Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5118/06.3TVLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO ENTRE FUNDAMENTOS E A DECISÃO
CONTRATO DE FRANQUIA
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE AGÊNCIA
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
FUNDAMENTOS
SOCIEDADE COMERCIAL
GERENTE
RESPONSABILIDADE DO GERENTE
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 07/11/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL - GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES - CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS COMERCIAIS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - PERSONALIDADE E CAPACIDADE - RESPONSABILIDADE CIVIL PELA CONSTITUIÇÃO, ADMINISTRAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA SOCIEDADE - SOCIEDADES POR QUOTAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pp. 308/309 e 362/363.
- António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, pp. 31, 93, 107, 110; Contratos de Distribuição Comercial, p.120 e ss..
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7ª edição, p. 273 e seguintes; RLJ, 104º, 271.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume 3º, 1972, páginas 286 e 299.
- Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Lisboa, 1965, p. 347 e seguintes.
- Heinrich Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, p. 243 e ss.
- Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Volume II, p. 164 e seguintes; “Do Contrato de Franquia, (“franchising”): Autonomia privada versus tipicidade negocial”, ROA, 1988, p. 75.
- Miguel Pestana de Vasconcelos, Contrato de Franquia (Franchising), pp. 18, 73 (citando Baptista Machado, Anotação ao Acórdão de 8/11/1983, RLJ, ano 118º, p. 276), 84 e seguintes.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pp. 88 e seguintes e 97.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 258º, 434.º, 483.º, 487.º, 500.º, 628.º, N.º1, 1178.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 6.º, N.º 5, 72.º, 73.º, 79.º, 261.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 668.º, N.º1, ALÍNEA C), E N.º 4, 712.º, N.ºS4 E 6, 722.º, 729.º, 730.º.
LEI N.º 178/86, DE 02-07: - ARTIGOS 30.º, ALÍNEAS A) E B), 31.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
-DE 25/03/2010, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O STJ, nos poderes de apreciação da matéria de facto, exceptuados os casos de prova vinculada a que aludem os artigos 729.º e 722.º do CPC, está vedado saber se no acórdão recorrido se fez ou não correcta apreciação dos factos provados.
II - A nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão) respeita apenas à situação em que os fundamentos do acórdão devessem conduzir lógica e necessariamente a uma decisão de mérito diversa da que foi expressa no segmento dispositivo da sentença, ou seja, quando os fundamentos estão em contradição com a decisão de mérito.
III - O contrato de franquia é um contrato atípico puro, que se rege pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais e pelas disposições reguladoras dos contratos nominados com as quais apresente maior afinidade, designadamente o contrato de agência.
IV - Assentando, pela sua natureza e conteúdo, no estabelecimento de uma relação duradoura (são contratos de execução continuada) entre as partes que se vinculam, envolvendo recíprocos deveres de colaboração em vista do alcance do escopo previsto e definido, como é próprio dos denominados contratos de colaboração.
V - Uma das formas de cessação do contrato de franquia é a declaração resolutiva, a qual se funda em convenção das partes (cláusula resolutiva) ou em fundamento legal que a justifique, correspondendo, assim, a um direito potestativo vinculado.
VI - Tal resolução pode fundar-se, nos termos da alínea a) do artigo 30.º do DL n.º 178/86, de 02-07, se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, e se pela sua gravidade ou reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
VII - Integra tal fundamento de resolução a verificação de sucessivos atrasos e omissões de pagamento devidos pela franquia, vencidos há algum tempo e a falta de entrega dos documentos de garantia das obrigações emergentes do contrato.
VIII - Constando de uma cláusula que “para garantia das obrigações emergentes do presente contrato, o segundo outorgante (a ré A) fornecerá ao primeiro outorgante (a autora) uma letra de câmbio aceite e avalizada por AM e JS e respectiva autorização de preenchimento da letra de câmbio, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade e pessoalmente, conforme minuta em anexo, até ao limite de 60.000 euros”, é de concluir (teoria da impressão do destinatário) que a ré A se comprometeu a entregar à autora uma letra de câmbio em branco, ajustando as partes os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.
IX - Se tal letra não foi entregue, o aval não foi prestado.
X - A responsabilidade consagrada no artigo 79.º do CSC há-de resultar de factos (ilícitos, culposos e danosos, pressupondo a violação de direitos absolutos dos sócios, normas legais de protecção dos mesmos ou certos deveres jurídicos específicos) praticados pelos administradores ou gerentes no exercício das suas funções e dos danos directamente causados aos sócios, que directamente afectem o seu património.
XI - Necessário é, ainda, que o dano seja é resultante daquela violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado. (nexo de causalidade).
XII - Se resultou provado que o réu JS era sócio gerente da sociedade ré A; delegou na ré AM os actos de gerência; nunca teve quaisquer contactos com a ré A, quer enquanto sócio – gerente, quer individualmente; nunca interveio na vida da sociedade e constituiu a sociedade com o objectivo de ajudar a filha, a AM, a criar o seu posto de trabalho e autonomizar-se financeiramente, não se verificam os pressupostos da responsabilidade aquiliana do primeiro réu.
XIII - Tais pressupostos verificam-se quanto à ré AM se, não obstante a resolução do contrato, esta ré, gerente, da ré A, se recusa a restituir e entregar os produtos que a ré F tinha na loja, à consignação, não obstante os funcionários desta lhe terem comunicado que ali estavam para proceder ao levantamento dos produtos e, com consciência que tais actos causavam, como causaram, danos à autora, procedeu à venda desses produtos e fez seu o valor obtido, apesar da oposição desta.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1.

AA - Comércio de Calçado, S.A. demandou BB, L.da, CC e DD, alegando, em síntese, que exerce o comércio de calçado e é titular do nome comercial e da marca AA, dispondo de uma rede de estabelecimentos comerciais distribuídos pelo país, comercializando produtos de sapataria e calçado.

A ré BB, L.da exerce o comércio de calçado e acessórios num estabelecimento comercial sito no Centro Comercial ... Shopping, sendo os demais réus seus únicos sócios e gerentes.

No dia 25/10/2005, autora e ré BB, L.da celebraram o contrato comercial de franchising.

De entre as várias obrigações decorrentes do contrato, a ré BB não entregou à autora os documentos destinados a garantir as obrigações decorrentes do contrato até ao limite de € 60.000,00 -uma letra de câmbio aceite pela ré e avalizada pelos seus sócios e gerentes e a respectiva autorização de preenchimento, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade de gerentes e pessoalmente, conforme minuta que lhe foi fornecida.

A ré CC, por e-mail, enviado em 4/05/2006, comunicou à autora que não entregaria os documentos de garantia, sabendo as consequências de tal recusa.

Acresce ainda que a ré não procedeu ao pagamento de algumas facturas, cujo montante soma € 27.886,05.

Pela violação destas obrigações e de outras que indica na carta que lhe enviou em 7/07/2006, a autora comunicava à ré a rescisão do contrato e que, em 9/07/2006, iria proceder ao levantamento dos produtos que se encontravam na loja.

Nesse dia, a ré BB, representada pela sua sócia CC, recusou-se a restituir e entregar o calçado que tinha na loja, nomeadamente, 2.889 pares de sapatos de diversos modelos e medidas, no valor de € 136.357,58 e ainda 58 pares de sapatos, no valor de € 1.366,51, que se encontravam em trânsito para serem entregues na loja da ré.

A ré apropriou-se do calçado e produtos da autora que continua a usar e vender, sendo certo que a partir de 9/07/2006, passou a vender calçado de outras marcas - EE -, passando a receber e servir os clientes da marca AA com descortesia, comportamento que desacredita a marca, tendo surgido reclamações várias.

A autora tinha a expectativa legítima de obter um lucro anual bruto não inferior a € 50.000,00, em cada um dos seis anos do contrato de franchising, estimando o lucro líquido anual de € 25.000,00.

Pede que os réus sejam condenados solidariamente a pagar-lhe o valor daqueles produtos, o valor das facturas e o valor do lucro líquido que esperava obter do contrato, tudo no montante global de € 190.610,24, acrescida dos juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde a data da citação.

Na contestação, o réu BB, excepcionou a sua ilegitimidade, sustentando que nunca exerceu as funções de gerência, impugnou o alegado pela autora e concluiu pela absolvição do pedido e pela improcedência da acção (fls. 70 a 77).

As rés deduziram reconvenção, concluindo pela condenação da autora no pagamento às rés BB, L.da e CC, da quantia de € 240.000,00, correspondente a danos emergentes e lucros cessantes sofridos na decorrência da declaração resolutiva ilícita emitida pela autora, no pagamento à ré CC, da quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais e pela absolvição do pedido.

Impugnaram o alegado pela autora, sustentando que procederam à entrega da letra de câmbio devidamente preenchida, sempre cumpriram as cláusulas do contrato e não recusaram a entrega do calçado.

O incumprimento do contrato de franchising é imputável à autora, porquanto o seu serviço de gestão de stock e pós-venda era deficiente, não cumpria os prazos de entrega e devolução de artigos vendidos objecto de concertos na sequência de reclamações.

A resolução do contrato foi ilícita, causando danos e prejuízos.

A sociedade ré sofreu danos na sua imagem que computa em € 10.000,00.

Deixou de auferir lucros anuais, que estima na ordem dos 20% do valor da facturação, a qual, aquando da celebração do contrato, se estimava na ordem dos € 300.000,00 anuais, evoluindo 10% nos anos seguintes, pelo que contabiliza os lucros cessantes, reportados aos seis anos de contrato, em valor não inferior a € 180.000,00.

Computa o valor no reinvestimento de um novo negócio em € 50.000,00 (danos emergentes).

A ré CC sofreu enormes transtornos, angústia, ansiedade e desespero por recear a perda do grande investimento realizado com a instalação da loja e temer a subsistência do contrato de utilização outorgado com a sua representada (1ª ré) e o Centro Comercial, os quais computa em € 7.500,00 (fls. 106 a 127).

Na resposta à reconvenção e excepções deduzidas a autora concluiu pela improcedência das excepções e da reconvenção (fls. 166 a 168).

Foi proferido despacho saneador que julgando improcedente a excepção de legitimidade arguida, concluiu pela legitimidade do réu e foi elaborada a base instrutória (fls. 179 a 200).

Na sequência de reclamação efectuada pelas rés, foi admitido o pedido reconvencional, tendo-se procedido à correcção da base instrutória (fls. 247/248).

Após julgamento, foi proferida a sentença:

A - Julgando a acção parcialmente procedente, condenou:

1º - A ré BB, L.da a pagar à autora a quantia de € 25.000,00, relativa ao lucro líquido de que a autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia pela ré bem como a quantia de € 27.886,05, correspondente ao valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato;

2º - Condenou as rés, BB L.da e CC, solidariamente, no pagamento à autora da quantia de € 137.724,19, correspondente ao valor do calçado e demais produtos AA referidos em EE) e FF);

3º - Absolveu o réu BB;

B – Julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido (fls. 372 a 392).

Inconformadas apelaram autora e rés (fls. 394 e 397). O recurso interposto pela sociedade BB, L.da não foi admitido o (fls. 550).

Por acórdão de 15/09/2011, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedentes as apelações e confirmou a sentença do Tribunal de 1ª Instância.

Interposto recurso de revista pela autora e pela ré CC, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão do dia 15-03-2012, concedendo as revistas, julgou nulo o acórdão recorrido, ordenando que a Relação devia conhecer das impugnações da matéria de facto deduzidas pelos recorrentes, nos termos que havia assinalado e depois das demais questões postas pelas mesmas.

No seguimento do assim ordenado, o Tribunal da Relação de Lisboa, em 28/06/2012, aditou aos factos provados uma nova alínea, designada por MMM e julgou, de novo, as apelações improcedentes, confirmando a sentença recorrida.

A autora e a ré CC recorreram, novamente, de revista, tendo a autora, além do mais, arguido as nulidades da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC e, por sua vez, a ré arguiu a nulidade da alínea d) do n.º 1 do mesmo preceito.

Por acórdão de 22/11/2012, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou improcedentes as nulidades arguidas pela apelante AA e procedente a nulidade arguida pela apelante CC, e declarou a nulidade do acórdão de fls. 796 a 855, por omissão de pronúncia.

