Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3416/14.1T8GMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
FIADOR
DEVER DE INFORMAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
CONTRATO DE MÚTUO
DECLARAÇÃO COMPLEMENTAR
BENEFÍCIO DA EXCUSSÃO PRÉVIA
RENÚNCIA
EXCLUSÃO DE CLÁUSULA
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPELAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 06/06/2019
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / PRAZO DA PRESTAÇÃO.
Doutrina:
- Almeida Costa e Menezes Cordeira, Cláusulas Contratuais Gerais, p. 25;
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, p. 189/193;
- Ana Prata, Contratos De Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, p. 206/251;
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I: Conceito, Fontes, Formação, Almedina, 3.ª Edição, Coimbra, 2005, p. 163;
- Januário da Costa Gomes, Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, p. 619 e 620;
- Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e Paradigma do Contrato, 1990, p. 46.
- Margarida Paz, Ações Inibitórias e Ações Coletivas, Estudos do Direito do Consumo, Vol. V (Separata), AAFDL Editora, 2017, Lisboa, p. 6 e 7;
- Pedro Caetano Nunes, Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, Estudos De Homenagem Ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, Almedina 2011, p. 507/534;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1997, p. 33.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1 E 674.º, N.º 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 782.º.
REGIME DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS (LCCG), APROVADO PELO DL N.º 446/85, DE 25-10, COM A RESPECTIVA REDACÇÃO DADA PELOS DL N.º 220/95, DE 31-08, DL N.º 249/99, DE 07-07 E DL N.º 322/2001, DE 17-12: - ARTIGO 1.º, N.ºS 1 E 2.
DL N.º 48953, DE 05-04-1969.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA 93/13/CEE, DO CONSELHO, DE 05-04-1993.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 24-03-2011, PROCESSO N.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-04-2013, PROCESSO N.º 403/09.5TJLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-07-2017, PROCESSO N.º 9222/15.9T8LSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 03-10-2017, PROCESSO N.º 569/13.0TBCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-01-2018, PROCESSO N.º 2351/12.2TBTVD-A, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2018, PROCESSO N.º 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1.
Sumário :
I - A discordância da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nas provas produzidas, a mesma formou não é sindicável pelo STJ, desde que não enquadrável nas excepções previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC.

II - A contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais é uma decorrência da produção e consumo em massa e respondeu, no fundo, a necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia que conduziram as empresas a eliminar e/ou esvaziar consideravelmente as negociações prévias entre as partes.

III - Emerge do art. 1.º, n.os 1 e 2, da LCCG (DL n.º 446/85, de 25-10, na redacção dos DL n.º 220/95, de 31-08, DL n.º 249/99, de 07-07 e DL n.º 322/2001, de 17-12) que o regime aí contemplado se aplica às “cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”, bem como “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”.

IV - As cláusulas contratuais gerais podem ser definidas como "proposições ou enunciados destinados à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou".

V - Tais cláusulas tanto podem integrar contratos de adesão como ser inseridas em contratos individualizados que não se destinam a uma utilização geral, mas em que não há possibilidade de negociação.

VI - Ao garante, parte acessória ou secundária de um outro contrato, nomeadamente ao fiador de um contrato de mútuo celebrado com um terceiro é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais.

VII - O dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias» e se nestas se constata que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação.

VIII - Se os embargantes/fiadores, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que careciam, antes da outorga da escritura, o não fizeram e até deles prescindiram no acto da escritura, ao declarar que conheciam perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação.

IX - Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa dos aderentes, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório

I – A Caixa AA instaurou execução comum para pagamento de quantia certa contra BB e mulher, CC, DD e mulher, EE, tendo por base dois contratos de mútuo em que os primeiros assumiram a posição de mutuários e os segundos de fiadores daqueles.

Os Executados fiadores deduziram embargos à execução e oposição à penhora dos seus bens, alegando, em síntese, que:

Não renunciaram ao benefício de excussão prévia e o património dos devedores principais ainda não foi excutido, tal como não foram interpelados para o pagamento.

Os títulos que servem de base à execução são inexequíveis, por não estarem acompanhados da necessária prova complementar do incumprimento dos contratos de mútuo.

As cláusulas dos contratos de mútuo em que se funda a execução, nomeadamente, as relativas à responsabilização dos fiadores, taxas de juro e alteração de prazo, não lhes foram explicadas, pelo que são nulas e devem ser excluídas, por força do regime jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais.

A Exequente não agiu com a diligência devida para recuperar o crédito exequendo e se o imóvel dado de garantia não chegou para liquidar a dívida, tal é imputável àquela.

As verbas que lhes foram penhoradas correspondem a pensões impenhoráveis, por inferiores ao salário mínimo nacional.

Com tais fundamentos concluíram pela procedência dos embargos e da oposição à penhora, com a consequente extinção da execução e levantamento das penhoras.

A Exequente apresentou contestação a refutar os fundamentos dos embargos e da oposição à penhora, concluindo pela sua improcedência.

O processo seguiu a normal tramitação e, finda a audiência final, foi proferida sentença a julgar improcedentes os embargos e a oposição à penhora, determinando-se consequentemente o prosseguimento da execução e a manutenção das penhoras efetuadas.

Inconformados, apelaram os Embargantes, com total êxito, tendo a Relação de Guimarães, na procedência do recurso, revogado a sentença e ordenado o levantamento das penhoras efectuadas sobre bens dos Embargantes.

Agora inconformada, interpôs a Exequente recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que, na íntegra, se transcrevem:

1. A Caixa AA instaurou a presente ação executiva contra, entre outros, os Embargantes DD e EE, na qualidade de fiadores dos empréstimos que a seguir melhor se identificam: a) empréstimo n.° 003…85, no montante de € 52.033,69 (CINQUENTA E DOIS MIL E TRINTA E TRÊS EUROS E SESSENTA E NOVE CÊNTIMOS), celebrado por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, destinado à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, datada de 08 de Abril de 2002, em que surgem como mutuários BB e CC; b) empréstimo n.° 003…85, no montante de € 5.300,00 (CINCO MIL E TREZENTOS EUROS), celebrado por escrito particular de mútuo com promessa de hipoteca e fiança, destinado a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis, datado de 08 de Abril de 2002, em que surgem como mutuários BB e CC.

2. Os embargantes deduziram embargos de executado, alegando, em suma, que não haviam renunciado ao benefício da excussão prévia, que os títulos executivos eram inexequíveis, que não foram interpelados pela AA, pelo que beneficiam do prazo estabelecido no art. 782.° do CPC, que as cláusulas insertas nos contratos de mútuo são nulas por não ter havido prévia negociação dos fiadores e que existe culpa da AA pela não satisfação do crédito pelos mutuários.

3. A AA contestou, alegando, em suma, e para o que in casu importa, que: os fiadores ao constituírem-se, como se constituíram, como "principais pagadores" e, ao contrário do que defendem, não gozam do beneficio de excussão prévia previsto na lei civil; e que, de acordo, com o clausulado nos contratos dados à execução, as partes acordaram que a falta de pagamento de uma das prestações implica a constituição do devedor em mora relativamente a todas as prestações, pelo que sempre seriam devidos juros contabilizados desde a data do incumprimento de cada um dos contratos ora em apreço, independentemente da existência e/ou inexistência de interpelação; (sem prescindir) que os embargantes foram interpelados pela AA, dada a situação de incumprimento dos empréstimos de que são garantes pessoais, para pagamento dos valores em atraso em ambos os financiamentos e, bem assim, de que o processo havia sido transferido para a Direção de Recuperação de Crédito da AA, pelo que, afastando-se a aplicação do normativo legal previsto no art. 782.° do CC, a perda do beneficio do prazo estende-se, no que demais importa, aos embargantes, devendo contabilizar-se juros de mora sobre a totalidade da divida vencida, pelo menos, desde a data da referida interpelação.

4. Para, esse efeito, a AA juntou nos autos cartas de interpelação enviadas aos fiadores, as quais não foram, de resto, alvo de impugnação pelos embargantes.

5. Após realização da Audiência de Discussão e Julgamento, o douto Tribunal da primeira instância proferiu sentença julgando os embargos totalmente improcedentes, por não provados.

6. Não se conformando com o teor da decisão judicial proferida, os Executados/Embargantes DD e EE interpuseram o recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães alegando, em síntese, que i) se julgou incorretamente o facto 9 dado como provado na sentença por estes sindicada, ii) não houve interpelação dos fiadores e iii) que é necessário saber em que medida os fiadores respondem pela totalidade da divida, uma vez que não foi convencionado o afastamento da norma constante do regime do art. 782.° do Código Civil.

7. A AA contra-alegou, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, cuja fundamentação de facto e de direito merecia pleno acolhimento, como se demonstrará de seguida relativamente aos argumentos aduzidos pelos embargantes.

8. De todo o modo, cumpre realçar que, relativamente à impugnação da matéria de facto, os embargantes apenas sindicaram a alteração da decisão proferida sobre a matéria dada como provada no facto 9, que a seguir se transcreve: 9. "Nos contratos referidos em 1. e 2. foi previamente negociado entre todos os intervenientes o valor mutuado, a taxa de juro, o prazo de pagamento, as garantias e as despesas, sabendo os executados/embargantes as responsabilidades que aí assumiam."

9. Os fiadores, embargantes, basearam-se, apenas, no depoimento de parte prestado pelo embargante DD, bem como, do facto de as testemunhas arroladas pela ora recorrida, a saber, FF, GG e HH, alegadamente, não se recordarem e/ou não terem intervindo nos contratos de mútuo ora dados à execução.

