Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
775/12.4TTMTS.P3.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
DÍVIDAS DA MASSA
LEGITIMIDADE PASSIVA
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DECLARAÇÃO JUDICIAL DE INSOLVÊNCIA DO EMPREGADOR.
DIREITO FALIMENTAR - MASSA INSOLVENTE / CLASSIFICAÇÕES DOS CRÉDITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSO DE REVISTA / ADMISSIBILIDADE DA REVISTA.
Doutrina:
- Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução, 3.ª edição, 30.
- Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC, 2000, 127.
- Menezes Cordeiro, Manual de Direito Comercial, 435.
- Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4.ª edição, 93.
- Oliveira Ascensão, “Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido”, R.O.A., Dezembro de 1995, 652/653.
- Paula Costa e Silva, “A liquidação da massa insolvente”, R.O.A., 2005, vol. III, 717 a 719.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código civil” Anotado, I, 4.ª edição, 618, nota 4.
- Raul Ventura, Comentário ao “Código das Sociedades Comerciais” - Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, 436.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 26.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 671.º, N.º 3.
CÓDIGO DO INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 46.º, N.º 1, 47.º, 51.º, 233.º, N.º 1, AL. D), 277.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 347.º, N.º 1.
LEI N.º 41/2013, DE 26-6: - ARTIGO 5.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 20 DE OUTUBRO DE 2015, PROC. N.º 640/11.2TBCMN-B.G1.S1, 6.ª SECÇÃO.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

-DE 7/6/2010, PROCESSO N.º 373/07.4TYVNG-V.P1.
Sumário :
I - A decisão do administrador de insolvência de fazer cessar o contrato de trabalho duma trabalhadora faz nascer para esta o direito a ser paga pela massa insolvente, pois trata-se duma dívida constituída no decurso do processo de insolvência e no exercício da actividade do administrador.

II- Dispondo o artigo 46º, nº1 do CIRE que a massa insolvente se destina à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, resulta daqui  que as dívidas da massa insolvente são pagas com precipuicidade, sendo os créditos sobre a insolvência preteridos no confronto com aquelas.

III – A acção a reclamar o pagamento de dívidas laborais da massa insolvente duma empresa que continua em laboração, pode ser proposta contra a insolvente, representada pelo respectivo administrador de insolvência.

Decisão Texto Integral:




Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---



AA intentou contra

E.P.M.E – Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A, uma acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, apresentando para tanto o formulário a que aludem os artigos 98°-C e 98°-D do CPT, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do mesmo, com as legais consequências.

Frustrada a tentativa de conciliação, levada a efeito na audiência de partes, a ré apresentou articulado motivador do despedimento, sustentando a sua regularidade e licitude com fundamento em extinção do posto de trabalho. Mais alegou que, no caso de vir a ser declarada a sua ilicitude e de a autora optar pela indemnização em substituição da reintegração, a mesma já fez a reclamação do crédito correspondente a essa indemnização no processo de insolvência de que a ré foi objecto, que foi aí reconhecido pelo administrador de insolvência.

A autora apresentou contestação alegando que, independentemente das motivações que lhe estiveram subjacentes, o despedimento é ilícito, pois não foram cumpridos os procedimentos legais de que dependia a sua regularidade formal. E o mesmo ocorreu em relação aos critérios substantivos de selecção dos trabalhadores a despedir que deveriam ter sido respeitados, e que não houve nem foi previsto o encerramento do estabelecimento, com a consequente inaplicabilidade do art. 347º do CT/2009.

E em reconvenção, optando pela indemnização de antiguidade em substituição da reintegração, a autora sustentou ter direito a tal indemnização, às retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, às férias vencidas em 1/1/2012 e não gozadas e correspondente subsídio, e aos proporcionais de retribuição de férias, e subsídios de férias e de Natal, que devem ser qualificados como créditos sobre a massa insolvente, motivo pelo qual não estão abrangidos pelo plano de insolvência aprovado em relação à ré, sendo irrelevante o reconhecimento do crédito relativo à compensação pela cessação do contrato, enquanto crédito sobre a insolvência, que ocorreu no processo de insolvência.

Terminou deduzindo o seguinte pedido reconvencional:

“Termos em que deve a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento ser julgada totalmente procedente por provada, com todas as consequências legais e por via dela ser:


a) declarada a ilicitude do despedimento;
b) a Ré condenada a pagar à Autora as seguintes quantias:
1. as retribuições que a Autora deixou de auferir desde a data do despedimento até à do trânsito em julgado da sentença que nesta data se liquida, parcialmente em € 15.088,12, ficando por liquidar os vincendos;
2. uma indemnização por despedimento ilícito que nesta data se liquida em € 101.619,00 correspondentes a 28 anos de antiguidade e considerando 30 dias de retribuição;
3. os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos até ao trânsito em julgado da decisão que determine a invalidade do despedimento, os quais se liquidam, nesta data, na quantia de € 17.989,67”.

