Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | PEDRO DE LIMA GONÇALVES | ||
Descritores: | EXCEÇÃO DE CASO JULGADO AUTORIDADE DO CASO JULGADO OFENSA DO CASO JULGADO EXPROPRIAÇÃO APROPRIAÇÃO BEM IMÓVEL CAUSA DE PEDIR PEDIDO FACTOS PROVADOS | ||
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Data do Acordão: | 07/04/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - A exceção do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto. Por outro lado, relativamente ao efeito positivo do caso julgado, ou seja, a autoridade do caso julgado, vem sendo entendimento maioritário neste STJ a dispensa da necessidade da tríplice identidade. II - Relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido. É este, também, o entendimento na jurisprudência do STJ, que o âmbito objetivo da autoridade do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão. III - Sobre os factos provados e não provados num dado processo não se forma caso julgado, pois não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos. Tratam-se apenas de juízos positivos ou negativos que integram a decisão de facto, mas não suscetíveis de integrar a decisão definidora de efeitos jurídicos, a qual só se alcança através emissão de um juízo que defina o direito a dirimir entre as partes. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acórdão Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Município de ..., pedindo a condenação do Réu: a) no reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre o remanescente do prédio que lhe expropriou e que ocupou com as obras que executou a sua totalidade, não obstante só ter legitimidade para ocupar as áreas de 484 m2 e 6498 m2. b) na devolução da área em excesso no estado em que a ocupou, livre de pessoas e bens ou, em alternativa que o autor aceita, a pagar o seu valor de mercado, tendo em atenção a sua natureza urbana. Alega, em síntese, que: - o Réu adquiriu ao Autor, por processo de expropriação, uma parcela de terreno com a área de 6498 m2, destacada de um prédio, com a área total de 9120 m2, denominado ..., sito na ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...96 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 918.º, sendo que o Autor já havia cedido ao Réu, antes da expropriação, uma parcela com a área de 484 m2, tendo o Réu acabado por ocupar o imóvel na sua integralidade, incluindo, portanto, a área restante de 2138 m2; - a área do imóvel indicada na sua petição inicial de 9120 m2 consta da sentença e do acórdão da Relação prolatados no processo expropriativo em que as partes são as mesmas, pelo que se constituiu caso julgado ou autoridade de caso julgado. 2. Citado, o Réu veio contestar, por impugnação e por exceção, invocando, para o que ora releva, além do mais, que a área expropriada de 6498 m2 correspondia ao valor total remanescente do terreno do Autor na sequência do protocolo de cedência outorgado, tendo a expropriação absorvido toda a parcela do terreno que tinha a área total de 6982 m2 e não 9120 m2 como surge na certidão de registo e caderneta prediais. 3. Foi proferido despacho saneador, tendo sido identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. 4. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou como não verificadas as exceções de caso julgado ou a autoridade de caso julgado suscitadas pelo Autor, sendo o dispositivo do seguinte teor: “No termos de facto e direito expendidos, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a ação intentada por AA e, em consequência, absolve-se o réu Município de ... dos pedidos elencados sob as alíneas a) e b) da petição inicial, condenando-se o autor no pagamento das custas da ação.” 5. Inconformado com esta decisão, o Autor interpôs recurso de apelação. 6. O Tribunal da Relação de Guimarães veio a “julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida”. 7. Novamente inconformado, o Autor veio interpor recurso de revista, invocando o disposto na alínea a) do n.º2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1.ª É inquestionável que as partes em ambas as ações são as mesmas. 2.ª A causa de pedir é o ato ou facto jurídico donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer. 3.ª Numa expropriação o direito à indemnização é a contrapartida pela perda, pela extinção do direito de propriedade. 4.ª Ocupando uma entidade pública área para além da expropriada para a obra que justificou a expropriação, por força da intangibilidade da obra pública o direito de propriedade sobre essa parte extingue-se e converte-se numa indemnização a calcular nos termos do Código das Expropriações. 5.ª Estamos, por isso, também perante identidade na causa de pedir - a perda do direito de propriedade por força da construção duma obra pública, num processo de forma titulada e no outro de forma não titulada, por expropriação de facto. 6.ª Ao fixar a indemnização por expropriação o Tribunal tem obrigatoriamente que conhecer se estamos perante expropriação total ou parcial e, no caso de ser parcial, tem de conhecer a totalidade do prédio para decidir se há ou não lugar a depreciação da parcela sobrante. 