórdão recorrido, e por se considerar que não existia, por isso, dupla conformidade, que o recurso foi admitido, como de revista nos termos gerais.

Importa, desde já, dizer que as nulidades, por contradição entre os fundamentos e a decisão – art. 615º, nº1 c) do Código de Processo Civil, art.674º, nº1, c) e por omissão de pronúncia, não existem.

O recorrente, quanto àquela, argumenta que as considerações doutrinais que constam do Acórdão (que transcreve), quando articuladas com a factualidade provada, parecem dar razão ao Autor, no concernente ao regime das cláusulas contratuais gerais que invocou, mormente no que respeita ao dever de informação das cláusulas do contrato a que aderiu – seguro de vida contributivo - e à violação desse dever, tendo em conta a questão nodal da interpretação do conceito constante do contrato de seguro quanto às garantias cobertas, sobretudo, quanto ao conceito “invalidez total e permanente resultante de acidente”, tendo em conta o que se apurou quanto ao dever de informação das ccg das condições gerais e especiais da apólice, e que, afinal, a decisão apelando aos critérios de hermenêutica negocial do art. 236º, nº,1, do Código Civil e não ao critério interpretativo e ao regime das ccg, sentenciou em favor das recorridas.

Por outro lado, assaca ao Acórdão omissão de pronúncia sobre a matéria que verteu nas conclusões 10) a 16) das alegações do recurso de apelação, sustentando que importava apreciar o documento de fls. 120, “Nota Informativa”, dimanado da seguradora já na pendência do litígio de onde decorre que alterou o conceito de “invalidez total e permanente” passando a referir a expressão “invalidez definitiva para a profissão ou actividade compatível por acidente”. O relevo da questão evidencia que a seguradora pretendeu dar uma interpretação do conceito, clarificando-o, (segundo a sua afirmação) mas ao invés, subverteu o contrato.

Que dizer?

Salvo o devido respeito, o Acórdão não enferma dos vícios que lhe são assacados já que, em bom rigor, não há contradição entre os fundamentos e a decisão, pese embora a extensa fundamentação doutrinária acerca do regime das ccg, o Acórdão fez uma interpretação dos factos em consonância com a subsunção adoptada, considerando, ainda que discutivelmente, que sobre o Autor havia o dever de se informar sobre as condições gerais da apólice, pondo aí a tónica e não nas obrigações a cargo da predisponente do contrato de seguro, que se considerou e acertadamente, ser um contrato de adesão: salvo o devido respeito, existe erro de julgamento e não contradição entre os fundamentos a decisão.

Quanto à alegada omissão de pronúncia: al. d) do nº1 do citado art. 615º do Código de Processo Civil.

Como é sabido, nos recursos não há que apreciar os argumentos dos recorrentes, mas antes as questões que são o seu objecto: ora, no caso, o Autor invocou vários argumentos para convencer o Tribunal de que a tese da Ré seguradora é violadora do contrato e da lei. Todavia, na ponderação e julgamento dessa questão, o Acórdão não apreciou todos os argumentos adrede invocados pelo apelante, sem que se possa dizer que omitiu pronúncia sobre a questão essencial decidenda – a interpretação do contrato e o seu âmbito.

Pode defender-se que a apreciação dos argumentos aduzidos naquelas conclusões poderia ter conduzido a outro desfecho, mas, nessa perspectiva, o que existirá é um erro de julgamento, realidade distinta da do alegado vício/nulidade do Acórdão.

Conclui-se, assim, que o Acórdão não enferma das acusadas nulidades.

Tendo em conta o que se afirmou no despacho que deferiu a reclamação do Autor, quanto à não admissão do recurso, por na Relação se ter considerado que existia dupla conforme, importa apreciar essa questão, pois que, existindo dupla conforme, não cabe recurso de revista normal.

Entendemos, no entanto, que, no caso, a fundamentação do Acórdão recorrido, confirmatório da sentença apelada, não faz com ela dupla conforme porque contém fundamentação essencialmente diferente.

           O art. 671º, nº3, do Código de Processo Civil estatui: “Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância salvo os casos previstos no artigo seguinte.”

            Este normativo consagra restrição ao recurso de revista em caso de “dupla conforme”, a menos que a fundamentação da decisão da Relação seja “essencialmente diferente” da constante da decisão apelada.

            Para que se considere irrelevante a dupla conforme, não se exige uma “fundamentação diferente”: essa fundamentação deve ser “essencialmente diferente”, ou seja, a fundamentação do Acórdão deve ser distinta, diversa, essencial, de facto ou de direito, da acolhida na fundamentação decisiva da sentença apelada. A essencialidade postula a invocação de outros argumentos jurídicos ou factuais, considerados ex novo no Acórdão da Relação, e decisivos para a confirmação da decisão apelada.

           Mantendo-se a decisão do Tribunal da Relação, no quadro argumentativo de facto e de direito utilizado na sentença recorrida, podemos estar perante uma fundamentação diferente mas não essencialmente diferente, pelo que, nesse caso, existe dupla conforme.

           A fundamentação essencialmente diferente”, deve ser claramente outra, inovadora, e ter sido a causa decidendi da decisão confirmatória.

            A lei exige que, sendo a decisão confirmatória, a fundamentação seja essencialmente diferente, dando assim a oportunidade de esgrimir argumentos, em sede de recurso de revista, quanto a essa nova, substancialmente diferente fundamentação, o que é inerente à estrutura dialéctica e contraditória do processo civil.