No seguimento desta decisão, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10 de Janeiro de 2013, julgou as apelações improcedentes e confirmou a sentença do Tribunal de 1ª Instância.

De novo, inconformadas, recorrem de revista a autora AA – Comércio de Calçado, S.A. e a ré CC , finalizando as alegações com as seguintes conclusões:

AUTORA:

1ª - As decisões do Tribunal da Relação sobre a modificabilidade da decisão de facto são sindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, se não tiverem observado a norma legal do artigo 712º, n.º 2, que estabelece limites à sua liberdade de julgamento.

2ª - As Instâncias deram como provados os factos das alíneas F), G) a O), e X), "o Réu DD, intervindo na sua qualidade de sócio e gerente e em representação da ré BB, L.da, subscreveu o contrato escrito de franchising dos autos", e "delegou os seus poderes de gerência na Ré CC" — e simultaneamente, deram como provado o seu contrário, ou seja, que "aquele nunca teve contactos com a autora, quer enquanto sócio-gerente da sociedade quer individualmente", "nunca tendo tido qualquer intervenção na vida da sociedade" - alíneas QQ) e SS) - da Matéria de Facto.

3ª - Os factos das alíneas F) e G) a O) estão provados por documentos assinados pelo Réu DD e foram por ele confessados no artigo 13º da sua contestação.

Mas a prova dos factos das alíneas QQ) e SS) assenta apenas no depoimento de testemunhas que nada sabiam das relações dos Réus com a Autora, e nem sequer valora correctamente a parte do depoimento da testemunha FF, parcialmente extractado a fls. 47 e 48 do douto acórdão recorrido.

4ª - Aliás, em regra, o franchisador e o franchisado limitam-se a assinar os respectivos contratos de franchising, sem necessidade de qualquer contacto prévio, nem actual, nem posterior, entre todos os respectivos gerentes e administradores.

E os actos relativos à execução do contrato são praticados, normalmente, pelos funcionários do franchisador, encarregados de proceder à selecção e entrega dos artigos destinados à venda no estabelecimento e de proceder à sua cobrança e ou à sua substituição, em contactos directos com o encarregado da própria loja do franchisado, tudo sem qualquer contacto entre os legais representantes de ambas as empresas.

5ª - A decisão proferida no douto acórdão recorrido sobre a matéria de facto dos artigos 12º, 14º e 16º da Base Instrutória está, assim, ferida de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668º do CPC.

6ª - O Tribunal "a quo" deu provimento ao recurso da matéria de facto do artigo 13º da Base Instrutória e decidiu aditar aos factos provados sob a alínea MMM), o seguinte: - "Com a consciência que tais actos causavam danos à autora" (artigo 13 da Base Instrutória) ", mas certamente por lapso, proferiu depois a decisão final seguinte: - "Pelo exposto, acorda-se em julgar as apelações improcedentes e, consequentemente, confirma-se a sentença. Custas da apelação da AA a cargo desta [...]".

Assim, também por este motivo, o douto acórdão recorrido está ferido de nulidade, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão.

7ª - O caso dos autos não é semelhante nem equiparável ao que foi julgado no douto acórdão do STJ de 25/03/2010, invocado no segmento do douto acórdão recorrido que absolveu os Réus CC e DD dos pedidos da sua condenação solidária com a ré BB, L.da, no pagamento das quantias de € 25.000,00 e 27.866,05, e em bom rigor, são mesmo opostas ou de sinal contrário as questões colocadas em ambos os doutos acórdãos.

8ª - A questão colocada no acórdão do STJ respeita às relações internas de regresso entre os diferentes avalistas que prestaram o seu aval, numa letra de câmbio, ao mesmo obrigado cambiário, e ao exercício do direito de regresso do avalista que pagou a letra relativamente aos restantes avalistas. Existia uma letra de câmbio, mas não existia, ou não foi feita a prova da existência da relação extra - cambiária subjacente à prestação dos avales e, por isso, foi negado o direito de regresso ao avalista que pagou o valor da letra.

9ª - "In casu", porém, ocorre exactamente o contrário.

Existe o contrato de franchising, celebrado entre a Autora e a ré BB, L.da, no qual foram estabelecidas as seguintes obrigações dos Réus CC e DD:

a) – De garantia dos créditos da autora sobre a ré BB, L.da, emergentes do contrato de franchising, até ao montante de € 60.000,00;

b) - E de entrega à autora duma letra de câmbio, por eles subscrita, no lugar do aceitante, na sua qualidade de únicos sócios e gerentes da ré BB, L.da, e por eles avalizada à aceitante, em seu nome individual, acompanhada da respectiva declaração de autorização de preenchimento.

Mas não existe a letra de câmbio pelas razões descritas nas alíneas AA), AAA), BBB) e CCC) dos factos assentes.

10ª - Acresce que a jurisprudência do citado acórdão do STJ não só não é pacífica, como se afasta da jurisprudência tradicional sobre a matéria nele versada, como foi salientado pelos ilustres Juízes Conselheiros que o subscreveram, tanto pelos que nele fizeram vencimento como pelos que nele votaram vencidos.

11ª - O contrato de franchising dos autos foi subscrito pelos réus CC e DD, na sua qualidade de únicos sócios e gerentes da Ré BB, L.da, e nele foram estipuladas as obrigações das partes, - (cláusulas Primeira a Décima Nona) - e a garantia das mesmas, a prestar pelos mesmos réus CC e DD - (cláusula Vigésima).

12ª - As partes contratantes quiseram subordinar e subordinaram o contrato de franchising à prestação da garantia pessoal dos Réus CC e DD, pelo cumprimento das obrigações dele emergentes, até ao montante de € 60.000,00, e nele estipularam que a obrigação de garantia seria titulada por letra de câmbio, aceite pelos mesmos Réus CC e DD, na sua qualidade de gerentes da ré BB, L.da, e por eles avalizada, em seu nome individual, à aceitante, que estes deveriam entregar à autora, acompanhada da respectiva declaração escrita de autorização do seu preenchimento, igualmente subscrita pelos mesmos réus CC e DD, na referida dupla qualidade, e com reconhecimento das suas assinaturas.

13ª - A letra de câmbio referida na conclusão anterior destinava-se a permitir maior facilidade de circulação e de exequibilidade dos créditos futuros e incertos da autora sobre os réus, decorrentes do contrato de franchising e das obrigações pessoais de garantia nele assumidas pelos réus CC e DD, que eram as relações jurídicas subjacentes às obrigações cambiárias do aceite e dos avales da própria letra.

14ª - Para cumprimento das obrigações referidas nas conclusões anteriores, os réus CC e DD entregaram uma letra de câmbio à autora, por eles subscrita, em branco, no lugar do aceite, na sua qualidade de gerentes da ré BB, e em seu nome individual, no lugar do sacador, juntamente com a declaração de autorização do seu preenchimento, por eles assinada com reconhecimento notarial das suas assinaturas, na referida dupla qualidade (cfr. documento n.º 1 junto com a contestação das Rés BB, L.da e CC, e ainda as alíneas AA) e AAA) da matéria de facto).

15ª - Detectado o lapso das assinaturas dos réus CC e DD, em seu nome individual, no lugar do sacador, a autora, de total boa - fé, devolveu a letra de câmbio aos réus, para a substituírem e lhe entregarem uma nova letra com as assinaturas apostas nos lugares próprios do aceite e do aval, mas a ré CC, por conselho do Réu DD, recusou-se a entregar uma nova letra de câmbio à autora, e a restituir-lhe a letra de câmbio que aquela deveria substituir, factos que o réu DD aceitou e sobre os quais se não pronunciou (cfr. documento n.º 3 junto com o apenso da Providência Cautelar Não Especificada e alíneas P), BBB) e CCC) da matéria de facto).

16ª - O sentido da declaração negocial da cláusula 20ª do contrato de franchising, referido na conclusão 11ª, para além de conhecido e pretendido pelos declarantes e corresponder à vontade real destes, é também o sentido que um declaratário normal (leia-se, um homem normal, colocado na posição dos reais declaratários), pode deduzir do comportamento dos declarantes (artigo 236º, n.os 1 e 2 do Código Civil).

17ª - Aliás, as próprias regras de experiência comum impõem a conclusão de que a autora só aceitou celebrar o contrato de franchising e confiou e entregou à consignação à ré BB, L.da, em permanência, bens de valor superior a € 140.000,00 (cento e quarenta mil Euros) pela credibilidade que lhe podiam merecer os Réus DD e CC, (sobretudo o primeiro, por se tratar de pessoa com a sua vida estabilizada e com uma profissão rendosa de piloto de helicópteros) e porque ambos, pai e filha, assumiram a responsabilidade pessoal e solidária pelo cumprimento das obrigações emergentes do contrato até ao limite de € 60.000,00.

18ª - E se dúvidas legítimas se puderem colocar ao sentido das referidas declarações negociais - o que se não concede - deverá, então, prevalecer o sentido que conduzir ao maior equilíbrio das prestações (artigo 237º CC), ou seja, que os réus CC e DD assumiram a responsabilidade pessoal pelo cumprimento das obrigações emergentes do contrato de franchising, até ao montante de € 60.000,00.

19ª - O contrato de franchising dos autos foi celebrado entre duas sociedades comerciais no exercício do seu comércio e, por isso, são mercantis as obrigações dele decorrentes. Os réus CC e DD intervieram nesse contrato e nele assumiram a responsabilidade pessoal pelo cumprimento destas obrigações até ao limite de € 60-000,00. A garantia prestada pelos réus CC e DD constitui um verdadeiro contrato de fiança comercial e, por isso, respondem solidariamente com a afiançada, a co - ré BB, L.da, até àquele montante, nos termos do disposto no artigo 101º do Código Comercial.

20ª - Os gerentes ou administradores respondem, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros, pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções (artigo 79º, nº 1 do CSC) e aos direitos de indemnização previstos neste preceito é aplicável o disposto nos n.os 2 a 6 do artigo 72º, artigo 73º e n.º 1 do artigo 74º, todos do CSC.

21ª - A responsabilidade dos gerentes pelos danos causados a terceiros, por actos ou omissões praticados no exercício das suas funções, é a responsabilidade civil extra - contratual (artigos 483º e 486º do CC, ex vi artigo 79º, n.º 1 do CSC) e só é afastada se ocorrer qualquer uma das causas de exclusão de responsabilidade previstas nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 72º do CSC.

22ª - No caso dos autos, a ré BB, L.da, sem o consentimento e contra a vontade e apesar da oposição expressa e judicial da autora, apropriou-se de calçado e artigos AA no valor de € 137.724,19, que depois vendeu e fez seu o produto das vendas [cfr. alíneas CC), EE), FF), GG), HH) e II)].

23ª - A gerência da ré BB, L.da estava, então, a cargo dos seus únicos sócios, os réus CC e DD, (cfr. alínea F) da matéria de facto) e por isso estavam ambos obrigados a observar os deveres de cuidado e de lealdade para com a sociedade e os sócios e os clientes e os credores, como dispõe o artigo 64º, n.º 1 alíneas a) e b) do C.S.C.

24ª - A responsabilidade de DD não foi afastada por ter delegado os seus poderes de gerente na Ré CC, nos termos do disposto no artigo 261º, n.º 2 do C.S.C. Pelo contrário, continuou investido nos poderes e deveres de gerente, e também responsável pelos actos praticados pela mandatária, nos termos das disposições combinadas dos artigos 258º e 1178º, n.º 1, ambos do Código Civil.

25ª - As decisões mencionadas na conclusão 22ª são ilícitas e danosas porque violam um direito absoluto da autora - direito de propriedade sobre o calçado e demais artigos AA de que a ré BB, L.da se apropriou e depois vendeu fazendo seu o produto da venda -, são da responsabilidade de ambos os gerentes da ré BB, L.da; integram o tipo legal de crime de “abuso de confiança”, previsto no artigo 205º, n.os 1 e 4 alínea b) do Código Penal; e causaram directamente danos patrimoniais à autora do montante de € 137.724,19 (artigos 483º e 486º do CC).