A ré apresentou resposta, arguindo a caducidade pelo facto de, à data da apresentação do formulário impulsionador da acção, ter já decorrido o prazo previsto no art. 387º/2 do CT/2009. E pugnou pela improcedência do pedido reconvencional, alegando que o despedimento foi lícito, por terem sido observados os critérios legais a que o mesmo estava subordinado, e que os créditos correspondentes aos pedidos formulados pela autora já foram reclamados e reconhecidos no processo de insolvência, já tendo a autora recebido a primeira prestação de acordo com o plano de insolvência aprovado.

A autora apresentou ainda outro articulado, sustentando a extemporaneidade da arguição da caducidade levada a efeito pela ré; em qualquer caso, atenta a inobservância do prazo de aviso prévio a que a ré estava vinculada em termos de cessação do contrato de trabalho, o formulário foi apresentado no prazo legal.

Foi proferido despacho saneador que conheceu e decidiu do mérito da acção, sendo do seguinte teor o seu dispositivo:


“Por todo o exposto decide-se:

I - Julgar improcedente a acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA intentou contra E.P.M.E. – Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A., absolvendo esta do pedido de declaração de ilicitude do despedimento;
II – julgar parcialmente procedente a reconvenção deduzida por AA e em consequência condeno esta a pagar àquela:
a) a quantia a liquidar nos termos do art. 609º, nº 2 do Código de Processo Civil (por lapso escreveu-se CPT), correspondente à diferença entre o montante de € 124 746,05 (cento e vinte e quatro mil setecentos e quarenta e seis euros e cinco cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato até integral pagamento, sendo € 99 824,54 (noventa e nove mil oitocentos e vinte e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, € 9 430,08 (nove mil quatrocentos e trinta euros e oito cêntimos) a título de retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta, € 7 258,50 (sete mil duzentos e cinquenta e oito euros e cinquenta cêntimos) a título de retribuição e subsídio das férias vencidas em 01/01/2012 e € 8 232,93 (oito mil duzentos e trinta e dois euros e noventa e três cêntimos) a título de retribuição, subsídios de férias e de Natal, proporcionais à duração do contrato no ano da cessação, e as quantias pagas pela ré à autora em cumprimento do plano de insolvência até ao trânsito em julgado da presente sentença.
III – absolver a ré da parte restante do pedido reconvencional.

Custas pela autora e pela ré na proporção dos respectivos decaimentos – art- 527º do C.P.C.

Valor da causa: € 134 696,76 (cento e trinta e quatro mil seiscentos e noventa e seis euros e setenta e seis cêntimos).”

Não se conformando com o assim decidido, apelou a ré, mas o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.

Ainda inconformada, traz-nos a R a presente revista, tendo rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

1) A compensação atribuída na douta sentença, e confirmada pelo Acórdão, por extinção do posto de trabalho e outros direitos vencidos da Autora e a pagar pela R., foi de 124.746,05 euros;

2) A R., E.P.M.E.- Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, SA, foi declarada insolvente, em 10.04.2012 e cuja sentença transitou em julgado em 04.06.2012;

3) Por carta de 18.07.2012, que a Autora recebeu em 20.07.2012, foi o contrato de trabalho celebrado em 1 de Abril de 1985, entre A e R., cessado por extinção do posto de trabalho, com efeitos imediatos;

4) Foi apresentado um plano de insolvência, em que consta o pagamento de 70% dos créditos salariais reclamados, a serem pagos em 120 mensalidades, cuja sentença de homologação com trânsito em julgado ocorreu em 26/10/2012;

5) Tendo-se iniciado o pagamento à Autora em 26/11/2012;

6) A autora reclamou o seu crédito no valor de 109.47,03 euros (compensação por extinção do posto de trabalho e outros direitos vencidos) tendo sido o mesmo reconhecido e aprovado;

7) Por despacho de 14.01.2013, transitado em julgado em 7/02/2013, foi declarado encerrado o processo de insolvência;

8) A Meritíssima Juiz considerou válido o despedimento, mas entendeu que a dívida era da Massa Insolvente e não da insolvência;

9) A Autora demandou a R. E.P.M.E.- Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, SA, pedindo a ilicitude do despedimento;

10) A Autora não demandou a Massa Insolvente;

11) O despedimento foi considerado lícito;

12) A compensação por extinção do posto de trabalho, e outros direitos, no montante de 124.746,05 euros, foram considerados créditos da Autora sobre a Massa Insolvente, não lhe sendo oponível o Plano de Insolvência, pelo que Autora poderia exigir todo o crédito à R.

