Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00031335 | ||
Relator: | AUGUSTO ALVES | ||
Descritores: | REQUERIMENTO ALEGAÇÕES ORAIS CONSTITUCIONALIDADE ACÇÃO OMISSÃO MAUS TRATOS A MENORES SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA | ||
Nº do Documento: | SJ199701290007073 | ||
Data do Acordão: | 01/29/1997 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
Área Temática: | DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS. DIR PROC PENAL - RECURSOS. | ||
Legislação Nacional: | CP82 ARTIGO 10 ARTIGO 143 ARTIGO 153 N1 A ARTIGO 154 N1. CPP87 ARTIGO 98 N1 ARTIGO 360 ARTIGO 410 N2 N3 ARTIGO 432 C ARTIGO 433. CONST76 ARTIGO 32 N1. | ||
Referências Internacionais: | DECUDH ART11. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1993/01/28 IN BMJ N423 PAG376. | ||
Sumário : | I - A junção por escrito das alegações orais proferidas pelo advogado do recorrente durante a audiência não pode constituir uma qualquer exposição memorial ou requerimento a subsumir na previsão do artigo 98 n. 1 do C.P.P., afrontando o dispositivo expresso no artigo 360 n. 1 do mesmo diploma. II - Não constituem inconstitucionalidade as normas dos artigos 410 ns. 2 e 3, artigo 342, alínea c), e 433 do CPP. III - A norma do artigo 10 do C.P. de 1982 apenas considera que quando um tipo legal compreende um certo resultado o facto abrange não só a acção como a omissão da acção adequada a evitá-lo. IV - Atento o disposto nos artigos 153 n. 1, alínea a), e 154 do citado C.P., a arguida - sua mãe - estava vinculada a, por acção e omissão, diligenciar manter a saúde da filha. Assim, ainda que por omissão, o seu comportamento causou o resultado - a morte - que a lei lhe impunha evitar. V - Tendo a recorrente sido condenada a 3 anos e 6 meses de prisão é manifestamente inviável a pretensão de suspensão de execução da pena da recorrente. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Pela 7. Vara Criminal do Círculo de Lisboa, sob acusação do Ministério Público, foram julgados os arguidos: A, e B, que o Tribunal do Júri, a final, condenou como autores de 1 crime previsto e punido pelos artigos 153 n. 1 alínea a) e 154 (1. parte) (ofensa corporal grave, artigo 143 alíneas b) e c)) todos do Código Penal de 1982, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, a cada um dos arguidos. Nesta pena e nos termos do artigo 8 da Lei 15/94 de 11 de Maio, foi declarado perdoado 1 ano de prisão a cada um dos arguidos. II - O arguido A não deduziu recurso da decisão final. Mas, já depois das alegações orais pelo seu defensor em audiência de 18 de Março de 1996, veio o arguido A requerer se digne mandar juntar aos autos as alegações proferidas pelo seu mandatário durante a audiência de julgamento nos termos do artigo 360 do Código de Processo Penal. Foi então proferido o despacho de folha 314 que ordenou o desentranhamento de tais alegações por o artigo 360 do Código de Processo Penal apenas dar lugar a alegações orais. Foram as alegações desentranhadas e entregues. Veio, então, o arguido deduzir recurso de tal despacho para este Supremo Tribunal e, na motivação respectiva, conclui: 1 - A inadmissibilidade do requerimento em apreço viola o disposto no artigo 98 do Código de Processo Penal o qual confere ao arguido o direito de apresentar exposições, memoriais e requerimentos em qualquer fase do processo. 2 - O Tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão atendendo ao disposto no artigo 360 do Código de Processo Penal, mas esta disposição legal não é aplicável ao caso "sub judice", pois esta respeita a um acto processual da exclusiva competência do advogado - as alegações orais; e o acto em causa - o requerimento - foi praticado pelo próprio arguido. 