10. Como melhor se verá adiante, a sentença de que os embargantes recorreram não enfermava de qualquer obscuridade, que, por assim suceder, os embargantes foram verdadeiramente incapazes de apontar.

11. A sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância encerrava em si, isso sim, fruto da apreciação crítica dos elementos probatórios carreados para os autos, uma valoração contrária à defendida pelos embargantes, mas que é clara e devidamente fundamentada, não contendo em si mesma qualquer contradição ou obscuridade, pelo que deve ter-se por válida.

12. Porém, o Tribunal da Relação de Guimarães entendeu o contrário, i.e., que a AA não logrou provar a sua obrigação de comunicação e informação da cláusula contratual relativa à fiança, inserta em ambos os contratos dados à execução, bem como, não interpelou os fiadores para procederem ao pagamento da dívida.

13. A AA não se conforma com tal decisão, porquanto, a bem da verdade, resulta da prova produzida em juízo, tal como bem decidiu o Tribunal de primeira instância, sem margem para censuras, que, no que concerne com o facto cuja alteração os embargantes pretendiam: 9. "Nos contratos referidos em 1. e 2. foi previamente negociado entre todos os intervenientes o valor mutuado, a taxa de juro, o prazo de pagamento, as garantias e as despesas, sabendo os executados/embargantes as responsabilidades que aí assumiam."

14. Tal materialidade, conforme bem o refere o Tribunal de primeira instância, resulta provada através da correlação dos depoimentos prestados, de forma imparcial, concreta, objetiva e clara, pelas testemunhas aduzidos nos autos pela AA, i.e., FF e HH.

15. A testemunha FF, funcionário bancário e gerente da Agência da AA em …, desde 200 0 a 2007, ou seja, era gerente na altura da contratação/negociação dos contratos de mútuo que figuram como títulos executivos na presente ação, os quais datam de 08 de abril de 2002, referiu, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que bem conhecia o embargante DD, em face da profissão que este exercia, a saber, agente imobiliário, conforme decorre do facto 8 dado como provado("o executado/embargante [vendedor do imóvel e fiador dos adquirentes], na data da celebração dos contratos referidos em 1. e 2. , exercia a profissão de agente imobiliário, comprando e vendendo imóveis") , sendo o mesmo frequentador assíduo desse balcão da AA, o que, de resto, não foi alvo de impugnação/contradição pelos embargantes, por corresponder à veracidade dos factos.

16. Ora, de acordo com a motivação de facto do Tribunal de primeira instância, que, a nosso ver, não mereceu qualquer sindicância, a testemunha vinda de aludir bem esclareceu que os contratos dados à execução, garantidos por hipoteca e fiança prestada pelos embargantes, são negociados um a um (autonomamente), quanto ao montante, ao prazo de pagamento, taxa de juro e garantias acessórias.

17. Além de que, os Notários sempre perguntam aos fiadores se sabem a responsabilidade que assumem, sendo certo que, antes da escritura, os contratos são explicados aos mutuários e aos fiadores, sendo de realçar que, pela sua experiência profissional, já que era agente imobiliário e, in casu, vendeu, aquando da formalização dos contratos de mútuo em apreço, o bem imóvel que serviu de garantia hipotecária aos mutuários, o embargante DD, bem sabia, o que estava a assinar ao figurar nos contratos como fiador e principal pagador.

18. Ora, conforme referido supra, um dos contratos dados à execução foi formalizado através escritura pública. A escritura pública constituiu título executivo enquanto documento autêntico que importa o reconhecimento de uma obrigação.

19. Tal documento autêntico faz prova plena em relação à materialidade das afirmações atestadas, ou seja, quanto ao facto de terem sido feitas determinadas declarações, nos termos do art. 371.° do Código Civil, sendo certo que, ín casu, nada foi dito pelos embargantes que contrariasse a sua vontade de se constituírem fiadores dos empréstimos em apreço.

20. Bem se demonstra, pelo testemunho aduzido nos autos pelo gerente da Agência, na altura da contratação, que, quer com os mutuários, quer com os fiadores, a AA negociou não apenas o valor mutuado, como também os específicos termos e condições contratuais, designadamente, o valor mutuado, a taxa de juros praticada, o prazo e condições de operação, bem como e no que demais importa, a garantia oferecida.

21. Com efeito, todo o iter pré-negocial e negocial que rodearam a celebração, outorga e formalização dos contratos que integram os títulos dados à execução tiveram a participação direta e ativa dos aqui embargantes.

22. Em abono da verdade, sempre se deverá referir que, aquando da negociação, a AA informou e comunicou aos outorgantes as cláusulas do contrato em apreço, tendo-lhes prestado os esclarecimentos pretendidos.

23. Por conseguinte, e caso dúvidas restassem quanto aos contratos de mútuo em apreço, deveriam os embargantes, em momento prévio ao da respetiva outorga, ter solicitado as devidas explicações e/ou informações aos responsáveis da Agência da AA de … onde foram contratadas as operações.

24. Mais a mais, o contrato de valor mais elevado junto ao requerimento executivo foi celebrado por escritura pública no Cartório Notarial de …, pelo que, aquando da celebração da referida escritura, o mesmo foi lido pelo Notário a todos os presentes, na qualidade de outorgantes, mormente, os mutuários e no que demais importa os fiadores, tendo-lhes sido perguntado da existência de quaisquer dúvidas, tal como foi referido pela testemunha FF. Sendo que tal depoimento foi corroborado pelo testemunho aduzido nos autos por HH, funcionário do balcão da Agência da AA em …, desde março de 2013.

25. Tudo isto para concluir, que a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância não padecia, como não padece, de qualquer vicio ou erro de julgamento, antes sendo o resultado de ponderada e clara análise da prova documental e testemunhal produzida em juízo, prova essa que foi tida, como não poderia deixar de o ser, por válida e relevante.

26. Com efeito, quanto aos depoimentos prestados em juízo, os quais merecem o epíteto de isentos, circunstanciados e imparciais, como bem os qualificou o Tribunal de primeira instância.

27. É certo que, não são exactos, como não o é a memória humana, tanto mais que nos reportamos a factos ocorridos há mais de quinze anos, mas tal não é motivo justificado para que não sejam atendidos, tanto mais que confirmados pelo conteúdo dos documentos juntos aos autos.

28. Assim, e porque desprovida de sustento, não devia/podia a peticionada alteração da decisão quanto à matéria de facto colher.

29. Ora, no que concerne com a negociação e explicação das cláusulas insertas nos contratos de mútuo ora dados à execução, conforme melhor se explicou supra, resultou provado à saciedade dos autos que os contratos em apreço foram previamente negociados, não apenas o valor mutuado, como também os específicos termos e condições contratuais, designadamente, o valor mutuado, a taxa de juros praticada, o prazo e condições de operação, bem como e no que demais importa, a garantia oferecida.

30. Ainda que se considere que os contratos dos autos configuram contratos de adesão, certo é que se exige, também, ao aderente que este adopte um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efetivo das cláusulas que integram.

31. Como vem sendo entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, não se justifica que a proteção concedida à parte mais fraca vá ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorre de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocada em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor, cfr., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09.07.2015, cuja relator é ANA PAULA BOULAROT, do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03.12.2013, cuja relatora é MARIA JOSÉ GUERRA, e datado de 06-03-2012, cuja relatora é REGINA ROSA, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 17.12.2014, cuja relatora é MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO.

32. Veja-se, a título de exemplo, o que nos ensina o douto aresto do Supremo Tribunal de Justiça (cujo relator é Granja da Fonseca), de 24 de março de 2011, "É que, se o dever de comunicação de cláusulas contratuais gerais se destina a proteger o outorgante mais fraco dos abusos da parte mais forte e com maior poder económico, combatendo o risco de desconhecimento de aspectos significativos do contrato que vai ser celebrado, certo é também que o risco de desconhecimento de algumas cláusulas do contrato não decorre apenas do incumprimento do dever de comunicação, o qual também pode decorrer da falta de diligência da parte que vai aderir às referidas cláusulas, como sucede no caso da parte que assina um contrato contendo essas cláusulas sem ter qualquer preocupação sobre o conteúdo do documento que está a assinar" (sublinhado e negrito nossos).

33. "E se, na primeira situação, se justifica plenamente a protecção da parte mais fraca, o mesmo não acontece na segunda situação, já que o objectivo do legislador foi apenas o de proteger a parte mais fraca de eventuais abusos da parte mais forte e não o de proteger a parte mais fraca da sua falta de diligência."

34. "Embora considerando que o aderente está numa situação de maior fragilidade, face à superioridade e poder económico da parte que impõe as cláusulas, (por isso lhe concedendo proteção), o legislador não tratou o aderente como pessoa inábil e incapaz de adoptar os cuidados que são inerentes a celebração de um contrato e por isso lhe exigiu também um comportamento diligente tendo em vista o conhecimento real e efectivo das cláusulas que lhe estão a ser impostas".

35. "Daí que o contratante não possa invocar o desconhecimento dessas cláusulas, para efeitos de se eximir ao respetivo cumprimento, quando esse desconhecimento apenas resultou da sua falta de diligência, como acontece nas situações em que o contraente foi colocado em posição de conhecer essas cláusulas e assina sem ler o que estava a assinar e sem ter qualquer preocupação de se assegurar do respetivo teor."

36. Recorde-se, conforme referido supra, que o embargante DD era/é agente imobiliário de profissão, pelo que pessoa bastante habituada ao tráfego negocial dos bancos e aos conceitos técnico-jurídicos que envolve a realização de escrituras de compra e venda de imóveis.