26ª - O réu DD tinha o dever de se opor às referidas decisões e práticas ilícitas e danosas da gerente CC, dentro do prazo de cinco dias, se com elas não concordasse (n.os 3 e 4 do artigo 72º do C.S.C.).

27ª - O réu DD não se opôs a tais decisões e delas retirou um benefício ilícito, material, pessoal e igual ao da ré CC (ambos tinham a mesma participação no capital social da ré BB, L.da), à custa da autora e, por isso, a omissão é-lhe imputável a título de dolo, pois tinha perfeito conhecimento da ilicitude das vendas dos bens da autora e da apropriação do produto desses mesmos bens, da qual resultaria, como resultou, directa e adequadamente, um dano patrimonial para a autora do montante de € 137.724,19.

28ª – “In casu”, não se verifica qualquer uma das causas de exclusão da responsabilidade do réu DD, previstas nos n.os 2, 3 e 5 do artigo 72º do CSC:

1.º - Os actos ilícitos e danosos da gerência da BB, L.da, não observam quaisquer critérios de racionalidade empresarial, bem pelo contrário; e, além disso, o réu DD foi interessado e beneficiário directo e pessoal dos mesmos;

2.º - A gerência é plural e o réu DD não se opôs aos actos praticados pela ré BB, L.da, de apropriação dos bens da autora e da sua posterior venda e de apropriação do produto da venda desses bens, como estava obrigado, se com eles não estivesse de acordo (n.º 3 do artigo 72º do CSC) e, por isso, responde solidariamente pelos referidos actos a que podia e devia ter-se oposto;

3.º - Os referidos actos de gerência, a que o Réu DD estava obrigado a opor-se e não se opôs, não assentam em qualquer deliberação dos sócios.

29ª - Os réus CC e DD respondem ambos, solidariamente, com a ré BB, L.da, para com a autora, pelos danos que directamente lhe causaram (artigos 73º e 79º do C.S.C), sendo a responsabilidade imputável, à primeira, por acção, e ao segundo, por omissão.

30ª - O douto acórdão recorrido não faz correcta aplicação e interpretação das normas dos artigos 236º, 237º, 238º, 258º, 483º, 486º, 487º, 562º, 627º e 1178º do Código Civil; artigos 64º, n.º 1, alíneas a) e b), 72º, 73º, 79º e 261º do Código das Sociedades Comerciais; artigo 101º do Código Comercial; e está ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 668º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil

Nestes termos e pelo douto suprimento, deve ser dado provimento ao presente recurso de Revista e consequentemente:

a) - Declarada a nulidade do douto acórdão recorrido, por violação das regras das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil;

b) - Revogado o segmento do douto acórdão recorrido que indeferiu o pedido de alteração das respostas à matéria dos artigos 12º, 14º e 16º da Base Instrutória, porque a intervenção do réu DD, nos negócios da sociedade e, concretamente, no contrato de franquia celebrado com a autora, está provada por documento que faz prova plena dessa intervenção;

c) - Revogado o segmento da decisão do douto acórdão recorrido que julgou improcedente o recurso de apelação da autora;

d) - E condenados os réus/recorridos, solidariamente, a pagar à autora/recorrente:

1 - A quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil Euros), relativa ao lucro líquido que a Autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia pela ré;

2 - A quantia de € 27.866,05 (vinte e sete mil e oitocentos e sessenta e seis Euros e cinco cêntimos), correspondente ao valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato de franquia;

3 - A quantia de € 137.724,19 (cento e trinta e sete mil setecentos e vinte e quatro Euros e dezanove cêntimos) correspondente ao valor do calçado e demais produtos AA, referidos em EE) e FF);

4 - E nas custas.

RÉ:

1ª - A Recorrente continua a não se conformar com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa já que este Tribunal mantém uma decisão profundamente injusta, efectuando uma incorrecta interpretação dos factos provados.

2ª - A Recorrente mantém e entende que a matéria de facto mostra-se incorrectamente julgada, insuficientemente fundamentada, e a que foi dada como provada mostra-se também incorrectamente interpretada e, consequentemente, a subsunção dos factos ao direito mal aplicada.

3ª - Concluiu o Tribunal que houve incumprimento contratual por parte da Ré, com base em atrasos no pagamento, mas atrasos não é o mesmo que falta de pagamento, e vê-se do extracto de conta corrente junto aos autos pela Autora, que eram feitos regularmente pagamentos, mas também está provado em TT), que surgiram problemas de reposição dos produtos, por parte da Autora e, estando perante um contrato sinalagmático, o comportamento da autora também é um comportamento incumpridor, ocorrendo incumprimento recíproco e não exclusivo da Ré;

4ª - A oposição manifestada pela Ré CC, no dia 9 de Junho de 2006, à entrega do material depositado à consignação pela Autora, não é um comportamento ilícito e culposo, antes é uma manifestação de um estrito cumprimento das normas internas do centro comercial, que impõe que lhe seja dado conhecimento e solicitada autorização, com uma antecedência superior a 48 horas, para poder estar com a loja aberta para além das 24 horas, o que não se verificava naquele dia 9 de Junho de 2006, pois na melhor das hipóteses, a Ré só recebeu a carta da autora em 8 de Junho de 2006. A Autora Recorrida nunca poderia estar munida de autorização para entrar na loja pois não é a ela que compete obtê-la, pois não é parte no contrato celebrado entre a Ré e o Centro Comercial, quando muito teria autorização para entrar na zona de abastecimento do edifício mas não da loja;

5ª - A responsabilidade a que se refere o artigo 79º do Código das Sociedades Comerciais, terá de resultar de um acto ilícito do sócio gerente e que directamente cause um dano ao credor;

6ª - Ao contrário do que alegava a Autora Recorrida não foi dado como provado a matéria por ela alegada no artigo 48º da petição inicial, a que corresponde o número 135 da base instrutória, ou seja, que os demandados tinham perfeita consciência da ilicitude que tais actos causavam àquela e alteração produzida pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao nº 13º da douta base instrutória não encontra suporte documental ou sequer testemunhal. Ninguém disse nada acerca desta matéria;

7ª - A única conduta " ilícita" que o Tribunal aponta à Ré CC, resulta do facto de esta se ter recusado a entregar à Autora a mercadoria deixada por esta à consignação, no dia 9 de Junho de 2006, mas o acto em causa não foi ilícito ou sequer culposo;

8ª - É verdade que nos termos do contrato assinado entre a sociedade BB, Limitada e a Autora, aquela, em caso de resolução do contrato, estava obrigada a restituir a mercadoria colocada na loja desta à consignação, mas também é verdade que a Ré tem outras obrigações, designadamente para com a proprietária do centro comercial, sua senhoria, que é a de pedir autorização a esta para poder estar com a loja aberta para além das 24 horas e que essa autorização tem de ser solicitada com uma antecedência superior a 48 horas, o que não se verificava naquele dia 9 de Junho de 2006;

9ª - A Autora resolveu o contrato por carta datada de 7 de Junho de 2006 que terá sido recebida pela Ré, na melhor das hipóteses, em 8 de Junho de 2006. No dia que alegadamente os funcionários da Autora se dirigiram à loja da Ré para levantar a mercadoria, ou seja, no dia 9 de Junho de 2006, e só o podem fazer para além do período normal de funcionamento da loja, a Ré ainda não tinha a autorização do centro para poder ter a loja aberta para além das 24 horas (nem a Autora podia ter a autorização pois não é lojista), por isso, estava impossibilitada, naquele dia, de cumprir a obrigação de restituição da mercadoria e, consequentemente, nenhuma censura se pode atribuir à conduta da ré CC e, mesmo que esta deixasse levantar a mercadoria, a segurança do Centro Comercial não autorizava a circulação nos espaços comuns do Centro Comercial por inexistência de autorização da Administração;

10ª - Não se verificando os apertados limites de aplicação do disposto no artigo 79º do Código das Sociedades Comerciais não deve a ré CC ser responsabilizada pelo pagamento da quantia de € 137.724,19, sendo este valor de venda ao público com a taxa de iva em vigor na altura;

11ª - A Autora, ao resolver o contrato com apenas 24 horas de antecedência, viola os ditames da boa - fé, e o disposto no artigo 31º do D.L. 178/86 de 13 de Julho;

12ª - A Autora requereu, por requerimento junto à providência cautelar não especificada, apensa a estes autos, em 3 de Novembro de 2006, (cfr. fls. 97), a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, designadamente declarando que a mercadoria já não tinha valor comercial mas, apesar do declarado, reclama o valor da mercadoria como nova e o Tribunal condena em importância como se a mercadoria tivesse valor comercial e fosse nova, com taxa de iva incluída;

13ª - Tendo a Autora desistido da pretensão de reaver a mercadoria, não sofreu ela qualquer dano directo, passando assim a credora comum, e aliás o M.mo Juiz que apreciou a providência cautelar, pela análise da petição inicial, decidiu que "inexistem motivos suficientemente ponderosos que nos levem a postergar o contraditório" (cfr. despacho de fls. 34 no apenso);

14ª - O contrato de franquia a que se reportam os autos, o qual esteve em vigor apenas 7 meses, foi incumprido por ambas as partes, pois se é certo que a Ré se atrasou nos pagamentos também a Autora não efectuava as necessárias reposições de produtos (cfr. provado em TT) e, por isso, é excessivo atribuir culpa exclusiva à Ré, sendo, em consequência, ilícita a resolução do contrato efectuada pela Autora;

15ª - O Tribunal, ao decidir da forma que decidiu, "violou, entre outros, o disposto nos artigos 79º, do Código das Sociedades Comerciais, 224º, 436º, 483º, 801º, 802º do Código Civil, artigo 31º do Decreto-Lei nº 178/86 de 3 de Julho.

O recorrido BB contra – alegou, concluindo:

1ª - O Tribunal fez uma correcta apreciação da prova.

2ª - Não existe contradição entre as respostas dadas aos artigos 12º e 13º e 14º e 16º da Base Instrutória e os referidos nas alíneas das alíneas F), G), H), I), J), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), X), EE), FF), GG), HH), II), 00), PP) e JJJ) dos factos assentes.

ª - Os factos das alíneas F), G) e O) versam matéria referente à constituição da sociedade, enquanto os factos das alíneas QQ) e SS) versam matéria referente a momentos posteriores à constituição da sociedade.

4 - Resultou provado que o Réu BB constituiu a sociedade, conjuntamente com a filha, para ajudar a autonomizar-se financeiramente, e após a constituição, não teve qualquer intervenção na vida da sociedade, sendo a filha "o rosto da sociedade".

5ª - Mais resultou provado que o Réu não auferiu qualquer rendimento directo ou indirecto da sociedade, não se tendo, nomeadamente, apropriado, nem vendido e fazendo seu o produto da venda do calçado e demais artigos AA.

6ª - Não existe, portanto, contradição entre os factos das alíneas F), G) e O) e os das alíneas QQ) e SS).

7ª - Os extratos do depoimento das testemunhas em que a Autora se baseia para fazer valer a sua pretensão, estão retirados do contexto, mas mesmo que assim não fosse, são apenas um elemento de prova que deve ser valorado, no conjunto da prova produzida.

8ª - A nulidade a que alude a alínea b) do artigo 668º n.º 1 do CPC apenas se verifica quando haja falta absoluta de motivação, e não quando o tribunal não tenha apreciado especificadamente todas as razões invocadas pelas partes, pois que o tribunal não está adstrito à obrigação de apreciar todos os argumentos das partes (acórdão do S.T.J de 14/05/1974 in BMJ, 237º-132).

9ª - A douta decisão recorrida não contém quaisquer vícios dos quais possa decorrer a sua nulidade, nomeadamente as das alíneas b) e c) do nº 1 do artigo 668º do C.P.C.

10ª - O Tribunal "a quo" aditou aos factos provados a matéria do artigo 13º da Base Instrutória: alínea MMM) "Com a consciência de que tais actos causavam danos à autora".

11ª - O aditamento dessa nova alínea não é, por si só, suficiente e bastante, para que se possa afirmar que o recurso de apelação mereceu provimento parcial e que, por isso, existe oposição entre a decisão recorrida e os seus fundamentos.