13) Desta forma, a R, E.P.M.E.- Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, SA é que deveria ter sido condenada nos montantes que a sentença consagrou, porém considerando-se os créditos da Autora sobre a insolvência e não da Massa Insolvente, devendo os mesmos ser pagos de acordo com o Plano de Insolvência e nos seus precisos termos;

14) Deverá, pois, o douto Acórdão ser alterado, considerando-se que os créditos da Autora são sobre a insolvência e não da Massa Insolvente, já que esta nunca foi demandada e aplicando-se o Plano de Insolvência;

15) Porém e caso assim não se entenda sempre se dirá:

O douto Acórdão considerou como dívidas da Massa Insolvente, os créditos reclamados pela A., nomeadamente o montante relativo a compensação por antiguidade;

16) Embora considerando lícito o despedimento promovido pelo Administrador de insolvência, considerou os créditos reclamados, incluindo a compensação por antiguidade, enquadrou-os na alínea c) do art°. 51° do CIRE.

17) Esta alínea refere que são dívidas da massa insolvente "as dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente".

18) A recorrente não concorda com o expresso no douto Acórdão, por errada interpretação das normas atinentes ao caso;

19) De facto, a declaração judicial de insolvência, não extingue os contratos de trabalho, devendo o Administrador de Insolvência de continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado - (art°. 347° do Código de Trabalho, aplicável por força do art°. 277°, do CIRE.

20) As obrigações para com os trabalhadores serão sempre os salários do trabalho prestado pelos trabalhadores, após a declaração de insolvência.

21) Os montantes decorrentes da indemnização/compensação da antiguidade do trabalhador são sempre dívidas da insolvente e não da massa insolvente.

22) Nem poderia ser de outra forma, porque se os contratos de trabalho não cessam com a declaração judicial de insolvência, sempre o Administrador de Insolvência, terá que os resolver, ou porque entende que na pendência do processo de insolvência estarão "a mais", ou porque eventualmente os credores decretam a liquidação e/ou encerramento da actividade.

23) A entender-se que estes actos do Administrador de Insolvência, no que se refere aos contratos de trabalho e às consequências da sua cessação, serão sempre da Massa Insolvente, teríamos, por absurdo, que todos os créditos emergentes de contratos de trabalho serão sempre dívidas da massa insolvente e não da insolvente.

24) O que nunca esteve no espírito da lei nem da intenção do legislador, na feitura do artº 51 ° do CIRE,

25) Porque desta forma e perante a solução expressa no Acórdão, teríamos no mesmo processo de insolvência, dependendo ou não do trabalhador em sede de tribunal de Trabalho, reclamar as dívidas à massa insolvente, créditos emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente a nível de indemnização/compensação por antiguidade, reclamados e aceites pelo Administrador de Insolvência, nos termos do art° 128° do CIRE e teríamos por outro lado os mesmos montantes relativos a indemnização /compensação, a serem considerados dívidas da massa insolvente:

26) O que do ponto de vista de pagamentos, tem normas bem diferentes, sendo sempre mais privilegiadas os pagamentos das dívidas da massa insolvente.

27) O mesmo tipo de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho não pode, ao mesmo tempo, ser considerado dívida da insolvente e dívida da massa insolvente.

28) A A reclamou o seu crédito, nomeadamente a indemnização /compensação por antiguidade, nos termos do acto. 128° do CIRE, embora à condição, tendo sido reconhecido pelo Administrador de Insolvência, como consta dos autos.

29) Desta forma e sempre salvo melhor opinião, os créditos consistentes na declaração judicial de insolvência, até ao seu desfecho, são créditos da insolvência, não preenchendo algumas das alíneas do acto. 51° do CIRE.

30) Considerando-se na douta sentença, que o Douto Acórdão confirmou, que a Massa Insolvente não tinha sido demandada, (acarretando a ilegitimidade da R), mas uma vez que o processo de insolvência tinha sido encerrado, aplicou o disposto no art°. 233º, n° 1 do C.I.R.E;

31) Tendo repristinado a legitimidade da R:

32) Porém não podia a douta sentença, (posição sufragada pelo douto Acórdão), como o fez, sanar a ilegitimidade da R, por "repristinação"

33) Tal sanação não é admissível à luz das normas do Código de Processo Civil;

34) A Massa Insolvente pode demandar e ser demandada em juízo, funcionando processualmente como um património autónomo.

35) A Autora teria que demandar a Massa Insolvente se queria que os seus créditos fossem considerados créditos sobre a Massa Insolvente e não créditos sobre a Insolvência;

36) Embora a ilegitimidade seja do conhecimento oficioso, uma eventual sanação de ilegitimidade só pode ser feita a pedido do interessado;

37) A Autora não o fez, podendo e devendo tê-lo feito;

38) Nenhuma entidade pode ser condenada sem ter sido formalmente referenciada como R;

39) Sem ter sido devidamente citada para exercer os seus direitos de defesa;

40) Sem que lhe tenha sido imputada a prática de actos susceptíveis de fundamentar a sua responsabilização.

