Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
370/06.7TTALM-E.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: JÚLIO GOMES
Descritores: CASO JULGADO
INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA
PROCESSO EXECUTIVO
Data do Acordão: 02/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / RECURSOS / MODO DE INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO BASEADA EM SENTENÇA DE CONDENAÇÃO EM QUANTIA CERTA / NOTIFICAÇÃO PARA NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS EM GERAL / MODALIDADES DO PRAZO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / DECISÕES QUE ADMITEM RECURSO / PRAZOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / RECURSOS / REVISTA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 81.º, N.º 5 E 89.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 139.º, N.º 6, 629.º, N.º 2, ALÍNEA C), 638.º, N.º 1 E 854.º.
Sumário :

I- Tendo o processo declarativo culminado com um Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça é este Acórdão o título executivo, nos exatos limites em que foi proferido e o processo executivo não tem como escopo alterar, mas sim fazer cumprir, essa decisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

O Município de AA deduziu em 10 de Fevereiro de 2012 os presentes autos de oposição à execução e à penhora por apenso à execução de sentença para pagamento de quantia certa que lhe move BB.

Na oposição à execução, o executado alegou, em suma, que pagou ao exequente a quantia de € 42.608,56, correspondente à totalidade da quantia a que foi condenado, conforme recibo de quitação que junta, pelo que considera a sentença cumprida e o mais que o exequente pede carece de título executivo; que o exequente incorreu em abuso do direito ao vir instaurar uma nova execução a pedir € 27.507,94 quando já instaurou uma primeira em que pedia mais € 3.000,00 por parte do exequente; que as retenções na fonte foram efetuadas em conformidade com a lei e que o exequente usa a ação para autodeclarar direitos que a sentença não lhe reconheceu. Defendeu, a final, a extinção da execução e requereu o levantamento de todas as penhoras efetuadas e a devolução das quantias respetivas.

Admitida liminarmente a oposição veio o exequente a apresentar contestação na qual alegou, em síntese: que ainda não se encontra pago de todas as importâncias devidas; que o executado procedeu de forma abusiva à retenção na fonte do montante de € 10.441,31, reportando-o a um só ano; que só assinou a quitação por atravessar dificuldades económicas profundas e necessitar daquele dinheiro para sobreviver, facto que a executada conhece e dele tirou partido, pressionando o exequente a assinar, contra a chantagem de nada lhe pagar.

Realizada uma tentativa de conciliação em 24 de Maio de 2012, exequente e executado chegaram a acordo, ainda que parcial.

Prosseguindo os autos, foi proferido saneador-sentença em 13 de Janeiro de 2017 que, considerando estarem pagos os demais valores referenciados na condenação constante da sentença exequenda, entendeu serem ainda devidas as retribuições intercalares vencidas entre a data da sentença e o trânsito da mesma. Seguidamente, decidiu que inexiste abuso do direito e considerou prejudicado o conhecimento da alegada coação na assinatura do recibo. Afirmou, ainda, que o acordo das partes pôs fim à alegada indevida retenção de IRS na fonte e ao diferendo quanto à penhora. Terminou com o seguinte dispositivo:

“ (…) Face ao exposto:
1. Julga-se parcialmente procedente a presente oposição à execução, que prossegue para pagamento da quantia de € 12.686,64, a que acrescem os juros de mora no valor de € 873,66 ( …).”

  A Executada recorreu, tendo o Exequente apresentado contra-alegações.

  Foi proferido Acórdão que concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão recorrida, julgou procedente a oposição, declarando extinta a execução e determinando a libertação da caução prestada pela Recorrente.