            A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é clara acerca deste entendimento.

           Assim, no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20.11.2014, Proc. 3479/10.9TBGDM-B.P1.S1, in www.dgsi.pt  – Relator Abrantes Geraldes – escreveu-se:

            “A alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado.

            Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões.

            Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados”.

           O mesmo entendimento se colhe do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.7.2015, Proc. 542/13.8T2AVR.C1.S1, também acessível em www.dgsi.pt  – Relator Lopes do Rego:

           “1. A alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, operada pelo actual CPC (mandando atender a uma diferença essencial nas fundamentações que suportam a mesma decisão das instâncias), obriga o intérprete e aplicador do direito a – analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios – distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente.

               2. Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme.

               3. Só pode considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero reforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada”.

               Subscrevemos a argumentação do Recorrente, no que respeita ao essencial dos fundamentos diferentes que constam da sentença e do Acórdão, quanto à crucial vertente da interpretação do regime jurídico das ccg que constam do contrato de seguro de que é aderente o Autor, contrato celebrado entre o banco mutuante (CC) e a Ré seguradora BB, como garante, (após a adesão do Autor ao seguro de vida), dos montantes em dívida ao Banco (a ocorrer o risco previsto na apólice), como esquema negocial decisivo para a concessão ao Autor da quantia mutuada para aquisição de casa própria.

            Com efeito, como afirma o recorrente:

    “Enquanto, na douta sentença da primeira instância (cfr. pág. 15 dessa peça), se afirmou e deu por assente, sem reservas, que as Rés não comunicaram ao Autor as condições gerais descritas em 1), dever que incumbia à CC, nos termos vertidos no art. 4º, do DL. 176/95, de 26 de Junho (vigente à data da celebração do seguro) e no art. 78º/1 e 2 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro…”, já, no douto acórdão recorrido (a fls. 31 do seu texto), lê-se, sobre este ponto, que “…não se tendo provado que as RR, entregaram as condições gerais, ónus que a elas cabia, não se pode concluir que o autor não sabia da sua existência, já que as mesmas eram expressamente referidas no contrato por ele celebrado…” (sic).

       Ou seja, enquanto na douta sentença da primeira instância se tem por assente que as condições gerais não foram comunicadas ao autor, mas não faz impender sobre este o ónus de provar que as não conhecia, já o douto acórdão recorrido, aceitando, embora, que as rés não cumpriram esse dever, como lhes incumbia, lança sobre o autor um ónus de alegação e prova de que ignorava as cláusulas das condições gerais”.

         A nosso ver este é o ponto fulcral da fundamentação, relevantemente dissonante, que exclui a dupla conforme e possibilita a apreciação do recurso em sede de revista normal.

            Pelo que passamos à apreciação da questão objecto da revista, qual seja a da interpretação das cláusulas do contrato de seguro de vida, de que o Autor é aderente, e saber se foi cumprido o regime legal das Cláusulas Contratuais Gerais – DL. 446/85, de 25.10.

            Está em causa a interpretação do conceito do art. 3º, nº1, c) das Condições Particulares da apólice do seguro de grupo que consta da apólice da BB: “Considera-se inválido, total e permanentemente, a pessoa segura, que, em resultado de acidente apresente um grau de desvalorização igual ou superior a cinquenta por cento, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.

           Existe discrepância conceitual, entre as Condições Gerais e as Particulares da Apólice em causa, no que respeita ao conceito “incapacidade total e permanente resultante de acidente.

Não se discute que o Autor – segurado da Ré BB do ..., em contrato de adesão – sofreu um acidente de viação, no dia 7.3.2011, do que lhe resultou uma incapacidade permanente global de 63%, determinada nos termos da Tabela Nacional de Incapacidades, apresentando um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixado em 56 pontos. Provado, também, que é agente da PSP, exercendo actualmente funções nos serviços administrativos.

A questão que se coloca é assaz comum do ponto em que convoca a apreciação do contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, envolvendo uma cooperação económica entre o Banco mutuante e uma Seguradora, normalmente em lógica de grupo, e o mutuário aderente do seguro de vida ou de risco de acidente, sendo mais ou menos exigentes os requisitos de que depende a cobertura do risco máximo, que exprime as obrigações da seguradora em relação ao aderente e ao banco que é o tomador e beneficiário do seguro, que celebrou, no caso com a BB, a quem pagará verificado o risco previsto do aderente.

Daí que sigamos, por pertinente o que, como Relator neste Colectivo, escrevemos em caso em que, como agora, estava presente a referida relação triangular (envolvendo as mesmas rés de agora), e saber se foi cumprido o dever de informação ao segurado aderente do seguro de vida, e, não o tendo sido, quais as consequências.

Antes de mais, importa dizer que as Instâncias, tendo considerado que se estava perante contrato de adesão sujeito ao regime das ccg, não extraíram qualquer consequência, face ao ter sido provado que as Rés não cumpriram o dever de informação, ou numa certa perspectiva, que a Ré BB, a quem competiria esse dever, o não cumpriu.

Seguimos de perto esse Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.11.2016, Proc. 1274/15.8T8GMR.S1, in www.dgsi.pt.

O contrato de seguro, que vigora entre o Autor e a CC, foi celebrado em 18.9.2003, na mesma data da celebração do contrato de mútuo, portanto, antes da vigência da Lei nº72/2008, de 16 de Abril, que entrou em vigor em 1.1.2009, já que a adesão ao seguro de grupo da BB ocorreu em 2.9.2009.