E tendo sido violados os artigos 30° e seguintes do Código de Processo Civil, 51° e 277° do CIRE, 347° do Código de Trabalho e 74° do Código de Processo de Trabalho, pede a recorrente a revogação do acórdão na parte em que considerou os créditos da A como dívidas da massa insolvente e não como dívidas da insolvência, e também na parte respeitante à legitimidade da R.

A A também alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não conhecimento do recurso, por se tratar de decisões conformes das instâncias, a que respondeu a R sustentando que:

Não se trata de decisões conformes;

E caso assim se decida, atentas as divergências jurisprudenciais sobre a matéria, propugna que o recurso seja admitido como revista excepcional, tal como havia requerido aquando da sua interposição.

 

Cumpre decidir.

2---

Para tanto, as instâncias apuraram a seguinte matéria de facto:

 

1. A E.P.M.E. – Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A. tem como objecto social a construção e engenharia civil, construção de edifícios, ampliação, transformação e restauro; construção de pontes, túneis e viadutos; construção de redes de transporte de água, de energia, redes de telecomunicações, cruzamento de túneis rodoviários e consolidação.

2. A Autora foi admitida ao serviço da ré em 1 de Abril de 1985 e desempenhava, sob as ordens e direcção desta, as funções de Directora de Serviços – Directora Administrativa.

3. Como contrapartida da sua prestação laboral, a Autora auferia, à data da cessação do contrato, mensalmente, a retribuição base de € 3.100,00, acrescida de um subsídio de alimentação diário no valor de € 6,49 (que perfaz um valor mensal de € 142,78) e de um prémio de antiguidade (= diuturnidades) no valor de € 529,25.

4. A Ré foi declarada em estado de insolvência por sentença proferida no dia 10/04/2012, transitada em julgado no dia 04/06/2012.

5. Foi apresentado e aprovado Plano de Insolvência, mantendo-se a empresa em actividade.

6. Por carta datada de 18-07-2012, remetida à Autora pelo Administrador de Insolvência e por aquela recebida em 20 de Julho de 2012, aquele comunicou-lhe o seguinte:

“Exmo. Dra. AA
Directora de Serviços
Rua …
0000-000 …
1.° Juízo
Processo n.º 724/12.0TBAMT
Insolvente: E.P.M.E. - Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A.

BB, na qualidade de Administrador da Insolvência nomeado à insolvente E.P.M.E. – Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas. S.A., Vem, nos termos do número 2 do artigo 347.° do Código do Trabalho, informar V. Exa de que, é intenção deste extinguir o posto de trabalho de Directora de Serviços, actualmente desempenhado por V. Exa., invocando para tal os seguintes motivos:
Como é do conhecimento de V. Exª, a E.P.M.E., S.A. enfrenta actualmente o período mais complicado da sua existência, tendo sido grandemente afectada pela grave crise económico-financeira que, ao longo dos últimos 4 anos, vem diminuindo de sobremaneira o seu volume de negócios e consequente criação de receitas.
Nessa conformidade foi esta sociedade forçada a requerer judicialmente a sua própria insolvência, assumindo a fragilidade da sua manutenção, o elevado montante de dívida constituída perante os seus credores e admitindo suportar as austeras medidas de que depende a sua sobrevivência.
No âmbito dessas medidas, fundamentais à sua reestruturação financeira e adaptação dos custos fixos da empresa à presente realidade, e atendendo, ainda, às suas rigorosas necessidades, vê-se esta actualmente forçada a reduzir estruturalmente os postos de trabalho que até à data mantém, por forma realizar a essencial redução de encargos a que está obrigada.
Atento o exposto, sou pelo presente a informar V. Ex.ª de que, é intenção da E.P.M.E. - Empresa portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A. proceder à extinção do posto de trabalho de Directora de Serviços que actualmente desempenha, dado não ser a sua manutenção indispensável ao regular funcionamento da empresa.
Encontram-se, portanto, observados os critérios estatuídos no artigo 368.° do Código do Trabalho.
Dada a frágil situação financeira da insolvente e, a necessidade de pôr termo, de imediato, ao aludido posto de trabalho, deve V. Exª considerar-se para os devidos e legais efeitos demitida a partir da data de recepção da presente comunicação, informando ademais que, dada a frágil situação patrimonial da insolvente, o pagamento da compensação salarial deverá ser requerida ao Fundo de Garantia Salarial, atendendo ao facto da Massa Insolvente não dispor dos meios financeiros necessários para o garantir.

O Administrador da Insolvência”

7. A Autora apresentou no processo de insolvência a reclamação de créditos com o teor de fls. 113 a 119, que se dá por reproduzido.

8. Dos créditos reclamados pela Autora foram reconhecidos com natureza suspensiva como créditos sobre a insolvência os seguintes: € 98 795,15 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho; € 3 100,00 a título de subsídio de férias; € 3 433,85 a título de retribuição de férias, € 1 406,01 a título de proporcional de retribuição de férias, € 1406,01 a título de proporcional de subsídio de férias e € 1406,01 a título de proporcional de subsídio de Natal.