7.ª A fixação da indemnização por expropriação em parcela destacada dum prédio maior pondera obrigatoriamente, conhece obrigatoriamente, a totalidade do prédio-mãe. 8.ª O pedido em ambos os processos – a fixação da indemnização pela perda da propriedade, provocada pela expropriação e consequente execução da obra também são iguais, naturalmente que proporcionais às áreas envolvidas. 9.ª Não há motivos para que o Tribunal da expropriação não aceitasse como boas as áreas indicadas pelo Município na petição de remessa a Juízo, aceites pelos expropriados e levadas à matéria assente. 10.ª Tratou-se sempre de matéria essencial e nunca controvertida. 11.ª A decisão proferida na expropriação tem como base o pressuposto do elenco dos Factos Provados sendo a dimensão do prédio mãe essencial para a fixação da indemnização. 12.ª A questão dos limites e dimensões do prédio mãe colocou-se na fixação da indemnização, sendo questão fulcral quer de facto quer de direito. 13.ª E se não houve discussão sobre a questão foi pela simples razão de as partes sempre estiveram de acordo quanto a esta matéria. 14.ª Não pode o Município ter duas posições – conforme lhe é conveniente, sobre a dimensão do prédio. 15.ª Até porque gerou no administrado a ideia de que não precisava de acautelar este facto da dimensão do seu prédio. 16.ª A ocupação do restante prédio (sobrante) não tem de resultar da questão prejudicial, da decisão da expropriação para haver autoridade do caso julgado. 17.ª Aliás, é pacífico que o Município se apoderou, da totalidade do prédio como resulta dos autos e do acordo das partes também nesta matéria. E conclui: “Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso e, pela sua procedência e, por via dele, revogado o douto acórdão, julgada a ação procedente, prosseguindo para se apurar o montante da indemnização devida pela expropriação de facto.” 8. O Réu contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 9. Cumpre apreciar e decidir. II. Delimitação do objeto do recurso Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelo A. / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se se verifica a violação do caso julgado. III. Fundamentação 1. As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1.1. Pela Ap. 12/2000/10/18, foi registada a favor do autor e BB a aquisição, por compra, a CC e mulher DD, EE e mulher FF, GG, HH, II, JJ e mulher KK, LL e MM e marido NN e OO do prédio rústico, sito em ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº 1796/200... e inscrito na matriz sob o artigo 918.º. 1.2. No registo predial consta que este prédio é composto por cultura arvense e que confronta a norte com PP, a sul com QQ, a nascente com Rio e a Poente com Caminho de Servidão, tem a área de total e descoberta de 9120 m2 e que, declarada a utilidade pública de expropriação de 6498 m2, por despacho de 25-03-2002 do Secretário de Estado da Administração Local, publicado no Diário da República, II Série, ... de 2002, foi desanexado o n.º 2225/09..., com a área de 6498 m2. 1.3. No registo predial consta que este prédio é composto por terreno de cultura arvense e tem a área de total e descoberta de 6498 m2 e que foi desanexado do prédio descrito sob o n.º 1796/18..., melhor identificado no antecedente facto 1). 1.4. Na inscrição matricial do prédio rústico, denominado «...», freguesia de ..., concelho de ..., inscrito, na matriz em 1996, atualmente sob o artigo 1537.º, o qual teve origem no artigo 918.º, o autor encontra-se inscrito como titular, constando que o prédio confronta a norte com PP, a sul com QQ, a nascente com Rio e poente com Caminho de Servidão, com a área total de ha 0,262200, com retificação de área de 9.120 m2 para 2.622 m2 por terem sido desanexados por expropriação 6.498 m2 por despacho de 25/03/2002 do Secretário de Estado da Administração Local – DR – II Série n.º 71 de 25/03/2002. 1.5. Na inscrição matricial do prédio rústico, denominado «...», sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., inscrito, na matriz em 1996, sob o artigo 918.º, o réu encontra-se inscrito como titular, constando que o prédio confronta a norte com PP, a sul com QQ, a nascente com Rio e poente com Caminho de Servidão, com a área total de ha 0,091200. 1.6. Por protocolo de cedência de terrenos, datado de 21 de agosto de 2000, em que o autor interveio como primeiro outorgante e o réu interveio como segundo outorgante, junto como documento n.