Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
617/08.5PALGS.E2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: MOTIVAÇÃO DO RECURSO
REPETIÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
DIREITOS DE DEFESA
PRINCÍPIO DA IMEDIAÇÃO
REENVIO DO PROCESSO
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
CRIME SEMI-PÚBLICO
MINISTÉRIO PÚBLICO
INTERESSE DA VÍTIMA
INTERESSE PÚBLICO
QUEIXA
CADUCIDADE
DESPACHO
FUNDAMENTAÇÃO
LEGITIMIDADE
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE DIREITO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CRIMES DE PERIGO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CRIME CONTINUADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
DOLO
ILICITUDE
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática: DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME / CONCURSO DE
CRIMES E CRIME CONTINUADO / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / QUEIXA E ACUSAÇÃO
PARTICULAR / CRIMES CONTRA AS PESSOAS / DOS CRIMES
CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - SENTENÇA - RECURSOS.
Doutrina: - Circular Interna da PGR n.º 2/2008-DE, de 9.8.2008.
- Cristina Soeiro, Subjudice, 2003, n.º 26, pág. 21.
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Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 51.º, 97.º, N.º 3,
331.º, 338.º, 355.º, 400.º, N.º 1 ALS. E), F), 412.º N.ºS 3 E 4, 432.º,
N.º 1, AL. C), 434.º, 426.º, 1, 427.º, 428.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 30.º, N.ºS 1, 2, 3, 71.º, 77.º, N.ºS
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178.º, N.ºS 1 E 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS
20.º, 32.º.
Referências Internacionais: CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH):
ARTIGO 5.º, N.º 4.
PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS: -
ARTIGO 14.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional: - DE 24.10.96, ACS. DO STJ, CJ, 2001, TOMO I, PÁG. 232.
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- DE 2.10.2003, PROC. N.º 2626, DA 3ª SECÇÃO DO STJ.
- DE 19.4.2006, CJ, STJ, ANO XIV, TII, 169.
- DE 10.9.2007, ACS, DO STJ, IN CJ, ANO XV, TIII, 193.
Sumário :