Inconformado, o Exequente interpôs recurso, apresentando as seguintes Conclusões:
1. O presente recurso é interposto do acórdão recorrido, uma vez que, veio o Tribunal da Relação pôr termo ao processo, decidindo dar como procedente a oposição à execução, extinguindo assim a execução, fundamentando para tal que ao Recorrente apenas eram devidas as retribuições intercalares até à data de proferimento da sentença da primeira instância 18/06/2008.
2. O acórdão recorrido veio revogar a decisão da primeira instância que ordenou o pagamento das retribuições intercalares até ao trânsito em julgado, pelo que não se verifica uma situação de dupla conforme, sendo admissível [o recurso de revista] de acordo com o artigo 671.º, n.º l do Código de Processo Civil.
3. Ademais, o acórdão recorrido entra em contradição com o acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça com o n.º 1/2004, de 09/01/2004, pelo que, independentemente do valor da causa ou da sucumbência, também é admissível o recurso de revista, de acordo com o disposto no artigo 672.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil, bem como é admissível por força do artigo 629.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil.
4. A sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho condenou o Executado a pagar todas as quantias que se vencessem desde 19/06/2008, que naquela data, liquidando a sentença, ascendiam a € 34.570,44 (Trinta e Quatro Mil Quinhentos e Setenta Euros e Quarenta e Quatro Cêntimos), pelo que, aquando do saneador-‑sentença nos autos de execução, o Tribunal da primeira instância entendeu e bem, que as retribuições intercalares deveriam ser contabilizadas até à data do trânsito em julgado, ordenando o prosseguimento da execução.
5. Assim, o Tribunal deu como provado, no Ponto 5, dos Factos Provados que: "As quantias devidas ao exequente a título de retribuição, subsídio de férias e férias, desde a data da sentença até trânsito em julgado ascendem ao valor de € 12.686,64, a que acrescem os juros de mora no valor de € 873,66.", dando cumprimento ao disposto na lei, ou seja, o disposto no artigo 390º, n.º 1 do Código do Trabalho.
6. Ora, nas palavras de Diogo Vaz Marecos "quando o despedimento seja declarado ilícito, o trabalhador tem direito a ser indemnizado pelo empregador, por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 389.º. (...) E por efeito do n.º 1 do artigo 390.º tem ainda o direito o trabalhador às retribuições que mensalmente deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal (ou seja, quando a decisão do tribunal se torna efetiva). Além desta retribuição mensal, o trabalhador tem ainda direito: às retribuições referentes aos subsídios de férias e aos subsídios de Natal, tal como aos proporcionais da retribuição de férias e do subsídio de férias referentes ao direito a férias que se venceria no dia 1 de Janeiro do ano seguinte ao daquele em que ocorrer o trânsito em julgado da decisão do tribunal que julga ilícito o despedimento"
7. E continuando este autor ao explicar que "o n.º 1, ao estabelecer que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, não exige que se trate da sentença da 1.ª instância. O momento a atender como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador é a data da decisão final, sentença ou acórdão do tribunal, que haja declarado ou confirmado a ilicitude do despedimento. Isto significa que da decisão de primeira instância pode haver recurso, não sendo o trabalhador prejudicado pela interposição daquele, caso o despedimento seja considerado ilícito. Ou seja, quando seja interposto recurso haverá um agravamento dos montantes a pagar ao trabalhador."
8. De acordo com o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 05-11-2013 "1 - O trabalhador despedido ilicitamente tem direito à reparação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento, nos termos do artigo 436.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho de 2003 e artigos 496.º e 566.º do Código Civil; 2 - Nos termos do artigo 437.º n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, o trabalhador vítima de despedimento ilícito tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal."
9. Pelo que, facilmente se verifica que o Tribunal da Relação não poderia ter decidido da forma que o fez, atendendo a que o Autor desde o início que reclama as retribuições intercalares, bem como pelo facto de que ao decidir no sentido em que não são devidas tais retribuições, o Tribunal da Relação de Lisboa violou a lei, bem como entra em contradição com igual jurisprudência por si proferida, (cfr. artigo 39.º da petição inicial).
10. Acresce que o Tribunal da Relação entra em contradição com o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 01/2004, publicado no D.R. I-A de 09/01/2004.
11. Ora, o referido acórdão dá solução à questão de direito aqui em discussão nos presentes autos, definindo que o momento a atender como limite temporal final, para a definição dos direitos conferidos ao trabalhador pelo artigo 13.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do regime jurídico aprovado pelo Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro é, não, necessariamente a data da sentença da primeira instância, mas a data da decisão final, sentença, ou acórdão que haja declarado ou confirmado aquele ilicitude. Isto porque no âmbito do Código do Trabalho de 2003, o aplicável, a lei fixava já claramente na data do trânsito em julgado da decisão do tribunal o termo final para a liquidação das retribuições intercalares devidas em consequência do despedimento ilícito - Cfr. artigo 437.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2003 - pelo que não subsistiam dúvidas quanto ao sentido da lei a demandarem a sua resolução por apelo à jurisprudência uniformizada.
12. Nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c) e do art.º 629.º n.º 2, al. c), é sempre admissível recurso de qualquer decisão, independentemente do valor da causa, quando o tribunal de 1.ª instância ou a Relação desrespeitem jurisprudência uniformizada, sendo que, nos presentes autos, verificamos a existência de tal violação por parte do Tribunal da Relação de Lisboa.
13. Como refere Michelle Taruffo, a uniformidade da jurisprudência, como valor fundamental que deve ser assegurado, encontra diversas justificações, desde logo, a "exigência de assegurar a certeza do direito, dado que a jurisprudência uniforme evita a incerteza e a variação das decisões; a garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, de acordo com o princípio da stare decisis típico dos ordenamentos anglo-americanos, segundo o qual casos iguais devem ser decididos de um modo igual; a necessária previsibilidade das decisões futuras, com base na qual as partes devem poder confirmar no facto de que os juízes futuros se comportarão do mesmo modo dos juízes que os antecederam. A previsibilidade pode também desempenhar uma função económica, uma vez que, se a decisão for previsível, poderá evitar-se o recurso ao juiz. Enfim, uma jurisprudência constante pode ser conhecida com mais facilidade e, deste modo, orienta de forma mais eficaz o comportamento das pessoas em sociedade" ("A jurisprudência entre a casuística e a uniformidade", na revista Julgar, n.º 25, págs. 19 e 20).
14. Isto porque, perante uma decisão, não se poderá deixar de considerar legítimo o direito de a parte vencida recorrer da decisão, mas por outro lado, não se pode beneficiar o infrator, no sentido de que não teria de pagar mais nenhuma quantia para além da data do proferimento da sentença, sem que esta esteja transitada em julgado.
15. Na verdade, isso implicaria que um trabalhador que se vê numa situação de desemprego, que poderá estar perante meses e espera ou até por vezes anos, até que a decisão seja considerada definitiva, não pudesse ter direito às retribuições intercalares que, sempre teria direito, caso o contrato se mantivesse em vigor.
16. É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a densificação do princípio constitucional da igualdade, e no sentido de que o mesmo impõe "que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais".
17. "Só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (acórdão n.º 47/2010)"([17]).
18. No art.º 59.º da CRP é este princípio geral da igualdade objeto de alguma concretização relativamente ao direito dos trabalhadores.
19. Na verdade, caso o trabalhador ainda estivesse ao serviço da empresa, sempre teria direito a receber as retribuições que agora estão a ser pedidas, pois a relação laboral iria se manter.
20. Ora, no caso de não se verificar isso e de acordo com a lei, em caso de despedimento ilícito, o trabalhador tem direito às retribuições intercalares até à data do trânsito em julgado. (Cfr. Artigo 390.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
21. Ora, negar esse direito ao trabalhador, neste caso, quando em casos idênticos é concedido o direito às retribuições intercalares, é manifestamente discriminatório.
22. Pelo que, em face do acima exposto, deverá ser revogado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por violação de lei substantiva, por contrariar jurisprudência uniforme, bem como por violar os direitos constitucionais do aqui Recorrente.