º 12 à petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi feito, nomeadamente, constar que: «O primeiro outorgante declara ser dono e legítimo proprietário de prédio rústico sito no lugar da ..., freguesia de ..., a confrontar de Norte com PP, do Nascente com o Rio, de Sul com QQ e Poento com Caminho de Servidão, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º 91, da mesma freguesia. Pelo presente contrato o Primeiro Outorgante declara ceder livre de ónus ou encargos à Segunda Outorgante, uma parcela de terreno com a área de 484 m2, a integrar o domínio público municipal, do referido prédio, já descrito no presente contrato, que se encontra devidamente assinalada em planta anexa, a qual ficará a fazer parte integrante deste contrato. A referida parcela de terreno, objeto da presente cedência, destinar-se-á à execução do prolongamento da E.N. ... – .... Pelo presente contrato a Segunda Outorgante compromete-se a: a) Propor, em sede de revisão, ao Plano Diretor Municipal e no respeito pela legislação em vigor, a alteração da classificação da parte sobrante da parcela de terreno agora cedida, por forma a dotá-la de aptidão construtiva. b) Pagar a quantia de 580.800$00 (quinhentos e oitenta mil e oitocentos escudos), em duas prestações de igual valor, até ao final do presente ano, sendo a primeira prestação, no valor de 290.400$00 (Duzentos e noventa mil e quatrocentos escudos) para no acto de assinatura do presente contrato. c) Na hipótese de alteração em teros de classificação do Plano Director Municipal, em revisão, não ser aceite, proceder ao pagamento de um acréscimo à quantia referida na alínea anterior no valor de 242.000$00 (Duzentos e quarenta e dois mil escudos), perfazendo um total de 882.800$00 (Oitocentos e vinte e dois mil e oitocentos escudos), acréscimo esse que apenas será pago após a conclusão do processo de revisão ao Plano Director Municipal em curso. d) Vedar os terrenos, pertença do Primeiro Outorgante, com uma largura mínima de 5 metros, através da interrupção da continuidade do muro de vedação referido no ponto anterior, em local a designar pelo próprio e de acordo com o parecer técnico dos serviços da Câmara Municipal, colocando o Segundo Outorgante uma cancela de ferro e rede para vedar a propriedade. e) Garantir todas as servidões de água existentes na propriedade e de acesso à propriedade dos Primeiros Outorgantes. f) Garantir que, após a implantação da estrada não fique nenhuma parte sobrante do lado do ribeiro, isto é, do lado oposto ao do prédio que irá ser vedado, a que caso tal aconteça, esta parcela sobrante é obrigatoriamente adquirida pela Segunda outorgante, ao preço de 1 200$00 por metro quadrado de terreno.». 1.7. O réu requereu a desafetação do solo da RAN para os efeitos construtivos (a construção do pavilhão, aparcamentos e acessos) e ocupou a parcela legitimado pela autorização da posse administrativa que lhe foi concedida por despacho expropriativo proferido pela sua Exa. o Secretário de Estado a seu requerimento. 1.8. Por despacho da Sra. Subdiretora Geral, por subdelegação, Maria Eugénia Santos, datado de 25 de março de 2003, publicado no Diário da República n.º ..., II Série, de 25/03/2003, junto como documento n.º 8 à petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde consta, nomeadamente, que: «Torna-se público que o Secretário de Estado da Administração Local, por despacho de 25 de Março de 2002, declarou a utilidade pública da expropriação com caráter urgente, da parcela de terreno abaixo identificada e assinalada na planta em anexo: Parcela de terreno, com a área de 6498 m2, que faz parte integrante do prédio rústico denominado «...», com a área total de 9120 m2, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o n.º 1796/18..., a freguesia de ... e inscrito na matriz predial rústica da mesma freguesia sob o n.º 918.º. A expropriação tem por fim a obra de construção do pavilhão desportivo na sede do concelho.». 1.9. Para averiguar da área que seria necessária expropriar para a construção do pavilhão desportivo de ..., o réu pediu que fosse feita a medição topográfica do terreno. 1.10. Por decisão judicial proferida, no processo de expropriação n.º 140/03.4..., em que intervieram como expropriante o réu e expropriado o autor, datada de 12-06-2007, junta como documento n.º 1 à petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido, foi feito, nomeadamente, constar que: «FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: Da análise crítica dos elementos pertinentes para a decisão da causa coligidos nos autos, resultaram apurados os seguintes factos: 1. Por despacho da Senhora Subdiretora-Geral do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, datado de 25 de março de 2003, publicado no Diário da República n.º ..., II Série, de 25/03/2003, foi declarada a utilidade pública da expropriação com caráter de urgência, de uma parcela de terreno, com a área de 6498 m2, a destacar de um prédio rústico denominado ..., sito na ..., freguesia de ..., concelho de ..., pertencente a AA e mulher BB, descrito na competente Conservatória do Registo Predial sob o número 1796/18..., inscrito na matriz rústica sob o artigo 918, confrontando a norte com PP, a sul com QQ, a nascente com rio e a poente com caminho de servidão. 2. A parcela em causa é uma área de terreno inserida num terreno de cultivo com a área total de 9120 m2. 3. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela expropriada apresentava topografia sensivelmente plana, com ligeiro pendente poente/nascente e forma trapezoidal. 