            Em relação ao primeiro contrato não se aplica o DL.nº72/2008, de 16.4, diploma que se aplica ao segundo.

O contrato de seguro na definição de Moitinho de Almeida, in “Contrato de Seguro”, 23:

“É aquele em que uma das partes, o segurador, compensando segundo as leis da estatística um conjunto de riscos por ele assumidos, se obriga, mediante o pagamento de uma soma determinada, a, no caso de realização de um risco, indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos, ou, tratando-se de evento relativo à pessoa humana, entregar um capital ou renda, ao segurado ou a terceiro, dentro dos limites convencionalmente estabelecidos, ou a dispensar o pagamento dos prémios tratando-se de prestações a realizar em data indeterminada”.

Os contratos de seguro regem-se pelas estipulações constantes da respectiva apólice, desde que não proibidas por lei e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições legais aplicáveis.

Os seguros em causa, seguros de grupo do ..., são contratos de adesão, sendo que a sua peculiar natureza e processo de formação postulam uma relação trilateral que se constitui em dois momentos: “Num primeiro momento, é celebrado um contrato entre a seguradora e o tomador do seguro e, num segundo momento, concretizam-se as adesões dos membros do grupo. O contrato de seguro é predisposto pela seguradora e pelo tomador que são estas entidades que modelam o seu conteúdo: o segurado, por virtude de um vínculo que o liga ao tomador, limita-se a aderir ao contrato objecto de predisposição” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.4.2015 – Proc. 294/2002.E1.S1 – Relatora Maria Clara Sottomayor – in www.dgsi.pt.

No caso, os contratos integravam o complexo negocial que, num primeiro momento envolveu a CC, enquanto mutuante, o Recorrente (e a mulher) enquanto mutuário (s) de crédito hipotecário para habitação; depois a Ré BB, sendo os mutuários, por imposição da mutuante, aderentes num contrato de seguro de grupo contributivo, em que a entidade bancária é a tomadora e beneficiária do seguro, sendo seguradora a recorrente BB.

Contrato de adesão – “É aquele em que um dos contraentes, não tendo a menor participação na preparação das respectivas cláusulas, se limita a aceitar o texto que o outro contraente oferece, em massa, ao público interessado” – Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 7ª edição, 262.

Tais contratos contêm por via de regra – “Cláusulas preparadas genericamente para valerem em relação a todos os contratos singulares de certo tipo que venham a ser celebrados nos moldes próprios dos chamados contratos de adesão” – Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição, 75.

Nos contratos de adesão, o aderente apenas tem a possibilidade de aceitar ou rejeitar em bloco o conteúdo contratual que lhe é apresentado pelo proponente: tem uma posição negocial de inquestionável debilidade, não podendo influenciar o objecto contratual a não ser nas cláusulas individuais essenciais à perfeição do contrato.

 Daí que o regime das ccg – DL. 446/85, de 25 de Outubro – estabeleça deveres de informação a cargo do predisponente, acentuando a sua obrigação de agir de boa fé e de preservar a confiança contratual do aderente, a par de regras especiais no que respeita à integração das lacunas negociais, ao critério hermenêutico de interpretação das declarações de vontade e à sanção para os vícios de que enferme o contrato ou o processo pré-negocial.

Os contratos de adesão, correspondendo a necessidades de contratação em massa, e a interesses de entidades fornecedoras de bens ou serviços de grande dimensão económica e preponderância no mercado, superam o modelo tradicional de proposta-aceitação, em que as partes estavam, senão em plano de estrita igualdade, pelo menos num patamar em que se não diferenciavam de modo acentuado, em virtude de uma negociação cláusula a cláusula.

Pedra angular do regime jurídico dos contratos de adesão é o dever de informação a cargo predisponente, assim como o dever de agir de boa fé, deveres densificados no diploma que rege as ccg, como meio de protecção do contraente mais débil – o aderente.

Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil” – 4ª edição – Maio de 2005, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto – pág. 124 – sobre o princípio da boa-fé:

“A boa fé é hoje um princípio fundamental da ordem jurídica, particularmente relevante no campo das relações civis e, mesmo, de todo o direito privado. Exprime a preocupação da ordem jurídica pelos valores ético-jurídicos da comunidade, pelas particularidades da situação concreta a regular e por uma juridicidade social e materialmente fundada.

 A consagração da boa fé corresponde, pois, à superação de uma perspectiva positivista do direito, pela abertura a princípios e valores extra-legais e pela dimensão concreto-social e material do jurídico que perfilha (…).

Significa o que acabamos de dizer que o princípio da boa fé se ajusta a — e contribui para — uma visão do direito em conformidade com a que subjaz ao Estado de Direito Social dos nossos dias, intervencionista e preocupado por corrigir desequilíbrios e injustiças, para lá das meras justificações formais.

Como já dissemos, o princípio da boa fé tem um âmbito muito vasto, invadindo todas as áreas do direito. Mas ele assume uma importância muito grande no domínio dos contratos, em permanente diálogo e contraponto com um outro princípio fundamental, já analisado, e que é o da autonomia privada. De todo o modo, ao fazermos estas afirmações estamos a perspectivar o princípio da boa fé como critério normativo, e, portanto, num sentido objectivo.“

As regras de conduta postuladas pela actuação leal, prudente e que contempla os interesses das partes, deve ser apanágio dos contratos em que se negoceia em pé de igualdade e onde a liberdade contratual está por regra assegurada; com mais rigor, deve ser exigida em contratos em que tal igualdade não existe, ou seja, naqueles em que a liberdade negocial está cerceada pela patente disparidade entre os contratantes, como é o caso dos contratos de adesão sujeitos a cláusulas contratuais gerais.