I  -   O recurso perante o STJ é um meio de reponderação do decidido por um tribunal superior, e implica argumentar, impugnar, contrariar, o que, à falta de outra alternativa, mas contendo-se, ainda, dentro desta finalidade, bem pode o recurso na sua motivação repetir os moldes da defesa já apresentada, em termos de a identidade não a prejudicar.
II -  Por isso, a repetição da motivação não figura entre as causas de rejeição de recurso, bem podendo, pois, o recorrente não ficar vergado à decisão que sobre aquela (motivação) recaiu e aguardar a melhor reponderação por outro tribunal de recurso da mesma argumentação; sendo diferente restringir-se-ia excessivamente o seu direito de defesa, em nome de um entendimento essencialmente formal, além de que só a falta de motivação conduz àquela inadmissibilidade e essa hipótese está arredada.
III - Um dos princípios estruturantes do nosso CPP é o da imediação, com o significado e alcance, com expressa tradução no art. 355.º, n.º 1, do CPP, de que só podem ser valoradas na sentença as provas produzidas ou examinadas em julgamento, por virtude de uma relação de proximidade que se estabelece entre as provas e o julgador ante o qual desfilam.
IV - A ritologia processual de que os autos nos dão conta põem a descoberto que o Tribunal da Relação, denotando insuficiência da matéria de facto, impeditiva de bem decidir de direito, ordenou, em reenvio parcial, que a 1.ª instância apurasse a data de nascimento das ofendidas, baixando os autos para esse fim, obedecendo, como cumpre, o tribunal recorrido.
V -  E uma vez na posse de certidões de registo de nascimento das vítimas, suprindo a lacuna, em nova audiência, cingindo-se ao veredicto do tribunal superior, aquela instância fixou a data de nascimento das menores, mantendo intocada toda a demais matéria de facto fixada no anterior julgamento parcialmente reenviado, emitindo, de seguida, decisão de mérito, refundindo num todo a matéria de facto apurada em dois momentos temporalmente separados.
VI - A Relação, ao determinar o reenvio parcial, nos termos do art. 426.º, n.º 1, do CPP, restringiu o julgamento de 1.ª instância a ponto concretamente identificado, não impondo conjunta valoração dos factos novos com os advindos do antecedente, e assim, é óbvio, que à 1.ª instância mais não era rogado do que esse julgamento parcelar, deixando intacto o demais acervo factual, que não havia que harmonizar por não se registarem pontos de colisão entre si e os factos apurados a partir de documentos autênticos.
VII - Exerceu-se, pois, em toda a linha, a imediação com as provas segmentadas, de novo produzidas em audiência, e tanto basta, para concluir que nenhum atropelo àquele princípio ocorreu; ele foi actuado em dois momentos distintos, que se completam e unificam, mas não deixou de estar presente em julgamento a imediação fundante da convicção probatória, sem preterição de qualquer norma processual, desatendendo-se à arguição da nulidade por violação do princípio da imediação.
VIII - Os factos por que o arguido foi condenado, por abuso sexual de criança, tiveram lugar entre 2001 e 2002, tendo a menor D 9/10 anos, pois nascera em 07-01-1992. À data o crime, como regra, nos termos do art. 178.°, n.º 1, do CP, na redacção introduzida pela Lei 99/2001, de 25-08, tinha natureza semi-pública, o que limita o princípio da oficialidade ou promoção oficiosa pelo MP e o da imutabilidade da acusação pública, na medida em que pode haver desistência da queixa até publicação da sentença em 1.ª instância (arts. 116.º do CP e 51.° do CPP).
IX - Excepcionava-se, então, de tal natureza, à luz do artigo e número citados, as hipóteses previstas nas als. a) e b), caso em que o crime assumia natureza pública, ou seja quando daí resultasse a morte ou suicídio da vítima ou quando, tendo o menor menos de 14 anos e o agente do crime tenha legitimidade para requerer procedimento criminal, por exercer sobre a vítima poder paternal, tutela ou curatela ou a tiver a seu cargo. Então a gravidade associada ao crime e a necessidade de não deixar impune o crime fundavam evidente interesse público, radicado no MP, no exercício da acção penal, substituindo-se ao titular natural, posto que inerte, do direito de queixa.
X -  De relevar, ainda, que aquele diploma, no seu n.º 4, na redacção daquela Lei, veio estabelecer – como o mesmo derivava já do n.° 2, em redacção anterior – que quando os crimes, entre os quais os de abuso sexual de criança (previsto no art. 171.° do CP) fossem cometidos contra menor de 16 anos, como era o caso da D, o MP pode dar início ao procedimento sempre que o interesse da vítima o impusesse.
XI - E o art. 113.°, n.º 6, do CP, com o qual se harmoniza aquele preceito, veio estipular que, nos casos em que o procedimento depende de queixa, pode o MP, nos casos previstos na lei – o caso inserto no art. 178.°, n.º 4, do CP, é um deles – dar início ao procedimento criminal se especiais razões de interesse público o impuserem.
XII - O MP não é titular dos especiais interesses de protecção da esfera da intimidade da vítima, mas, ao lado da consideração do interesse específico da vítima, alinha-se o evidente interesse público de protecção de crianças em razão da sua idade, fragilidade física e psíquica e do desinteresse ou impossibilidade da repressão penal manifestado pelo seu representante legal, legitimando que o MP exerça a acção penal.
XIII - Esse interesse público em agir é corolário do crescente interesse colectivo reclamando protecção a esse segmento populacional, a que não é alheia a crescente prática de abuso sexual, o impacto condenatório da opinião pública, além da pressão internacional que se faz sentir.