4. Era um terreno com aptidão agrícola, sobretudo para produção de forragens para animais. 5. À data da vistoria ad perpetuam rei memoriam, todo o prédio era ladeado nas bordas, por vinha em ramada ou por vinha de enforcado, tendo a primeira a largura de aproximadamente 6m, localizando-se no extremo norte e encontrando-se a segunda nos extremos sul e poente. 6. A vinha encontrava-se tratada e a ramada estava coberta. 7. Na parcela expropriada, estavam plantados um limoeiro e uma cerejeira. 8. O prédio estava murado, do lado poente, com muro de vedação e 1 m de altura de suporte, sendo a sua largura de 0.50. 9. A nascente, o prédio tem acesso através de caminho público, em terra, ligeiramente mais elevado que a parcela expropriada; do lado poente, o prédio tem acesso através de caminho de consortes, em terra e com cerca de 2,50 m2 de largura. 10. Na altura da vistoria ad perpetuam rei memoriam, a parcela estava plantada com fenos e batata, para além da vinha. 11. Na parte mais elevada do prédio, a poente, existia uma poça, com 54 m2, com água de nascente para rega do prédio, dai partindo um tubo em PVC que transportava água para a residência dos expropriados. 12. Junto à poça, existia um barandão (espigueiro), com 24 m2 e 3 m de altura, em bloco, com eira em betão, com cerca de 24 m2. 13. A nascente, existia uma levada em pedra. 14. Existia um coletor de saneamento junto ao extremo sul do prédio, destinado ao saneamento da Escola EB da vila. 15. Do lado nascente da parcela expropriada e confrontado com esta, existe uma variante rodoviária com piso em betuminoso e dotada de rede de electricidade e saneamento que, à data da vistoria, havia sido construída há menos de 5 anos, situando-se aquela com cota inferior relativamente à dita variante. 16. Num perímetro 300 m em relação à localização da parcela expropriada, existem, situados a nascente, sul e poente, diversas habitações unifamiliares, prédios de habitação com três pisos, a piscina municipal, a centra de camionagem e a Escola EB. 17. No referido perímetro de 300 m, existem redes de energia de baixa tensão, de saneamento, de água e de telefone, não tendo o saneamento ligação a qualquer estação de tratamento. 18. O prédio do qual foi destacada a parcela expropriada encontra-se classificado no Plano Diretor Municipal do concelho como espaço integrado na “Reserva Agrícola Nacional” da mesma tendo sido desafectada a parcela expropriada a 15/03/2002. (…) DECISÃO Pelo exposto, fixo em € 124,526,08 (cento e vinte e quatro mil quinhentos e vinte e seis euros e oito cêntimos) o montante indemnizatório a atribuir pela Câmara Municipal de ... aos expropriados AA e BB, actualizado até 17/07/2003 e, desde essa data até à decisão final do processo, actualizado no que respeita ao montante equivalente à diferença entre a quantia atribuída aos expropriados, sobre a qual se verificava acordo, e a quantia ora fixada, de harmonia com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE (art.º 24.º do CE). Fixo em €4.200,00 (quatro mil e duzentos euros) o montante indemnizatório a atribuir pela Câmara Municipal de ... aos interessados RR e SS, actualizado desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à decisão final do processo, de harmonia com os índices de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicados pelo INE (art.º 24.º do CE).». 1.11. A sobredita decisão foi objeto de recurso, tendo o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães transitado em julgado. 1.12. O autor e o seu cônjuge sempre foram considerados como proprietários do prédio não só porque beneficiavam da presunção que deriva do registo, mas também por o possuírem, à vista de toda a gente, praticando os atos que se praticam num terreno, sem oposição de quem quer que fosse, na convicção de possuírem bem próprio por o haverem comprado, posse efetuada exclusivamente e sem qualquer interrupção, tendo sucedido na posse das pessoas, a quem compraram, identificadas no registo predial. 1.13. Não obstante a expropriação ser parcial, com a construção do pavilhão, acessos e estacionamento, o réu ocupou todo o solo do prédio remanescente da primeira cedência. 1.14. As áreas constantes da certidão e caderneta prediais não correspondem à verdade fatual. 2. E foram julgados como não provados os seguintes factos: 2.a. A área ocupada pelo réu é de 9120 m2, correspondendo 484 m2 à área cedida, 6982 m2 à área expropriada e 2138 m2 à área ainda pertencente ao autor. 2.b. A área do prédio do autor, antes de intervencionado, ascendia a 9120 m2, o que foi aceite no processo expropriativo por corresponder à verdade. 2.c. A medição feita pelo réu apurou não só que seriam necessários 6498 m2 para a construção em causa, mas também que esta área era o valor total remanescente do terreno do autor. 2.d. O terreno expropriado é confrontado: - A norte, por terrenos da Sra. TT; - A oeste, por um caminho público, que existe desde tempos remotos; - A este, por uma ribeira, onde para lá desta não existe qualquer terreno do autor; - A sul, por terrenos da ré. 2.e. A expropriação absorveu toda a parcela do prédio pertencente ao autor. 