Aqui, a lei intervém em favor do aderente, adoptando critérios de maior exigência em salvaguarda dos seus interesses como parte contratual, não sendo alheios, todavia, motivos de ordem pública, sopesada a finalidade do contrato, sobretudo, nos contratos de mútuo de escopo, em função do tipo de contratação padronizada.

Como ensina Antunes Varela, o conceito de boa-fé existente há séculos, não conhece matizes, é uma regra civilizacional no mundo jurídico, um padrão ético inspirador da confiança, norteado por critérios de lisura, lealdade e de protecção dos interesses daqueles com quem se negoceia, demandando maior rigor no que respeita aos contratos de adesão.

O art. 15º do diploma que rege as ccg estabelece a proibição das cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé, enunciando, de modo dispensável, que também esta forma de contratação deve respeitar tais regras.

Na concretização desse enunciado, o art. 16º estatui:

 “Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

                b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

              Os artigos 15º e 16º do Decreto-Lei 446/85, de 25.10, proíbem a inserção em contratos de adesão de cláusulas contratuais gerais (ccg) contrárias à boa-fé, estabelecendo que devem ser ponderados os “valores fundamentais do direito relevantes na situação considerada”, assim como a confiança suscitada pelo sentido global das cláusulas, e o objectivo visado pelas partes e outros elementos atendíveis, apelando a conceitos indeterminados que relevam, em cada caso, sendo aplicáveis em contratos de adesão de seguro do ... que encerram uma relação trilateral: banco (mutuante), seguradora, e mutuário (aderente)

              Nesta perspectiva, que é também um critério valorativo, importa ponderar que, no caso em apreço, o mutuário que é consumidor e aderente no contrato de seguro, visa realizar a ambição legítima de se tornar proprietário da sua habitação, o que implica que se pondere que o mútuo de escopo do consumidor almeja a realização de um objectivo individual e social ligado a um direito digno da maior tutela, a postular que o desequilíbrio contratual seja minorado, não só por essa consideração, mas também pela confiança que a parte mais fraca investe no comportamento da outra.

Os arts. 15º e 16º do regime das ccg implicam a consideração dos limites impostos pelo abuso do direito, ao proibirem cláusulas abusivas contrárias à boa-fé.

           

          A exigência de actuação de boa-fé constava já do art. 3°, nº1, da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril – transposta para o direito interno nacional pelo Decreto-Lei n.°220/95, de 31 de Agosto – que procedeu à 1ª alteração ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, segundo a qual: “Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato”.

            Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português” – I – Parte Geral – Tomo I – pág. 379, a propósito do citado art. 16º, escreve:

 “O núcleo do diploma é dado pela proibição de cláusulas contrárias à boa fé – artigo 15.°; o artigo 16.° procura precisar um pouco essa remissão indeterminada, ainda que com cuidado, para não contundir com a evolução futura do conceito.

 Desde logo o artigo 16.°, no seu corpo, apela para os “valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada”.

Não há, pois, qualquer remissão para uma boa fé subjectiva ou para uma “equidade” concreta ou um “equilíbrio equitativo”. Trata-se, de acordo com a actual Ciência do Direito civil, da boa fé objectiva que exprime, em cada decisão jurídica, as exigências do próprio sistema. A esta luz, a concretização da boa fé passa pelo (re)conhecimento das disposições supletivas que as partes pretenderam afastar e pela ponderação do seu papel concreto à luz do sistema.

O artigo 16.°, nas suas duas alíneas, sublinha, ainda, os princípios mediantes da concretização da boa fé: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente.

O primeiro é decisivo em todo o processo: a raiz da tutela dispensada pela LCCG reside na necessidade de acautelar a posição do aderente que, pretendendo adquirir certo produto e confiante na seriedade e na idoneidade do processo que lhe é proposto, se entrega nas mãos do utilizador.

A confiança geral na contratação e no mercado e a confiança especial nas cláusulas e no contrato singular são primordiais”. 

Após estas considerações sobre os contratos de adesão e a filosofia das ccg, mormente, o nodal princípio da boa fé, vejamos em que medida são aplicáveis aos contratos de seguro de grupo, como contratos de adesão, face ao ónus de informação completa e esclarecida sobre o conteúdo do contrato e respectivas exclusões, em vista da protecção do aderente, questão que constitui a pedra angular do recurso.

Como decorre do art.1º, nº2, do DL. 446/85, (diploma alterado pelos DL. nº 220/95, de 31.1, nº 249/99, de 7.7, e nº 323/2001, de 17.12), os deveres impostos ao predisponente de ccg também se aplicam aos contratos individualizados, previamente elaborados, mas cujo conteúdo o destinatário não pode influenciar.

O artigo 4.°, n.º1, do DL n.º176/95, de 26 de Julho, colocava – seguro de grupo - o dever de informação a cargo do tomador do seguro, dispondo: “Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora”.

O nº2: “O ónus de prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador de seguro.

 O nº3 – “Nos seguros de grupo contributivo, o incumprimento referido no n.º1 implica para o tomador de seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.”

 O nº4 – “O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º1 seja assumida pela seguradora.

O nº5 – “Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.”

