Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05S3732
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
Nº do Documento: SJ200602150037324
Data do Acordão: 02/15/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 78/05
Data: 05/23/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O documento particular emitido pela ré para ser apresentado a um terceiro, a C, em que se refere que o autor é trabalhador efectivo da empresa, vale apenas como elemento de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, tal como sucede relativamente à confissão extrajudicial.
2. Só nas relações declarante/declaratário, a declaração assume valor confessório, fazendo, nessa medida, prova plena contra o declarante.
3. Resultando dos factos provados que a readmissão do autor ao serviço da ré teve como causa determinante o cumprimento provisório da sentença proferida em 1.ª instância, até à decisão final do correspondente recurso interposto para a Relação, não se configura a celebração de qualquer contrato de trabalho a anteceder essa readmissão, nem o despedimento ilícito alegado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 1 de Agosto de 2003, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, A intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra B, S. A., pedindo que, declarada a ilicitude do seu despedimento, fosse a ré condenada: (a) a reintegrar o autor no seu posto de trabalho e a pagar-lhe todas as prestações salariais vencidas desde o despedimento até ao momento da reintegração; (b) ou, se assim vier a optar, nas mesmas prestações salariais vencidas até à decisão judicial e em legal indemnização de um mês de salário por cada ano de serviço.

Alega que foi admitido ao serviço da ré, por tempo indeterminado, mediante contrato de trabalho verbal, celebrado em 1 de Julho de 2002, para desempenhar as funções de carteiro, tendo sido despedido, em 30 de Maio de 2003, sem precedência de processo disciplinar, o que determina a ilicitude do seu despedimento.

A ré contestou, sustentando que, na sequência de acção de impugnação de despedimento contra si intentada pelo autor, foi condenada a reintegrá-lo; em 11 de Julho de 2002, interpôs recurso da decisão e cumpriu o ordenado na mesma, atento o efeito meramente devolutivo do recurso, reintegrando o autor em Junho de 2002; em 20 de Fevereiro de 2003, foi notificada do acórdão da Relação que revogou a decisão da 1.ª instância e a absolveu do pedido, e após o trânsito em julgado daquela decisão, comunicou ao autor, em 29 de Maio de 2003 que, face à decisão proferida pela Relação, prescindia da sua colaboração, pelo que inexiste qualquer despedimento.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que agora o autor se insurge, mediante recurso de revista, em que pede a revogação do acórdão recorrido ao abrigo das seguintes conclusões:

- A relação laboral iniciada entre o autor e a ré, em Julho de 2002, e que esteve em vigor até 30 de Maio de 2003 só pode ser qualificada como contrato de trabalho por tempo indeterminado, tendo a recorrida feito cessar este ilicitamente, porque não foi precedido de processo disciplinar;
- Aliás, tal afirmação emana claramente da declaração emitida pela ré a favor do autor, em 19 de Março de 2003, onde é dito expressamente que este é seu trabalhador efectivo, pelo que discorda-se da interpretação efectuada pelo Tribunal da Relação do Porto que refere que atenta a posição assumida pela ré na contestação o mesmo foi impugnado pela ré;
- Tal interpretação viola claramente o disposto no artigo 376.º, n.º 1, do Código Civil, daí que se tenha batido para que tal matéria fosse dada como assente (como pensa que o deve ser) pelo Tribunal a quo;
- A ser correcta esta interpretação dos factos, então o contrato de trabalho a termo certo que teve o seu fim em 28 de Maio de 2001 teria tido uma terceira renovação e uma quarta renovação, uma vez que o contrato inicial foi de 6 meses assim como as sucessivas renovações, o que a lei sanciona -artigo 44.º, n.º 2, do Dec. Lei n.º 64-A/89, de 27-2;
- Por outro lado, e não menos importante, existem os seguintes factos -9.º e 11.º da matéria de facto dada como assente -onde a ré reconhece o autor como seu trabalhador efectivo e se a própria recorrida reconhece o ora recorrente como seu trabalhador efectivo e lhe concede todos os direitos inerentes a tal situação, não parece lógica nem a fundamentação, nem a conclusão a que chegou o Tribunal a quo;
- O documento emitido pela ré, em 19 de Março de 2003, que qualifica o autor como seu trabalhador efectivo não sofreu qualquer impugnação por parte da ré, razão porque tal matéria deveria ter sido dada como assente (artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil);
- A atitude da ré ao despedir o autor e ao dizer, agora, que não quis celebrar com este um contrato de trabalho por tempo indeterminado não representa mais que "venire contra factum proprium"; ou se é trabalhador efectivo ou não se é, não existe meio-termo, sob pena de se estarem a violar os ditames da boa fé nas relações contratuais -artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil;
- O acórdão recorrido violou, entre outras normas, o disposto nos artigos 1.º e 6.º da LCT, artigos 12.º, 13.º, 42.º, n.º 3, 44.º, n.º 2, 47.º, 48.º e 49.º, todos do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27-2, os artigos 334.º, 376.º, n.º 1, e 762.º, n.º 2, todos do Código Civil, o artigo 668, n.º 1, alínea d), do CPC, e o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Em contra-alegações, a recorrida veio defender a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas são as seguintes:

- Nulidade do acórdão recorrido;
- Alteração da matéria de facto;
- Se o autor foi admitido ao serviço da ré, por tempo indeterminado, mediante contrato de trabalho verbal, celebrado em 1 de Julho de 2002, para desempenhar as funções de carteiro;
- Se ocorreu o despedimento ilícito do autor;
- Se a ré incorreu em abuso de direito e violou os ditames da boa fé nas relações contratuais;
- Violação do artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) O autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, conforme consta do documento de fls.11, que terminou em 19.1.2000, conforme consta do documento de fls.12.
2) O autor celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, conforme consta do documento de fls.13, que terminou em 28.5.2001, conforme consta do documento de fls.14.
3) O autor intentou uma acção contra a ré, conforme consta da petição inicial junta aos autos a fls. 32 a 38 -estavam em causa os dois sobreditos contratos a termo celebrados ao abrigo da alínea h) do artigo 41.º da LCCT, que a ré fez cessar conforme supra se refere.
4) A decisão proferida em 1.ª instância foi no sentido da procedência da acção com a consequente reintegração do autor, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 40 a 51.
5) Da supra referida decisão a ré interpôs recurso, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 52 a 62 -o recurso foi interposto em 11.7.2002, conforme carimbo aposto no rosto do dito requerimento e ao mesmo foi atribuído efeito meramente devolutivo porque a ré não prestou caução.
6) Apreciado o recurso por este Tribunal foi decidido -decisão de 10.2.2003 -, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 65 a 70.
7) O autor recorreu do acórdão deste Tribunal para o STJ que não foi admitido conforme despacho cuja cópia se encontra a fls. 72.
8) Com data de 12.7.02, foi elaborada uma informação interna, à qual se seguiu uma proposta de cumprimento da sentença proferida na 1.ª instância na pendência do recurso entretanto interposto, proposta essa que foi aceite pela ré, tudo conforme consta do documento junto a fls.124 a 126.
9) Na sequência da sobredita decisão tomada pela ré -fls. 126 -, o autor foi trabalhar para a ré tendo-lhe sido pagas as retribuições respectivas inclusive as que a ré foi condenado a pagar em consequência da sentença proferida na 1.ª instância.
10) Transitado o acórdão desta Relação, a ré remeteu ao autor a missiva que se encontra junta aos autos a fls. 73, por meio «da qual prescindiu da sua colaboração de imediato», o que de facto aconteceu -a respectiva missiva foi expedida em 29.5.03 e chegou ao conhecimento do autor no dia imediato.
11) Após a reintegração supra referida, a ré inscreveu o autor na Segurança Social como seu trabalhador efectivo e o autor inscreveu-se no Instituto das Obras Sociais que é um subsistema da ré.
12) Reintegrado o autor pela ré, o mesmo exerceu funções de carteiro no Centro de Tratamento de Correspondência em Vila Nova de Gaia, sito na Rua Visconde das Devesas.

Para melhor explicitação, passa-se a transcrever o teor do documento de fls. 73, dirigido pela ré ao autor e referido no ponto 10) dos factos assentes:

«Na sequência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que revoga a decisão do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia e do despacho do mesmo Tribunal que não admite o recurso interposto por V. Exa. para o Supremo Tribunal de Justiça, vimos por este meio informá-lo que a Empresa prescinde da sua colaboração de imediato.»

2. O recorrente alega que o documento emitido pela ré, em 19 de Março de 2003, em que esta considera o autor como seu trabalhador efectivo não sofreu qualquer impugnação por parte da ré, razão porque tal matéria deveria ter sido dada como assente, por isso, ao assim não entender, o acórdão recorrido incorreu na nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

Segundo o preceituado na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, é nula a sentença, «[quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento», norma aplicável aos acórdãos proferidos pela Relação, nos termos do n.º 1 do artigo 716.º do mesmo Código.

Ora, a Relação apreciou essa questão em concreto, tendo decidido que «o documento em causa não pode ser atendido por este Tribunal no que respeita à exactidão da declaração nele constante, na medida em que neste particular o mesmo foi impugnado pelo Réu, atenta a posição assumida na contestação. Por isso, improcede a pretensão do Autor ao pretender que a declaração constante do dito documento seja dada como provada.»