3 - Verificou-se, assim, salvo o devido respeito e melhor opinião, erro na determinação da norma a aplicar, pois, o acto em causa foi praticado no âmbito do disposto no já citado artigo 98 do Código de Processo Penal. Pede a junção. III - Por sua vez a arguida B deduziu recurso da decisão final e, na motivação respectiva, formula as seguintes conclusões: 1. As disposições consignadas no artigo 432 alínea c), 433, 410 ns. 2 e 3 do Código de Processo Penal, violação do princípio do duplo grau de jurisdição e do princípio "in dubio pro reo" do artigo 32 da C.R.P., n. 1 do artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, elevado a princípio Constitucional pelo artigo 16 n. 2 da C.R.P. e do artigo 14 n. 5 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 16 de Dezembro de 1966, aprovado pela Lei 29/78 de 12 de Junho e artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 2 - Enquadramento jurídico-penal para o caso concreto, deveria ter sido aplicado o artigo 10 do Código Penal, com a consequente especial atenuação da pena. 3 - Retirando estes factos, o comportamento da arguida é altamente meritório. 4 - À arguida não deverá ser aplicada a mesma pena atribuída ao arguido, sob pena de violação dos princípios constitucionais de Igualdade e Proporcionalidade. 5 - A arguida beneficia do disposto no artigo 8 da Lei 15/94 de 11 de Maio. 6 - Salvo melhor opinião, não deverá aplicar-se à arguida uma medida privativa da liberdade. IV - Respondeu às motivações a Excelentíssima Magistrada do Ministério Público defendendo que é manifesta a improcedência dos recursos que, como tal devem ser rejeitadas. V - Subindo os autos a este Supremo Tribunal de Justiça foi dada vista ao Excelentíssimo Procurador Geral junto deste, o qual manifestou o parecer de que o recurso de A, para lá de ser manifestamente improcedente, pelo que dele não deve conhecer-se, o mesmo tornou-se inútil na medida em que o réu não recorreu da decisão final. E o recurso da arguida B deve ser rejeitado por ser o mesmo claramente infundado. VI - Foram colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer, já que ambos os recursos são manifestamente improcedentes. VII - Direito: A - Quanto ao recurso do arguido A: O arguido A não deduziu recurso da decisão final. Deduziu é certo recurso do despacho que lhe indeferiu o pedido de junção da reprodução por escrito das alegações orais que o seu advogado proferira durante a audiência de julgamento. Defende o recorrente que essa junção não se fundava no disposto no artigo 360, mas antes no artigo 98, do Código de Processo Penal. É evidente que a junção por escrito das alegações orais proferidas pelo advogado do recorrente durante a audiência não pode constituir uma qualquer exposição, memorial ou requerimento a subsumir na previsão do artigo 98 n. 1 do Código de Processo Penal. Trata-se, sim, como o próprio recorrente explicita de alegações, com a singularidade única de que se trata da reprodução de alegações orais mas cuja repercussão se quer ver reflectida por escrito. A situação é, pois, a de contornar o dispositivo do artigo 360 n. 1 do Código de Processo Penal, que estipula que as alegações serão orais, para lhes conferir a forma escrita, ou melhor a forma oral em que foram produzidas e a escrita em que se pretende ver perpetuadas as alegações orais. O caso afronta, por isso, o dispositivo expresso do artigo 360 n. 1 do Código de Processo Penal sendo de rejeitar como se rejeitou a junção aos autos por escrito das alegações orais produzidas. O recurso de tal despacho de rejeição integra assim recurso manifestamente improcedente, que como tal tem de ser julgado - artigo 420 n. 1 do Código de Processo Penal -. B - Quanto ao recurso da arguida B: Os factos dados como provados são os seguintes: I - Julgam provados os seguintes factos: 1) Em 8 de Agosto de 1988 nasceu no Hospital S. Francisco Xavier, em Lisboa, C, filha dos dois arguidos, após gravidez não vigiada. 2) Após o nascimento a Cficou internada na unidade de neonatalogia daquele hospital durante 14 dias, até 21 de Agosto, porquanto evidenciava dificuldades respiratórias havendo a necessidade de a manter ligada ao ventilador até 16 de Agosto; Apresentou, também, movimentos convulsivos tónico-clónicos, nas primeiras 24 horas de vida, e paragem cardio-respiratória no momento do parto. 