Igual obrigação de informação consta do art. 78º da vigente Lei do Contrato de Seguro (LCS), estabelecendo o art. 79º que o incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais. 

  

 Menezes Cordeiro, in “Direito dos Seguros”, Almedina 2013, 731, ensina: “O contrato de seguro de grupo cobre os riscos de um conjunto de pessoas, ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar. Temos, pois, uma construção jurídica deste tipo: uma relação entre os participantes no grupo (os segurados) e o tomador: trata-se de uma relação de natureza discutida, mas que desemboca na figura da prestação de serviço e do mandato; uma relação de seguro, entre o tomador e o segurador.”

No douto Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 13.9.2016 – Proc. 1445/13.1TVL.SB.L2.S1 – in www.dgsi.pt – de que foi Relator o Conselheiro Júlio Gomes, estando em causa um contrato de seguro de grupo contributivo, relacionado com um contrato de empréstimo para habitação, depois de se aludir à diversa caracterização doutrinal de tal contrato, pode ler-se com relevância que se colhe para o caso em apreciação:

“ […] A situação presente nos autos é a de um seguro de grupo contributivo que desempenha, como se disse, uma função de garantia, a qual é, obviamente, conhecida do segurador. Aliás este admite expressamente, nas Conclusões do seu recurso, a relação existente entre o contrato de mútuo e o contrato de seguro.

O aderente não pode ser concebido, nestes casos, como um mero terceiro totalmente alheio à relação contratual entre as partes do contrato de seguro, como resulta, aliás, de várias considerações: em primeiro lugar, e ainda que esta não seja a mais importante, porque das próprias declarações desses terceiros é que resultará o complexo de riscos assumidos pelo segurador, já que são eles as pessoas seguras; em segundo lugar, porquanto a própria actuação do segurador desempenha um papel relevante na formação do vínculo entre o tomador do seguro e o aderente, como resulta hoje muito claro do artigo 86.º da LCS (que, em todo o caso, só entrou em vigor a 1 de Setembro de 2009); e, finalmente, e sobretudo, do facto de que no seguro de grupo contributivo é o “terceiro” aderente quem assume o dever de pagar, no todo ou em parte, o prémio.”

Numa estrita interpretação do ónus de prova da informação ao aderente, tal como prevista no citado nº2 do art. 4º, entende a jurisprudência, que cremos maioritária, deste Supremo Tribunal de Justiça – por mais recentes os doutos Acórdãos de 5.4.2016 – Proc. 36/12.0TBALD.C1-A.S1, e de e de 27.9.2016 – Proc. 240/11.7TBVRM.G1.S1 – in www.dgsi.pt – ambos do Relator José Rainho – que incumprido esse ónus de informação, que impende sobre o tomador e beneficiário do seguro, tal omissão e as suas consequências, não são oponíveis à seguradora que, se demandada pelos aderentes, pode opor a estes a sua não responsabilidade na omissão daquele dever fulcral.

“É de entender, face ao que se dispunha no art. 4º do DL 176/95, que era sobre o tomador de seguro, e não sobre a seguradora, que competia obrigatoriamente comunicar ao aderente ao seguro de grupo as coberturas e exclusões constantes das condições gerais e especiais do contrato” – ponto VI do sumário deste último aresto.

Sendo a boa fé e o desejável equilíbrio das partes no contrato, valores que não podem ser postergados, devendo buscar-se uma interpretação que acolha a equação económica negocial, tendo em vista os interesses nela supostos, cumpre indagar se, sendo o contrato de seguro de grupo um contrato de adesão, no caso contributivo, estando a parte mais fraca – os aderentes ao grupo – entre dois protagonistas muito mais fortes negocialmente (banco e seguradora) com quem tem lidar e, não podendo influir quanto a ambos, no conteúdo dos contratos, se uma interpretação que salvaguarde a protecção do aderente, não será de procurar à luz mais intensa da regra da boa fé e da finalidade social e económica da triangulação contratual.

 Não deve negligenciar-se que, a partir do momento em que se dá a adesão, constitui-se uma relação trilateral: tomador do seguro, seguradora e aderente, sendo que este é aquele cuja posição contratual, mais fraca, não se coloca no mesmo patamar daqueloutros.

Se a omissão do dever de informar for oponível pela seguradora ao aderente, por se considerar que sobre ela não recai qualquer sanção em virtude da omissão do dever de informação competir ao tomador do seguro (ao banco), a posição jurídica do aderente sofre duro revés.

Se aos aderentes for oponível, pela seguradora, a omissão de informar violada pelo tomador do seguro – a entidade bancária – o contrato vale plenamente em relação aos aderentes, tal como se tivesse sido concluído com respeito total por aquele nuclear dever, cujo incumprimento apenas poderia responsabilizar civilmente o tomador e beneficiário do seguro e não a seguradora em relação a quem o aderente está mais próximo contratualmente após a adesão, sendo que é à seguradora que o aderente paga o prémio por ela calculado.

Não se pode esquecer que, tratando-se de uma relação negocial complexa, imposta pelo interesse contratual do banco mutuante e da seguradora que, normalmente lhe está associada em ostensiva sinergia económica[4], o aderente fica entre dois colossos: não tem, como consumidor, protecção eficaz perante as duríssimas consequências advenientes de lhe ser oponível a violação contratual perpetrada pelo tomador e beneficiário do seguro.