9. Por carta de 12/11/2012 a Ré comunicou à Autora que “(…) foi aprovado o plano de insolvência da empresa na Assembleia de Credores que se realizou em 31 de Julho de 2012, tendo o mesmo sido objecto de Sentença de Homologação transitada em julgado no passado dia 26 de Outubro.

De acordo com o Plano de Insolvência, deverão ser efectuados os pagamentos de 70% dos créditos laborais constantes da Lista de Créditos Reconhecidos apresentada pelo senhor Administrador de Insolvência, em 120 mensalidades postecipadas, vencendo-se a primeira 30 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano.

Assim, informamos V.Exª. que no próximo dia 26/11/2012 é nossa intenção proceder ao pagamento da Primeira Prestação no valor de 70% dos créditos laborais, o qual ocorrerá preferencialmente por transferência bancária, tendo base o valor relacionado pelo Exmo. Senhor Administrador da Insolvência na Lista de Credores junta ao processo, ainda não objecto de sentença de graduação de créditos que ditará o valor final a pagar. (…)”

10. Com data de 29/11/2012 a ré transferiu para a conta da autora o montante de € 632,63.

11. Em resposta à carta referida em 9, a Autora, por carta de 23/11/2012 que constitui o documento de fls. 100, cujo teor se reproduz, informou a Ré de que “os pagamentos parciais que V. Ex.as têm intenção de efectuar ao abrigo do Plano de Insolvência oportunamente aprovado e homologado serão imputados, não ao crédito sobre a insolvência/insolvente que me foi reconhecido pelo Administrador de Insolvência, mas sim ao crédito que detenho sobre a Massa Insolvente e que já foi por mim peticionado no âmbito da acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento oportunamente instaurada contra a vossa empresa (…)”.

12. Por despacho de 14/01/2013, transitado em julgado em 07/02/2013 foi declarado encerrado o processo de insolvência nos termos do art. 230º, nº 1 al. b) do C.I.R.E., mantendo-se o Administrador de Insolvência em funções.

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Questão prévia - Dupla conforme:

Tendo a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta suscitado esta questão no seu parecer, concluindo que estamos perante decisões conformes das instâncias, temos de apreciar esta matéria, tanto mais que no despacho liminar o relator não se pronunciou expressamente sobre ela.

Ora, o DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, entre outras alterações em matéria de recursos em processo civil, veio consagrar a figura da “dupla conforme”, regime que obsta à admissão da revista, enquanto recurso normal, se o acórdão da Relação confirmar, sem voto de vencido, e ainda que com fundamento diverso, a decisão da 1ª instância, conforme resultava do artigo 721º, nº 3 do CPC, na versão conferida por aquele diploma.

Este regime da “dupla conforme”, embora ligeiramente alterado, foi mantido no artigo 671º, nº 3 do CPC actual[1], o qual veio impedir, em regra, o recurso de revista do acórdão da Relação, que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação substancialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, disciplina que já é aplicável ao presente caso, ajuizado em 2012, conforme resulta do artigo 5º, nº 1 da Lei 41/2013 de 26/6.

Perante as exigências desta última norma, estaremos perante decisões conformes das instâncias?

Embora a Relação tenha confirmado integralmente o dispositivo da sentença da 1ª instância, constatamos que esta conheceu da matéria da legitimidade processual de forma meramente tabelar, conforme se colhe de fls. 586.

E quanto à legitimidade substantiva da R, limitou-se a primeira instância a considerá-la “repristinada”.

Já não assim o acórdão sujeito que teve que apreciar expressamente esta matéria, que tinha sido suscitada pela recorrente R na sua apelação, vindo a concluir que a R é parte processualmente legítima na acção, pois foi a insolvente E.P.M.E - Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A., representada pelo seu administrador, quem promoveu o despedimento da trabalhadora, pelo que lhe pertence a titularidade passiva da relação material controvertida tal como foi configurada pela autora.

E quanto à legitimidade substantiva, alinhou as seguintes razões:

.

“Encarando agora a questão da legitimidade do ponto de vista substantivo, cabe recordar com relevo para o seu conhecimento, os seguintes elementos de facto:

 i) a presente acção foi proposta em 20/9/2012, contra a ré e não contra a massa insolvente decorrente da sua declaração de insolvência em 10/4/2012;

ii) o processo de insolvência foi declarado encerrado por decisão de 14/1/2013, transitada em 7/2/2013;

iii) no processo de insolvência foi aprovado em 31/7/2012 um plano de insolvência, homologado por decisão de 4/10/2012, transitada em julgado no dia 26/10/2012, mantendo-se a empresa da ré em actividade;

iv) nunca foi registada na Conservatória do Registo Comercial o encerramento da liquidação da ré;

v) na decisão que declarou a insolvência da ré, determinou-se, designadamente, que a administração da massa insolvente fosse assegurada pelo devedor, verificados os pressupostos constantes do art. 224º/2 do CIRE.