12ª - A inclusão dessa nova alínea MMM), em nada interfere na decisão que veio a ser proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

13ª - Só ocorrerá esta causa de nulidade, quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando «os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto" (cfr. Prof. Alberto dos Reis in "Código de Processo Civil Anotado, vol. V, página 141"). Ou melhor, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta à que logicamente deveria ter extraído (vide Ac. do STJ de 02/10/2003, in "Recurso de Revista n.º 2585/03 - 2ª Secção)”.

14ª - Na decisão em apreço, todas essas premissas e dados factuais e jurídicos, se encontram clara e inequivocamente enunciados, não existindo contradição entre os factos e a decisão proferida, tendo o douto acórdão recorrido, depois de analisar, indagar e juridicamente balizar as questões a decidir, subsumido o direito aos factos.

15ª - Nos termos do artigo 31º da Lei Uniforme das Letras e Livranças, "o aval é escrito na própria letra ou numa folha anexa".

16ª - O aval constitui um negócio jurídico cambiário, doutrinariamente definido como um negócio jurídico unilateral e abstracto que tem por conteúdo uma promessa de pagar a letra e por função a garantia desse pagamento.

17º - Como negócio jurídico cambiário que é, o aval, tem como características, a abstracção, a literalidade, a autonomia e a incorporação.

18ª - O aval não pode ser prestado nem por contrato nem através de uma declaração de intenções.

19ª - Resultou provado que a letra não foi entregue [P), BBB) e CCC)] dos factos assentes.

20ª - As alíneas P), BBB), e CCC) dos factos assentes não provam que a Ré CC, por conselho do Réu DD, se tenha recusado a entregar uma nova letra de câmbio à Autora e a restituir-lhe a letra de câmbio que aquela deveria substituir, pois que não contêm nenhuma alusão àquele Réu.

21ª - Muito se estranha que a Autora venha, agora, em sede de recurso, socorrer-se duma Providência Cautelar de que desistiu alegadamente por perda de interesse na mesma.

22ª - O Réu DD não era parte na Providência Cautelar, pelo que não tinha que se pronunciar, pessoalmente, sobre os factos dela constantes.

23ª - Não releva tentar apurar o sentido da declaração negocial, contido na cláusula vigésima do contrato de franchising para obter a condenação dos Réus.

24ª - Bem andou o tribunal "a quo" ao afirmar que, "Não tendo a letra sido entregue, o aval não foi prestado, é inexistente", sendo quanto basta e fundamentação mais do que suficiente.

25ª - Face à inexistência da letra e à consequente inexistência do aval, fica prejudicada a discussão sobre a natureza jurídica das obrigações assumidas pela 2ª Ré e pelo 3º Réu.

26º - A resposta à questão da natureza jurídica das obrigações assumidas pelos Réus CC e DD nunca nos poderia ser dada pelas disposições legais que regulam o instituto jurídico da fiança.

27ª - O aval e a fiança são garantias obrigacionais, embora de natureza distinta e idêntica função económica: a de garantir o cumprimento de uma dívida. Contudo, o aval não constitui uma fiança nem pode enquadrar-se na fiança.

28ª - Aval e fiança constituem institutos diferentes, com finalidades e modos de operar diferenciados entre si.

29ª - A obrigação do avalista é uma obrigação solidária, enquanto que a obrigação do fiador é uma obrigação subsidiária ou acessória (artigo 672º, nº 2 do CC).

30ª - O aval é um negócio jurídico cambiário, enquanto a fiança é um negócio jurídico extra - cambiário.

31ª - Subjacente ao aval, pode ser convencionada extracambiariamente uma fiança destinada a funcionar no caso de extinção do aval, sendo que a fiança extra - cambiária não se presume: só existe se for formal e expresssamente convencionada.

32ª - O aval não é uma fiança especial e o seu regime jurídico não constitui uma espécie do género que seria a fiança civil.

33ª - No presente caso, a garantia prestada era a letra avalizada e a respectiva autorização de preenchimento com as assinaturas reconhecidas.

34ª - As partes acordaram que, para a satisfação dos créditos da Autora, seria prestado aval e não fiança.

35ª - Não pode a autora, que não alegou nem provou, em sede própria, a existência de um contrato de fiança, vir agora aos autos pedir a condenação dos co - réus com base num contrato de fiança.

36ª - Não se presumindo a existência da fiança extra - cambiária, como relação subjacente ao aval, não podem os co - Réus ser condenados, por via de uma fiança inexistente.

37ª - A conduta do co - Réu DD não se subsume nos artigos 483º nº 1 do CC ex vi do artigo 79º nº 1 do CSC, não se aplicando o disposto nos n.os 2 a 6 do n.º 2 do artigo 72º, artigo 73º, e n.º 1 do artigo 74º, todos do CSC.

38ª - Para que haja responsabilidade do agente, é necessário que haja um facto voluntário do agente, que o facto do agente seja ilícito, que haja um nexo de imputação ao lesante, que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano e um nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo agente e o dano sofrido, de tal modo que se possa afirmar que o dano é consequência da violação, pois só quanto a esse a lei a manda indemnizar o lesado.

39ª - Esse facto é, em regra, uma acção, ou seja, um facto positivo que importa a violação do dever jurídico de não ingerência na esfera de acção do titular do direito absoluto, podendo ser, também, um acto negativo: uma abstenção ou uma omissão.

40ª - Facto voluntário significa facto controlável pela vontade.

41ª - A ilicitude da conduta do agente traduz-se na violação de um direito de outrem e na violação de uma lei que protege os interesses alheios.

42ª - As leis, que protegem interesses alheios, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares os direitos subjectivos a essa tutela e as leis que, tendo em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares que lhes estão subjacentes, nomeadamente, os interesses de indivíduos, classes ou grupos de pessoas.

43ª - Para que o facto ilícito gere responsabilidade é necessário que o agente tenha agido com culpa, sendo que a violação terá que ter sido praticada com dolo ou mera culpa.

44ª - Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou a censura do direito.

45ª - Para que haja lugar à obrigação de indemnizar, tem que haver dano, devendo o facto ilícito ter causado um prejuízo a alguém.

46ª - Tem que haver um nexo causal entre o facto praticado pelo agente e o dano que este causou na vítima, de tal modo que se possa afirmar que o dano é resultante da violação.

47ª - Para que o agente seja obrigado a indemnizar um dano não basta que o acto ilícito por ele praticado seja considerado, em abstracto, causa adequada desse dano, sendo necessário que seja causa adequada e concreta do dano.

48ª - É à sociedade e não aos seus administradores que cumpre indemnizar, porque os administradores, no exercício das suas funções, actuam em nome e representação da sociedade.

49ª - O administrador relaciona-se com a sociedade e não com terceiros.

50ª - A responsabilização dos administradores apenas é admissível perante a própria sociedade.

51ª - A questão da directa responsabilidade dos administradores apenas se coloca quando, por via duma actuação culposa a eles imputável, estamos perante uma situação de insuficiência de património social.

52ª - A responsabilidade é directa quando os danos resultam do facto ilícito, sem intervenção de outros eventos, o que se traduz em práticas dolosas que tenham por objectivo a consecução do prejuízo ou em práticas negligentes grosseiras cujo resultado seja a verificação do dano em causa.

53ª - Como refere o Prof. Menezes Cordeiro, as remissões constantes do nº 2 do artigo 79º para os n.os 2 a 6 do artigo 72º, artigo 73º e nº 1 do artigo 74º, (todos do CSC) apenas se podem dever a um lapso do legislador, uma vez que todo o sistema se encontra construído na base da não responsabilização dos administradores, desde que estes demonstrem que agiram em conformidade com os limites da boa-fé negocial.

54ª - A representação traduz-se na prática de um acto jurídico, em nome de outrem, para, na esfera desse outrem, se produzirem os respectivos efeitos.

55ª - Para que a representação seja eficaz, é necessário que o representante actue nos limites dos poderes que lhe competem (artigo 258º do CC).

56ª - No presente caso, provou-se que o 3º Réu não praticou actos de gerência mas não se provou que a 2ª Ré tivesse informado o 3º Réu dos actos de gerência por ela praticados.

57ª - Não tendo sido informado dos actos de gerência praticados pela Ré CC, também não se podia opor a esses actos de gerência.

58ª - Tendo resultado provado que era a co - Ré CC que tomava todas as decisões da sociedade, a vontade do co - Réu DD, foi irrelevante na obtenção do resultado.

59ª - É na pessoa do representante, neste caso a co - Ré CC, que devem recair os resultados das decisões por si tomadas.

60ª - A recorrente fundamenta a sua pretensão na responsabilidade extra - contratual pelo que, como bem refere o acórdão recorrido, "A responsabilidade civil extracontratual assenta na conduta acto ou omissão do agente (subjectivo/pessoal/individual), não podendo ser imputada a outrem (que não praticou o acto), ainda que tenha procedido à delegação de poderes, sob pena de subversão do princípio ínsito na norma".

61ª - A omissão a que alude o artigo 486º do Código Civil não se aplica ao Réu BB. Conforme refere Pessoa Jorge in Pressupostos da Responsabilidade Civil, página 69, "A omissão do comportamento devido, objectivamente considerada, não chega para definir a ilicitude. É necessário o aspecto subjectivo, que consiste na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta o referido juízo de reprovação; numa palavra: exige-se a culpabilidade".

62ª - Era à Autora que competia provar que, relativamente ao co - Réu DD, se verificavam os requisitos da responsabilidade civil extracontratual, com relevo para a ilicitude e a culpa.

63ª - A Autora não logrou provar que o co - Réu DD tenha praticado qualquer acto ilícito e culposo, pelo que a sua conduta não se subsume nos normativos citados.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2.

Com a alteração introduzida pela Relação, as instâncias consideraram provados os seguintes factos:

A) - A autora exerce o comércio de calçado e é titular do nome comercial e da marca AA, devidamente registada sob o 326983-B, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

B) - A autora dispõe duma rede de estabelecimentos comerciais distribuídos por todo o país, e neles comercializa os produtos de sapataria e calçado sob a sua referida marca AA.

C) - Alguns dos estabelecimentos da rede comercial da autora pertencem a terceiros mas foram nela integrados, ao abrigo de contratos específicos de "franchising"."

D) - A ré BB, L.da exerce o comércio de calçado e acessórios de moda no estabelecimento instalado na loja n° 103 IA do Centro Comercial ... Shoping.

E) - Cujo direito de utilização lhe foi concedido pela respectiva proprietária, ... Management Portugal — Gestão de Centros Comerciais, S.A., para se dedicar à comercialização de calçado da marca AA.

F) - Os réus CC e DD são os únicos sócios e gerentes da ré BB, L.da.

G) - No dia 25 de Outubro de 2005, a autora, representada pelo seu administrador, GG, e a ré BB, L.da, representada pelos seus referidos sócios e gerentes, os co - réus CC e DD, celebraram, entre si, o contrato comercial de "franchising".

H - O qual foi celebrado tendo em atenção o regulamento (CEE) nº 4087/88 da Comissão de 30 de Novembro de 1988.

I) - No contrato referido em G) a ré BB, L.da declarou pretender trabalhar e vender os produtos da autora, sob a designação e marca desta, e integrar-se na sua cadeia comercial denominada AA, em regime de "franchising".

J) - Através dele integrou o seu identificado estabelecimento da Loja nº 1031A do Centro Comercial ... Shoping, na cadeia comercial da autora.

L) - Nos termos da condição Sexta deste contrato de "franchising", a ré BB, L.da obrigou-se, nomeadamente:

a) - A cumprir as indicações e instruções que forem subministradas pela autora;

b) – A aceitar e fazer cumprir todas as recomendações e orientações realizadas pela autora, como critério e forma de actuação permanente da sua unidade, com zelo e rigor;

c) – A permitir que a autora proceda livremente à inspecção das suas instalações e da sua actividade, analisando rigorosamente a aplicação das normas e orientações dadas, podendo para o efeito consultar toda a documentação inerente à actividade comercial da ré;

d) - A cumprir, zelosamente, os seus compromissos financeiros para com todas as entidades envolvidas no seu negócio, e para com a autora.