 A sanção é desproporcionada para a violação do dever de informar o conteúdo contratual, mormente, as cláusulas de exclusão, no confronto com as consequências da violação e os efeitos dela decorrentes para o proponente que, nos termos do art. 4º, nº3, do DL. 176/95, apenas terá que suportar a parte dos prémios que corresponde ao segurado. 

 Decorria do preâmbulo do diploma de 1995 que se “estabelece(m) regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, e aí se afirma: “A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora torna, porém, aconselhável que a regulamentação agora publicada contemple, desde já, certos aspectos do regime contratual que se encontram intimamente associados àquela informação”.          

No contexto da definição do regime jurídico do contrato de seguro de grupo, a protecção do consumidor era, já naquele diploma, preocupação do legislador.

A posição jurídica do aderente que, não tendo sido informado das cláusulas de exclusão do seguro, se vê surpreendido pela actuação da seguradora que declina a responsabilidade, assumida por via do contrato de seguro de grupo após a adesão, tem fraca protecção, no direito que o aderente pode actuar contra o tomador do seguro, se a indemnização que lhe puder exigir se reportar à reintegração, no seu património, do valor dos prémios que despendeu – indemnização pelo interesse contratual negativo – podendo não lhe ter servido de quase nada a protecção do seguro, lá e quando, como no caso, uma incapacidade permanente e definitiva surge: como consumidor não se vislumbra onde a lei protege eficazmente o aderente.

Se o banco mutuante, tomador do seguro, não deve ser considerado juridicamente agente, nem intermediário directo ou mediador da seguradora, muito embora exista uma ligação económica de grupo que, objectivamente faz do aderente “cliente simultâneo” do banco e da seguradora, esta circunstância evidencia que, em relação a estes sujeitos do contrato (trilateral), nenhum poder negocial detenha o segurado (o contrato principal não é de adesão entre o Banco e a Seguradora sendo apenas por eles negociado): a vinculação contratual fica acertada ao balcão do banco, sem liberdade de escolha em relação à entidade seguradora, em patente cerceamento da liberdade e autonomia negociais, que protecção pode ter o aderente?

A interpretação que protege o consumidor segurado, como parte mais fraca, deverá considerar que, nos casos em que tiver sido demandada na acção a seguradora e o Banco tomador do seguro, e não conseguindo este (nem aquela, diga-se) provar que cumpriu o ónus de informar o aderente do contrato de seguro de grupo, ante a dialéctica discussão, é oponível pelo aderente, que para nada contribuiu nem violou o contrato, a falta de cumprimento do ónus de informação, e, consequentemente, deve ser excluído o clausulado em relação ao qual o tomador do seguro violou o dever de informação.

De notar que, no preâmbulo do vigente diploma sobre o contrato de seguro – DL. 72/2008, de 16.6, se refere, numa lógica de protecção do aderente do contrato de seguro deste tipo, que:

Nos contratos de seguro de grupo em que os segurados contribuem para o pagamento, total ou parcial, do prémio, a posição do segurado é substancialmente assimilável à de um tomador do seguro individual. Como tal, importa realçar que da nova regulamentação deste tipo de seguro resulta que o facto de o contrato de seguro ser celebrado na modalidade de seguro de grupo não constitui um elemento que determine um diferente nível de protecção dos interesses do segurado e que prejudique a transparência do contrato”, o que, no nosso entendimento, e sob pena de o propósito do legislador pouco valer, se deve considerar que não é oponível ao aderente, pela Seguradora, a violação do devedor de comunicação de cláusulas que deveriam ter sido informadas e esclarecidas.

Será, assim, aplicável o art.5.º, n.º1, do DL 446/85, de 25 de Outubro, que prevê, para o dever de comunicação, que: “As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las”, e que, de acordo com subsequente o nº2, “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, e que: “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.” - (n.º3 do art. 5.º).

O art. 6º do mencionado diploma impõe ao proponente um dever de informação de acordo com as circunstâncias do contrato, ou seja, tendo em conta o seu conteúdo e complexidade.

O art. 8º al. a) estabelece a sanção para as cláusulas que não tenham sido objecto de comunicação, nos termos do nº5 antes referido, consignando que se consideram excluídas dos contratos singulares.

A al. b) do DL. 446/85, de 25.10, fulmina com a mesma sanção – “As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”.

Nos termos do art. 8º das ccg “Consideram-se excluídas dos contratos singulares a) as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5°; b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo […]”.

No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 14.4.2015 – Proc. 294/2002.E1.S1 – in www.dgsi.pt., pode ler-se:

“Mas significará tal disposição [artigo 4. °, n.º 1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho] que nos contratos em que está em causa uma relação tripartida, como o caso dos contratos de seguro de grupo, apenas o banco tomador de seguro está vinculado a esta obrigação de comunicar integralmente as cláusulas do contrato ao segurado?

Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor. 

No caso concreto, a fonte do dever de informação da seguradora, para além do princípio da boa fé, é a lei – artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro – em virtude de o segurado praticar um acto de adesão, limitando-se a aceitar ou a rejeitar em bloco o contrato.

Este acto de adesão do segurado é uma manifestação de vontade do aderente, o que significa que, nos contratos de seguro de grupo, em que existe um acto de adesão do segurado, estamos perante um contrato individual entre cada aderente e a seguradora. Sendo assim, é aplicável ao caso o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora.