XIV - No contexto em que, como é o caso, o representante legal do menor não exerceu a acção penal, o MP estava legitimado para o efeito, para o que concorre a chocante consequência de deixar impune aquele que abusa sexualmente de criança de pouca idade, de 9/10 anos, mais fragilizada, ainda, por à data já lhe ter falecido a mãe.
XV - A natureza pública que o crime passa a repercutir, se por um lado torna irretratável a posição do MP, também por via dessa natureza pública se torna inaplicável a norma do art. 115.° do CP, impondo que a queixa tenha de ser apresentada no prazo de 6 meses a contar do conhecimento do facto, pelo que improcede o argumento da caducidade do direito de queixa.
XVI - Não deriva da lei que o MP tem o específico dever de fundamentar o despacho em que dá início ao processo, apenas sobre si recai a obrigação de fundamentar em geral os seus despachos, por força do art. 97.º, n.º 3, do CPP, mas a falta ou deficiente fundamentação não é sindicável pelo juiz, nem na altura do recebimento da acusação nem posteriormente, nem sequer integrando ilegitimidade, isso não invalidando que o Tribunal, se verificada por outras razões, decrete essa excepção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos dos arts. 331.º e 338.º do CPP.
XVII - As razões em que aquela especial posição, face ao objecto do pleito, se funda, tanto podem ser expressas como tacitamente derivarem do processo, este será o caso em que esse condicionalismo resulta notoriamente justificado, sem necessidade de especificação detalhada.
XVIII - Com efeito, resultando da informação policial, assente no testemunho da D, no sentido de que o arguido praticara consigo actos sexuais de relevo, constando que sua mãe falecera já, que o pai não movera procedimento criminal até à data, em que a D já tinha completado 16 anos, embora os factos respeitassem a período anterior e desejasse procedimento criminal, aquela promoção de tomada de declarações para memória futura contém, implicitamente, fundamentos sobejos para exercício da acção penal. O MP é, pois, parte legítima.
XIX - A 2.ª instância fixa, em definitivo, o ciclo de conhecimento da matéria de facto, nos termos dos arts. 427.° e 428.° do CPP, e ao aceitar um determinado facto considerado como provado, em seu reexame, limita o STJ, sem poder alterá-lo.
XX - A condenação pela Relação confirmando a condenação em penas inferiores a 5 anos de prisão em 1.ª instância, na hipótese de dupla conforme, que é um mecanismo de que o legislador lança mão por uma questão de economia processual e de pragmatismo, por a coincidência expressar um forte grau de certeza e respeitar a delitos de pequena e média criminalidade, não legitima um duplo grau de recurso e mais um triplo de jurisdição, sendo, pois inadmissível, quanto a tais penas, o recurso para o STJ.
XXI - Com a incriminação pela prática de crime de abuso sexual de criança propõe-se o legislador proteger a autodeterminação sexual, enquanto manifestação da liberdade individual, de um modo muito particular, não pela presença da prática de actos sexuais a coberto da extorsão ou situação análoga, mas pela pouca idade da vítima, ainda que naquela prática consinta, por poder prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da mesma, por lhe falhar a maturidade, o desenvolvimento intelectual, capaz de poder determinar-se com liberdade, responsabilidade, com pleno conhecimento dos efeitos e alcance do acto sexual de relevo, se consentido.
XXII - Inscreve-se o crime nos crimes de perigo abstracto, pois praticado o acto sexual de relevo, está criado o risco, a possibilidade, de lesão daquele valor a tutelar, portanto, à margem da possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento físico ou psíquico do menor ter lugar, sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique arredada.
XXIII - O arguido praticou actos sexuais de relevo com a menor J entre Maio e Agosto de 2008, atraindo-a a sua casa, a pretexto de lhe mostrar animais, encaminhando-a em 10-08-2008 para um barracão existente na sua propriedade; entre 2001 e 2002, o arguido, por 5 ou 6 vezes, atraiu a sua vizinha D (então com 9/10 anos) ao seu quarto. Ora, esta distanciação temporal entre a prática de actos sexuais, afasta, à luz das regras da experiência, que repousam em critérios de normalidade, de acordo com aquilo que usualmente sucede (id quod plerumque accidit) e as leis psicológicas, uma unidade resolutiva, antes impõem uma renovação do processo volitivo, sendo irrelevante a homogeneidade de acções criminosas, que aponta, sendo plúrimo o juízo de censura e plúrimas as infracções.
XXIV - É precisamente quando o agente toma essa resolução que a ineficácia da norma tem lugar e, sendo assim, que, sendo várias as resoluções, vários são os fundamentos para um juízo de censura, assentando na falta de eficácia da norma, querida, devida e possível, no plúrimo domínio de representação e do processo de motivação fazendo nascer o juízo de censura, plúrimo no caso concreto, como as instâncias acolheram em julgamento.
XXV - De repudiar a prática de crime continuado (art. 30.º, n. 2, do CP), que repousa numa pluralidade de acções criminosas, em obediência a um plano criminoso executado, de forma substancialmente homogénea, sendo o mesmo o crime, praticado no âmbito de uma solicitação exterior, diminuindo de forma considerável a culpa do agente, que, por isso, a lei unifica sob a égide de uma única infracção.