M) - Nos termos da condição Décima Quarta, a ré obrigou-se:

a) - Em caso de rescisão do contrato, por qualquer causa, a cessar de imediato a utilização da imagem, insígnias e marcas concedidas; a retirar todos os elementos identificados da cadeia comercial AA; e a devolver toda a mercadoria em seu poder.

N - Nos termos da condição 17ª, a ré obrigou-se:

A pagar à autora a mercadoria vendida e facturada, no primeiro dia útil de cada semana, sendo o valor, facturado numa semana, calculado com base nas vendas da semana anterior.

O) - E nos termos da condição Vigésima, a ré obrigou-se:

A fornecer à autora uma letra de câmbio aceite pela ré e avalizada à aceitante pelos respectivos sócios e gerentes, os co - réus CC e DD, e a respectiva autorização de preenchimento de letra de câmbio, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade e pessoalmente, conforme minuta que lhe foi, então, fornecida, documentos destinados a garantir as obrigações emergentes do contrato de "franchising", até ao limite de € 60.000,0 (sessenta mil Euros).

P) - Por e-mail do dia 24 de Maio de 2006, a ré CC comunicou ser propósito da ré BB, L.da e das pessoas a ela ligadas não entregarem tais documentos de garantia, à autora, apesar de bem saberem as consequências de tal recusa.

Q - A autora, no dia 7 de Junho de 2006, enviou à ré a carta registada com aviso de recepção na qual expõe as diversas situações de incumprimento do contrato de "franchising" por parte da ré, nomeadamente:

a) - A ré não entregou os documentos de garantia das obrigações emergentes do contrato — letra de câmbio e declaração de autorização de preenchimento;

b) - A ré impediu a realização integral da inventariação de stocks, na contagem ocorrida no dia 24 de Abril de 2006;

c) - A ré recusa-se, sistematicamente, a passar e entregar as guias ao transportador dos produtos, facto que dará lugar a coimas e processos de contra - ordenação, se os veículos de transporte forem objecto de acção de fiscalização;

d) - A ré não cumpre e recusa-se a cumprir as instruções da autora relativas ao vestuário a usar pelos funcionários do estabelecimento;

e) - A ré não confirma, atempadamente, a recepção de artigos recebidos de outras lojas da cadeia comercial da autora;

f) - A ré atrasa os pagamentos de dívidas vencidas e ameaçou suspender os pagamentos, sem qualquer justificação.

R) - E lhe comunicou o seguinte:

Primeiro: - As invocadas situações de incumprimento, pela sua gravidade, reiteração e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a continuação da relação contratual de franchising;

Segundo: - Por tais fundamentos, decidiu resolver e resolveu o contrato de franchising, com efeitos imediatos, deixando o mesmo de vigorar e de produzir efeitos a partir desse mesmo dia;

Terceiro: - Que, no dia 9 de Junho de 2006, pelas 24 horas, iria proceder ao levantamento dos produtos que se encontravam na loja da ré;

Quarto: - Que imediatamente a seguir ao levantamento dos produtos postos à consignação, procederia ao apuramento das contas finais entre ambas.

S) - Nos termos da cláusula Oitava do contrato de “franchising”, todos os produtos entregues pela autora à ré, BB, L.da, com excepção dos consumíveis, como embalagens e produtos publicitários, lhe eram entregues "à consignação", e seriam recolhidos pela autora todos os que não fosse vendidos, sem qualquer dispêndio para a ré.

T) - E que a hora indicada para o levantamento dos produtos - 24 horas - respeita e se destina a dar cumprimento às regras estabelecidas pela proprietária do Centro Comercial ... Shoping, para a entrada e saída de produtos.

U - No dia 9 de Junho de 2006, pelas 24 horas, os colaboradores da Autora, HH, Supervisora da própria loja, e II e JJ, compareceram na identificada loja da ré BB, L.da, no Cento Comercial ... Shoping,e comunicaram à Ré CC, na sua qualidade de sócia e gerente da ré, BB, L.da, que se encontravam ali, por ordem da autora, para procederem ao levantamento dos produtos da marca AA, que lhe haviam sido entregues à consignação, ao abrigo do articulado contrato de “franchising”, e ainda não tinham sido vendidos.

V) - A partir do dia 9 do mês de Junho de 2006, a ré BB, L.da, passou a vender calçado de outras marcas, no seu referido estabelecimento, nomeadamente, calçado da marca EE.

X - O réu BB delegou todos os actos de gerência na co - ré CC.

Z) - Nos termos da cláusula 17ª do contrato de “franchising” a sociedade ré tem direito a uma margem de 25% sobre as vendas da loja, sem IVA.

AA) - Pela 1ª ré foi entregue à autora uma letra de câmbio, avalizada pelos seus sócios, dela constando o valor de 60.000,00 euros, aceite da 1ª ré e a autorização para preenchimento de letra de câmbio, assinada pelos avalistas e pela 1ª ré.

BB) - A loja/estabelecimento da 1ª ré assumiu a denominação comercial "AA", obrigando-se a 1ª ré a não modificar tal denominação sem consentimento escrito e prévio prestado pela administração do centro comercial (... Management Portugal -Gestão de Centros Comerciais, S.A.).

CC) - No dia 23 de Junho de 2006, a autora intentou providência cautelar não especificada contra a ré BB, L.da, a qual foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide, a requerimento da autora, por entender que se haviam frustrado os objectivos que se visavam alcançar com a mesma.

DD) - As ligações das lojas franchisadas à Internet são pagas pela autora.

EE) - Em 9/06/2006 a 1ª ré teria de devolver à autora 2.889 artigos entre produtos de acabamento e pares de sapatos de diversos modelos e medidas entregues à consignação e ainda não vendidos, no valor de 136.357,58 euros.

FF) - E 58 pares de sapatos no valor de 1.366,51 euros, que se encontravam em trânsito para serem entregues na loja da ré pelo respectivo transportador.

GG) - A ré BB, L.da, representada pela sua sócia -gerente CC, recusou-se a restituir e a entregar, impedindo os colaboradores da autora de procederem ao levantamento do calçado e demais produtos AA que se encontravam na loja à consignação.

HH) - A 1ª ré vendeu esse calçado e produtos e fez seu o produto da venda.

II) - Apesar de a autora se opor.

JJ) - Existiram algumas reclamações de clientes relativas ao serviço de atendimento prestado pela 1 a ré.

LL) - Os estudos e prospecção de mercado, feitos antes da celebração do contrato, indicavam que o estabelecimento comercial da ré deveria vender anualmente calçado e demais produtos AA no valor de 400.000,00 euros.

MM) - Projecções confirmadas pelos resultados das vendas nos meses que o contrato vigorou.

NN) - Por virtude da resolução operada do contrato a autora deixou de auferir um lucro líquido no montante de 25.000,00 euros.

OO) - A 1ª ré não procedeu ao pagamento das facturas n.os 1081/2005, 317/2006 (parte), 334/2006, 352/2006, 368/2006, 384/20006, 400/2006,417/2006 e 435/2006 cujo valor global, deduzido do valor da nota de crédito nº 63/2005, totaliza o montante de 27.866,05 euros.

PP) - A 2a ré na sua qualidade de sócia e gerente da 1ª ré decidiu não restituir os produtos de marca AA que a autora lhe entregara à consignação e não haviam sido vendidos, fazendo da 1ª ré o produto da venda desses produtos.

QQ) - O réu BB nunca teve contactos com a autora, quer enquanto sócio - gerente da sociedade quer individualmente.

RR) - Ao constituir a sociedade ré, o 3º réu teve como único objectivo ajudar a co - ré CC a criar o seu posto de trabalho e autonomizar-se financeiramente.

SS) - Nunca tendo tido qualquer intervenção na vida da sociedade.

TT) - Pontualmente surgiram problemas na reposição dos produtos.

UU) - É exigência da administração do Centro Comercial que as lojas têm obrigatoriamente que dispor de 30% de stock da capacidade máxima da loja.

VV) - O Centro Comercial exigia que o pedido de autorização para que os funcionários ficassem nas lojas após o período de fecho fosse efectuado com mais de 48h de antecedência.

XX) - Por virtude da resolução do contrato a 1ª ré teve que alterar a imagem da loja, promover a mesma por meio de publicidade, remodelá-la e reestruturá-la e adquirir outro material, artigos e produtos para comercializar.

ZZ) - A resolução do contrato causou angústia e ansiedade à 2ª ré que receou perder o investimento realizado e o contrato celebrado pela 1ª ré com o Centro Comercial.

AAA) - A letra entregue pela ré BB, L.da, continha a assinatura do aceitante no lugar do sacador.

BBB) - Razão pela qual a autora a devolveu à ré.

CCC) - A 2ª ré recusou entregar a letra apesar de instada a fazê-lo.

DDD) - A autora sempre colocou os produtos "top de vendas" na loja da ré, nela mantendo permanentemente 2.500 pares de sapatos.

EEE) - A autora estava autorizada, pela proprietária do Centro Comercial, a fazer o levantamento de todos os artigos da sua propriedade, existentes na loja da ré, no dia 9 de Junho de 2006, pelas 24 horas.

FFF) - E por essa razão colocou no Centro Comercial, nesse dia e hora, as pessoas e os meios necessários ao levantamento projectado.

GGG) - A autora não procedeu ao levantamento dos artigos por a isso se ter oposto a ré CC.

HHH) - Só no fim da estação Primavera/Verão de 2006, a ré BB, L.da se propôs restituir e devolver à autora o calçado que tinha em seu poder.

III) - O que a autora não aceitou porque o calçado já não tinha valor comercial por se tratar de artigo de moda produzido para ser comercializado naquela estação.

JJJ) - A 1ª ré recebeu, comercializou e fez seu o produto da venda do calçado que se encontrava em trânsito à data da resolução do contrato de franchising.

LLL) - As quantias entregues pela ré e referidas no quesito 41º destinavam-se a pagar o direito de ingresso na cadeia AA (5.000,00 euros, mais IVA de 1.050,00 euros).

MMM)[1] – Com a consciência de que tais actos causavam danos à autora.

3.

Sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida (artigo 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem[2].

Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 684º, n.º 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 3 do mesmo artigo 684º)[3] [4]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento, no acórdão recorrido e que não sejam abordadas nas conclusões das alegações dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Significa isto que, tendo sido julgado improcedente, por não se haver provado, o alegado incumprimento contratual da autora e a alegada resolução infundada e ilícita do contrato de franquia, e, consequentemente, improcedente, por não provado, o pedido reconvencional, dele tendo sido absolvido a autora, sem que deste segmento haja sido interposto recurso para a Relação, este segmento da decisão transitou.

Assim, as questões que se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça e que procuraremos abordar segundo um critério lógico, são as seguintes:

1ª – Se a matéria de facto se mostra incorrectamente julgada, insuficientemente fundamentada e, a que foi dada como provada, se mostra também incorrectamente interpretada (Recurso da Ré).

2ª – Se, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, o acórdão recorrido está ferido de nulidade, uma vez que as respostas limitativas aos quesitos 12º e 13º e as respostas positivas aos quesitos 14º e 16º contrariam os restantes factos provados, nomeadamente, os factos referidos nas alíneas F), G), H), I); J), L), M), N); O), P), Q), R), S), T), U), V), X), EE), FF), GG), HH), II), NN), OO), PP), e JJJ) (Recurso da Autora).

3ª - Se, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, o acórdão recorrido está ferido de nulidade, porque os fundamentos estão em oposição com a decisão (Recurso da Autora).

4ª - Se as obrigações de garantia que, com a celebração do contrato de franquia, os réus CC e DD assumiram, integram um contrato de fiança comercial, devendo, consequentemente, ser condenados, solidariamente, no pagamento das quantias de € 25.000,00 (lucro líquido que a autora se viu privada pelo incumprimento de contrato de franquia pela ré) e de € 27.866,05 (valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato de franquia) (Recurso da Autora).

5ª – Se o réu DD devia, tal como aconteceu com a ré BB L.da e CC, ser também condenado, solidariamente, a pagar à autora a indemnização devida pelos danos causados (danos emergentes), no valor de € 137.724,19, porque, também em relação a ele, se verifica o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extra – contratual (Recurso da Autora).