37. Com efeito, o grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (art. 5.°, n.° 2, in fine do DL n.° 446/85). Deve ser apreciado em abstrato, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil.

38. A expressão "fiadores" é de senso comum e normalizada entre os cidadãos, i.e., qualquer pessoa letrada, mediana, tendo por base o critério do "bom pai de família", sabe o que significa constituir-se, legalmente, como fiador, ou seja, que é responsável pela dívida como os mutuários.

39. Além disso, e no que tange ao clausulado inserto nos contratos ora em análise, a expressão aí utilizada "principais pagadores" tem um conteúdo compreensível e acessível ao comum dos cidadãos, como o teve aos aqui embargantes, conforme resultou provado à saciedade nos autos.

40. No que concerne com a alegada falta de interpelação, sempre se dirá que se, por um lado, os embargantes não pretenderam a alteração/ampliação da matéria de facto quanto a este parcial, também não impugnaram o teor/letra/assinaturas dos documentos juntos nos autos pela AA, no articulado de contestação, maxime missivas dirigidas aos embargantes fiadores por força do incumprimento registado nas operações dadas à execução, de que estes se constituíram fiadores, pelo que sempre se deverão ter-se por fidedignos, à falta de qualquer evidência em contrário e bem considerando que não foram objeto de impugnação, tendo tal facto sido dado como provado na parte da fundamentação da sentença em análise ("10. os executados/embargantes (fiadores) foram informados da situação de incumprimento dos empréstimos referidos em 1. e 2., antes de ser instaurada a execução").

41. Além disso, a interpelação efetuada pela Embargada aos embargantes saiu, outrossim, corroborado, pelo próprio depoimento de parte prestado pelo Embargante DD, o qual referiu a instâncias do douto Tribunal de primeira instância que havia recebido cartas enviadas pela AA quanto ao incumprimento do crédito.

42. A ser assim, como de facto é, é o próprio embargante fiador que admitiu, em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que a AA lhe dirigiu cartas, aquando do incumprimento, dando-lhe a conhecer que o crédito de que era fiador não estava a ser regularmente cumprido e a informá-lo do valor em atraso, i.e., "das prestações em divida". Deste modo, o mesmo é dizer que a AA interpelou formalmente os fiadores para estes, querendo, procederem ao pagamento do valor em atraso e/ou negociarem o valor da divida.

43. A este respeito, os embargantes chamaram à colação o disposto no art. 782.° do Código Civil.

44. Verdade é que, não obstante tenha havido interpelação, tem-se entendido que a "interpelação do devedor para que cumpra imediatamente toda a obrigação (realizando todas as prestações restantes) constitui a manifestação de vontade do credor em aproveitar o benefício que a lei lhe atribui" (in Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", Vol. II, 7.a edição, pp. 53 a 54).

45. Mas não significa isto que as partes, ao abrigo do princípio basilar da liberdade contratual que a lei lhes faculta (cfr. art. 405.° do CC), não possam regular a situação de forma diversa, dispensando a realização da interpelação e convencionando, desde logo, que a falta de pagamento de uma das prestações implica a constituição do devedor em mora relativamente a todas as prestações.

46. Ora, tal é o que sucedeu efetivamente no caso sub judice, porquanto nos contratos sub judice ficou convencionado que "à credora fica reconhecido o direito de considerar o empréstimo vencido (...) se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes desse contrato".

47. A ser assim, sempre seriam devidos juros contabilizados desde a data do incumprimento de cada um dos contratos ora em apreço, independentemente da existência e/ou inexistência de interpelação.

48. Não obstante, conforme se referiu supra, os embargantes foram interpelados pela AA, dada a situação de incumprimento dos empréstimos de que são garantes pessoais, para pagamento dos valores em atraso em ambos os financiamentos e, bem assim, de que o processo havia sido transferido para a Direção de Recuperação de Crédito da AA.

49. Forçoso é concluir, deste modo, como bem concluiu o Tribunal de primeira instância, pelo afastamento da aplicação do normativo legal previsto no art. 782.° do CC, pelo que a perda do beneficio do prazo estende-se, no que demais importa, aos aqui Recorrentes, devendo contabilizar-se juros de mora sobre a totalidade da divida vencida, pelo menos, desde a data da referida interpelação.

50. Assim, e porque desprovida de sustento, não devia/podia a peticionada alteração da decisão quanto à matéria de facto, aqui também colher.

51. Não existe, pois, qualquer argumento que legitimasse a pretendida alteração da decisão de primeira instância também no que respeita ao seu mérito.

52. A decisão recorrida, ao considerar que a AA não cumpriu com o seu dever de comunicação e informação das cláusulas insertas nos contratos de mútuo que executou e, bem assim, que a AA não interpelou os fiadores, perfilha-se como decisão violadora dos art. 371.° do CC, 640.°, al. a) do CC, do art. 405.° do C.C., bem como, contrária à prova que foi produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes, porquanto resultou provado à saciedade nos autos que a AA cumpriu com o seu dever de comunicação e informação da cláusula relativa à fiança para com os embargantes, bem como, interpelou os fiadores para proceder ao pagamento da divida.  

Os Embargantes contra-alegaram a pugnar pelo insucesso do recurso e, colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Fundamentação de facto

Foram considerados provados os factos seguintes:

1. A exequente é portadora e deu à execução o documento de fls. 4 a 10 dos autos de execução [escritura pública de Compra e Venda e Mútuo Com Hipoteca e Fiança], cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido (fls. 140 a 146 dos presentes autos), de onde consta, além do mais, o seguinte:

«COMPRA E VENDA E MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA

No dia oito de Abril de dois mil e dois, no Cartório Notarial de … (…) compareceram como outorgantes:

PRIMEIRO

DD, C.F. 15…, e mulher, EE C.F. 15… (…) [executados/embargantes]

SEGUNDO

1 – BB (…)

2 – CC (…)

TERCEIRO

FF (…) na qualidade de procurador da CAIXA AA, S.A. (…) [exequente/embargada]

(…)

DECLARAM OS PRIMEIROS OUTORGANTES:

Que pelo preço de CINQUENTA E TRÊS MIL OITOCENTOS E SETENTA EUROS, já recebido dos segundos outorgantes a estes VENDEM, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, o seguinte:

FRACÇÃO AUTÓNOMA designada pela letra “E”, para habitação, no segundo andar direito (…) sito na praceta …, freguesia e concelho de … (…)

DECLARAM OS SEGUNDOS OUTORGANTES

Que aceitam este contrato (…)

DECLARAM OS SEGUNDOS E TERCEIRO OUTORGANTES

(…)

A Caixa AA concede aos segundos outorgantes (…) um empréstimo de QUARENTA E OITO MIL E QUINHENTOS EUROS, importância de que estes se confessam desde já solidariamente devedores. Tal empréstimo reger-se-á pelas cláusulas constantes da presente escritura bem como pelas constantes de um documento complementar elaborado nos termos do nº 2 do artº 64 do Código do Notariado, que se arquiva.

Em garantia:

a) do capital emprestado no montante de QUARENTA E OITO MIL E QUINHENTOS EUROS;

b) dos respectivos juros até à taxa anual de nove vírgula quinhentos e quarenta e quatro por cento, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até quatro por cento ao ano, a título de cláusula penal, e c) das despesas emergentes deste contrato (…)

A parte devedora constitui hipoteca sobre o imóvel atrás adquirido e identificado.

(…)

DECLARAM AINDA OS PRIMEIROS OUTORGANTES [executados/embargantes], agora na qualidade de fiadores:

Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações das taxas de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitam que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.

DECLAROU O TERCEIRO OUTORGANTE na dita qualidade:

Que para a sua representada aceita a presente confissão de dívida, hipoteca e fiança nos termos exarados.

DECLARAM TODOS OS OUTORGANTES

Que têm perfeito conhecimento do conteúdo do referido documento complementar, que inteiramente aceitam, dispensando a sua leitura.

(…)»

«DOCUMENTO COMPLEMENTAR (…)

Parte credora: Caixa AA, S.A.

Parte devedora: BB e mulher, CC;

Parte fiadora: DD e mulher, EE

Além das cláusulas constantes da escritura de que este documento é parte integrante, são também aplicáveis ao mencionado financiamento as seguintes cláusulas:


(entrega da quantia emprestada)

(…)


(finalidade do empréstimo)

O empréstimo destina à AQUISIÇÃO do imóvel atrás hipotecado, PARA HABITAÇÃO PRÓPRIA PERMANENTE da parte devedora.

(…)


(Mora)

Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza (actualmente NOVE VIRGULA QUINHENTOS E QUARENTA E QUATRO por cento ao ano), acrescida de uma sobretaxa até QUATRO por cento, ao ano, a título de cláusula penal (…)

(…)

16º

(Direitos da credora)

À credora fica reconhecido o direito de:

a) alterar o seguro (…)

b) receber a indemnização em caso de sinistro (…)

c) debitar na conta do empréstimo quaisquer despesas (…)

d) considerar o empréstimo vencido se o imóvel hipotecado foi alienado sem o seu consentimento ou se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato.