XXVI - A solicitação criminosa partiu do arguido, foi ele que, sendo vizinho e tendo ascendente sobre as crianças, a criou, atraindo e encaminhando as suas vítimas para a prática de reiterados actos libidinosos, num quadro de elevada censura penal, sem diminuição considerável da sua culpa, incompatível, aliás, num quadro de ofensividade de bens de cunho eminentemente pessoal, como fez questão de realçar o n.º 3 do art. 30.º do CP, na redacção conferida pela Lei 40/2010, de 03-09.
XXVII - Sendo bens eminentemente pessoais, o conceito de crime continuado está afastado. O crime continuado é de excluir, igualmente, sempre que a reiteração criminosa, menos que a uma disposição exterior, se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso, pois que não pode falar-se aí de atenuação de culpa.
XXVIII - E esse é o caso do arguido, homem adulto, de 46 anos na data dos factos levados a cabo na pessoa da D e 52 na data dos factos cometidos na menor J, que atraiu as crianças para satisfação de paixões lascivas, prevalecendo-se daquele condicionalismo de proximidade e ascendência, não o favorecendo a alegação, de resto indemonstrada, que foi procurado para o efeito pela J, então com 6 anos, além de que jurídico-penalmente sem relevo.
XXIX - O arguido incorreu na prática de 6 crimes de abuso sexual de criança, na pessoa da menor J, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP, versão actual, e 5 crimes de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art. 172.º, n.º 1, do CP, na versão reinante em 2001/2002, na redacção actual, no citado art. 171.º, n.º 1, do CP, na pessoa da D, em ambos os regimes com a pena de 1 a 8 anos de prisão, tendo sido aplicado a 2 daqueles crimes cometidos na pessoa da J 2 anos de prisão por cada e 3 anos de prisão pelos restantes 4 e a cada um dos 5 crimes de que foi vítima a D 18 meses de prisão.
XXX - O colectivo na distinção, partindo da identidade da moldura penal nos dois sistemas em sucessão, ponderou a diferença de idade, de 6 anos quanto à J e a de 9/10 quanto à D, e o modo de execução, designadamente:
       - uma ocasião o arguido colocou a J no seu colo e fez com que o corpo desta roçasse o seu pénis, agarrando-a, dando-lhe beijos e roçando a vagina daquela no pénis, por cima das calças, acabou por ejacular;
       - numa outra ocasião, voltou a roçar a vagina daquela no pénis e acabou por ejacular;
       - outra vez levou J para o quarto, deitou-a na cama, despiu-a completamente, despiu-se a si próprio, mantendo-se em cuecas, agarrando, beijando e acariciando o corpo de J, acto contínuo, o arguido retirou as suas cuecas e roçou o pénis erecto no meio das pernas daquela, roçando-o na vagina, acabando por ejacular;
       - em três outras ocasiões, o arguido encaminhou J para um barracão existente na sua propriedade, no interior do qual deitou aquela sobre um cartão, despiu-a, despiu-se a si próprio e com o pénis erecto roçou-o na vagina daquela enquanto a acariciava com as mãos nos seios, acabando por ejacular;
       - entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha D (então com 9/10 anos) ao quarto, onde a despia, acariciando-lhe os seios.
XXXI - A distinção é razoável, não arbitrária, consentida e legítima porque são mais graves, e em crescendo, os actos de lascívia praticados na pessoa da J do que na pessoa da D, com mais idade.
XXXII - O dolo, a intenção criminosa manifestada pelo arguido, porque reiterada no tempo, é intenso. O modo de execução, a forma como abusou das menores, atraindo-as ao local propício, sem outro objectivo que não fosse a satisfação da sua lascívia, o número de vezes, actua um grau de ilicitude, de desvalor da acção e resultado em grau elevado.
XXXIII - O abuso sexual de crianças repugna à consciência colectiva, tanto no plano ético como moral, por um lado, por ser um grave atentado a seres indefesos, salutar e desejável, em termos de interesse comunitário, que as crianças cresçam e se desenvolvam harmonicamente, por outro, por ser frequente a prática de crimes desta natureza, gerando graves consequências à pessoa das vítimas, e também alarme e intolerância social, ataque à paz social, não se dispensando uma intervenção firme dos tribunais, como forma de apaziguar o tecido social afectado e demover potenciais delinquentes.
XXXIV - Ao nível da prevenção especial, de reincidência, subsiste forte receio de repetição do acto, pelo que a pena deve desempenhar uma função de emenda, de interiorização das consequências, que o arguido ainda não tomou, porque mediando alguns anos entre o abuso cometido na pessoa da D reitera criminosamente na pessoa da J, para além de sobre aquela praticar cópula, lhe tirar fotografias semi-despida, o que não sendo havido como crime não deixa de por a nu um certa dificuldade em controlar os seus impulsos sexuais.
XXXV - A pena única é de fixar entre 3 anos de prisão e 23 anos e 6 meses de prisão, considerando, ainda, o conjunto global dos factos e a personalidade do agente – art. 77.°, n.ºs 1 e 2, do CP.
XXXVI - O arguido ainda não evidencia uma tendência para o crime, mas a pluriocasionalidade demonstrada é preocupante, o conjunto global dos factos grave, atento o modo de execução e a sua reiteração, fortes razões de prevenção geral atenta a sua prática frequente e especial, em que avulta falta de preparação para manter conduta lícita, os sentimentos revelados de puro propósito de satisfação dos seus desejos sexuais, sem respeito pela idade das crianças e consideração do sofrimento alheio, a sua personalidade embotada, convivendo sem rebuço com a ofensividade a bens ou valores jurídicos que reclamam geral observância, justificam, pois, a pena de conjunto por que foi condenado (9 anos e 6 meses de prisão).