2.f. Foi necessário afetar mais terreno para a construção do pavilhão desportivo de ..., que não pertencia ao autor, considerando que a expropriação absorveu toda a sua parcela do terreno, o que se refletiu na celebração a 11-09-2002 de um protocolo com a proprietária dos terrenos a norte da área expropriada: TT. 2.g. TT é proprietária deste terreno que cedeu ao réu em 2002. 2.h. Não existe possibilidade de o autor ser proprietário de qualquer um dos terrenos em torno da área expropriada, pois todos estes são de proprietários diversos da sua pessoa. 2.i. Toda esta situação foi causada por um erro do registo predial de terreno rústico com a matriz n.º 918, sito em .... 2.j. O terreno em questão tem a área total de 6982 m2. 2.k. O réu desconhece como o autor conseguiu efetuar o registo de um terreno que não existe fisicamente. 2.l. O réu desconhece como e com que meios o autor efetuou o registo no serviço de finanças com o artigo matricial 1537.º de um terreno com 2622 m2 dos quais 484 m2 não lhe pertencem, pois foram cedidos à ré no referido protocolo de cedência de terrenos com o autor em 2000 e 2138 m2 não existem e resultam de um erro da área total do terreno. 2.m. Esta situação já foi previamente esclarecida ao autor quando se deslocou à sede do réu em 2013, após a expropriação do seu terreno, por despacho melhor identificado no facto 9). 2.n. O autor sempre aceitou a situação de facto existente, no entanto, vem agora, volvidos 13 anos, suscitar que tem mais terreno do que aquele que foi objeto de expropriação. 2.o. O autor usou documentos que sabe não demonstram a realidade dos factos. 2.p. O motivo pelo qual todos os documentos apresentados pelo autor se referirem ao seu terreno com uma área total de 9120 m2 prende-se com o erro original do registo predial que, face à inércia do autor mesmo após lhe ter sido apontado o referido erro, nunca foi corrigido. 2.q. Aquando do processo de expropriação, a ré foi forçada a referir-se ao terreno em questão de acordo com as informações erróneas que oficialmente constavam do registo. 2.r. Inexiste qualquer remanescente do prédio expropriado, inexistindo qualquer direito de propriedade do autor sobre o terreno ocupado pelo pavilhão desportivo de ... – terreno propriedade do réu, atendendo a que o mesmo apenas ocupa a área expropriada de 6498 m2. 2.s. O réu é proprietário de todo o terreno do local que outrora pertencia ao autor. 2.t. O erro nunca foi corrigido face à inércia do autor mesmo após lhe ter sido apontado o referido erro. 3. Apreciação do recurso As instâncias convergiram ao decidir pela improcedência da exceção do caso julgado, pois entenderam que, apesar da identidade de partes, a causa de pedir e o pedido da presente ação não são os mesmos que os do processo de expropriação n.º 140/03.4... O Acórdão recorrido fundamentou a sua decisão do seguinte modo: “(…) Daqui resulta que a causa de pedir nos processos de expropriação se reconduz ao ato de declaração de utilidade pública, à posse administrativa e aos prejuízos que do mesmo resultaram, sendo o pedido a condenação da entidade expropriante no pagamento de indemnização em razão de tais prejuízos. Ora, no caso sub judice, vem autor arguir o direito de propriedade sobre remanescente do prédio que foi expropriado e que o réu ocupou com as obras que executou, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o remanescente do prédio que lhe expropriou e que ocupou com as obras que executou a sua totalidade, não obstante só ter legitimidade para ocupar as áreas de 484 m2 e 6498 m2 e a devolução da área em excesso no estado em que a ocupou, livre de pessoas e bens ou, em alternativa que o autor aceita, a pagar o seu valor de mercado, tendo em atenção a sua natureza urbana. Ora, daqui decorre dada a diversidade de causas de pedir e dos pedidos, não se encontra verificada a tríplice identidade prevista no artº 581º do Código de Processo Civil, faltando os requisitos legais para a aplicação da exceção dilatória do caso julgado. Mas será que, como pretende o recorrente estamos perante a figura da autoridade do caso julgado? (…) Resulta daqui que a figura da autoridade do caso julgado dispensa a identidade de causa de pedir e do pedido, visando, antes, como se refere em sede da sentença em crise “(…) garantir um efeito positivo que se traduz na imposição da força vinculativa da decisão proferida em primeiro lugar e transitada em julgado sempre que a mesma se apresente como questão prejudicial ou prévia em face do «thema decidendum» na ação posterior, ou seja, não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo. Dito de outro modo, o objeto da ação julgada em primeiro lugar constitui pressuposto necessário da decisão de mérito da ação a julgar posteriormente”. Salvo o devido respeito por contrária opinião, na decisão proferida nos autos de expropriação não ficou definitivamente, porque não se colocava tal questão, decidido