17º

(Extracto da conta e documento de débito)

Fica convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela Caixa e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para a prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem em qualquer processo (…)

(…)»

2. A exequente é portadora e deu à execução o documento de fls. 13 a 17-v dos autos de execução [Contrato de empréstimo, com promessa de hipoteca e fiança, por documento particular ao abrigo do artigo 65º, nº 1, do DL 48953, de 5/4/1969, com assinaturas reconhecidas por notário], cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido (fls. 149 a 153 dos presentes autos), de onde consta, além do mais, o seguinte:

«CONTRATO DE EMPRÉSTIMO

(COM PROMESSA DE HIPOTECA E FIANÇA)

(por documento particular ao abrigo do artigo 65º, nº1, do DL 48953, de 5/4/1969)

Entre:

1º - Caixa AA, S.A. (…)

2ª - BB (…) e CC (…)

3ª - DD (…) e mulher, EE (…)


(Confissão de dívida e entrega da quantia emprestada)

Os segundos outorgantes confessam-se devedores à Caixa de um empréstimo de 5.300 Euros (cinco mil e trezentos euros), que nesta data declaram ter recebido, por crédito na conta nº (…)


(Finalidade do empréstimo)

O empréstimo destina-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.

(…)


(Mora)

Em caso de mora, os respectivos juros serão calculados à taxa mais elevada de juros remuneratórios que, em cada um dos dias em que se verificar a mora, estiver em vigor na Caixa credora para operações activas da mesma natureza (actualmente nove vírgula quinhentos e quarenta e quatro por cento ao ano), acrescida de uma sobretaxa até quatro por cento, ao ano, a título de cláusula penal.

(…)

11ª

(Direitos da credora)

À credora fica reconhecido o direito de:

a) debitar na conta do empréstimo quaisquer despesas (…)

b) considerar o empréstimo vencido se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes deste contrato (…)

(…)

13ª

(Garantia - Fiança)

Os terceiros outorgantes responsabilizam-se solidariamente com os segundos como seus fiadores e principais pagadores, pelo pagamento de tudo o que vier a ser devido à Caixa em consequência deste contrato e dão desde já o seu acordo a todas e quaisquer modificações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a Caixa e a parte devedora e, bem assim, às alterações da taxa de juro permitidas por este contrato.

14ª

(Extracto da conta e documento de débito)

Fica convencionado que o extracto da conta do empréstimo e os documentos de débito emitidos pela Caixa e por ela relacionados com este empréstimo serão havidos, para todos os efeitos legais e, designadamente, para efeitos do disposto no artigo cinquenta do Código de Processo Civil, como documentos suficientes para a prova e determinação dos montantes em dívida, tendo em vista a exigência, justificação ou reclamação judicial dos créditos que deles resultarem em qualquer processo.

(…)»

3. Em 3-01-2013, entre a exequente, AA, e os devedores BB e CC foi acordado alterar a data do pagamento das prestações e o prazo de pagamento do empréstimo referido em 1 [escritura pública de Compra e Venda e Mútuo Com Hipoteca e Fiança], nos termos de fls. 11 e 12 dos autos, cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido, o que foi do conhecimento dos executados/embargantes.

4. Em 3-01-2013, entre a exequente, AA, e os devedores BB e CC foi acordado alterar a data do pagamento das prestações e o prazo de pagamento do empréstimo referido em 2, nos termos de fls. 18 e 19 dos autos, cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido, o que foi do conhecimento dos executados/embargantes.

5. A exequente instaurou a execução em 5-12-2014, com fundamento nos aludidos documentos referido em 1. e 2., alegando no requerimento executivo o seguinte:

«Factos (DOS CONTRATOS DE MÚTUO)

I- No exercício da sua atividade creditícia, a Exequente celebrou os seguintes empréstimos a saber:

A) Empréstimo nº 0035…5 no montante de € 52.033,69 (CINQUENTA E DOIS MIL E TRINTA E TRÊS EUROS E SESSENTA E NOVE CÊNTIMOS), celebrado por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança, destinado à aquisição de imóvel para habitação própria e permanente, datada de 08 de Abril de 2002, em que surgem como mutuários BB e CC - cfr. docs. nsº 1 e 2 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos.

B) Empréstimo nº 0035…5 no montante de € 5.300,00 (cinco mil e trezentos euros), celebrado por escrito particular de mútuo com promessa de hipoteca e fiança, destinado a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis, datado de 08 de Abril de 2002, em que surgem como mutuários BB e CC - cfr. docs. nsº 3 e 4 que ora se juntam e se dão por integralmente reproduzidos (DAS GARANTIAS)

II - Para garantia do capital mutuado pelo empréstimo supra descrito em A), respectivos juros e despesas, os mutuários BB e CC, constituíram uma hipoteca voluntária, em benefício da AA, ora exequente, sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", para habitação, no segundo andar direito, integrada no prédio urbano, Bloco C-…, sito na Praceta …, freguesia e concelho de …, descrito na Conservatória do Registo Comercial de … sob o nº 4…/E e inscrito na respectiva matriz sob o nº 3…5, A referida hipoteca a favor da AA, ora exequente, foi registada ,através da Ap. 21 de 2002/02/19 - cfr docs. nº 1 já junto.

III - Ainda para garantia das responsabilidades já assumidas ou que venham a ser assumidas pela parte devedora junto da AA e emergentes de quaisquer outras operações bancárias, independentemente da forma ou título que revistam, designadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas de depósito à ordem, letras, livranças, cheques, prestação de garantias bancárias, fianças, tudo até ao limite em capital de € 8.833,69 (OITO MIL OITOCENTOS E TRINTA E TRÊS EUROS E SESSENTA E NOVE CÊNTIMOS), designadamente as decorrentes do empréstimo supra descrito em B), identificado pelo n.º0035…5, bem como as responsabilidades decorrentes do aumento global do saldo devedor do empréstimo supra descrito em A), em função da capitalização dos juros vencidos, incluindo capital, juros e despesas, os mutuários constituíram segunda hipoteca voluntária, sobre a fracção autónoma supra descrita. A referida hipoteca foi registada a favor da AA, ora Reclamante, através da Ap.2407/2013.01.03 – cfr. escritura constitutiva de hipoteca, ora junta como doc.nº5 e doc. n.º 6 ora junto.

IV - Ainda para garantia do capital mutuado pelos empréstimos supra descritos, respectivos juros e despesas, DD e EE, constituíram-se fiadores solidários e principais pagadores de todas as quantias que viessem a ser devidas à AA em consequência do incumprimento dos contratos ora dados à execução - cfr. cit .docs.n.s. 1 e 3 já juntos.

(DA DÍVIDA)

V - Por terem os executados deixado de cumprir as obrigações emergentes dos contratos supra identificados, encontra-se em dívida, à data de 04.DEZ.14, ao montante global de € 59.258,88 (cinquenta e nove mil duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta e oito cêntimos), calculada nos termos que se descriminam infra.

VI - A partir desta data, a quantia em dívida agravar-se-á diariamente em € 7,71 (sete euros e setenta e um cêntimos), relativamente ao capital mutuado pelo empréstimo supra descrito em A) e em 0,91 (noventa e um cêntimos), relativamente ao empréstimo supra descrito em B), montante correspondente a juros calculados às respectivas taxas contratuais actualizadas, acrescido das despesas que a Exequente efectue, da responsabilidade dos devedores, a liquidar oportunamente - cfr.docs.ns.º7 e 8 ora juntos.»

6. A acompanhar o requerimento executivo, a exequente apresentou a nota de débito de fls. 27 dos autos de execução, cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido (fls. 163 dos presentes autos), referente à escritura pública de Compra e Venda e Mútuo Com Hipoteca e Fiança referida em 1., de onde consta, além do mais, o seguinte:

«NOTA DE DÉBITO

(…)

Montante em dívida/em cobrança: € 53.422,04 (…)

Desdobramento da dívida:

Capital 51.317,44

Juros de 08/08/2013 a 04/12/2014 1.678,75

Comissões 425,85

(…)»

7. A acompanhar o requerimento executivo, a exequente apresentou a nota de débito de fls. 27-v dos autos de execução, cujo conteúdo se considera aqui por reproduzido (fls. 163-v dos presentes autos), referente ao contrato de empréstimo referido em 2, de onde consta, além do mais, o seguinte:

«NOTA DE DÉBITO

(…)

Montante em dívida/em cobrança: € 5.836,84 (…)

Desdobramento da dívida:

Capital 5.107,34

Juros de 08/08/2013 a 04/12/2014 333,75

Comissões 395,75

 (…)»

8. O executado/embargante (vendedor do imóvel e fiador dos adquirentes), na data da celebração dos contratos referidos em 1 e 2, exercia a profissão de agente imobiliário, comprando e vendendo imóveis.

9. Nos contratos referidos em 1 e 2 foi previamente negociado entre a Mutuante e os mutuários o valor mutuado, a taxa de juro, o prazo de pagamento e as despesas (alterado pela Relação)[1].

10. Os executados/embargantes (fiadores) foram informados da situação de incumprimento dos empréstimos referidos em 1. e 2., antes de ser instaurada a execução.

11. A executada/embargante, EE, encontra-se reformada e auferia, em 2015, a pensão mensal de € 261,95, tendo-lhe sido penhorados, então, os seguintes saldos bancários:

- No Banco II, S.A.. (na conta nº 000 3…0), o montante de € 1.157,04;

- No Banco II, S.A.. (na conta nº 000 3…20), o montante de € 254,84;

- Na Caixa AA, S.A. (na conta nº 030…0), o montante de € 812,29.

12. O executado/embargante, DD, encontra-se reformado e auferia, em 2015, a pensão mensal de € 482,77, tendo-lhe sido penhorados, então, os seguintes saldos bancários:

- No BANCO JJ (na conta nº 33…1), o montante de € 2.855,04;

- No Banco II, S.A.. (na conta nº 000 33…0), o montante de € 254,84;

- No Banco II, S.A.. (na conta nº 000 33…0), o montante de € 1.157,04;

- Na Caixa AA, S.A. (na conta nº 030…0), o montante de € 812,29.