6ª - Se inexiste incumprimento contratual por parte da ré CC (ausência de ilicitude) - violação do artigo 79º C.S.C (Recurso da Ré).

4.

Se a matéria de facto se mostra incorrectamente julgada, insuficientemente fundamentada e, a que foi dada como provada, se mostra também incorrectamente interpretada (Recurso da Ré).

Como é sabido, o fundamento principal do recurso de revista e que directamente se integra nas funções essenciais do Supremo é a violação de lei substantiva nas suas variantes de erro na determinação da norma aplicável, erro de interpretação e erro de aplicação.

No capítulo da apreciação das provas, a regra contida no n.º 2 do artigo 729 do CPC conexa com as funções prioritárias atribuídas ao Supremo Tribunal de Justiça, é a de que não pode interferir na decisão da matéria de facto, da exclusiva competência das instâncias.

Todavia, sem embargo de outras intervenções previstas nos artigos 729º e 730º, considerou-se que o Supremo Tribunal de Justiça não deveria ficar indiferente a erros de apreciação da prova que resultem da violação do direito probatório material, podendo constituir fundamento de revista a violação de disposição expressa que exija certa espécie de prova ou a violação também expressa que fixe a força de determinado meio de prova, tal como dispõe o artigo 722º, n.º 2 CPC.

O Supremo Tribunal de Justiça deve respeitar qualquer ilação em matéria de facto pela Relação que, não alterando os factos que a prova fixou, mas, antes se apoiando neles, opera logicamente o seu desenvolvimento.

In casu, não se verificando os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 722º CPC, está fora da competência do STJ, como tribunal de revista, saber se no acórdão recorrido se fez ou não correcta apreciação dos factos provados.

Improcede, nesta parte, o recurso da ré.

5.

No que á matéria de facto concerne, sustenta a recorrente AA, tal como fizera na apelação, que, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, o acórdão recorrido está ferido de nulidade, uma vez que, como alega, as respostas limitativas aos quesitos 12º e 13º e as respostas positivas aos quesitos 14º e 16º contrariam os restantes factos provados, nomeadamente, os factos referidos nas alíneas F), G), H), I); J), L), M), N); O), P), Q), R), S), T), U), V), X), EE), FF), GG), HH), II), NN), OO), PP), e JJJ), concluindo que estes factos impunham que a resposta aos quesitos 12º e 13º fosse «provado» e as respostas aos quesitos 14º e 16º fosse não provado (Recurso da Autora).

Não assiste razão à recorrente.

A invocada nulidade, prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC respeita apenas à situação em que os fundamentos do acórdão devessem conduzir lógica e necessariamente a uma decisão de mérito diversa da que foi expressa no segmento dispositivo da sentença, ou seja, quando os fundamentos estão em contradição com a decisão de mérito.

Donde, tal nulidade não é susceptível de verificação, no caso de existir contradição entre as respostas dadas aos quesitos ou entre estes e os factos especificados.

Tal situação, a existir, encontra a sua solução no artigo 712º, n.º 4 do CPC, sendo certo que o STJ não pode, a solicitação do interessado, exercer censura sobre o uso dos poderes por parte da Relação no que concerne ao julgamento da matéria de facto do Tribunal da 1ª Instância, porquanto a decisão da Relação que implemente tais poderes é insusceptível de recurso, por força do n.º 6 do artigo 712º CPC.

Acresce que a alegada contradição entre a matéria de facto referida, a existir, poderia conduzir, apenas, à eventual anulação da sentença por decisão da Relação mas não, como pretende a recorrente, que os factos referidos nas alíneas F), G), H), I); J), L), M), N); O), P), Q), R), S), T), U), V), X), EE), FF), GG), HH), II), NN), OO), PP), e JJJ) tivessem o condão de impor a alteração da resposta aos apontados quesitos.

6.

Sustenta, ainda, a recorrente AA a existência de contradição entre os fundamentos do acórdão e a decisão, o que consubstancia a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668º do CPC, uma vez que o Tribunal da Relação, ao ter aditado aos factos provados a matéria que integra a alínea MMM), por lapso, proferiu acórdão em que, julgando as apelações improcedentes, confirmou a decisão de 1ª instância.

Não assiste razão à recorrente.

A Relação, usando da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 668º do CPC, explicitou os fundamentos por que, em seu entender, não se verificava a referida nulidade, considerando a propósito o seguinte:

“In casu, tal como a recorrente afirma nas suas alegações de recurso, a ré BB L. da, por decisão da gerente CC, sem o consentimento e contra a vontade e oposição da autora, vendeu calçado e artigos AA no valor de € 137.724,19 e fez seu o produto da venda, tendo a ré CC consciência que tais actos causavam danos à autora (vide factos CC), EE), FF), GG), HH), II), PP), MMM)[5].

Foram ambas as rés condenadas, solidariamente, a pagar esse valor à autora (decisão proferida pela 1ª Instância e confirmada pela Relação”.

“Na verdade”, continua, “ao prolatar o acórdão, este Tribunal da Relação pronunciou-se sobre esta questão: saber se houve ou não incumprimento contratual por parte da ré CC, tendo concluído pela responsabilidade civil aquiliana da mesma (vide fls. 852 a 855)”.

“As questões colocadas pela AA respeitavam à impugnação da matéria de facto, condenação solidária dos réus CC e BB no pagamento das quantias de € 25.000 (lucro líquido de que a autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia pela ré) e de € 27.866,05 (valor das facturas em dívida á data da resolução do contrato de franquia) e condenação solidária do réu BB no pagamento de € 137.734,19 (quantia em que ambas as rés foram condenadas solidariamente), questões que não foram acolhidas no acórdão, excepção feita para a impugnação da matéria de facto que teve parcial acolhimento”.

Assim, ajustadamente, considerou o Tribunal da Relação que, “tendo a ré CC sido condenada solidariamente com a ré BB L. da no pagamento da quantia de € 137.724,19, a resposta ao quesito 13º (MMM) em nada contende nem contradiz o acórdão que julgou a apelação, no que à apelante AA respeita, improcedente”.

Inexiste, assim, a nulidade arguida pela autora AA.

7.

O contrato de franquia (Franchising) outorgado pela autora e pela 1ª ré.

O princípio da liberdade contratual, ao abrigo do qual as partes podem, no domínio dos contratos, ordenar da forma que mais lhes convenha, dentro dos limites da lei (maxime artigo 280º do Código Civil), as suas relações jurídicas, é um dos princípios basilares do nosso Direito Civil.

As pessoas são, pois, livres de celebrar ou não os contratos, bem como de modelar o conteúdo destes de acordo com os seus interesses Por conseguinte, podem os contratantes celebrar contratos típicos, (previstos e regulamentados na lei), ou atípicos, (contratos não expressamente disciplinados na lei)[6] e, dentro destes, contratos mistos, (resultantes da fusão de dois ou mais tipos legais), ou atípicos puros, (completamente diversos dos tipos legais existentes).

O contrato de franquia (franchising), nascido das necessidades da «prática de negócios», não se encontra regulamentado de forma expressa na lei, sendo por esse motivo, geralmente, qualificado como contrato atípico puro[7], embora socialmente típico, entendendo-se por isto um contrato celebrado de uma maneira constante e reiterada no comércio jurídico, tendo relevo e importância dentro dessa realidade[8], utilizado cada vez com mais frequência pelos agentes económicos.

Enquanto contrato atípico, o contrato de franquia não tem, na nossa legislação, tratamento autonomizado, regendo-se pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais e pelas disposições reguladoras dos contratos nominados com as quais apresente maior afinidade, designadamente o contrato de agência.

Assente que está o carácter atípico do contrato de franquia, há determinados aspectos que, pela sua frequência nestes negócios jurídicos, tipificam, socialmente, de uma forma bastante nítida, o contrato de franquia[9].

Poder-se-á, então, definir o «franchising» como o contrato, pelo qual alguém (franquiador) autoriza e possibilita que outrem (franquiado), mediante contrapartidas, actue comercialmente, (produzindo e/ou vendendo produtos ou serviços), de modo estável, com a fórmula de sucesso do primeiro (sinais distintivos, conhecimentos, assistência…) e surja aos olhos do público com a sua imagem empresarial, obrigando-se o segundo a actuar nestes termos, a respeitar as indicações que lhe forem sendo dadas e a aceitar o controlo e fiscalização a que for sujeito[10].

Atendendo aos princípios expostos, verifica-se estar em causa, nos presentes autos, um contrato de franquia celebrado, em 25/10/2005, entre AA – Comércio de Calçado L.da e BB, L.da, a 1ª na qualidade de franquiadora e a 2ª na qualidade de franquiada (vide documento de fls. 13 a 23).

Trata-se de um contrato duradouro, de execução continuada, uma vez que as respectivas prestações se protelam no tempo, de modo contínuo ou reiterado, sendo a estabilidade e duração da relação características marcantes da estrutura do convénio. Ou seja, entre franquiador e franquiado estabelece-se uma relação obrigacional complexa e duradoura, de íntima colaboração entre as partes, que não se extingue, como um contrato do qual decorram obrigações que tenham por objecto prestações instantâneas, pelo cumprimento destas, mas antes pela caducidade, acordo das partes, denúncia ou resolução[11].

São estas aliás as formas de cessação consagradas para o contrato de agência, que é o contrato típico mais próximo da franquia, e que, sendo consagração, em muitos casos, de princípios gerais do Direito, não se vê motivo, antes pelo contrário, para deixarem de ser aplicadas por analogia, ao contrato de franquia, como defende o Prof. Pinto Monteiro[12].

Por via deste contrato, a BB L.da integrou o seu estabelecimento na cadeia comercial da AA, passando a vender os produtos desta, sob a designação e marca AA, utilizando o conceito, a apresentação e os métodos criados pela AA, vinculando-se as partes nos termos que constam do referido documento e, no essencial, dos factos considerados provados.

7.1.

Como se referiu, uma das formas de cessação do contrato de franquia é a resolução.

Como ensina Antunes Varela, a resolução é a destruição da relação contratual (validamente constituída), operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato[13]. Esta forma de cessação dos contratos tem, em regra, efeitos retroactivos, excepto se contrariar a vontade das partes, a finalidade da resolução ou se se tratar de um contrato de execução continuada ou periódica (artigo 434º CC).

A resolução carece, geralmente, de ser motivada, o que significa ser necessário que os pressupostos do condicionalismo justificativo (previsto na lei ou no próprio contrato) do nascimento deste direito potestativo extintivo[14] sejam devidamente explanados pela parte que pretende pôr fim ao contrato na declaração de resolução. O exercício deste direito pode, em regra, fazer-se extrajudicialmente mediante declaração receptícia à outra parte.

Tal como o contrato de agência, também este contrato assenta em especiais relações de colaboração e de confiança entre as partes e, tal como naquele, os interesses que estão em jogo, com vista a estabelecer-se o quadro em que o direito à resolução nasce e pode ser exercido, são fundamentalmente os mesmos, pelo que os preceitos do DL n.º 178/86 (contrato de agência) se aplicam analogicamente ao contrato de franquia, como se havia referido.

8.

O contrato de franquia, de que nos ocupamos nestes autos, veio a ser resolvido pela autora, a franquiadora, por carta enviada à ré BB L.da, a franquiada, onde aquela aponta diversas situações que, em seu entender, configuram incumprimento do contrato de franquia por parte desta e que, “pela sua gravidade, reiteração e consequências, tornam imediata e praticamente impossível a continuação da relação contratual de franquia (vide fls. 25-26).

Com base nesse alegado incumprimento, pretende a autora obter o pagamento das quantias em dívida relativas a fornecimentos efectuados na vigência do contrato, bem como o pagamento de produtos seus vendidos pela ré BB L.da, já depois da resolução do contrato e o que deixou de ganhar em virtude do incumprimento do contrato pela dita ré.

Esta, por sua vez, contrapõe, alegando ser a resolução do contrato infundada e ilícita.

Analisando:

No caso dos autos, por virtude da defesa da ré, necessário se torna averiguar se a cessação do contrato por declaração resolutória da autora é de ter por fundada e lícita, dadas as consequências que daqui promanam em relação aos demais réus.