da propriedade do prédio em causa, designadamente, quanto à parcela restante, cabendo naquela decisão apenas apurar da indemnização pelos prejuízos decorrentes da expropriação da parcela com a área de 6498 m2. Efetivamente, não fazia parte do núcleo fulcral das questões de direito e de facto apreciar da propriedade do ora autor, de todo o prédio, porquanto ali estava em causa apenas uma fração do mesmo – a área de 6498 m2. Ora, por força da autoridade de caso julgado, impõe-se aceitar uma decisão já proferida, na medida em que o núcleo fulcral das questões de direito e de facto ali apreciadas e decididas são pressupostos das questões que o autor aqui pretende ver apreciadas. Para que se possa falar da autoridade de caso julgado torna-se necessário a prejudicialidade entre as questões decididas nos dois processos. O efeito positivo do caso julgado impõe que a decisão anterior e já transitada em julgado, vincule os tribunais numa ação posterior. (…) Ou seja, a questão da indemnização pelos prejuízos decorrentes da expropriação da parcela de 6498 m2, ficou expressamente decidida, de forma definitiva, em relação ao aqui autor e réu, porém não pode considerar-se que da mesma resulta, sem mais, o conhecimento e reconhecimento do direito de propriedade do ora autor, sobre a parcela restante e ainda da ocupação por parte do aqui réu da mesma. Entendemos pois, que nada obsta ao tribunal discutir da propriedade do autor sobre aquela parcela restante e da sua ocupação, questões que não ficaram definitivamente demonstradas/decididas naqueles autos e que, por isso, não colocam em risco a decisão de expropriação.” O Autor alega que as partes nas duas causas são as mesmas; a causa de pedir é idêntica em ambos os processos – a perda do direito de propriedade por força da construção duma obra pública, num processo de forma titulada e no outro de forma não titulada, por expropriação de facto; e o pedido também é idêntico - a fixação da indemnização pela perda da propriedade, provocada pela expropriação e consequente execução da obra também são iguais, naturalmente que proporcionais às áreas. Desta forma, e tendo sido a questão da dimensão e limites do prédio em causa - tendo aí ficado definido que a área do imóvel é de 9120m2 -, uma questão fulcral na decisão do processo expropriativo, na qual as partes sempre estiveram de acordo, considera que se constituiu caso julgado ou autoridade de caso julgado sobre esta matéria, tendo pugnado pela extração das necessárias consequências legais em sede de alegações finais. Antes de mais, impõe-se distinguir o âmbito do caso julgado e da autoridade do caso julgado. Perfunctoriamente, podemos afirmar que do caso julgado podem decorrer, essencialmente, dois efeitos distintos: a) a impossibilidade de qualquer tribunal voltar a pronunciar-se sobre a questão decidida como obstáculo ao conhecimento do mérito da segunda ação - efeito negativo ou exceção de caso julgado, e b) vinculação do tribunal da segunda ação à decisão proferida na primeira ação, enquanto condição ou pressuposto necessário para apreciação do objeto processual da segunda ação - efeito positivo ou autoridade de caso julgado. Através do caso julgado procura-se, essencialmente, garantir a certeza e segurança jurídicas que se afiguram indispensáveis à vida em comunidade, impedindo a verificação de decisões judiciais que sejam incompatíveis entre si. Esta incompatibilidade poderá ser material ou formal, consoante a decisão verse sobre a relação material controvertida ou recaia sobre a relação processual. Conforme nos ensina Manuel de Andrade (In Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, 318), a força obrigatória reconhecida ao caso julgado material, impõe-se por razões de certeza ou segurança jurídica e tem por finalidade, “obstar a decisões concretamente incompatíveis (que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas), a que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por anterior decisão e, portanto, desconhecer no todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados”. É entendimento dominante neste Supremo Tribunal, que a exceção do caso julgado pressupõe a identidade de sujeitos, de causas de pedir e de pedidos entre os processos em confronto - cf., entre outros, os Acórdãos, de 22/02/2018 (Revista n.º 18091/15.8T8LSB.L1.S1), de 18/02/2021 (Revista n.º 3159/18.7T8STR.E1.S1) e de 23/02/2021 (Revista n.º 2445/12.4TBPDL.L1.S1). Por outro lado, relativamente ao efeito positivo do caso julgado, ou seja a autoridade do caso julgado, vem sendo entendimento maioritário neste STJ a dispensa da necessidade da tríplice identidade, conforme se afirma o Acórdão do STJ, de 11/11/2020 (Revista n.º 214/17.4T8MNC.G1.S1), no qual se conclui que “quanto à alegada ofensa da autoridade do caso julgado formado na segunda acção anterior invocada importa ter presente que a jurisprudência do STJ vem admitindo – em linha com a doutrina tradicional – que a autoridade do caso julgado dispensa a verificação da tríplice identidade requerida para a procedência da exceção dilatória, sem dispensar, porém, a identidade subjectiva. Significando que tal dispensa se reporta apenas à identidade objectiva, a qual é substituída pela exigência de que exista uma relação de prejudicialidade entre o objecto da segunda acção e o objecto da primeira.”