13. Após as penhoras realizadas em 9 e 10, ficaram ainda disponíveis saldos bancários, sendo que o saldo bancário disponível na conta nº 030 007 200 790 0, da Caixa AA, S.A., foi de € 1.010,00.

III – Fundamentação de direito

   A apreciação e decisão da revista, atentas as conclusões da alegação da Recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passam pela análise e resolução das seguintes questões:

- sujeição dos contratos ao regime das cláusulas contratuais gerais no que se refere aos embargantes fiadores;

- violação dos deveres de comunicação e informação relativamente às cláusulas cuja exclusão é peticionada e respectivas consequências;

- aplicação do regime da renúncia ao benefício do prazo a que se refere o art. 782.º do CC.

Apreciemos, agora, separadamente cada uma dessas questões.

Antes, porém, registe-se que na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra, através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.ºs 1 e 2 do art.º 662.º do Cód. de Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular por esse Tribunal não cabe sequer recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil).

Este limita-se, no exercício da sua função de tribunal de revista, a definir e aplicar o regime ou enquadramento jurídico adequado aos factos já anterior e definitivamente fixados, ou seja, apenas conhece de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto, ou se tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova, podendo, no limite, mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto (cfr. art.º 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto - e art.ºs 662.º, n.º 4, 674.º, n.ºs 1 a 3, e 682.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. de Proc. Civil).

Perpassa pelas conclusões da alegação recursória a discordância da apreciação crítica e conjugada da prova feita pela Relação e da convicção que, com base nas provas produzidas, a mesma formou. Todavia, não se enquadrando tal discordância em quaisquer das excepções a que antes se fez referência, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, temática que, como é sabido, queda fora do âmbito do recurso de revista, soçobrando tudo o que a recorrente alegou e concluiu a tal propósito.

1.1. Do regime das cláusulas contratuais gerais e da prestação de garantias (fiança)

    O fenómeno da contratação com recurso a cláusulas contratuais gerais é, como se sabe, uma decorrência da produção e consumo em massa, que propiciaram a mudança funcional do contrato, levando ao surgimento da estandardização contratual: a existência de uma pluralidade de potenciais contratantes para uma situação comparável, promoveu o advento de um fenómeno vulgarizado em que as pessoas (singulares e/ou colectivas) realizam negócios jurídicos, em rigor, não antecedidos de qualquer etapa negocial, assim se vinculando juridicamente.

    Este tipo de contratação, particular das sociedades de mercado contemporâneas, respondeu, no fundo, a necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia que conduziram as empresas a eliminar e/ou esvaziar consideravelmente as negociações prévias entre as partes[2]. Nesse sentido, a autonomia privada, configurada no seu modelo clássico que transparece, nomeadamente, no nosso Código Civil, e que pressupõe a absoluta igualdade das partes, designadamente no que concerne ao seu poder negocial, encontra-se hoje muito distante do seu desígnio liberal inspirador, sendo certo que, em muitos contratos, a igualdade jurídica não tem actualmente correspondência no plano económico.[3]Daí que a ordem jurídica, tendo consciência que, em certos contratos, uma das partes (normalmente uma sociedade comercial), tem um força e domínio superiores à da outra parte (por regra, um consumidor), deverá tutelar a parte mais fraca.

    Esta restrição da liberdade contratual tem em vista ordenar o direito privado, disciplinando a liberdade contratual por forma a evitar que esta seja exercida em prejuízo da parte economicamente mais fraca, surgindo essa limitação à autonomia privada como fundamental para garantir precisamente a verdadeira liberdade contratual.

   Instrumento deste propósito, é precisamente a consagração em Portugal do regime das cláusulas contratuais gerais (LCCG) que nasceu, de facto, com o DL n.º 446/85, de 25-10, o qual, volvidos cerca de 10 anos, viria a receber algumas alterações, por força da Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05-04-1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, através do DL n.º 220/95, de 31-08 (cf. a Declaração de Rectificação n.º 114-B/95, de 31-08), sendo ainda alvo de duas novas alterações legislativas introduzidas pelos DL n.ºs 249/99, de 07-07, e 322/2001, de 17-12.

      A disciplina da LCCG impõe a observância de determinados requisitos, formais e materiais, concordantes, essencialmente, com os princípios da boa fé, da proibição do abuso do direito e da protecção da parte mais fraca, funcionando o princípio da boa fé como a bússola central de todo o regime legal e surgindo o catálogo das cláusulas proibidas como manifestações ou concretizações exemplificativas da valoração desse princípio.

      Emerge do art. 1.º, n.os 1 e 2, da LCCG, que o regime aí contemplado se aplica às “cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar”, bem como “às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar”. Por seu turno, aquele regime abarca, tal como dispõe o art. 2.º, e salvo disposição em contrário, “todas as cláusulas contratuais gerais, independentemente da forma da sua comunicação ao público, da extensão que assumam ou que venham a apresentar nos contratos a que se destinem, do conteúdo que as informe ou de terem sido elaboradas pelo proponente, pelo destinatário ou por terceiros”.

        As cláusulas contratuais gerais podem ser definidas como “proposições ou enunciados destinados à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou”.[4] Quanto às suas características, e sem prejuízo de algumas hesitações da doutrina e da jurisprudência, entende-se que as mesmas se caracterizam pela elaboração prévia – isto é, são cláusulas pré-elaboradas pelo predisponente, sendo unilateral a iniciativa da elaboração – a generalidade – tais declarações são aplicadas a uma multiplicidade de contraentes e não apenas a um – e, tendencialmente, pela rigidez – no sentido de, com elevada probabilidade fáctica, haver a mera possibilidade de aceitação ou de recusa das cláusulas em bloco.[5]

      Tais cláusulas tanto podem integrar contratos de adesão como ser inseridas em contratos individualizados (que não se destinam a uma utilização geral, mas em que não há possibilidade de negociação), sendo certo que, de acordo com o texto da nossa lei acima transcrito, ambas as situações estão abrangidas pela LCCG.

       No caso presente, considerou o acórdão recorrido que relativamente à cláusula cuja exclusão é pretendida - que entendeu ser apenas o segmento em que os fiadores, embargantes nos autos, assumiram a posição de principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à credora e ao acordo dado a quaisquer modificações às taxas de juro, prazo ou moratórias que viessem a ser convencionadas[6] - se aplicava a LCCG por estarmos perante cláusulas contratuais gerais. Para tanto, argumentou-se que “apesar do contrato de mútuo inicial não poder ser qualificado como um contrato de adesão “tout court”, forçoso é concluir que a cláusula cuja exclusão parcial – uma vez que não pretendem a exclusão da assunção da obrigação de fiadores – os Embargantes pretendem é uma cláusula contratual geral.

       Na verdade, a Exequente/Embargada não demonstrou, no que para agora interessa, que as garantias do dito contrato tenham sido previamente negociadas entre a mutuante e os fiadores, ou que sequer o tenham sido com os mutuários, concluindo-se que as mesmas foram definidas para serem apresentadas a todos aqueles que com a Exequente negociassem ou renegociassem um crédito desse tipo.” (cfr. fls. 290 e 291).

       Com efeito, face à matéria de facto concretamente apurada e por força da aplicação das regras relativas à utilização das cláusulas contratuais gerais (nomeadamente, por força do disposto no art. 1.º, n.º 3, da LCCG, que faz recair sobre o predisponente o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia), subscrevemos a qualificação da cláusula em causa, relativa à prestação de garantia e respectivos termos, como uma cláusula contratual geral abrangida pela LCCG.

      A aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais ao garante, parte acessória ou secundária de um outro contrato, nomeadamente ao fiador de um contrato mútuo celebrado com um terceiro, conforme sucede no caso, - e vem assinalada no acórdão recorrido – tem sido aceite pela generalidade da jurisprudência mais recente, em função do garante poder ser também qualificado como “aderente” para efeitos da LCCG.

      Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-07-2015 (Revista n.º 1728/12.8TBBRR-A.L1.S1)[7], “O fiador é devedor – embora a título acessório - do mutuante, assumindo os direitos e obrigações decorrentes desse negócio, garantindo o pagamento da dívida, que o incumprimento contratual do mutuário venha eventualmente a gerar e tendo intervindo num contrato de adesão nessa qualidade são-lhe aplicáveis as normas decorrentes da LCCG”. Daí que se tenha concluído nesse aresto, com a sustentação doutrinal aí referida, que “os deveres de comunicação e de informação decorrentes da LCCG, abrangem as cláusulas das quais resultam obrigações para o fiador, sendo irrelevante que as mesmas tenham como destinatário principal e originário o devedor principal”.

       Por conseguinte, estando em causa cláusulas pré-elaboradas, destinadas a uma generalidade de destinatários e tendencialmente rígidas ou sem possibilidades efectivas de serem modificadas, apresentadas pelo proponente com vista a sua adesão massificada, ou pelo menos, com vista a sua inserção em contratos individualizados insusceptíveis de modificação, não existem razões para distinguir a situação do mutuário da do fiador que, no que às disposições respeitantes à prestação e modo de funcionamento da garantia, deve ser encarado igualmente como “aderente” e, como tal, beneficiando da tutela conferida pela LCCG.

       Sendo essa a situação dos autos, importa retirar as consequências para o caso concreto da aplicação do regime decorrente do diploma que regula as cláusulas contratuais gerais.

