Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
449/10.0TTVFR-F.P1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: DESPEDIMENTO COLETIVO
PROCESSO URGENTE
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :

I- O artigo 26.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo do Trabalho ao consagrar a natureza urgente da ação de impugnação de despedimento coletivo abrange a fase executiva.

II- Com efeito, se certos interesses dos trabalhadores exigem uma celeridade especial esta não deve resumir-se à declaração dos seus direitos, mas deve estender-se à efetivação dos mesmos.

Decisão Texto Integral:


Processo 449/10.0TTVFR-F.P1.S1

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça,

AA e BB (Exequentes/Embargadas) apresentaram requerimento para impulsionar execução nos próprios autos, contra o “Centro Social Paroquial de Arrifana” (Executado/Embargante), tendo por base a sentença proferida em incidente de liquidação impulsionado em ação de impugnação de despedimento coletivo, pretendendo a cobrança coerciva da quantia global, para ambas, de € 71.087,02.

O Executado, depois de notificado da penhora efetuada, deduziu “oposição por meio de embargos de executado e oposição à penhora”, alegando, em síntese, que o valor da quantia exequenda não corresponde ao valor que o Executado/Embargante deve às Exequentes/Embargadas.

Admitidos liminarmente os embargos, foram notificadas as Exequentes/Embargadas para poderem apresentar contestação, o que fizeram, alegando designadamente que os embargos eram intempestivos porque tratando-se de um processo urgente o prazo para a apresentação dos mesmos não se suspende nas férias judiciais.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, depois, proferida sentença decidindo julgar os embargos procedentes e, em consequência, foi julgada extinta a execução.

Inconformadas, AA e BB recorreram, pedindo a revogação da sentença recorrida.

O Tribunal da Relação do Porto proferiu Acórdão, decidindo “conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, e em substituição declarar os embargos apresentados pelo Executado “Centro Social Paroquial da Arrifana” intempestivos, rejeitando-os, mantendo-se, pois, a execução impulsionada pelas Exequentes AA e BB”.

O Centro Social Paroquial de Arrifana interpôs recurso de revista.

Invoca o elemento literal e o elemento teleológico do artigo 26.º do CPT.

Afirma que tal preceito enumera os processos que têm natureza urgente, entre os quais a ação de impugnação de despedimento coletivo (artigo 26.º, n.º 1, alínea d), mas teria caráter taxativo, não se incluindo na enumeração “a execução que corre por apenso a um processo urgente”.

Defende, igualmente, que o elemento teleológico conduz à mesma solução: “na medida em que o processo executivo subsequente a um processo urgente tem unicamente como finalidade a cobrança coerciva de um crédito e não já a salvaguarda de um direito fundamental dos trabalhadores, pelo que não lhe é aplicável a ratio subjacente à atribuição da natureza urgente a um processo, a qual se prende, em geral, com a premência da definição do direito”.

Não houve contra-alegações.

Em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3 do CPT o Ministério Público emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.

Fundamentação

De facto

Foram os seguintes os factos dados como provados nas instâncias:

1. A presente execução foi interposta em 06 de dezembro de 2018, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 71.087,02.

2. A execução tem por título a sentença proferida nos autos principais, datada de 09 de outubro de 2018, a qual decidiu condenar o Executado Centro Social e Paroquial de Arrifana a pagar:

a) à Exequente AA a quantia de € 26.449,92, a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida de € 8.293,83, a título de juros de mora vencidos, e bem assim juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida.

b) à Exequente BB a quantia de € 29.735,20, a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida da quantia de € 6.608,07, a título de juros de mora vencidos, e bem assim dos juros de mora vincendos até integral pagamento da quantia em dívida.

3. Na sequência de pedido de aclaração da sentença, por despacho proferido em
28 de novembro de 2018, foi declarado que “quer quanto às contribuições à Segurança Social, quer ao valor devido a título de IRS, a responsabilidade de os calcular, declarar, reter e pagar, pertence ao empregador, o qual deverá, assim, proceder à entrega, a este título, do valor líquido ao trabalhador.