Afinal, não está aqui em causa a nulidade do acórdão recorrido. O que o recorrente pretende é impugnar a decisão sobre a matéria de facto dada como assente.

3. Com efeito, o recorrente defende que o facto referido no documento emitido pela ré, em 19 de Março de 2003, em que esta considera o autor como seu trabalhador efectivo, porque não sofreu qualquer impugnação por parte da ré, deveria ter sido considerado como provado.
A questão suscitada prende-se com a fixação dos factos materiais da causa.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça com vista ao apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, prevista nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

O n.º 2 do artigo 722.º citado estabelece que «[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força de determinado meio de prova».

As excepções contempladas na segunda parte do normativo transcrito não constituem desvio à regra geral da insindicância da matéria de facto pelo Supremo, já que se configuram como situações de erro de direito e se traduzem na ofensa de disposição expressa de lei, quando esta exija certa espécie de prova para a existência do facto ou quando a mesma fixe a força de determinado meio de prova.

No caso, questiona-se a força probatória de um documento particular com o título «Declaração», junto com a petição inicial e que consta a fls. 8, assinado pelo «Chefe do Tratamento [de] Correspondências do Norte», contendo o seguinte texto:

«Por nos ter sido pedida pelo trabalhador e para ser entregue na C, declara-se que A, é trabalhador efectivo desta Empresa B.
Vila Nova de Gaia, 19 de Março de 2003.»
A propósito da prova por documentos, importa ter presente que enquanto os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora (n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil), o documento particular cuja autoria seja reconhecida só tem essa força probatória quanto aos factos nele referidos, que sejam contrários ao interesse do declarante (n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil).

Simplesmente, como tem sido entendido na doutrina e na jurisprudência, apenas o declaratário pode invocar o documento particular, como prova plena, contra o declarante que emitiu uma declaração contrária aos seus interesses.

Nas relações com terceiros, essa declaração vale apenas como elemento de prova a apreciar livremente pelo tribunal, tal como sucede relativamente à confissão extrajudicial (cf. n.os 2 e 4 do artigo 358.º do Código Civil).

A razão de ser desta distinção baseia-se nas maiores garantias de seriedade e de ponderação que a confissão oferece no caso do destinatário ser a parte contrária, o que não se verifica quando o destinatário é um terceiro.

Ora, o antedito documento particular foi emitido pelo «Chefe do Tratamento [de] Correspondências do Norte», para ser apresentado a um terceiro, a C, destinando-se a um fim alheio à relação laboral.

Tal declaração não tem, por isso, o efeito confessório pretendido pelo autor, tratando-se apenas de um elemento de prova sujeito à livre apreciação do tribunal.

Acresce que, o acórdão recorrido considerou que «[t]endo em conta o teor da contestação apresentada pelo Réu -nos termos já referidos no § I do presente acórdão -conclui-se que o mesmo impugnou o conteúdo do dito documento, alegando que o Autor não estava vinculado por contrato de trabalho por tempo indeterminado mas que foi readmitido em resultado da sentença proferida em 1ª instância, sentença que foi objecto de recurso e ao qual foi atribuído o efeito meramente devolutivo. Em conclusão: o documento em causa não pode ser atendido por este Tribunal no que respeita à exactidão da declaração nele constante, na medida em que neste particular o mesmo foi impugnado pelo Réu, atenta a posição assumida na contestação. Por isso, improcede a pretensão do Autor ao pretender que a declaração constante do dito documento seja dada como provada.»

Assim, não pode este Supremo Tribunal exercer a pretendida censura sobre a matéria de facto fixada pelas instâncias.

3. Resulta da matéria de facto dada como provada e dos documentos para que a mesma remete, que as partes celebraram dois contratos de trabalho a termo.

O primeiro contrato foi celebrado, em 20 de Julho de 1998, e terminou em 19 de Janeiro de 2000. O segundo contrato foi celebrado, em 29 de Maio de 2000, e terminou em 28 de Maio de 2001.

Entretanto, o autor intentou uma acção contra a ré, em que estavam em causa os dois anteditos contratos a termo, celebrados ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

A decisão proferida em 1.ª instância, datada de 17 de Junho de 2002, foi no sentido da procedência da acção com a consequente reintegração do autor, sendo que a ré interpôs recurso dessa decisão, em 11 de Julho de 2002, ao qual foi atribuído efeito meramente devolutivo, porque a ré não prestou caução.
Em 12 de Julho de 2002, foi elaborada uma informação interna pelos serviços da ré, em que se propôs o cumprimento da sentença proferida em 1.ª instância na pendência do recurso interposto, proposta essa que foi aceite pela ré, sendo que, na sequência da aludida decisão, o autor voltou a exercer funções de carteiro no Centro de Tratamento de Correspondência em Vila Nova de Gaia, tendo--lhe sido pagas as retribuições respectivas, inclusive as que a ré foi condenada a pagar em consequência da sentença proferida na 1.ª instância.