3) Os pais da C, particularmente a arguida, foram alertados, no dia da alta, para a necessidade de observarem um programa de acompanhamento médico da menor, com apresentação a consultas e tratamento específico, nomeadamente fisioterapia. 4) A arguida levou a menor à consulta a 29 de Setembro, de Outubro e 17 de Novembro de 1988. Nesta última a menor sorria, palrava, e seguia bem o alvo com o olhar. Contudo, o especialista neurológico revelava a necessidade de esclarecer algumas situações para o que era necessário o internamento no serviço de pediatria geral do Hospital São Francisco Xavier, onde permaneceria entre 20 de Novembro e 13 de Dezembro de 1988. 5) Apesar da alta era necessário submeter a Ca consultas de especialidade, nomeadamente a estimulação precoce no Centro de Paralisia Cerebral, doença de que sofria em consequência dos problemas surgidos no momento do parto. 6) A partir de 13 de Dezembro de 1988 a menor foi encaminhada para as consultas no Centro de Saúde da Ajuda, onde compareceu pela última vez em 26 de Junho de 1991. Durante esse período os arguidos faltaram com a Cà consulta por seis vezes. 7) A Cfoi observada, pela última vez, em 30 de Setembro de 1991, em consulta domiciliária; a arguida faltou com a Cà consulta então marcada para 30 de Outubro de 1991, e a menor nunca mais foi observada pelos médicos a partir dessa data. 8) Apesar de alertados para a necessidade dos tratamentos no Centro de Paralisia Cerebral, ou na Liga dos Deficientes Motores, os arguidos nada fizeram, contrariando as indicações médicas que sucessivamente lhes foram transmitidas enquanto compareceram às consultas. Além das visitas ao Hospital São Francisco Xavier e ao Centro de Saúde da Ajuda a menor não foi levada pelos arguidos a qualquer dos sítios indicados. 9) Necessidade de constante acompanhamento e tratamentos médicos, mas sem os receber, por desleixo, incúria e toda irresponsabilidade por parte dos pais a quem incumbia zelar pela saúde e alimentação, a situação da Cregrediu e agravou-se. 10) A Catingiu um tal estado de fragilidade e desnutrição que os próprios arguidos, cientes da situação, ocultaram sempre a presença dela aos vizinhos, familiares e amigos que por ela perguntavam, respondendo-lhes que estava internada, que estava num centro de recuperação ou local similar, mas sem adiantar pormenores. 11) Contudo a Cpermaneceu sempre - excepto nos períodos de internamento já referidos - na residência dos dois arguidos, no quarto deles, deitada. 12) Nunca saíam com a Cà rua, e das pessoas com quem conviviam diariamente e mais de perto apenas a vizinha NATALINA sabia que a Cestava em casa, sempre deitada. Era a única pessoa que o arguido permitia que ali entrasse. Várias vezes a NATALINA chamou a atenção da arguida para o estado da C, dizendo-lhe que devia levá-la ao médico. A arguida adiantava sempre desculpas dizendo que não tinha tempo, nem com quem deixar os outros filhos, muito embora o arguido estivesse desempregado, voluntariamente, com excepção da arguida que executava trabalhos domésticos em casa de uma vizinha, e que o marido não queria saber de nada. 13) A situação da Cdegradou-se e os arguidos, em vez de agirem, preferiram ocultá-la. A arguida chamava a atenção ao marido e este ameaçava-a que lhe bateria caso contasse a alguém o que se passava. Em Julho/Agosto de 1993 o arguido, inexplicavelmente, cortou relações com a vizinha NATALINA, proibindo-a de entrar em casa. 14) A Ctornou-se um pesadelo para os arguidos, atingindo proporções cada vez maiores com o decurso do tempo e falta de iniciativa e desmazelo dos pais, os quais não só nada faziam como impediam que alguém o fizesse por eles. 15) Na manhã de 22 de Fevereiro de 1994 Fausto Gonçalves, irmão da arguida, cruzou-se com ela na rua e perguntou-lhe pela Cao que ela respondeu: "a menina está bem, está internada em Carnaxide, no Hospital de Santa Cruz". 16) Mas estava em casa. E atingira o estado de degradação e desnutrição que as fotografias de folhas 5 a 10 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais, bem documentam. 