Por outro lado, importa ter bem presente que apesar da massa insolvente estar dotada de autonomia patrimonial[2], o certo é que a mesma não constitui um ente jurídico distinto do próprio insolvente, a quem os bens/direitos integrantes daquela massa continuam a pertencer, apesar de poder estar privado dos correspondentes poderes de administração e de disposição que são transferidos para o administrador nos termos impostos pelo art. 81º/1 do CIRE, salvo nos casos em que a administração da massa seja cometida, como aconteceu na situação em apreço, ao próprio devedor, ora ré (arts. 223º a 229º do CIRE).

Estamos, assim, perante um património de afectação[3] cuja constituição não implica a extinção da personalidade jurídica do insolvente, mesmo nos casos em que este assuma a natureza de sociedade comercial, cuja personalidade apenas se extingue com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC)[4].

Assim sendo, a natureza e a personalidade jurídica da ré, sociedade anónima, manteve-se apesar da declaração de insolvência.

Aqui chegados, facilmente se percebe que continuou a ser a ré – não a sua massa insolvente – a ocupar a posição de empregadora na relação jurídica de trabalho subordinado outrora constituída entre ela e a autora.

Por outro lado, face à declaração constante da sentença de declaração de insolvência de que era a ré quem permanecia como administradora da massa, a ré continuou a deter os poderes de administração e de disposição dos bens e direitos integrantes da massa insolvente.

Ora, pretendendo-se com esta acção[5] a responsabilização da ré e do seu património por determinados créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação, afigura-se-nos que era justamente contra a ré, que não contra a sua massa insolvente, que a presente acção deveria ter sido proposta.”

E nesta linha, veio a concluir-se que nada obstava, do ponto de vista substantivo, a que a acção fosse proposta e prosseguisse contra a ré.

Constatamos assim que o acórdão impugnado assenta a sua posição sobre esta matéria numa fundamentação essencialmente diferente da que foi vertida pela 1ª instância, que se limitou a considerar repristinada a legitimidade substantiva da R.

Por isso, não podemos considerar que exista dupla conforme.

Improcedendo esta questão, vejamos então as demais matérias a apreciar na revista.

4----

O que a recorrente pretende é que se revogue o acórdão sujeito na parte em que considerou os créditos da A como dívidas da massa insolvente e não como dívidas da insolvência.

Efectivamente, a R foi declarada insolvente no dia 10/4/2012, decisão que transitou em julgado em 4/6/2012, tendo o processo de insolvência sido declarado encerrado por despacho de 14/01/2013, e que transitou em julgado em 07/02/2013.

Por outro lado, a presente acção foi intentada em 21/9/2012, já depois da declaração de insolvência da R, mas antes do encerramento deste processo, tendo o contrato de trabalho da autora cessado, por extinção do seu posto de trabalho promovida pelo administrador de insolvência, o que lhe foi comunicado por carta datada de 18/7/2012, e recebida no dia 20/7/2012.

Trata-se portanto, de créditos resultantes duma decisão daquele administrador, vencidos após a declaração de insolvência da R, pois a mera declaração de insolvência não faz cessar, só por si, os contratos de trabalho que o insolvente haja celebrado, conforme resulta do artigo 347º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009, norma aplicável por força do disposto no artigo 277º do Código do Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado por CIRE[6].

Efectivamente, o administrador da insolvência pode decidir pelo encerramento do estabelecimento da insolvente. Mas pode limitar-se a dispensar pessoal à medida que considere a sua colaboração desnecessária à laboração da empresa, conforme resulta dos nºs 1 e 2 do mencionado preceito do CT. 

Foi o que aconteceu no caso presente, pois a A viu cessado o seu contrato por extinção do posto de trabalho, em virtude da situação económica difícil que a R estava a atravessar, por ter sido grandemente afectada, nos últimos 4 anos, por uma forte diminuição do seu volume de negócios com a consequente perda de receitas.

Discute-se portanto se a dívida da R, resultante dos direitos reconhecidos à trabalhadora no acórdão recorrido, deve ser imputada à insolvência ou à massa insolvente, qualificação jurídica que tem de ser efectuada tendo em conta o regime consagrado pelos artigos 47º e 51º do CIRE.

Ora, preceitua o artigo 47º, nº1 deste compêndio normativo que, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.

Por seu turno, acrescenta o seu nº2 que os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.