4. Da referida sentença foi interposto recurso, o qual foi admitido por despacho de 28 de novembro de 2018.

5. Na pendência da ação executiva, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da
Relação do Porto em 04 de fevereiro de 2019, o qual decidiu:

a) condenar o Executado Centro Social e Paroquial da Arrifana a pagar à Exequente AA a quantia de € 38.127,03, ilíquida, a título de retribuições vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora vencidos no montante de € 8.514,72 e juros de mora vincendos até integral pagamento;

b) confirmar a sentença recorrida na parte em que condenou o Executado Centro Social e Paroquial da Arrifana a pagar à Exequente BB a quantia de € 29.735,20, a título de retribuições vencidas e não pagas;

c) condenar o Executado Centro Social e Paroquial da Arrifana a pagar à Exequente BB a quantia de € 6.659,12 a título de juros de mora vencidos, acrescido dos juros de mora vincendos até integral pagamento.

6. Para pagamento das quantias supra referenciadas, o Executado Centro Social e
Paroquial de Arrifana procedeu à transferência bancária para Exequente AA
 dos seguintes valores:

a) em maio de 2018, € 8.650,11 líquidos;

b) em abril, maio e agosto de 2018, € 3.027,00 ilíquidos;

c) em dezembro de 2018, € 16.441,96 líquidos;

d) em 24 de janeiro de 2019, € 116,06 líquidos;

7. Para pagamento das quantias supra referenciadas, o Executado Centro Social e
Paroquial de Arrifana procedeu à transferência bancária para Exequente BB
 dos seguintes valores:

a) € 17.094,52 líquidos em 14 de dezembro de 2018;

b) € 6.322,31 líquidos em 24 de janeiro de 2019;

c) € 242,78 líquidos em 24 de janeiro de 2019.

8. No âmbito do processo executivo, foi decretada a penhora dos saldos de contas bancárias sedeadas no Banco Santander Totta pelos valores de € 40.330,72 e € 4.000,00.

9. Em 28.11.2018, foi proferido o seguinte despacho de aclaração de sentença nos autos principais:

“Esclarece-se que, quer quanto às contribuições para a Segurança Social, quer ao valor devido a título de IRS, a responsabilidade de os calcular, declarar, reter e pagar pertence ao empregador, o qual deverá, assim, proceder à entrega, a este título, do valor líquido ao trabalhador (…)”.

De Direito

A única questão que constitui objeto do presente recurso é a da natureza urgente, ou não, da execução da sentença.

A este respeito, pode ler-se no Acórdão recorrido:

“Importa ver se se pode dizer que a execução da sentença faz parte do processo de impugnação de despedimento coletivo, de modo que se possa dizer contaminável pela natureza do processo em que se insere/enxerta, ou se antes consubstancia um processo/incidente com total autonomia em relação a ele de modo que apenas assumiria natureza urgente se de forma expressa lhe fosse estendida”.

Depois de destacar que “o processo de execução de sentença não corre por apenso ao processo onde aquela é proferida, correndo nos próprios autos, ainda que de forma autónoma”, o Acórdão recorrido traça um paralelo com os procedimentos cautelares, recordando que este Supremo Tribunal com o Acórdão nº 9/2009, de 31 de março de 2009 veio uniformizar jurisprudência no sentido de que os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente mesmo na fase de recurso.

Sublinha, ainda, que a letra do artigo 26.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo do Trabalho não distingue processo principal e apensos/incidentes, referindo-se tão só ao processo de impugnação de despedimento coletivo e “o legislador trata a execução como uma vicissitude normal do processo declarativo, correndo no próprio processo (como já correu o incidente de liquidação), ainda que com tramitação autónoma”.

E remata, afirmando que “a urgência não pode ser apenas em definir o direito, tendo que abranger a sua efetividade, decorrendo ser esse o propósito do legislador ao conferir a natureza urgente”.

Aderimos à argumentação exposta. Aliás, tendo presente o artigo 9.º do Código Civil e presunção de que o legislador é uma pessoa razoável, o elemento teleológico aponta, claramente e ao contrário do que afirma o Recorrente no seu recurso, neste sentido: se certos interesses dos trabalhadores exigem uma celeridade especial esta não deve resumir-se à declaração dos seus direitos, mas deve estender-se à efetivação destes.

Decisão: Negada a revista.

Custas pelo Recorrente

22 de junho de 2022

Júlio Manuel Vieira Gomes (Relator)

Ramalho Pinto

Mário Belo Morgado