17) Nesse dia 22 de Fevereiro de 1994 a C, com 5 anos e 6 meses de idade pesava 6 quilos e 300 gramas e media 34 centímetros, sendo que o peso normal de uma criança do sexo feminino da mesma idade varia entre os 20 a 24 quilos, e o comprimento entre 100 e os 120 centímetros. Nesse dia a Cpesava menos 2 quilos e 100 gramas do que no dia 26 de Junho 1991, data em que compareceu à última consulta no Centro de Saúde da Ajuda, quase 3 anos antes, quando pesou 8 quilos e 200 gramas vd folhas 102 verso, cujo teor aqui se dá por reproduzido. 18) Para este estado contribuiu a falta de assistência médica mas também a alimentação ministrada pelos arguidos à C. Alimentavam-na apenas de leite dando-lhe a arguida no máximo dois biberões por dia. A Cnão ingeria qualquer alimento sólido desde os primeiros anos de vida. Nem todos os dias a Cbebia leite pois nem sempre havia para lhe dar. 19) Contudo, à data da última consulta a que comparecera no Centro de Saúde da Ajuda, em 26 de Junho de 1991, - folhas 102 verso - em que pesara 8 quilos e 200 gramas, a Ctinha uma alimentação variada, e ingeria já alimentos sólidos. 20) A C, devido ao seu estado, chorava muito, o que transtornava particularmente o arguido. Quase todos os dias, à noite, o arguido levantava-se da sua cama e dirigia-se à da Cbatendo-lhe, enquanto dizia "não te calas a bem calas-te a mal", chegando a deixar-lhe o rabo todo negro. Era habitual bater nos filhos e chegou a fechar a porta à própria arguida, deixando-a na rua. 21) Era esta a situação nada fazendo os arguidos para a alterarem. Pelo contrário, o arguido abandonou todos os empregos que teve e nem subsídio de desemprego recebe. Não possuem bens nem auferem quaisquer rendimentos. A última vez que o arguido trabalhou e recebeu ordenado foi em Outubro de 1993. Vivem de ajudas dos vizinhos e familiares e da Santa Casa da Misericórdia. 22) O arguido embebeda-se frequentemente e tem "mau beber" reagindo violentamente aos efeitos do vinho que ingere, violência que descarrega sobre a mulher e os filhos. 23) É alto, forte, encorpado. Não é portador de qualquer doença ou deficiência física ou psíquica que o impeça de trabalhar. 24) No dia 22 de Fevereiro de 1994 a Cveio a falecer, como consequência directa e necessária, de luxação crânio-raquidiana com contusão do encéfalo, a qual foi causa necessária da morte. Relatório de autópsia de folhas 118 a 122 que aqui se dá por reproduzido, não tendo sido possível apurar qual dos dois arguidos voluntária ou involuntariamente provocou aquela morte. 25) No momento da autópsia o cadáver da Cexibia equimoses: na região frontal média inter-supra-ciliar, roxa com cerca de dois centímetros; no canto interno do olho esquerdo, roxa, prolongada para baixo, sob a pálpebra inferior por equimose vermelho-arroxeada semi-lunar; no canto interno do olho direito prolongando-se para baixo sob a pálpebra inferior por equimose roxo-azulada; na região malar direita, de cor amarela esverdeada a cerca de 3,5 centímetros; a escoriação de contorno oval que media 1,0 centímetro por 0,7 centímetro do eixo localizada na região supero-externa da omoplata direita. Tais lesões resultaram de traumatismo violento de natureza contundente. 26) Os arguidos agiram sempre livre, voluntária e conscientemente. Bem sabendo que tais acções e omissões eram idóneas a provocarem, como provocaram, lesões irreparáveis na saúde e nas capacidades da C. 27) Sabiam que tais comportamentos são proibidos por lei. 28) Os arguidos são ambos de condição económica e social modesta, sendo casados um com o outro e tendo mais dois filhos com 7 e 2 anos de idade, respectivamente. 29) O arguido A tem como habilitações literárias o 7. ano de escolaridade, e a arguida B a 3. classe. 30) O arguido foi submetido a exame médico-forense às suas faculdades mentais - dando-se aqui por reproduzido o teor dos relatórios de folhas 267 a 269, tendo-se concluído: "Que o arguido é imputável, sendo que a sua personalidade não evidencia traços de agressividade ou crueldade, sobressaindo sim um carácter passivo - dependente e abúlico". 