O Executado, por seu turno, contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões:
1. Tendo o acórdão recorrido sido notificado às partes em 30.4.2018 e o recurso sido interposto em 5.6.2018, o requerimento do recorrente deve ser indeferido, por extemporaneidade (art. 80.º-1 do CPT);
2. O recurso não é admissível, mesmo excecionalmente, face ao disposto nos artigos 671.º-1 e 672.º-1,c) do CPC;
3. O douto acórdão recorrido corrige um erro grave da sentença que revoga, a qual, manifestamente, é proferida com ofensa de caso julgado e sem abrigo no título executivo;
4. Mesmo na hipótese de ser aplicável o artigo 390.º-1 do CT. e de ao recorrente deverem ser pagas as "remunerações" até ao trânsito em julgado da sentença do T. Trabalho de AA, ou seja, até 19.2.2010 - hipótese essa que o recorrido rejeita, louvando-se em todas as decisões judiciais aludidas na presente alegação – o facto é que todas essas decisões se tornaram insuscetíveis de recurso, não podendo, por isso, ser posto em crise o douto acórdão recorrido;
5. Facto esse que o recorrente, seguramente bem representado, não pode deixar de considerar e, desconsiderando, litiga temerariamente, sob proteção jurídica de duvidosa validade, o que não parece razoável/admissível.