. - Neste sentido pronunciaram-se também os Acórdãos do STJ, de 26/11/2020 (Revista n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1), de 24/10/2019 (Revista n.º 6906/11.4YYLSB-A.L1.S2), de 13/09/2018 (Revista n.º 687/17.5T8PNF.S1), de 28/03/2019 (Revista n.º 6659/08.3TBCSC.L1.S1), e de 30/04/2020 (Revista n.º 257/17.8T8MNC.G1.S); Em termos doutrinários, esta jurisprudência segue o sentido das posições assumidas por Rui Pinto (In Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Revista Julgar Online, Novembro 2018, pp. 28 e ss.), Lebre de Freitas (In Um Polvo Chamado Autoridade de Caso Julgado, pp. 700 e ss. e in A Extensão Subjetiva da Eficácia do Caso Julgado, pp. 613), Miguel Teixeira de Sousa (In Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, págs. 581 e ss.), Ferreira de Almeida (In Direito Processual Civil, Vol. II, 2.ª edição, 2020, Almedina, pp. 719 e ss.). Relativamente à autoridade do caso julgado exige-se, igualmente, que o caso decidido anteriormente seja prejudicial relativamente ao caso que vai ser julgado e bem assim que se mostre ínsito, ainda que parcialmente, no objeto do processo que vai ser decidido. É este, também, o entendimento na jurisprudência do STJ, que o âmbito objetivo da autoridade do caso julgado se estende à apreciação das questões preliminares que constituam antecedente lógico necessário da parte dispositiva da decisão, - cf., entre outros, os Acórdãos do STJ de 7/02/2019 (Revista n.º 3263/14.0TBSTB.E1.S1); de 12/01/2021 (Revista n.º 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1); de 2/12/2020 (Revista n.º 3077/15.0T8PBL.C1-A.S1); de 26/11/2020 (Revista n.º 7597/15.9T8LRS.L1.S1) - Conforme se afirma no Acórdão do STJ, de 22/02/2018 (Revista n.º 3747/13.8T2SNT.L1.S1), a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa e abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado. Nas palavras de Lebre de Freitas e de Isabel Alexandre (In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, Reimpressão, pp. 599-590), o efeito positivo do caso julgado conferido pela figura da autoridade “assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (…) ou o fundamento da primeira decisão, excecionalmente abrangido pelo caso julgado (…) é também questão prejudicial na segunda ação.”. Volvendo ao caso dos autos, o Acórdão recorrido, depois de fazer a distinção da dupla vertente do caso julgado, acaba por concluir pela improcedência da quer exceção do caso julgado quer da autoridade do caso julgado. Assim, impõe-se, para determinar a verificação da exceção do caso julgado, aferir se existe identidade de sujeitos, da causa de pedir e do pedido entre os presentes autos e o processo de expropriação n.º 140/03 (cf. artigo 581.º do Código de Processo Civil). Da análise destes dois processos, verifica-se que existe, efetivamente, identidade das partes. Porém, relativamente ao demais, causa de pedir e pedido, tal qual decidido nas instâncias, inexiste identidade destes dois pressupostos. O processo de expropriação é um processo que visa a fixação de um quantum indemnizatório por força da apropriação pelo Estado, em sentido lato, de uma parcela de terreno, por causa de utilidade pública. Ora, foi precisamente o que sucedeu no processo de expropriação n.º 104/03, em que o Município de ..., na sequência da publicação da declaração de utilidade pública, se apropriou de uma parcela de terreno do ora Autor, com a área de 6498 m2, tendo sido fixada uma indemnização de acordo com os critérios do Código das Expropriação. Por outro passo, nestes autos, o Autor pretende ver reconhecido o direito de propriedade sobre o remanescente do prédio, que integrará uma parcela diversa daquela que foi expropriada ao Autor, mas que o Réu terá abusivamente ocupado. Ou seja, o facto jurídico de que deriva a causa de pedir num e noutro processo provém de parcelas de terreno diversas, o processo de expropriação reportava-se a uma parcela com 6498 m2 de um dado terreno e, nestes autos, o Autor alega que existe uma parcela com outra área que o Réu se apropriou ilegitimamente, ainda que pertencentes ao mesmo prédio mãe. Mais, naquele processo de expropriação a causa de pedir reportava-se à apropriação administrativa de uma parcela de 6498 m2, fundada em declaração de utilidade pública, ao passo que nos presentes autos, o Autor alega a apropriação ilegal pelo Réu de outra parcela de terreno. No que ao pedido se refere, nos autos de expropriação estamos perante um pedido de indemnização que integra a posse administrativa e os prejuízos que resultaram daquela declaração de utilidade pública relativamente à parcela de terreno com a área de 6498 m2, ao passo que nos presentes autos o pedido do Autor reporta-se ao reconhecimento do direito de propriedade do Autor sobre o remanescente do prédio que foi expropriado pelo Réu, e terá ocupado com as obras que executou a sua totalidade, não obstante só ter legitimidade para ocupar as áreas de 484 m2 e 6498 m2 e na consequente restituição dessa parcela. Verificamos, desta forma, que quer a causa de pedir, quer o pedido, são diversos, inexistindo identidade em nenhum destes pressupostos, nos termos do artigo 581.