A lei da agência estabelece dois fundamentos de resolução [artigo 30º, alíneas a) e b)], os quais, como dissemos, são aplicáveis por analogia aos contratos de franquia.

O primeiro destes fundamentos consiste no não cumprimento, por qualquer das partes, das respectivas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual (vide artigo 30º, alínea a).

Ou seja, “não é qualquer situação de não cumprimento de uma ou mais obrigações, que legitima a outra parte, ipso facto, a resolver o contrato, (sem prejuízo, contudo, da indemnização que ao caso couber, pelos danos daí resultantes). A lei exige que a falta de cumprimento assuma especial importância, quer pela sua gravidade, (em função da própria natureza da infracção, das circunstâncias de que se rodeia ou da perda de confiança que justificadamente cria na contraparte, por exemplo), quer pelo seu carácter reiterado, sendo essencial que, por via disso, não seja de exigir à outra parte a subsistência do vínculo contratual[15]”.

O outro fundamento de resolução, estabelecido pelo artigo 30º, consta da alínea b). Qualquer contraente pode socorrer-se da resolução, apesar de o contrato ter estado a ser regularmente cumprido, quando se verifique alguma circunstância que impossibilite ou faça perigar gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.

In casu, a autora invocou o primeiro dos fundamentos de resolução.

E, na verdade, ficou demonstrado que se verificaram sucessivos atrasos e omissões de pagamento devidos à autora, vencidos alguns, há algum tempo, em relação à resolução do contrato.

Mais se apurou que a ré não entregou os documentos de garantia das obrigações emergentes do contrato.

Considerou, por isso, acertadamente, a sentença que a falta de pagamento do devedor, cuja culpa é legalmente presumida, não se apurando facto ou comportamento da autora que lhe torne imputável a situação de incumprimento da ré, constitui elemento seguro do seu incumprimento.

A ré também não conseguiu infirmar qualquer das invocadas razões de resolução do contrato, enunciadas na carta de resolução, pelo que tem de concluir-se que a ré BB L.da não cumpriu culposamente a prestação a que estava adstrita, de forma reiterada e grave, assim justificando a actuação da autora na resolução do contrato, não lhe sendo exigível, em face do quadro factual apurado, que mantivesse a relação contratual.

Dependendo a resolução do incumprimento culposo da ré BB L.da, e apurando-se que a conduta desta consubstancia esse incumprimento, concluiu a sentença que tem a autora direito às quantias peticionadas à referida ré.

E, com este segmento da sentença, se conformaram todos os réus, razão por que o mesmo transitou.

8.1.

Mas a autora pretendia, também, que a ré CC e o réu BB, únicos sócios e gerentes da BB L.da, fossem responsabilizados, solidariamente, pelo pagamento das quantias em dívida, porque assumiram a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações da ré BB, decorrentes do referido contrato de franquia e porque, na sua qualidade de únicos sócios e gerentes e no exercício das suas funções de gerentes e agindo em representação da ré BB tomaram decisões do não cumprimento das obrigações desta, decorrentes do articulado contrato de franquia, nomeadamente, do não cumprimento da obrigação de restituição do calçado e demais produtos da marca AA, que a autora lhe havia entregue à consignação e ainda não tinham sido vendidos quando foi resolvido o contrato, calçado e produtos de que a ré BB se apropriou e depois vendeu, fazendo seu o produto da venda, tudo com perfeita consciência da ilicitude de tais actos e dos danos que directamente causavam e quiseram causar à autora, para benefício pessoal deles próprios por serem os únicos sócios e gerentes da ré BB L.da.

A sentença fez, porém, uma destrinça, considerando, por um lado, (A) a quantia de € 25.000, relativa ao lucro líquido de que a autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia pela ré, bem como a quantia de € 27.866,05, correspondente ao valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato de franquia e considerando, por outro lado, (B) a quantia de € 137.724,19, correspondente ao valor do calçado e demais produtos AA, referidos nos pontos EE) e FF).

É que, muito embora todas as obrigações emergentes deste contrato estivessem, alegadamente, abrangidas pela sua cláusula vigésima, até ao limite de € 60.000, acrescia, relativamente ao ponto B), a circunstância dos réus CC e BB, na sua qualidade de únicos sócios e gerentes e no exercício das suas funções de gerentes e agindo em representação da ré BB L.da, haverem, alegadamente, tomado, ainda, decisões do não cumprimento das obrigações desta, decorrentes do contrato de franquia, nomeadamente, do não cumprimento da obrigação de restituição do calçado e demais produtos da marca AA.

A sentença, quanto às importâncias referidas em A), delas absolveu a ré CC e o réu DD .

Quanto às importâncias referidas em B), delas absolveu, apenas, o réu DD .

Por essa razão, apelou a autora para a Relação, pretendendo a condenação de ambos os réus quanto ao ponto A) e também a condenação do réu DD quanto ao ponto B).

Como o Tribunal da Relação confirmou a sentença, a autora, neste recurso de revista, repete os argumentos apresentados na apelação, formulando as mesmas pretensões.

Também a ré CC recorre do segmento do acórdão que a condenou, solidariamente, com a ré BB L.da, conforme referido no ponto B).

Aclarada a situação dos autos, analisaremos, então, se os 2ª e 3º réus assumiram ou não a responsabilidade pessoal pelo cumprimento das obrigações da ré BB L. da, emergentes do contrato de franquia até ao montante de € 60.000 e, na hipótese de resposta afirmativa, qual a natureza jurídica das obrigações que os mesmos réus assumiram.

Num segundo momento, importará apreciar se os mesmos réus, na sua qualidade de únicos sócios e gerentes e no exercício das suas funções de gerentes e agindo em representação da ré BB L.da, tomaram, ainda, decisões do não cumprimento das obrigações desta, decorrentes do dito contrato de franquia, nomeadamente, do não cumprimento da obrigação de restituição do calçado e demais produtos da marca AA e, em caso afirmativo, quais as consequências daí resultantes.

9.

Se os 2ª e 3º réus assumiram ou não a responsabilidade pessoal pelo cumprimento das obrigações da ré BB L. da, emergentes do contrato de franquia até ao montante de € 60.000 e, na hipótese de resposta afirmativa, qual a natureza jurídica das obrigações que os mesmos réus assumiram.

Vejamos:

Entre a autora AA e a ré BB L.da, representada pelos seus sócios – gerentes, CC e BB (2ª e 3º réus), foi, como se referiu, celebrado um contrato de franquia, em 25/10/2005.

Como garantia das obrigações do contrato, a ré sociedade fornecia à autora AA uma letra de câmbio aceite e avalizada pelos seus sócios gerentes, bem como autorização de preenchimento da letra de câmbio, com as respectivas assinaturas reconhecidas pelo notário, até ao limite de € 60.000.

A ré entregou a letra e a autorização de preenchimento, no entanto, uma vez que a letra continha a assinatura do aceitante no lugar do sacador, a autora devolveu-a à ré, para que fosse correctamente preenchida.

Todavia, nem a letra, nem o pacto de preenchimento foram remetidos à autora pela ré sociedade, depois de corrigida a letra.

Com efeito, não obstante instada pela autora para entregar a letra e a autorização de preenchimento, a ré recusou-se expressamente a fazê-lo, através do e-mail do dia 24 de Maio de 2006.

A autora resolveu, então, o contrato, com fundamento no incumprimento culposo da sociedade ré, em 7/06/2006, tendo esta sido condenada a pagar à autora, no que a esta questão concerne, as quantias de € 25.000 (lucro líquido de que a autora se viu privada pelo incumprimento do contrato de franquia) e € 27.866,05 (correspondente ao valor das facturas em dívida à data da resolução do contrato de franquia) e os co – réus absolvidos do pedido.

9.1.

Pretende a recorrente a condenação solidária dos réus – CC e BB – nestas quantias, porquanto os réus, ao subscreverem o contrato de franquia, na qualidade de únicos sócios gerentes da sociedade ré, aceitando prestar a garantia solicitada pela autora e da qual dependia a celebração do contrato, garantia essa traduzida na letra de câmbio aceite pela ré sociedade e avalizada pelos réus, bem como o documento de autorização de preenchimento da letra de câmbio, até ao limite de € 60.000, assinado pelos réus, em seu nome pessoal e na qualidade de gerentes da sociedade ré e com as assinaturas reconhecidas notarialmente, assumiram a responsabilidade pessoal pelo cumprimento das obrigações da ré sociedade até ao indicado limite. Nessa medida, respondem também perante a autora como fiadores (relação subjacente ao aval que os réus se obrigaram a prestar na letra de câmbio) – fiança mercantil (artigos 627º e seguintes do Código Civil) – e são solidários com a respectiva afiançada.

Esta tese não mereceu o acolhimento do acórdão recorrido, ao referir, em síntese, que ambas as partes quiseram que os co-réus prestassem o seu aval e não a fiança, acrescentando que, não tendo a letra sido entregue, o aval não foi prestado, é inexistente. E, porque “a autora não alegou nem provou a existência de qualquer convenção extra – cambiária – fiança – para fundar o seu pedido de condenação dos co – réus”, sendo certo que “não se presume a existência da fiança extra - cambiária como relação subjacente ao aval”, confirmou a sentença, nesta parte.

Que dizer?

A autora retoma os mesmos argumentos que apresentara junto da Relação na defesa da sua tese.

A resposta à questão suscitada terá de ser obtida através da interpretação e integração das declarações negociais escritas no contrato de franquia e nos documentos que os réus, posteriormente, emitiram para cumprimento das obrigações que assumiram nesse contrato.

Consta da cláusula vigésima que, “para garantia das obrigações emergentes do presente contrato, o segundo outorgante (a ré BB L.da) fornecerá ao primeiro outorgante (a autora) uma letra de câmbio aceite e avalizada por CC e DD e respectiva autorização de preenchimento da letra de câmbio, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade e pessoalmente, conforme minuta em anexo, até ao limite de 60.000 euros”.

A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele e sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ele que vale a declaração emitida (artigo 236º do Código Civil).

Analisando a referida cláusula, constata-se que a ré BB se comprometeu a entregar à autora uma letra de câmbio em branco, ajustando as partes os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.

Ora, do teor da cláusula vigésima do contrato de franchising e dos documentos referidos (letra de câmbio e declaração escrita de autorização de preenchimento) decorre que a letra de câmbio havia de ser entregue, nela figurando a ré BB como aceitante e os réus CC e BB como seus avalistas, pelo cumprimento das obrigações dele emergentes, até ao montante de € 60.000.

Ou seja, com a entrega da letra como garantia, os réus CC e BB obrigavam-se a garantir, com o seu aval, pagando com o seu património, a satisfação do crédito da autora.

Com efeito, podendo o aval ser definido como sendo o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra garante o pagamento dela por parte de um dos seus subscritores, poder-se-á concluir que a natureza jurídica do aval é uma garantia do avalista, é uma obrigação de garantia – garantia da obrigação do avalizado.

A literalidade da obrigação cambiária significa que a existência, validade e persistência da obrigação não podem ser comprovadas por meios exteriores, não reconhecíveis pelo simples exame do título, ou seja, que o direito tem o conteúdo revelado pela obrigação, cartular e objectiva.

Daí que, não tendo a letra sido entregue, o aval não foi prestado. É inexistente.

9.2.

O aval e a fiança, embora com algumas afinidades, são figuras distintas, com natureza, essência e regime diversos.

Pode acontecer que, dentro da autonomia privada e da liberdade contratual, as partes convencionem extra – cambiariamente uma fiança, destinada a funcionar em caso de extinção do aval.

A vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal (artigo 628º, n.º 1 do Código Civil), “inexistindo uma presunção de vigência extra – cambiária de uma fiança subjacente ao aval”[16].

In casu, a autora não alegou, nem provou, a existência de qualquer convenção extra – cambiária (fiança) para fundar o seu pedido de condenação dos co – réus.

Assim sendo, falece, nesta parte, o recurso da autora.

10.

O acórdão recorrido, confirmando a sentença, condenou a ré BB e a ré CC a pagar à autora a quantia de € 137.724,19, absolvendo o réu DD .

O fundamento da condenação da co – ré CC foi a responsabilidade aquiliana.

Deste segmento do acórdão, recorre a autora, pretendendo que o réu BB seja também condenado, solidariamente, no pagamento da quantia de € 137.724,19.