31) Os arguidos negaram a prática dos factos imputados, e não mostraram arrependimento. II - Julgam não provados os seguintes factos: 1) No dia 22 de Fevereiro de 1994, o arguido decidiu-se a pôr fim à situação da C. 2) Cerca das 13 horas, subiu ao quarto e pegou com as duas mãos por debaixo dos braços da C, levantando-a da cama e erguendo-a, ao mesmo tempo que a abanava para a frente e para trás, em movimentos bruscos de grande aceleração e desaceleração com o propósito de lhe causar a morte. 3) Provocou na C, como consequência directa e necessária, luxação crânio-raquidiana com contusão do encéfalo a qual foi causa necessária da morte, resultado que quis. 4) O arguido sabia que a conduta descrita em 3) lhe causaria a morte. 5) Para a concretização do propósito do arguido de tirar a vida à Cconcorreu o estado de saúde da menor. 6) Contudo, a conduta do arguido referida em 3) supra - foi o determinante da morte da C, naquele momento. 7) No dia 22 de Fevereiro de 1994, cerca das 10 horas/10.30, o arguido dirigiu-se com a B a um estabelecimento comercial, a fim de adquirirem alimentos, tendo regressado a casa cerca das 13 horas e 30 minutos/14 horas e 30 minutos do mesmo dia. 8) Por esta altura encontrou, ainda na rua, o seu filho E, que o informou que algo de grave aconteceu à C. 9) O arguido dirigiu-se imediatamente junto da C, e ao constatar o estado desta, terá tentado reanimá-la. 10) Não o conseguindo, tentou prestar-lhe socorro médico, tendo para isso chamado uma ambulância, através do 115. 11) Que a má alimentação da C não resultava de qualquer interesse de causar dano por parte do arguido. 12) Que as lesões descritas em I - 24) e 25) foram causadas pelo arguido. 13) Que os arguidos dessem à Cpor dia 2 a 3 biberões de leite (mas provado tão só o que consta em I-18). 14) Que a arguida se encontrasse "desempregada", (tendo sido provado o que consta em 1-12 supra). 15) Agravava a situação o facto do arguido ser uma pessoa irascível, que não gosta de ser incomodado ou contrariado. III - Fundamentação: A convicção do tribunal do júri baseou-se fundamentalmente: Nas declarações dos arguidos em audiência de julgamento, que negaram a prática dos factos, sendo que relativamente ao crime de "maus tratos" não convenceram o tribunal. Relativamente ao crime de homicídio dado que tanto um como outro dos arguidos se escusou a assumir a responsabilidade por tal acto, imputando-o ao outro, o tribunal não criou a convicção com a necessária segurança de ter sido o arguido o autor do mesmo. No depoimento das testemunhas NATALINA BARROS, JOSÉ PALMINHA, ISABEL ABREU, JOSÉ MANUEL JARA, FAUSTO GONÇALVES, HUGO GONÇALVES, MARIA ETELVINA PINTO e ROSA MATOS. Nos GRG'S e nos relatórios sociais juntos aos outros. Nos relatórios de folhas 267 a 269, documentos de folhas 14 a 31. No relatório de autópsia de folhas 118 a 122. Estes factos integram por parte da arguida um crime previsto e punido pelo artigo 153 n. 1 alínea a) e 154 do Código Penal de 1982. Sucede que a arguida não impugna os factos dados como provados. É inócuo por isso vir suscitar a questão do duplo grau de jurisdição com o objectivo possível de defender a inconstitucionalidade dos artigos 432 alínea c), 433, 410 ns. 2 e 3 do Código de Processo Penal. Efectivamente este Supremo Tribunal de Justiça vem julgando uniformemente a constitucionalidade de tais normas - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Janeiro de 1993, in B.M.J. 423/370 -. Também assim o entendemos, na sequência aliás do defendido pelo Tribunal Constitucional, de que: a) O direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32 n. 1 da Constituição da República, impõe a existência de duplo grau de jurisdição. b) Nem todas as decisões terão, entretanto, de ser obrigatoriamente passíveis de recurso, ainda que o legislador esteja impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo em qualquer caso; c) Detêm o legislador liberdade para regular a existência de recurso e a recorribilidade