1.2. Do cumprimento dos deveres de comunicação e informação

      Corolário da aplicação do referido regime é a obrigatoriedade que decorre para o predisponente de assegurar o cumprimento quanto às cláusulas contratuais gerais dos deveres de comunicação e de informação a que se referem os arts. 5.º e 6.º da LCCG.

       Tais deveres são perfeitamente distintos e concretizam os deveres pré-contratuais previstos no artigo 227.º do CC, uma vez que nenhum contrato fica concluído se não houver uma comunicação integral, oportuna e adequada à compreensão da parte contrária (cfr. art. 232.º do CC)[8]. O dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo. O dever de informação, que pressupõe a efectivação da comunicação, dirige-se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente. Impõe-se, nesta circunstância, a prestação espontânea de informação dos aspectos das cláusulas que exijam aclaração, sem prejuízo da prestação de todos os esclarecimentos razoáveis que sejam solicitados pelo próprio aderente[9].

      Desdobra-se, portanto, em duas vertentes: a iniciativa de informar por parte do predisponente, em relação a aspectos que justifiquem aclaração; a obrigação de informar, em resposta aos esclarecimentos razoáveis que lhe sejam solicitados pelo aderente.

      No caso, face à alegação pelos Embargantes da omissão do cumprimento desses deveres, em concreto no que se refere ao dever de informação por não lhes ter sido explicado o significado da fiança solidária por si prestada em ambos os clausulados, resta decidir se foram incumpridos pela Embargada tais deveres quanto tal cláusula.

      O acórdão recorrido, após se ter detalhadamente referido à relevância e dimensão do cumprimento destes deveres e respectivas consequências no que concerne à exclusão das cláusulas em relação às quais se verifique o seu incumprimento, nos termos do art. 8.º, als. a) e b), da LCCG, concluiu pela ausência de demonstração do cumprimento desses deveres. Considerou, a final, que a fiança prestada pelos Embargantes se mantém, mas com carácter acessório da obrigação que recai sobre os mutuários e não sujeita às alterações entretanto introduzidas no contrato, vigorando, pois, o benefício da excussão prévia a que se refere o art. 638.º do CC.

       Referiu-se, no mais, que a circunstância de no texto da escritura pública que formalizou o contrato constar, previamente à assinatura, que ocorreu a leitura integral da mesma perante todos os intervenientes, com entrega do respectivo “documento complementar” não é suficiente para demonstrar o cumprimento do dever de informação sendo necessário esclarecer o conteúdo das cláusulas ao aderente, sob pena do respectivo dever ser puramente formal e de se frustrar o propósito do legislador, sendo certo que não é o aderente que tem, por sua iniciativa, de se informar, sendo, sim, quem propõe as cláusulas que tem de as explicar[10]. Louva-se, para tanto, no voto de vencido aposto no Acórdão do STJ de 09-07-2015, já acima referido, que considerou, em síntese, que os deveres de comunicação e de informação não se reduzem a um dever de prestar esclarecimentos se os mesmos forem solicitados, e que na ausência de comunicação prévia o leigo não sentirá, sequer, a necessidade de pedir esclarecimentos, como seria o caso da cláusula de exclusão do benefício da excussão prévia que será, no contexto de um contrato, para este ininteligível, não sendo o momento da escritura o mais adequado para pedir grandes esclarecimentos.

      Contudo, tal posição não foi a que fez vencimento no aresto em causa, antes se nos afigurando que a melhor solução é que resulta do decidido no acórdão que, por maioria, entendeu, conforme resulta do respectivo sumário, que:

“IV - Tendo a Recorrida (fiadora) prescindido da leitura do documento complementar de fiança que fazia parte integrante da escritura de compra e venda do imóvel, tal comportamento faz supor que se assim se manifestou perante aquele que teria a obrigação de informar (o mutuante, igualmente presente na escritura), é porque se encontrava devidamente esclarecida acerca do conteúdo e alcance do clausulado que posteriormente veio a subscrever, não se podendo onerar o predisponente com a obrigação de proceder a explicações, mesmo que o aderente delas prescinda.”

     Resulta, para tanto, da respectiva fundamentação - que pelo seu interesse e similitude com o caso dos autos transcrevemos - o seguinte:

“Bem sabemos que o artigo 5º da LCCG onera o predisponente com exigências especiais de comunicação, promovendo o efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais, mas para que este dever possa ser completamente cumprido por parte do predisponente, exige-se também o cumprimento do dever de diligência por banda do aderente o qual deverá pedir esclarecimentos àquele, cfr Pedro Caetano Nunes, Comunicação de Cláusulas Contratuais Gerais, Estudos De Homenagem Ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Separata, Almedina 2011, 507/534; Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, 189/193; Ana Prata, Contratos De Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 206/251; Ac STJ de 20 de Janeiro de 2010.

      Daqui resulta que, se a Embargante, aqui Recorrida, estando em posição de pedir os esclarecimentos de que carecia, antes da outorga da escritura, o não fez e até deles prescindiu no acto da escritura, ao declarar que conhecia perfeitamente o conteúdo do documento complementar respeitante à fiança, não se pode dizer que foi violado o dever de informação (…). Não se poderá «obrigar» nestas circunstâncias específicas que o predisponente, mesmo ao arrepio de uma vontade expressa do aderente, explique uma por uma as cláusulas insertas num contrato de adesão, sob a égide de uma eventual ameaça de uma possível futura acção com vista à declaração da nulidade do contrato por violação do dever de informação e na esteira de Almeno e Sá podemos dizer que «a imposição ao utilizador deste ónus tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível (…) tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos conduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa».

      O dever de informação deve ser prestado «de acordo com as circunstâncias», no dizer do segmento normativo a que alude o nº1 do artigo 6º da LCCG e se nestas constatamos que o aderente prescinde de todo e qualquer esclarecimento, não se poderá dizer que tenha havido o incumprimento daquela específica obrigação de comunicação e explicitação, «o dever de comunicação é uma obrigação de meios: não se trata de fazer com que o aderente conheça efectivamente as cláusulas, mas apenas desenvolver para tanto uma actividade razoável», apud Almeida Costa e Menezes Cordeira, in Cláusulas Contratuais Gerais, 25.”

       Ora, no caso presente resulta, precisa e textualmente, da escritura pública que formalizou o contrato de mútuo com hipoteca e fiança referido no facto provado n.º 1 que:

«DECLARAM AINDA OS PRIMEIROS OUTORGANTES, agora na qualidade de fiadores:

       Que se responsabilizam como fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido à caixa credora em consequência do empréstimo aqui titulado, dando, desde já, o seu acordo a quaisquer modificações das taxa de juro e bem assim às alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas entre a credora e a parte devedora e aceitam que a estipulação relativa ao extracto da conta e aos documentos de débito seja também aplicável à fiança.

(…)

DECLARARAM TODOS OS OUTORGANTES.

      Que têm perfeito conhecimento do conteúdo do referido documento complementar, que inteiramente aceitam, dispensando a sua leitura.

(…)

Esta escritura foi lida e explicada aos outorgantes».

(fls. 142 a 142 vs.)

      Nestas circunstâncias mostram-se válidas e aqui aplicáveis as considerações feitas no acórdão do Supremo que se tem vindo a citar, já que no caso presente, ficou consignado na própria escritura que esta foi lida e explicada aos outorgantes, incluindo, necessariamente, o teor da cláusula respeitante à constituição da garantia através de fiança solidária, tendo quanto ao teor do documento complementar declarado os outorgantes que conheciam o respectivo conteúdo e que prescindiam da respectiva leitura.

      A todo o supra transcrito argumentário acrescenta-se ainda que a circunstância do contrato ter sido formalizado num acto solene como é a realização de uma escritura pública, que tem a natureza de um documento autêntico nos termos dos arts. 369.º e ss. do CC e em que a respectiva força probatória plena abrange os factos que aí se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e, bem assim, os factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora, nos termos do art. 371.º, n.º 1, do CC, impõe que a conduta do aderente correspectiva do cumprimento dos deveres de comunicação e de informação por parte do predisponente, seja sujeita a um crivo mais exigente no que se refere à sua obrigação de diligência e aos deveres de “auto-responsabilização” quanto ao conhecimento e compreensão das cláusulas contratuais gerais por si subscritas.

      Com efeito, sabendo-se que, nos termos do art. 1.º, n.º 1, do Código do Notariado, “a função notarial destina-se a dar forma legal e conferir fé pública aos actos jurídicos extrajudiciais”, a circunstância de ter ocorrido uma intervenção notarial na celebração de actos e negócios jurídicos impõe um correspondente grau de segurança e certeza jurídicos que não é compatível com uma abordagem jurisprudencial que, de alguma forma, coloque em causa, de modo desequilibrado ou pouco exigente, o teor ou o conteúdo do que é atestado quanto à autenticidade e validade do acto praticado (que aqui não está em causa) mas igualmente quanto à representação e compreensão do que aí ocorreu e dos termos em que as partes se vincularam ao contratado.

      Entendimento contrário faria perigar a segurança e a certeza do comércio jurídico, não sendo compatível com o são desenvolvimento de uma sociedade justa nem com a autonomia privada ou os fins do Direito, entender que um acto formal e solene como uma escritura pública, seja posto em causa pelo próprio outorgante, quanto às declarações aí vertidas e atestadas por oficial dotado de poderes públicos, no que se refere a encontrar-se consciente e informado do respectivo conteúdo e alcance.

       Neste contexto, faz sentido que a protecção da parte mais fraca que decorre do regime das cláusulas contratuais gerais apenas mereça tutela nas situações em que a falta de conhecimento das cláusulas não resulte de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor, conforme decidiu o Acórdão do STJ de 24-03-2011 (Revista n.º 1582/07.1TBAMT-B.P1.S1[11].