O facto de o legislador ter fixado, no art. 4.º, n.º1 do DL n.º 176/95, de 26 de Julho, deveres de informação a cargo do tomador de seguro, não significa que tenha querido onerar exclusivamente o banco com estes deveres e exonerar a seguradora, perante o aderente, dos deveres que já decorriam dos arts 5.º e 6.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

[…] Ora, o contexto em que a norma foi elaborada e a razão de ser da lei – o aumento da protecção do consumidor e das garantias de transparência – indicam claramente a funcionalização da relação jurídica entre o Banco e a Seguradora à protecção dos interesses da parte mais fraca do contrato, conforme resulta do Preâmbulo do diploma (DL n.º 176/95, de 26-07), que afirma “A importância da informação do consumidor no novo quadro da actividade seguradora”.  

A prossecução deste objectivo implica necessariamente um reforço da protecção do aderente e não a sua diminuição, pelo que não podemos considerar o DL n.º 176/95 como uma lei especial que derroga o diploma que fixa o regime das cláusulas contratuais gerais, enquanto lei geral ou comum. Até porque não se pode considerar que o DL n.º 446/85 seja lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos e que o derroga. Estaríamos, então, apenas perante duas leis especiais em relação ao regime geral dos contratos e cuja interpretação e aplicação deve ser harmonizada, sem que nenhuma delas afaste a outra.”.

Deste modo concluímos, como ali (ut. sumário), que:

 “O acto de adesão do segurado em relação às condições do contrato de seguro consubstancia uma manifestação de vontade de que é contraparte a seguradora, o que permite atribuir ao aderente uma protecção equivalente à do segurado num contrato de seguro individual, aplicando-se o DL n.º 446/85, de 25/10 para regular as relações entre o segurado e a seguradora e que os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam directamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor.

            Neste entendimento consideramos que, na vigência do artigo 4º do DL. 176/95, de 26 de Julho, não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro provado ter cumprido o ónus de informação “sobre as coberturas e exclusões contratadas”, não podem, nem a seguradora, demandada como Ré, nem o co-réu Banco, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ..., as cláusulas que não foram informadas, para se eximirem do pagamento do capital seguro, verificado o risco previsto.

            Feitas considerações e tendo em conta o muito relevante facto de o Recorrente não ter sido informado do teor do clausulado a que aderiu, vejamos se a tese das Recorridas, quanto ao âmbito da cobertura do seguro de adesão, que ademais as Instâncias acolheram, é de manter.

            O Recorrente sustenta que não lhe tendo sido entregues (logo, obviamente, não explicadas) as condições gerais do contrato de seguro que celebrou, dos elementos que lhe foram fornecidos, colheu que, como se diz no Acórdão recorrido, a fls. 310, “que deles resultava sobre o risco coberto e garantido pela apólice em consequência de acidente para a ocorrência de uma situação de invalidez total e permanente, ser bastante a incapacidade permanente ou igual a 50%.”

            De seguida o Acórdão afirma:

“Valendo na nossa lei quanto à declaração negocial, a teoria da impressão do destinatário art. 236° do Código Civil e lembrando o DL. 446/85 de 25.10 quanto às cláusulas não esclarecidas ou comunicadas, que se têm por excluídas nos termos do respectivo art. 8°, a).

               Ora, quanto a esta factualidade, o que não se apurou foi tão somente que as Rés BB e CC, no circunstancialismo mencionado em 5) e 6), entregaram/remeteram ao Autor as condições gerais elencadas em 2).

               Todavia, o Autor não alegou e logo também não provou, o que lhe cabia fazer, que a sua percepção sobre o conceito de incapacidade total e permanente quanto ao risco coberto e garantido pela apólice em consequência de acidente era o constante da referida nota informativa de fls. 32 e das condições particulares do contrato.

               Temos, pois, como consta dos factos provados em 2. e 3., que o contrato de seguro em causa rege-se pelas condições gerais, pelas condições particulares e pelas condições especiais constantes do certificado de adesão (vd. ainda fls., 33), e não pela nota informativa indexada, que como dele consta, procura esclarecer, de uma forma sucinta e clara, as principais questões que por norma se colocam… E não se tendo provado que as RR. entregaram as condições gerais, ónus que a elas cabia, não se pode concluir que o Autor não sabia da sua existência, já que as mesmas eram expressamente referidas no contrato por ele celebrado, ou que para a apólice, a pessoa segura se encontraria em situação de invalidez total e permanente por acidente, se em consequência de um apresentasse uma incapacidade de grau igual ou superior a 50% TNI, desde que clinicamente verificada e sobrevinda no decurso de 2 anos após a data do acidente, ou seja, que o risco coberto pela apólice no caso de invalidez total e permanente era o decorrente da impressão do Autor conforme a nota informativa indexada ao contrato.

                Não sendo a nota informativa que molda o contrato, sendo antes o mesmo regulado pelas condições gerais e particulares como dele consta amiúde (cfr. factos provados em 2. e 3.).

               Não se entendendo qual a cláusula não comunicada que o Autor pretende ver excluída nos termos do art. 8°, a) do DL 446/85 de 25-10, já que constava expressamente do contrato que assinou a existência das condições gerais e nas condições particulares constantes remissões para aquelas.” (destaque e sublinhado nosso)

Salvo o devido respeito, este entendimento dos ónus a cargo das partes, nos contratos em que o predisponente utiliza o regime das ccg, de modo algum pode ser acolhido.

O Acórdão reconhece que ao Autor foram remetidas as condições gerais do contrato elencado em 2), sem nunca colocar qualquer relevo no facto de não ter havido qualquer prova de informação completa e esclarecida acerca do teor do contrato (remeter não é, de modo algum, esclarecer, informar).