º do Código de Processo Civil. Temos assim que, não existindo identidade da causa de pedir e do pedido, deverá concluir-se pela não verificação do caso julgado na sua vertente negativa de exceção de caso julgado. Relativamente à autoridade do caso julgado, esta figura supõe que exista uma anterior decisão que haja definido direitos ou efeitos jurídicos e que, como tal, esta decisão se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior, no contexto da relação material controvertida invocada pelas partes. Por outras palavras, a autoridade do caso julgado pressupõe uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva no objeto de uma ação posterior, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa. - cf. o Acórdão do STJ, de 7/03/2023 (Revista n.º 1628/18.8T8VCT.G1.S1) - Tem sido entendido que, para além das questões que se mostram diretamente decididas como parte integrante do dispositivo da sentença, também integram o caso julgado, na vertente da autoridade, as questões que sejam antecedente lógico necessário para a emissão do dispositivo do pleito, cf. Acórdão do STJ, de 29/04/2021 (Revista n.º 25365/19.7T8LSB.S1). O processo de expropriação n.º 104/03 apenas definiu o montante da indemnização a atribuir ao ora Autor pelos prejuízos decorrentes da expropriação da parcela com a área de 6498 m2 e sobre nada mais se pronunciou em termos de questões jurídicas. Este processo não se pronunciou nem decidiu sobre o direito de propriedade do ora Autor sobre o remanescente da parcela de terreno que não foi expropriada, nem mesmo sobre a ocupação pelo Réu desta parcela. Também não se pronunciou sobre as limitações ou sobre a dimensão do prédio mãe que integrava a parcela expropriada e aquela que o Autor agora invoca, pois não decidiu nenhuma questão jurídica sobre estas temáticas. Em face do que ficou decidido no processo expropriação não podemos concluir que o aí decidido constitui precedente lógico à decisão a proferir nestes autos nem mesmo que aquela decisão vincula este processo. Na verdade, uma vez que o processo de expropriação apenas se pronunciou acerca do direito de indemnização do Autor pela apropriação administrativa da parcela de terreno com 6498 m2, e nos presentes autos se discute a propriedade do Autor sobre uma outra parcela de terreno que não aquela e que o Réu terá ilegitimamente ocupado, a decisão que se formou no processo de expropriação n.º 104/03 não se impõe enquanto autoridade do caso julgado sobre os presentes autos. Concluímos, assim, que a decisão do proc. n.º 104/03 não constitui autoridade do caso julgado sobre os presentes autos, uma vez que a questão jurídica a decidir nos presentes é completamente autónoma daquele, não dizendo respeito ao mesmo objeto. Impõe-se, ainda, em face do que o Autor/ora recorrente, alega, que deve ser considerada a área da totalidade do imóvel de 9120 m2, prédio mãe, tal como decidido no processo de expropriação, que teve em consideração quer os registos prediais e matriciais, quer outros elementos, que foram aceites pelas partes, referir o seguinte. De facto, no processo de expropriação n.º 104/03 foi considerado provado que A parcela em causa é uma área de terreno inserida num terreno de cultivo com a área total de 9120 m2. Mas este facto provado, ou qualquer outro, não tem aptidão para se impor como caso julgado nos presentes autos, uma vez que os factos provados e não provados não são suscetíveis de constituir caso julgado, a fim de serem importados para outros processos. É, efetivamente, este o entendimento dominante neste STJ, que sobre os factos provados e não provados num dado processo não se forma caso julgado, pois não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos. Tratam-se apenas de juízos positivos ou negativos que integram a decisão de facto, mas não suscetíveis de integrar a decisão definidora de efeitos jurídicos, a qual só se alcança através emissão de um juízo que defina o direito a dirimir entre as partes. - cf., neste sentido, o citado Acórdão do STJ, de 7/03/2023 (Revista n.º 1628/18.8T8VCT.G1.S1), de 14/01/2021 (Revista n.º 3935/18.0T8LRA.C1.S1), de 11/11/2021 (Revista n.º 1360/20.2T8PNF.P1.S1), de 12/04/2023 (Revista n.º 979/21.9T8VFR.P1.S1) – Falece, igualmente, este argumentário do Autor, não se verificando caso julgado no âmbito da ação de expropriação n.º 104/03 sobre os presentes autos, conforme decidido nas instâncias. Deste modo, o recurso tem de improceder. IV. Decisão Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente.
Lisboa, 4 de julho de 2023
Pedro de Lima Gonçalves (Relator) Jorge Dias Jorge Arcanjo |