E terminava, afirmando que o recurso deveria ser rejeitado por ter sido interposto fora do prazo e não ser admissível, mas se admitido “deve ser-‑lhe negado provimento, mantendo-se o acórdão recorrido, que não enferma da ilegalidade que lhe é apontada pelo recorrente, antes corrige uma ilegalidade, condenando-se o recorrente no pagamento de custas, designadamente as custas de parte”.

O Ministério Público emitiu Parecer no sentido de “não ser admitido o recurso e, de todo o modo, negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido”.

Fundamentação
1. De Facto.
Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada nas instâncias:
1. Nos autos principais a que se mostra apensa a execução para pagamento de quantia certa, a que a presente oposição por sua vez está apensa[1], foi proferida douta sentença que declarou a existência de contrato de trabalho entre a ré Câmara Municipal de AA e o autor BB, nulo, entre Janeiro de 2000 e 2 de Abril de 2005.
2. Mais foi declarado ilícito o despedimento do autor, condenando-‑se a ré Câmara Municipal de AA a pagar ao autor:
a. Uma indemnização no valor de €4.509,60;
b. A quantia de €1.169,64, a título de férias e subsídio de férias vencidos em 01.01.2006;
c. “Todas as retribuições vencidas desde 19 de Março de 2006 e até à data da sentença, no montante total de € 34.570,44.”
d. Juros sobre as quantias devidas.
3. A sentença, datada de 19.06.2008, transitou em julgado em 19.02.2010.
4. O executado assinou o documento de fls., com o seguinte teor:

“Declaro que recebi dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de AA (SMAS) a quantia de € 42.608,56, relativa a:

- Indemnização por despedimento: € 4.059,60.

- Férias e Subsídios de férias vencidos em 01.01.2006: € 1.169,64.

- Retribuições vencidas de 19.03.2006 a 19.06.2008: € 34.570,44.

- Juros de mora: € 2.808,88.

E deduzidas dos respetivos descontos legais:

- Segurança Social: € 3.931,41.

- Imposto s/ rendimento:

Categoria A: € 10.441,31.

Categoria E: € 421,33.

Tendo recebido o valor líquido de € 27.814,51 (…)

Mais declaro que nada tenho a opor à liberação da caução prestada, no valor de € 39.799,68 (…) relativo ao processo 370/06.7TTALM.

AA, 1 de Abril de 2010.”
5. As quantias devidas ao exequente a título de retribuição, subsídio de férias e férias, desde a data da sentença até ao trânsito em julgado ascendem ao valor de € 12.686,64, a que acrescem os juros de mora no valor de € 802,21.

2. De Direito.

A primeira questão que importa tratar diz respeito à tempestividade ou intempestividade do recurso. A ação declarativa cuja decisão esteve na génese da execução, foi instaurada em 19 de abril de 2006, tendo a ação declarativa culminado com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2010 que afirmou a ilicitude do despedimento do Autor (e presentemente Exequente/Recorrente). Assim sendo, e atendendo à data da propositura da ação, atendendo ao disposto no artigo 81.º, n.º 5 do CPT (na versão anterior à introduzida pelo  Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de outubro que entrou em vigor a 1 de janeiro de 2010), que determina a aplicação dos prazos do CPC, sendo que nos termos do disposto no artigo 638.º, n.º 1 do CPC, o prazo é de 30 dias. Em sentido oposto o Parecer do Ministério Público junto aos autos esgrime a autonomia do processo executivo e invoca que à data do início desse processo já estava em vigor legislação com um prazo mais curto (vinte dias). Afigura-se, contudo, mais pertinente a argumentação aduzida pela Exma. Desembargadora Relatora que admitiu o recurso (ff. 499 e ss.) e que sublinha, não só que não existe no referido Decreto-Lei n.º 295/2009 qualquer norma transitória, apenas relevando, nos termos do seu artigo 9.º o início da ação, como fase declarativa e fase executiva são aqui uma unidade, tanto mais “tendo em consideração que no processo laboral a execução se inicia oficiosamente com a notificação da secretaria para nomear bens à penhora no âmbito da ação declarativa laboral (cfr. o artigo 89.º n.º 1 do CPT em ambas as versões do diploma, antes e depois de 2009), apenas a data em que se iniciou a ação declarativa – 19 de abril de 2006 – é relevante para determinar qual a lei adjectiva laboral aplicável ao presente recurso”. Acresce que esta solução de considerar como relevante a data da propositura da ação declarativa é a que se afigura mais respeitadora da confiança, das expetativas e do direito de acesso do cidadão aos Tribunais.