Também após a reintegração referida, a ré inscreveu o autor na Segurança Social como seu trabalhador efectivo e o autor inscreveu-se no Instituto das Obras Sociais que é um subsistema previdencial da ré.

Acontece que a Relação, por acórdão de 10 de Fevereiro de 2003, revogou a sentença recorrida, tendo julgado a acção improcedente e absolvido a ré do pedido, e transitado aquele acórdão, a ré remeteu ao autor uma carta, expedida em 29 de Maio de 2003 e que chegou ao conhecimento do autor no dia imediato, através da qual prescindiu «da sua colaboração de imediato», o que de facto aconteceu.

Em conformidade, resulta do conjunto dos factos provados que a readmissão do autor ao serviço da ré, em Julho de 2002, teve como causa determinante o cumprimento provisório da sentença proferida em 1.ª instância até à decisão final do correspondente recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto.

Aliás, conforme se sublinha no acórdão recorrido, esse propósito decorre claramente do teor da carta junta a fls. 73, através da qual a ré considerou não existir fundamento para manter o autor ao seu serviço, após a decisão da Relação, ao referir que, «[n]a sequência do acórdão do Tribunal da Relação do Porto que revoga a decisão do Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia e do despacho do mesmo Tribunal que não admite o recurso interposto por V. Exa. para o Supremo Tribunal de Justiça, vimos por este meio informá-lo que a Empresa prescinde da sua colaboração de imediato».

Por isso, como acentua o mesmo aresto, «não colhe o argumento do [recorrente] ao concluir que quando foi "admitido" ao serviço do Réu em Julho de 2002 -na pendência do recurso -o mesmo quis celebrar com ele um contrato de trabalho por tempo indeterminado».

«E a conclusão a que se chegou não é afastada pelo facto de o Réu ter procedido ao pagamento das retribuições e dos demais direitos que o Autor tinha direito pela prestação do trabalho, na medida em que até decisão em contrário era o Autor um trabalhador efectivo. Acresce que o trabalho prestado pelo Autor limitou--se ao período compreendido entre a interposição do recurso e o trânsito em julgado do acórdão que revogou a sentença da 1.ª instância, a evidenciar que não houve por parte do Réu qualquer vontade negocial no sentido de com o Autor celebrar um novo contrato ou de renovar o contrato de trabalho a prazo que com ele tinha celebrado.»

Concorda-se, inteiramente, com esta fundamentação.

Tal como já se decidiu neste Supremo Tribunal, a propósito de caso similar (Acórdão de 19 de Maio de 2005, proferido na Revista n.º 4758/04 da 4.ª Secção), «não se provando a celebração de qualquer contrato de trabalho [...] e concluindo as instâncias que com o chamamento do autor a ré apenas visou dar cumprimento à sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho, a pretensão tinha que improceder».

Refira-se que os factos assentes sob os n.os 9 e 11 não alteram a situação, já que, tendo a sentença da 1.ª instância declarado nula a estipulação do termo aposto no contrato em causa, a ré, até decisão em contrário, tinha de considerar o autor como seu trabalhador efectivo, pagando-lhe as retribuições atinentes e inscrevendo-o na Segurança Social com essa qualidade.
Também não se vislumbra que a ré, através dos seus representantes ou agentes, tenha violado o princípio da boa fé nas relações contratuais (n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil), dado que se limitou a cumprir, provisoriamente, o decidido pelo tribunal de 1.ª instância até decisão do recurso.

Resta acrescentar, porque o recorrente alega que «a atitude da ré ao despedir o autor e ao dizer, agora, que não quis celebrar com este um contrato de trabalho por tempo indeterminado não representa mais que venire contra factum proprium», e, ainda, que o acórdão recorrido violou o artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa, que não se tendo provado a celebração de qualquer contrato de trabalho entre as partes, em Julho de 2002, nem que tenha ocorrido o despedimento do autor em 30 de Maio de 2003, não se configura abuso de direito na actuação da ré, nem se descortina a invocada violação do citado preceito da nossa Lei Fundamental.

Assim, improcedem todas as conclusões da alegação do recurso de revista.
III
Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2006
Pinto Hespanhol (relator)
Fernandes Cadilha
Mário Pereira