       No caso, os correspondentes “contra-deveres” de diligência própria - por contraponto às obrigações que recaem sobre o predisponente no que se refere à comunicação e informação –, aferidos à luz do cidadão médio ou comum e segundo um padrão de boa fé, levam, por isso, a que, no caso concreto, se conclua que, face à conduta e declarações prestadas aquando da celebração da escritura, não recaía sobre a Embargada qualquer ónus adicional de demonstração do cumprimento dos deveres de informar e esclarecer os Embargantes do teor da cláusula referente à fiança por estes subscrita.

       Conforme se refere no sumário do Acórdão do STJ de 11-07-2017 (Revista n.º 9222/15.9T8LSB.S1[12]:

      “IV – (…) as exigências especiais na promoção do efectivo conhecimento das cláusulas contratuais gerais e da sua precedente comunicação, que oneram o predisponente, têm como contrapartida, também por imposição do princípio da boa-fé, o aludido dever de diligência média por banda do aderente e destinatário da informação – com intensidade e grau dependentes da importância do contrato, da extensão e da complexidade (maior ou menor) das cláusulas e do nível de instrução ou conhecimento daquele –, de que se espera um comportamento leal e correcto, nomeadamente pedindo esclarecimentos depois de materializado que seja o seu efectivo conhecimento e informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.”

      Deste modo, tendo os Embargantes intervindo como outorgantes na escritura pública de mútuo com hipoteca e fiança a que se refere o facto provado n.º 1, da qual consta que a mesma lhes foi lida e explicada, e tendo prescindido da leitura do respectivo documento complementar por terem perfeito conhecimento do seu conteúdo, não se pode concluir, como fez o acórdão recorrido, ter havido uma violação dos deveres de comunicação e de informação a que se referem os arts. 5.º e 6.º da LCCG por parte da Embargada, que justifique a exclusão da cláusula respeitante à fiança solidária aí prestada.

      Coloca-se agora a questão de saber se em relação ao contrato de empréstimo, com promessa de hipoteca e fiança, subscrito por documento particular e com assinaturas reconhecidas por notário ao abrigo do DL n.º 48953, de 05-04-1969[13], a que se refere o facto provado n.º 2, deve a cláusula referente à fiança ser excluída por violação dos deveres de comunicação e de informação.

       No que concerne a este documento que constituiu o segundo título dado à execução e em relação aos quais os Embargantes invocaram os mesmos argumentos para sustentarem a exclusão da cláusula que estabeleceu uma fiança solidária – cfr. art. 13.º do contrato – valem as considerações acima enunciadas a respeito da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais e à obrigatoriedade de serem cumpridos os deveres de comunicação e de informação a que se referem os arts. 5.º e 6.º da LCCG, com as consequências previstas no art. 8.º do mesmo diploma. A circunstância de tal cláusula ter sido inserida num documento particular – ao contrário do que sucedeu no mútuo com fiança celebrado por escritura pública -, por não se mostrarem reunidos os pressupostos acima mencionados que levaram a que se concluísse pelo cumprimento dos ónus que impendiam sobre o predisponente, poderia levar a que se entendesse existirem razões para a exclusão da mencionada cláusula quanto a este segundo título executivo.

     Todavia, tal conclusão deve, no caso concreto, ser afastada uma vez que a análise da necessidade e do cumprimento desses deveres não pode ser avaliada desligando-se o tribunal do circunstancialismo e do contexto global que resulta da matéria de facto.

      Na verdade, decorre da factualidade provada que os Embargantes intervieram em ambos os contratos de mútuo e aí se constituíram fiadores dos mesmos Mutuários, perante o mesmo Mutuante, no caso, a Embargada, sendo certo que o Embargantes foram simultaneamente os vendedores da fracção autónoma objecto de aquisição através da mencionada escritura pública. Por outro lado, ambos os contratos foram celebrados no mesmo dia, 08-04-2002, tendo no contrato titulado por escritura pública sido mutuado o valor de € 48.500,00 enquanto no contrato titulado por documento particular com assinaturas reconhecidas por notário foi mutuado o valor de € 5.300,00, destinando-se ambos os montantes a investimentos em bens imóveis, tendo-se os Embargantes constituído em ambos fiadores nos termos da cláusula de fiança que tem praticamente a mesma redacção, sendo ipsis verbis a redacção na parte em que se refere a constituírem-se como “fiadores e principais pagadores” por tudo o devido em consequência dos empréstimos e quanto a darem o seu acordo quanto modificações e “alterações de prazo ou moratórias que venham a ser convencionadas.” (cfr. fls. 142 e 151 vs.)

      Ora, tratando-se de dois títulos executivos corporizados em dois documentos, celebrados no mesmo dia, com os mesmos intervenientes e por todos assinados, respeitantes ao mesmo tipo de negócio e garantia (no caso mútuos com garantia), concretizada esta na prestação de uma fiança consagrada nos clausulados com idêntica redacção e com a referência expressa a constituírem-se “como fiadores e principais pagadores”, e sabendo-se que é comum um empréstimo para habitação ser complementado por um crédito ao consumo destinado a despesas com o imóvel, entendemos que, face às circunstâncias concretas do caso, não existe justificação para tratar de forma diferente os dois contratos, sendo a invocação da ausência de cumprimento dos deveres de comunicação e de informação no que concerne ao segundo contrato, inclusive, abusiva, face ao que se concluiu em relação ao primeiro.

      A circunstância de os Embargantes terem tomado conhecimento do teor da escritura, que lhes foi lida e explicada, e prescindido da leitura do respectivo documento complementar, traduzindo, assim, pelo menos perante a Embargada, não haver qualquer necessidade de cumprir qualquer ónus adicional de esclarecimento, faz com que a sua invocação em relação ao segundo contrato, celebrado no mesmo dia e nas circunstâncias acima referidas, seja tida por igualmente desnecessária e possa consubstanciar, no caso concreto, uma manifestação de uma situação de abuso do direito (art. 334.º do CC).

      Com efeito, tendo os contratos sido celebrados no mesmo contexto negocial e com coincidência temporal e subjectiva de intervenientes, afigura-se-nos que nada havendo que complementar no que se refere ao dever de informação a respeito do teor e conteúdo da cláusula de fiança vertida na escritura por os ora Embargantes da mesma terem conhecimento e consciência, ou pelo menos, manifestado a desnecessidade de qualquer outra forma de cumprimento do dever de informação, também não podem os mesmos invocar qualquer desconhecimento ou défice de informação em relação a cláusula idêntica incluída no documento complementar pelos mesmos subscrito.

      A solução, no caso, não pode assim ser distinta no que se refere ao segundo contrato apresentado como título executivo, sendo forçoso concluir que, se em relação ao primeiro título executivo consubstanciado na escritura pública não ocorreu qualquer violação dos deveres de comunicação ou de informação que justifique a exclusão da cláusula de fiança nos termos em que foi subscrita, igualmente não se justifica essa exclusão quanto ao documento particular que foi apresentado como título executivo, sendo de considerar cumpridos os deveres que resultam do regime das cláusulas contratuais gerais na sua globalidade.

  3.3. Do regime da renúncia ao benefício do prazo (art. 782.º do CC).

      O acórdão recorrido, sem prejuízo de ter julgado procedentes os embargos por força da exclusão da cláusula de fiança no que concerne à sua natureza solidária e às alterações introduzidas no contrato, considerou que sempre os embargos seriam de julgar igualmente procedentes, ainda que de forma parcial, por via da questão suscitada relativa à falta de interpelação dos fiadores.

      Considerou-se aí, em síntese, que atendendo às declarações consignadas nos documentos que constituem os títulos executivos apresentados, não resulta que tenha havido estipulação em contrário do disposto no art. 782.º do CC, pelo que não ocorreu a perda do benefício do prazo e não estava a Embargada dispensada de interpelar os Embargantes, pelo que, não tendo havido qualquer efectiva interpelação, não estava a Embargada autorizada a instaurar a execução quanto a todas as prestações.

       Ora, segundo tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência[14], o art. 781.º do CC, ao determinar o vencimento imediato das restantes prestações, deve ser interpretado no sentido de que o inadimplemento do devedor permite ao credor exigir a satisfação daquelas prestações, e não que o não pagamento de uma das prestações no prazo acordado, determina, só por si, a mora do devedor quanto ao cumprimento das demais.

      Nessa conformidade, o estatuído no art. 781.º do CC, não dispensa a interpelação do devedor, caso o credor pretenda obter o pagamento antecipado das prestações, cujo prazo ainda não se vencera. Em relação ao co-obrigados e terceiros – salvo convenção em contrário decorrente da natureza não imperativa de tal preceito – vigora o disposto no art. 782.º do CC, segundo o qual, “a perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia”. É que, conforme referem Pires de Lima e Antunes Varela, “a perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos. Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.”[15]

       Neste sentido, entende Januário da Costa Gomes que, o fiador “se accionado pelo credor pode opor a excepção de inexigibilidade do crédito (fidejussório), na medida em que a pretensão “exceda” quantitativamente a medida das prestações resultantes do “calendário” estabelecido. É uma clara medida de protecção do fiador (e de outros co-obrigados ou garantes) que corporiza uma excepção à acessoriedade da fiança e que conduz a uma solução equilibrada: se o credor pretende obter logo, uma vez provocado o vencimento da obrigação, a totalidade do seu crédito, terá de o exigir do devedor (…); se, ao invés, optar por exigir sucessivamente as prestações de acordo como o “calendário” traçado, tem à sua “disposição”, para cada uma delas, os patrimónios do devedor principal e do fiador.”[16]

      Em consonância com esta posição e como expressão da orientação que se tem vindo a sedimentar neste Tribunal, entendeu o STJ no Acórdão 25-10-2018 (Revista n.º 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1)[17], que:

      “Salvo estipulação em contrário, o regime de exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações previsto no art. 781.º do CC não se estende ao fiador pelo que, se acionado pelo credor, pode opor a exceção de inexigibilidade do crédito fidejussório, na medida em que “exceda” quantitativamente o montante das prestações resultantes do “calendário” estabelecido no contrato.”.