Por outro lado, e no que diz respeito às dívidas da massa insolvente, são as mesmas enumeradas, a título meramente exemplificativo, nas várias alíneas do nº 1 do artigo 51º, e donde resulta que:

“Salvo preceito expresso em contrário, são dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas neste Código:

a) As custas do processo de insolvência;

b) As remunerações do administrador da insolvência e as despesas deste e dos membros da comissão de credores;

c) As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente;

d) As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções;

e) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não possa ser recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida em que se reporte a período anterior à declaração de insolvência;

f) Qualquer dívida resultante de contrato bilateral cujo cumprimento não seja recusado pelo administrador da insolvência, salvo na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte anteriormente à declaração de insolvência ou em que se reporte a período anterior a essa declaração;

g) Qualquer dívida resultante de contrato que tenha por objecto uma prestação duradoura, na medida correspondente à contraprestação já realizada pela outra parte e cujo cumprimento tenha sido exigido pelo administrador judicial provisório;

h) As dívidas constituídas por actos praticados pelo administrador judicial provisório no exercício dos seus poderes;

i) As dívidas que tenham por fonte o enriquecimento sem causa da massa insolvente;

j) A obrigação de prestar alimentos relativa a período posterior à data da declaração de insolvência, nas condições do artigo 93º.”

A distinção entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente assume extrema importância, pois decorre do disposto no artigo 46º, nº1 do CIRE que “[A] massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas…”.

Donde se conclui que as dívidas da massa insolvente são pagas com precipuicidade, pelo que os créditos sobre a insolvência, seja qual for a respectiva categoria, são preteridos no confronto com aquelas[7].

Daí que não seja indiferente a qualificação do crédito reconhecido à trabalhadora, pois tratando-se duma dívida da massa insolvente, o seu pagamento será feito com prioridade sobre os demais créditos sobre a insolvente.

O acórdão recorrido, citando Catarina Serra, “O Novo Regime Português da Insolvência, Uma Introdução”, 3ªedição, p. 30, sustenta que o CIRE distingue “entre os «créditos sobre a massa insolvente» (ou «dívidas da massa insolvente») e «créditos sobre a insolvência» (ou «dívidas da insolvência») e, em conformidade com isso, entre «credores da massa» e «credores da insolvência». Os «créditos sobre a massa» são os créditos constituídos no decurso do processo (cfr. art.51º, nºs. 1 e 2) e os «créditos sobre a insolvência» são os créditos cujo fundamento já existe à data da declaração de insolvência (cfr. art.47º, nºs. 1 e 2).

E nesta linha concluiu que os créditos da trabalhadora recorrida são créditos da massa insolvente.

Também concordamos com esta qualificação, pois estamos perante créditos que emergem da cessação do contrato de trabalho da A promovida pelo administrador de insolvência, tendo sido em virtude desta cessação, ocorrida em 20/7/2012, ou seja, já depois de decretada a insolvência (10/4/2012), que ocorreu o vencimento de todos os créditos que foram reconhecidos à trabalhadora na decisão recorrida, e que por via disso se tornaram imediatamente exigíveis.

Por isso, tratando-se de dívidas posteriores à declaração de insolvência, são dívidas da massa insolvente, pois estamos perante créditos da trabalhadora resultantes da actuação do administrador no exercício das suas funções, conforme determina o artigo 51º, nº1, alínea d) do CIRE.

Neste sentido se vem firmando a jurisprudência, vendo-se nomeadamente, o acórdão do TRP de 7/6/2010, processo nº 373/07.4TYVNG-V.P1 (Soares de Oliveira), onde se conclui que a decisão do administrador de insolvência de proceder ao encerramento do estabelecimento faz nascer para cada trabalhador abrangido o direito a ser indemnizado pela massa insolvente, doutrina também seguida no acórdão do mesmo relator de 1/2/2010[8].

Pelo exposto, improcede esta questão.

4.1---

Quanto à ilegitimidade da R, também esta improcede.

Efectivamente, do ponto de vista processual, a legitimidade do R, enquanto pressuposto processual, advém do seu interesse em contradizer, enquanto visado na relação controvertida, tal como o autor a desenha.

E do ponto de vista substantivo, a legitimidade advém da sua qualidade de devedor.

Na verdade, resultava do art. 26º/1 do CPC em vigor à data da propositura da acção,[9] que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”, acrescentando o seu nº 3 que, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.

Atentos estes parâmetros, é inequívoca a legitimidade processual da R, pois foi a insolvente E.P.M.E - Empresa Portuguesa de Montagens Eléctricas, S.A., representada pelo respectivo administrador de insolvência, quem promoveu o despedimento da trabalhadora, pelo que lhe pertence a titularidade passiva da relação material controvertida tal como foi configurada pela autora.

Por outro lado, e como conclui a decisão impugnada, é inegável a legitimidade substantiva da R, pois é sobre ela o crédito reclamado pela trabalhadora, dado que, e não obstante a sua declaração de insolvência, mantém a sua personalidade jurídica e judiciária, bem como a sua capacidade judiciária, tanto mais que não foi encerrada, mantendo-se em laboração.

Efectivamente, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos, conforme consagra o nº 1, alínea d) do artigo 233º CIRE.