Recorre, por sua vez, a ré CC, pugnando pela sua absolvição, com o fundamento de que inexiste incumprimento contratual, por ausência de ilicitude da sua parte, invocando, desde logo, que a sua conduta não se subsume na previsão da norma ínsita no artigo 79º do C.S.C, acrescentando, seguidamente, que não lhe pode ser imputado o incumprimento do contrato com fundamento na recusa de entrega dos produtos AA aos funcionários desta, aquando da sua recolha, porquanto a ré necessitava de, pelo menos, 48 horas para solicitar e obter autorização da senhoria (Centro Comercial) para ter a loja aberta, para além das 24 horas e a carta de rescisão, contendo a comunicação de que iriam levantar os produtos no dia 9/06/2006, foi enviada em 7/06/2006.

Acresce, ainda, que a autora, ao rescindir o contrato – envio da carta com a/r datada de 7/06/2006 – com apenas 24 horas de antecedência, violou os ditames da boa – fé (artigo 31º do DL 178/86, de 13/07).

10.1.

Começando por apreciar o recurso da autora, constata-se que esta defende a condenação solidária do réu BB, por força do disposto nos artigos 73º e 79º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), uma vez que delegou os seus poderes de gerência na pessoa da co – ré CC (artigo 261º, n.º 2 CSC) e, por isso, os actos de gestão praticados por esta produzem os seus efeitos na esfera jurídica daquele (artigo 258º e 1178º do Código Civil) e, independentemente da delegação de poderes, continuou investido nos poderes e deveres de gerente, assistindo-lhe o direito de se opor às decisões da gerente CC, no prazo de cinco dias, sob pena de responder solidariamente por esses actos (artigo 72º, n.os 3 e 4 CSC).

Que dizer?

A autora pretende a responsabilização do réu com fundamento no artigo 79º do CSC.

Com efeito, no exercício das suas funções, os administradores, por acção ou omissão, com preterição dos deveres legais ou contratuais, podem causar danos, quer á sociedade, quer aos sócios, quer a terceiros.

A sociedade responde por estes danos perante terceiros, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos dos comissários (artigo 6º, n.º 5 CSC e 500º do CC). A responsabilidade da sociedade é objectiva – não depende de culpa – mas só terá lugar quando sobre o administrador também recaia a obrigação de indemnizar (artigo 500º, n.º 1 do CC).

A responsabilidade dos administradores funda-se sempre na culpa – é subjectiva – ainda que a culpa se presuma (artigo 72º, n.º 1 CSC).

O administrador é civilmente responsável, apenas, se verificados os pressupostos da responsabilidade civil – facto ilícito, culpabilidade, prejuízos, nexo de causalidade.

A responsabilidade dos administradores no plano societário é tríplice: (i) Responsabilidade dos administradores para com a sociedade; (ii) Responsabilidade para com os sócios e terceiros; (iii) Responsabilidade para com os credores sociais, em particular.

Nos autos, está em causa a responsabilidade dos gerentes para com terceiros.

Nos termos do artigo 79º, n.º 1 do CSC, os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem, no exercício das suas funções.

Como flui desta norma, os gerentes, no exercício das suas funções, podem lesar os sócios e terceiros em geral, incorrendo, assim, em responsabilidade civil perante estes, desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil.

Dado que não existe qualquer relação contratual funcional entre os gerentes e os terceiros, a responsabilidade será sempre delitual, ou seja, decorre da violação de obrigações legais pré – existentes.

Assim, para que ocorra a responsabilidade dos gerentes, prefigurada como delitual, terão de verificar-se todos os pressupostos a que alude o artigo 483º do Código Civil.

A culpa não se presume, como resulta do facto do artigo 79º, n.º 2, remeter para os n.os 2 a 5 do artigo 72º, excluindo assim a presunção de culpa que advém do n.º 1 daquele preceito.

In casu, resultou provado que o co – réu BB era sócio gerente da sociedade ré. Delegou na co – ré CC os actos de gerência. Nunca teve quaisquer contactos com a AA. Quer enquanto sócio – gerente, quer individualmente, nunca interveio na vida da sociedade. Constituiu a sociedade com o objectivo de ajudar a filha, a co – ré CC -, a criar o seu posto de trabalho e autonomizar-se financeiramente.

Ora, da leitura do artigo 483º do Código Civil, constata-se que, independentemente dos demais pressupostos, tem que haver um nexo causal entre o facto e o dano, ou seja, um nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado.

Assim, para que o agente seja obrigado a indemnizar certo dano não basta que o facto ilícito por ele praticado seja considerado, em abstracto, causa adequada desse dano; é necessário que, além de ser causa adequada, o facto seja também causa concreta do dano[17].

Por sua vez, como a responsabilidade civil extracontratual assenta na conduta, acto ou omissão do agente, não poderá ser imputada a outrem que não praticou o acto, ou seja, esta responsabilidade não se estende, consequentemente, aos gerentes que não tenham praticado o acto, ainda que tenham procedido à delegação de poderes, sob pena de subversão do princípio ínsito na norma.

Isto significa que, perante os factos acima demonstrados, não poderá o réu BB ser condenado, solidariamente, com a ré BB L., na indemnização mencionada.

E, sendo assim, os demais argumentos invocados pela autora ficam prejudicados.

10.2.

Quanto ao recurso da ré CC:

Comprovam os factos que, não obstante a resolução do contrato, a ré CC, gerente da ré BB, recusou-se a restituir e entregar os produtos AA que tinha na loja, à consignação, não obstante os funcionários da AA lhe terem comunicado que ali estavam para proceder ao levantamento dos produtos.

Entretanto, a ré sociedade procedeu à venda desses produtos e fez seu o valor obtido, apesar da oposição da autora.

Os produtos não restituídos perfazem o valor de € 137.724,19.

A co – ré CC tinha consciência que tais actos causavam, como causaram, danos à autora.

Remetendo para o que atrás ficou dito, os factos supra citados permitem concluir que, relativamente, a esta ré, se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana, para que possa ser responsabilizada civilmente pela sua conduta perante a autora.

Nestes termos, e atento o disposto nos artigos 79º CSC e 483º e 487º do CC, a co – ré CC, enquanto sócia – gerente da sociedade ré, é solidariamente responsável pelos danos causados à autora.

11.

Sumariando:

I - O STJ, nos poderes de apreciação da matéria de facto, exceptuados os casos de prova vinculada a que aludem os artigos 729.º e 722.º do CPC, está vedado saber se no acórdão recorrido se fez ou não correcta apreciação dos factos provados.

II - A nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC (contradição entre os fundamentos e a decisão) respeita apenas à situação em que os fundamentos do acórdão devessem conduzir lógica e necessariamente a uma decisão de mérito diversa da que foi expressa no segmento dispositivo da sentença, ou seja, quando os fundamentos estão em contradição com a decisão de mérito.

III - O contrato de franquia é um contrato atípico puro, que se rege pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais e pelas disposições reguladoras dos contratos nominados com as quais apresente maior afinidade, designadamente o contrato de agência.

IV - Assentando, pela sua natureza e conteúdo, no estabelecimento de uma relação duradoura (são contratos de execução continuada) entre as partes que se vinculam, envolvendo recíprocos deveres de colaboração em vista do alcance do escopo previsto e definido, como é próprio dos denominados contratos de colaboração.

V - Uma das formas de cessação do contrato de franquia é a declaração resolutiva, a qual se funda em convenção das partes (cláusula resolutiva) ou em fundamento legal que a justifique, correspondendo, assim, a um direito potestativo vinculado.

VI - Tal resolução pode fundar-se, nos termos da alínea a) do artigo 30.º do DL n.º 178/86, de 02-07, se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, e se pela sua gravidade ou reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.

VII - Integra tal fundamento de resolução a verificação de sucessivos atrasos e omissões de pagamento devidos pela franquia, vencidos há algum tempo e a falta de entrega dos documentos de garantia das obrigações emergentes do contrato.

VIII - Constando de uma cláusula que “para garantia das obrigações emergentes do presente contrato, o segundo outorgante (a ré A) fornecerá ao primeiro outorgante (a autora) uma letra de câmbio aceite e avalizada por AM e JS e respectiva autorização de preenchimento da letra de câmbio, assinada e reconhecida notarialmente na qualidade e pessoalmente, conforme minuta em anexo, até ao limite de 60.000 euros”, é de concluir (teoria da impressão do destinatário) que a ré A se comprometeu a entregar à autora uma letra de câmbio em branco, ajustando as partes os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo do vencimento, a sede do pagamento, a estipulação de juros, etc.

IX - Se tal letra não foi entregue, o aval não foi prestado.

X - A responsabilidade consagrada no artigo 79.º do CSC há-de resultar de factos (ilícitos, culposos e danosos, pressupondo a violação de direitos absolutos dos sócios, normas legais de protecção dos mesmos ou certos deveres jurídicos específicos) praticados pelos administradores ou gerentes no exercício das suas funções e dos danos directamente causados aos sócios, que directamente afectem o seu património.

XI - Necessário é, ainda, que o dano seja é resultante daquela violação, pois só quanto a esse a lei manda indemnizar o lesado. (nexo de causalidade).

XII - Se resultou provado que o réu JS era sócio gerente da sociedade ré A; delegou na ré AM os actos de gerência; nunca teve quaisquer contactos com a ré A, quer enquanto sócio – gerente, quer individualmente; nunca interveio na vida da sociedade e constituiu a sociedade com o objectivo de ajudar a filha, a AM, a criar o seu posto de trabalho e autonomizar-se financeiramente, não se verificam os pressupostos da responsabilidade aquiliana do primeiro réu.

XIII - Tais pressupostos verificam-se quanto à ré AM se, não obstante a resolução do contrato, esta ré, gerente, da ré A, se recusa a restituir e entregar os produtos que a ré F tinha na loja, à consignação, não obstante os funcionários desta lhe terem comunicado que ali estavam para proceder ao levantamento dos produtos e, com consciência que tais actos causavam, como causaram, danos à autora, procedeu à venda desses produtos e fez seu o valor obtido, apesar da oposição desta.

DECISÂO:

Pelo exposto, negando as revistas, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelas recorrentes (Autora e Ré), na proporção em que cada uma decaiu.

Lisboa, 11 de Julho de 2013

Granja da Fonseca

Silva Gonçalves

Pires da Rosa

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[1] Esta alínea foi aditada pela Relação, por força da alteração introduzida ao artigo 13º da Base Instrutória.
[2] Neste sentido, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume V, páginas 362/363.
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição do recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: neste sentido, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, páginas 308/309 e 363; Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume 3º, 1972, páginas 286 e 299.
[5] A matéria inserida no ponto MMM) corresponde à resposta ao quesito 13º.
[6] Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, páginas 88 e seguintes e 97.
[7] Vide Menezes Cordeiro, Do Contrato de Franquia, (“franchising”): Autonomia privada versus tipicidade negocial, ROA, 1988, página 75.
[8] Miguel Pestana de Vasconcelos, O Contrato de Franquia (Franchising), página 18
[9] Vide Prof. António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição, página 120 e seguintes.
[10] António Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição, página 121.
[11] Miguel Pestana de Vasconcelos, O Contrato de Franquia (Franchising), página 73, citando Baptista Machado, Anotação ao Acórdão de 8/11/1983, RLJ, ano 118º, página 276; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7ª edição, página 273 e seguintes e Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Lisboa, 1965, páginas 347 e seguintes.
[12] Contrato de Agência, página 93.
[13] Das Obrigações em Geral, Volume II, 7ª edição, página 275.
[14] Vide HEINRICH HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, página 243 e seguintes; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 7ª edição, páginas 275-278; António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, página 107, 110; Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, Volume II, páginas 164 e seguintes, Miguel Pestana de Vasconcelos, Contrato de Franquia (Franchising), página 84 e seguintes.
[15] António Pinto Monteiro, Contrato de Agência, página 31 e Contratos de Distribuição Comercial, página 143.
[16] Ac. STJ de 25/03/2010, relator Conselheiro Pereira da Silva, in www.dgsi.pt.
[17] Antunes Varela, RLJ, 104º, 271.