      A esta luz, no caso de, em sede de execução movida contra o fiador, ficar por demonstrar a inaplicabilidade do regime do art. 782.º do CC (ou, ainda que tal regra seja afastada, igualmente a interpelação do fiador), a melhor solução será, em nosso entender, a de julgar procedentes os embargos deduzidos com esse fundamento, prosseguindo a execução quanto aos Embargantes fiadores, relativamente às prestações vencidas até à data de entrada do requerimento executivo, e respectivos juros de mora, em valor a liquidar na própria execução.[18]

      Ora, nos termos que resultam do acórdão recorrido e que nesta parte acompanhamos, esta é precisamente a situação em causa nos autos, uma vez que não resulta do contrato, em particular da cláusula respeitante à fiança ou de qualquer outra aposta no contrato, que os fiadores tenham renunciado ao benefício do prazo a que se refere o art. 782.º do CC, sendo certo que também não ficou provada a sua interpelação tendo em vista o pagamento da suposta exigibilidade imediata de todas as prestações vencidas e vincendas.

       Com efeito, as cláusulas dos contratos que se referem à perda do benefício do prazo (cláusula 16.ª, al. d), do documento complementar à escritura e cláusula 11.ª, al, b) do documento particular), limitam-se a prever o direito da credora a “considerar o empréstimo vencido (…) se a parte devedora deixar de cumprir alguma das obrigações resultantes das obrigações resultantes deste contrato” e respeitam apenas às obrigações dos Mutuários sem que da estipulação em causa resulte, pelo menos de forma clara, uma renúncia por parte dos fiadores ao benefício do prazo a que se refere o art. 782.º do CC.

      Tratando-se de uma questão de direito que, de acordo com as regras previstas nos arts. 236.º e 238.º do CC, compete ao STJ interpretar, entendemos – conforme resulta, aliás, da fundamentação do acórdão recorrido – que nada aponta no sentido de ter havido uma vontade consensualizada das partes quanto ao afastamento do regime supletivo do disposto no art. 782.º do CC.

       A respeito da interpretação da declaração fidejussória, importa, aliás, ter presente, conforme refere Januário da Costa Gomes, que “o facto de a fiança (…) ser um negócio de risco, determina a necessidade de a declaração tendente à prestação de fiança dever ser interpretada de forma estrita. Na dúvida sobre o sentido da declaração, não será directamente relevante o critério subsidiário do art. 237.º do CC – “dicotomizado” entre os negócios gratuitos e os onerosos – mas antes o critério do carácter menos gravoso para o declarante. Assim resulta, natural e razoavelmente, do facto de a fiança ser um negócio de risco, donde decorre que deve ser o credor, beneficiário da garantia, a curar no sentido de a declaração “cobrir”, inequivocamente, todas as situações que pretende ver resguardadas. (…) Em resumo: in dubio pro fideiussione.”[19]

      Deste modo, atendendo ao que consta de cada um dos contratos apresentados como títulos executivos, e nada havendo na matéria de facto que inculque o contrário, forçoso é concluir, de acordo com as mencionadas regras de interpretação que impõe uma interpretação favorável ao garante, que não ocorreu a renúncia ao benefício do prazo, valendo quanto aos Embargantes o que decorre do disposto no art. 782.º do CC. Tal tem como consequência que os títulos executivos apresentados não poderão incluir as prestações que, de acordo com a “calendarização” acordada não se encontravam ainda vencidas, sendo certo que o facto dos fiadores se terem constituído como principais pagadores apenas conduz a que estes respondam pela dívida em solidariedade com o devedor principal (arts. 638.º e 640.º do CC), sendo inidóneas para afastar a regra contida no art. 782.º do CC, alusivo à perda do prazo[20].

      No mais, há que sufragar o acórdão recorrido na parte em que entendeu que, em qualquer caso, não ficou provada a interpelação prévia dos Embargantes, não sendo suficiente para esse efeito ter ficado provado que “os executados/embargantes (fiadores) foram informados da situação de incumprimento dos empréstimos referidos em 1. e 2., antes de ser instaurada a execução” (cfr. facto provado n.º 10), uma vez que se desconhece o conteúdo ou propósito dessa informação, a qual sempre ficaria muito aquém de uma efectiva interpelação.

      Aliás, a demonstração dessa interpelação era, igualmente, condição necessária à instauração da execução quanto às prestações que, alegadamente, se teriam vencido, pelo que também por esta razão e não tendo esta ocorrido, terão os embargos de proceder parcialmente, ficando o valor das prestações em causa de ser apurado, através de liquidação, no âmbito da própria execução.

       Na verdade, nada impede a que essa concretização seja feita nos próprios autos de execução, sendo uma consequência lógica da procedência parcial dos embargos, sem que se justifique considerar que, por força da não exclusão do art. 782.º do CC e da ausência de prévia interpelação, se deva ter como absolutamente inexigível todo o crédito exequendo em relação aos Embargantes quando, pelo menos, parte da quantia exequenda já se referiria a prestações vencidas e respectivos juros de mora.

       Em suma, procedem, em parte, as conclusões da Recorrente, o que implica o parcial êxito da revista a determinar, na procedência parcial dos embargos, o prosseguimento da execução, quanto aos Embargantes, relativamente às prestações vencidas até à data de entrada do requerimento executivo e respectivos juros de mora, em valor a liquidar.

IV – Decisão

Nos termos expostos, concede-se parcial revista, revoga-se o acórdão recorrido, inclusive no que toca ao levantamento de todas as penhoras, e, na procedência parcial dos embargos, determina-se que a execução prossiga quanto aos Embargantes relativamente às prestações vencidas até à data de entrada do requerimento executivo e respectivos juros de mora, em valor a liquidar.

Custas pelos Recorridos e Recorrente, na proporção do vencido.


*

Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663.º, n.º 7, e 679.º, ambos do CPC).


*


Lisboa, 06 de Junho de 2019

António Joaquim Piçarra (Relator)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado

_____________

[1] Tinha a seguinte redacção: Nos contratos referidos em 1. e 2. foi previamente negociado entre todos os intervenientes o valor mutuado, a taxa de juro, o prazo de pagamento, as garantias e as despesas, sabendo os executados/embargantes as responsabilidades que aí assumiam.
[2] Vide o Acórdão do STJ de 11/04/2013 (Revista n.º 403/09.5TJLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/3c8a09fddceaf2c980257b4f004ce5ee?OpenDocument, remetendo para Joaquim Sousa Ribeiro, Cláusulas Contratuais Gerais e Paradigma do Contrato, 1990, pág. 46..
[3] Margarida Paz, Ações Inibitórias e Ações Coletivas, Estudos do Direito do Consumo, Vol. V (Separata), AAFDL Editora, 2017, Lisboa, págs. 6 e 7.
[4] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I: Conceito, Fontes, Formação, Almedina, 3.ª Edição, Coimbra, 2005, pág. 163.
[5] Margarida Paz, ob. cit., pág. 12.
[6] cfr. declaração dos fiadores constante da escritura referida no ponto 1. dos factos provados e cláusula 13.ª do documento particular referido no ponto 2. dos factos provados.
[7]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/15430e523d75e5ab80257e7d004e3e73?OpenDocument, aresto que, face à similitude com o caso dos autos, acompanharemos de seguida.
[8] Carlos Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 160 e ss.
[9] Cfr. Acórdão do STJ de 03-10-2017 (Revista n.º 569/13.0TBCSC.L1.S1, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/17b68961f3707614802581ae004f3450?OpenDocument
[10] Cfr. Acórdão recorrido a fls. 296.
[11]http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7806dfc2d897d50e80257863004f92e2?OpenDocument, reafirmado pelo Acórdão do STJ de 03-10-2017 já citado.
[12] https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/civel2017.pdf
[13] Diploma que, então, aprovou a constitui a nova lei orgânica da “Caixa Geral de Depósitos, Crédito e Previdência” e que no art. 65.º, n.º 1, prevê que os actos e contratos realizados pela Caixa e suas instituições anexas podem ser titulados por documento particular desde que não sujeitos a registo.
[14] Acompanhamos aqui o Acórdão do STJ 25-10-2018 (Revista n.º 13426/07.0TBVNG-B.P1.S1, Relatora Maria do Rosário Morgado), ainda inédito, com abundantes referências doutrinais e jurisprudenciais.
[15] Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 1997, pág. 33.
[16] In Assunção Fidejussória de Dívida, Almedina, 2000, págs. 619 e 620.
[17] Ainda inédito na presente data.
[18] Assim, decidiram, nomeadamente, o Acórdão do STJ de 25-10-2018 acima identificado, bem como o Acórdão do STJ de 18-01-2018 (Revista n.º 2351/12.2TBTVD-A, Relatora Fátima Gomes), disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/20991dbd24ad154a8025821d00520bbe?OpenDocument
[19] Ob. cit., págs. 744 e 755.
[20] Cfr. Acórdão do STJ de 25-10-2018 já citado.