das decisões; d) Apenas aos arguidos condenados em processo penal é insofismavelmente reconhecida a garantia de recurso para outra instância; e) Tal garantia não implica a existência de dois patamares de recurso; f) O direito à tutela jurisdicional em caso de recurso de decisões penais condenatórios não é de modo algum referenciado aos sucessivos graus de jurisdição integrantes da organização constitucional dos tribunais. Na sequência entendemos que o artigo 432 alínea c) e 433 do Código de Processo Penal não estão eivados de inconstitucionalidade material, quer porque aquelas normas foram objecto de indagação preventiva da sua constitucionalidade e o Tribunal Constitucional não as considerou violadoras da Constituição da República, quer porque o duplo grau de jurisdição em matéria de recurso não tem consagração constitucional. Por outro lado entendemos que também os artigos 410 ns. 2 e 3 do Código de Processo Penal não sofre de inconstitucionalidade pois assegura o princípio do duplo recurso nos casos que prevê. E fá-lo em inteira consonância e sem qualquer violação do artigo 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e com o artigo 14 n. 5 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. Improcede, por isso, manifestamente a primeira conclusão da recorrente. B - A segunda questão que levanta é a de que deveria ter sido aplicado o artigo 10 do Código Penal. Tal artigo apenas considera que quando um tipo legal compreende um certo resultado o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo. Atento os artigos 153 n. 1 alínea a) e 154, do Código Penal, a arguida estava vinculada a por acção e omissão diligenciar manter a saúde da filha. Assim, ainda que por omissão, o seu comportamento causou o resultado que a lei lhe impunha evitar. A arguida é, pois, causadora do mesmo e responsável pelo mesmo, o que implica a aceitação do disposto no artigo 10 referido. Daí que não houve exclusão da aplicação do disposto no mencionado artigo 10 do Código Penal, improcedendo manifestamente a conclusão. C - Prossegue a recorrente que, tirando estes factos, o comportamento da arguida é altamente meritório. Todavia, não divisamos em que factos se funda tal conclusão. Por isso tal conclusão improcede manifestamente. D - Prossegue a recorrente que não lhe deve ser aplicada a mesma pena que ao arguido. Ambos os arguidos estavam vinculados a dever que os obrigava a vigiar a saúde da filha, a submetê-la aos cuidados médicos que a doença dela exigia. Não obstante, ambos violaram tal dever, impossibilitando a filha de receber a assistência de que carecia. Daí que não se divise fundamento para a futura diversidade de penas entre os arguidos. E - Por último a recorrente defende que beneficia do disposto no artigo 8 da Lei 15/94 de 11 de Maio. E isso é verdade. E tanto é que foi consignado na decisão que beneficia de 1 ano de perdão ao abrigo desse artigo 8. Por isso improcede ainda manifestamente tal conclusão. F - Por último a recorrente defende que não lhe seja aplicável pena privativa de liberdade. Porém, atendendo a que a pena aplicada é de duração superior a 3 anos é manifestamente inviável a suspensão da mesma - artigo 48 do Código Penal de 1982 -. Por conseguinte também esta conclusão improcede manifestamente. Nem a entrada em vigor de nova redacção do Código Penal/vigente arrastou qualquer alteração, porquanto entendemos que os factos praticados pela arguida haverão de qualificar-se como maus tratos físicos e psíquicos e não simples omissão de alimentos. Por isso os factos haveriam de enquadrar o crime do artigo 152 alínea a) do Código Penal/vigente, punido mais gravemente e por isso inaplicável, e não o do artigo 250 desse diploma. Em face do exposto, acordam julgar improcedentes ambos os recursos. Pagará cada um dos recorrentes 4 UCs e as custas com a procuradoria de 1/4. Lisboa, 29 de Janeiro de 1997. Augusto Alves, Andrade Saraiva, Leonardo Dias, Virgílio de Oliveira. Decisão impugnada: Acórdão de 12 de Abril de 1996 da 7. Vara Criminal de Lisboa. |