 Mas o Acórdão, objectivamente, coloca um ónus de informação sobre o aderente, ao afirmar: “O Autor alegou e logo também não provou, o que lhe cabia fazer, que a sua percepção sobre o conceito de incapacidade total e permanente quanto ao risco coberto e garantido pela apólice em consequência de acidente era o constante da referida nota informativa de fls. 32 e das condições particulares do contrato.” (sublinhámos)

Ora a nota informativa de fls. 32, interpretada como o faria um declaratário normal colocado na posição do real declaratário – art. 236º, nº1, do Código Civil – precisamente inculca que o risco inerente ao conceito “incapacidade total e permanente resultante de acidente é o que consta da al. c) do nº1, do art. 3º das Condições Particulares da Apólice, ou seja – “Considera-se inválida a Pessoa Segura que apresente um grau de desvalorização igual ou superior a 50%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor na data de avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias preexistentes”.

Além disso, nas definições estabelecem-se três diferentes conceitos: Invalidez Total e Permanente por Doença (grau (grau _>2/3); Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau  _>50%) e Invalidez Absoluta e Definitiva por Doença.

Nas condições gerais da apólice - também não informadas ao Autor - o conceito de incapacidade total e permanente resultante de acidente é mais rigoroso e restritivo do ponto em que um dos requisitos é que o segurado não possa exercer, por causa das sequelas do acidente, qualquer actividade remunerada.

 O ónus da prova da informação adequada cabe ao predisponente, nos termos do art. 5º, nº3, das ccg –“O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante determinado que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.”

Por sua vez o art. 8º - estatui: “Consideram-se excluídas dos contratos singulares: b) as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”.

As instâncias aplicaram o regime mais severo previsto nas cláusulas contratuais gerais do contrato de seguro em apreço, ao invés de darem prevalência, como impõem as normas dos arts. 7º e 11º da lei das ccg, às cláusulas especificamente acordadas.

As instâncias desvalorizaram o regime das ccg e o patente incumprimento do dever de informação pelas Rés, ou pela Ré CC, para se centrarem na interpretação do contrato, como se fosse um contrato assente no modelo clássico de negociação em que as partes estão em pé de igualdade.

Ademais, a acolher a “nota informativa” dimanada da seguradora, que vale como informação pré-contratual, aquando da adesão do Autor ao contrato celebrado com a BB, o conceito de invalidez total e permanente não era o que as Rés defenderam posteriormente, bem mais gravoso e no caso excludente do Autor.

Pelo quanto dissemos, o Acórdão recorrido e a interpretação que perfilha não pode manter-se, porque viola o regime protector das cláusulas contratuais gerais, mormente, o dever de informação.

          Não tendo o Banco tomador e beneficiário do seguro, provado ter cumprido o ónus de informação, não pode a seguradora, demandada como Ré, pelas razões anteditas, opor ao aderente do contrato de seguro de grupo do ..., as cláusulas que não foram informadas, para se eximir do pagamento das quantias peticionadas.

Como tal, as pretensões do Autor não acolhidas, no Acórdão recorrido, sê-lo-ão com o provimento do recurso, sendo a Ré BB condenada a pagar à CC as quantias peticionadas nas als. b), c), d) e e), do pedido, e a Ré CC condenada a restituir ao Autor o valor das prestações e outros encargos que este tiver entretanto suportado, desde a data da citação – pedido formulado no que a si respeita – ficando prejudicada a apreciação do pedido formulado em f).

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

Decisão:

Nestes termos, concede-se a revista, condenando:

1. A Ré a BB nos pedidos formulados em b), c) d) e e).

2. A co-Ré CC a restituir ao Autor o valor das prestações e outros encargos, que este tiver pago, no âmbito do contrato de crédito à habitação, que lhe foi concedido, desde a citação até efectivo reembolso, acrescido de juros, à taxa legal, bem como a restituir ao Autor o valor das prestações e outros pagamentos ou encargos, que deste recebeu relacionados com o crédito à habitação, que lhe foi concedido a partir do dia 7.3.2011 - data do acidente -, que, até à data da propositura da acção, somam a quantia de € 10.633,87 (dez mil seiscentos e trinta e três euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal.  

Custas pelas Recorridas.

  Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Setembro de 2018

Fonseca Ramos (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

 

______________________
[1] Relator- Fonseca Ramos.
Ex.mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida
[2] Formulou alegações, quanto à revista excepcional, em peça autónoma – fls. 393 a 405 – invocando os fundamentos do art. 672º, nºs 1 als. a) a c) e nº2, als. a), b) e c) do Código de Processo Civil, quanto a esta alínea, alegando que o Acórdão recorrido está em contradição com o proferido por este Supremo Tribunal de Justiça no Processo nº 919/13.9TVLSB, transitado em julgado em 23 de Março de 2015.
[3] As alíneas não constam das alegações tal como estão no processo: foram apostas pelo Relator com o fito de simplificar a sua abordagem.
[4] “O fenómeno designado por “bancassurance” traduz-se na ligação e colaboração entre os Bancos e as Companhias de Seguros, para o desenvolvimento de sinergias e economias de sistema, designadamente, na produção-comercialização de “produtos” concorrentes (seguros de vida, que vencem juros e capitalizam) ou “produtos” complementares (seguros de vida para garantia de empréstimos bancários) ” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2.6.2015 – Proc. 109/13.0TBMLD.P1.S1 – in www.dgsi.pt