Ora, o devedor neste caso é a sociedade demandada, pois, e conforme argumenta o acórdão sujeito, “apesar da massa insolvente estar dotada de autonomia patrimonial[10], o certo é que a mesma não constitui um ente jurídico distinto do próprio insolvente, a quem os bens/direitos integrantes daquela massa continuam a pertencer, apesar de poder estar privado dos correspondentes poderes de administração e de disposição que são transferidos para o administrador nos termos impostos pelo art. 81º/1 do CIRE”, salvas as situações em que a administração da massa seja cometida ao próprio insolvente, o que não aconteceu no caso presente.

E continuando a segui-lo, “estamos, assim, perante um património de afectação[11] cuja constituição não implica a extinção da personalidade jurídica do insolvente, mesmo nos casos em que este assuma a natureza de sociedade comercial, cuja personalidade apenas se extingue com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º/2 do CSC)[12]”.

Assim sendo, e apesar da declaração de insolvência, tendo-se mantido a personalidade jurídica da ré, é esta a entidade devedora.

5---

Termos em que se acorda em negar a revista.


Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão



Lisboa, 16 de Junho de 2016



Gonçalves Rocha (Relator)


Ana Luísa Geraldes


Ribeiro Cardoso



_______________________________________________________

[1] Cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Setembro de 2013, conforme determinado no artigo 8º da Lei 41/2013 de 21 de Junho.

[2] No sentido em que constitui uma certa massa de bens legalmente afecta à satisfação de um conjunto próprio de dívidas da massa e da insolvência (art. 46º/1 do CIRE; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 4ª edição, p. 618, nota 4; Oliveira Ascensão, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, ROA, Dezembro de 1995, pp. 652/653; Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC, 2000, p. 127; Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA, 2005, vol. III, pp. 717 a 719. Menezes Cordeiro refere-se a um património autónomo que inclui os direitos patrimoniais privados penhoráveis do insolvente (Manual de Direito Comercial, p. 435).

[3] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4ª edição, p. 93; Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA, 2005, vol. III, p. 717.

[4] Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais - Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, p. 436.

[5] Proposta em 20/9/2012, já depois da declaração de insolvência (10/4/2012) e da aprovação do plano de recuperação (31/7/2012), posteriormente homologado por decisão de 4/10/2012 e transitada em 26/10/2012, que mantiveram a ré como administradora da massa insolvente.

[6] DL n.º 53/2004, de 18/3, na redacção vigente à data da cessação do contrato de trabalho, com as alterações do DL nº 200/2004, de 18/8; do DL nº 76-A/2006, de 29/3; do DL nº 282/2007, de 7/8; do DL nº 116/2008, de 4/7; do DL nº 185/2009, de 12/8; e da Lei nº 16/2012, de 20/4.

[7] Neste sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de 20 de Outubro de 2015 (Ana Paula Boularot), PROC 640/11.2TBCMN-B.G1.S1, 6ª SECÇÃO

[8] Veja-se igualmente a jurisprudência e doutrina referidas, com total oportunidade, no acórdão recorrido, que cita “a este respeito e neste sentido, os acórdãos da Relação do Porto de 14/10/2013, proferido no âmbito do processo 711/12.8TTMTS.P1, e de 6/7/2010, proferido no processo Proc. nº 1/08.0TJVNF-L.S1.P1; o acórdão da Relação de Guimarães de 21/5/2015, proferido no processo 6320/07.6TBBRG-W.G1; Joana Vasconcelos, Insolvência do Empregador, Destino da empresa e destino dos contratos de trabalho, VIII Jornadas Congresso Nacional de Direito do Trabalho, 2006, Almedina p. 224, nota 19; Carvalho Fernandes, Efeitos da declaração de insolvência no contrato de trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XLV, nºs 1, 2 e 3, p. 24; e Menezes Leitão, As repercussões da insolvência no contrato de trabalho, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, p. 876.”

[9] Em 20/9/2012 era o CPC na versão anterior que vigorava, pois as alterações introduzidas pela Lei 41/2013, de 26/6, só entraram em vigor em 1 de Setembro de 2013.

[10] No sentido em que constitui uma certa massa de bens legalmente afecta à satisfação de um conjunto próprio de dívidas da massa e da insolvência (art. 46º/1 do CIRE; Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, I, 4ª edição, p. 618, nota 4; Oliveira Ascensão, Efeitos da falência sobre a pessoa e negócios do falido, ROA, Dezembro de 1995, pp. 652/653; Maria do Rosário Epifânio, Os efeitos substantivos da falência, PUC, 2000, p. 127; Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA, 2005, vol. III, pp. 717 a 719.

Menezes Cordeiro refere-se a um património autónomo que inclui os direitos patrimoniais privados penhoráveis do insolvente (Manual de Direito Comercial, p. 435).

[11] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 4ª edição, p. 93; Paula Costa e Silva, A liquidação da massa insolvente, ROA, 2005, vol. III, p. 717.

[12] Raul Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais - Dissolução e Liquidação de Sociedades, 1987, p. 436.