Ora, tendo os ofícios de notificação do Acórdão recorrido para as partes sido expedidos em 27/04/2018 (ff. 428 e 429), as partes consideram-se notificadas a 30 de abril (artigo 248.º do Código de Processo Civil), pelo que o termo do prazo para a interposição do recurso ocorreu em 30/05/2018. O recurso foi interposto no dia 4 de junho (ff. 431 e seguintes), sendo que o dia 31 de maio foi feriado, pelo que o primeiro dia útil após o término do prazo foi no dia 1 de junho, sexta-feira, e o segundo dia útil foi dia 4 de junho, segunda-feira. Notificado para o efeito, o recorrente veio pagar a multa prevista no artigo 139.º, n.º 6 do Código de Processo Civil (f. 504). Por conseguinte, o presente recurso foi tempestivo.

O Recorrente invoca o artigo 629.º n.º 2 alínea c) do CPC, sustentando que o Acórdão recorrido violou o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2004, de 09/01/2004 (cfr. Conclusões n.º 3 e n.º 10), pelo que o presente recurso deve ser admitido, independentemente do valor da causa e da sucumbência (cfr., também, a parte inicial do artigo 854.º do CPC).

Chegamos, assim, à questão colocada no seu recurso pelo Exequente: o Acórdão recorrido violou o referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2004, de 09/01/2004?

Antes de mais, sublinhe-se que o Acórdão recorrido se limitou a interpretar o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça e com que culminou a fase declarativa. É este Acórdão o título executivo, nos exatos limites em que foi proferido e o processo executivo não tem como escopo alterar, mas sim fazer cumprir, essa decisão. Se da sua interpretação resultasse que o mesmo estaria, por hipótese, em contradição com o Acórdão uniformizador, então tal contradição, a ser correta a interpretação, já existiria no Acórdão que serve agora de título executivo e deveria ter sido invocada nesse preciso momento. Ora o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não foi então objeto de recurso, pela alegada (e não demonstrada) contradição com qualquer Acórdão uniformizador, pelo que não o pode ser agora, na fase executiva, quando apenas está em causa a sua interpretação para aferir em que medida é que serve de suporte a uma execução. E daí que o Acórdão objeto do presente recurso sublinhe, precisamente, que “[n]o presente momento processual não estamos a aferir qual a solução mais correta para o caso sub judice, mas a interpretar uma sentença transitada em julgado, proferida em 19 de junho de 2008, que afirmou condenar o R. a pagar as retribuições intercalares vencidas “até à presente data, no montante total de € 34.570,44”. O respeito pelo caso julgado e o próprio escopo da fase executiva do processo implicam que essa e só essa foi a função do Acórdão recorrido. E este procedeu a uma interpretação correta e minuciosa do Acórdão que serve de título executivo, para, atendendo não apenas ao elemento literal, mas a toda a sua fundamentação, concluir que é inequívoca a interpretação segundo a qual a condenação da ora Executada ao pagamento das retribuições intercalares apenas abrange as retribuições até à data da sentença e não até ao trânsito em julgado da mesma. Não houve, pois, qualquer violação pelo Acórdão recorrido do Acórdão uniformizador invocado pelo Recorrente.

E tão-pouco se vislumbra qualquer violação do princípio da igualdade face à especificidade da situação – despedimento ilícito verificado no contexto de um contrato de trabalho nulo – a qual, em todo o caso, deveria ter sido invocada em momento processual próprio, na fase declarativa.

Decisão: Negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 6 de fevereiro de 2019.

Júlio Gomes (Relator)

Ribeiro Cardoso

Ferreira Pinto

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[1] Rectifica-se este facto em que, por evidente lapso, se situava a sentença da acção declarativa na acção executiva.