        
      

Decisão Texto Integral:

 

     Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

            

         No 1º Juízo do Tribunal Judicial de Lagos, processo n.º 617/08.5PALGS, foi julgado em processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, o arguido AA, tendo sido condenado:

-pela prática de dois crimes de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171º, n.º1, do CP , na pena de dois anos de prisão, por cada um, e ainda condenado pela prática de quatro crimes de abuso sexual de criança, previstos e punidos pela citada disposição legal, na pena de três anos de prisão, por cada um , na pessoa de BB e ainda pela prática de cinco crimes também, de abuso sexual de criança, na pessoa de CC previstos e punidos, à data da prática dos factos pelo artigo 172º n.º1 do Código Penal, na redacção dada pela Lei 99/2001, nas penas de dezoito meses de prisão, por cada um dos crimes e em cúmulo, na pena única de nove anos e seis meses de prisão.

O arguido interpõs recurso para a Relação que lhe negou provimento.

O arguido, ainda irresignado , interpõs recurso para este STJ apresentando na motivação as seguintes conclusões :

1 O acórdão da Primeira Instância foi proferido após repetição de julgamento, nos termos de reenvio determinado pelo Tribunal da Relação de Évora, e que se destinou a apurar a idade das vítimas e a aferir da legitimidade, ou não, do Ministério Público para o exercício da acção penal quanto à ofendida CC.

2.         Tais factos - idade das vítimas-, constituindo um elemento do tipo legal de crime sub judice, impunha que o Tribunal a quo conjugasse estes com os demais para julgar praticados, ou não, os crimes que ao arguido eram imputados.

3.         O Ilustre Colectivo que pronunciou o acórdão da Primeira Instância reproduziu os factos provados e não provados insertos no acórdão primeiramente proferido sem que, no entanto, tivesse tido qualquer contacto com a prova produzida.

4.         Pelo que foi violado o princípio da imediação da prova o que acarreta a nulidade da decisão proferida, tendo, com o devido respeito, andado mal o Tribunal da Relação de Évora, ao julgar não verificado tal vício. Sem prescindir,

5.         No que tange aos crimes de que é vítima CC, atendendo à data em que os respectivos factos ocorreram (2001/2002) e à redacção do tipo legal então em vigor, tinham os mesmos carácter semi-público.

6.         Ao tempo em que a vítima CC manifestou desejo de procedimento criminal, atenta à data em que o fez, conjugada esta com a data em que completou a idade de 16 anos e ao prazo estabelecido no artigo 115° do Código Penal, o exercício de tal direito havia já caducado.

7.         O Ministério Público não fundamentou, em concreto, a sua actuação oficiosa, como o impõe o artigo 178° do Código Penal, seja na redacção da Lei n°65/98, de 2 de Setembro seja no texto conferido pela Lei n°99/2001 de 25 de Agosto.

8.         Para além disso, quando teve início a investigação de tais facto, a respectiva vítima havia já completado os 16 anos de idade, falecendo assim um dos critérios de tal actuação oficiosa (menor de 12 ou de 16 anos de idade).

9.         Assim, quanto aos crimes de abuso sexual de crianças na pessoa da ofendida CC, deveria o Tribunal da Relação de Évora ter determinado a extinção do procedimento criminal, quer seja pelo não exercício, em devido tempo, do direito de queixa, quer seja por ilegitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal.

10.       Sendo que ao assim não haver decidido o Tribuna! a quo violou os sobreditos normativos e bem assim o disposto no artigo 2o do Código Penal.

11.       Ainda quanto à ofendida CC e para o caso de assim não se entender, não foi feita prova suficiente da matéria de facto constante em 6. da decisão de facto, cuja convicção do Julgador se alicerçou exclusivamente no depoimento da ofendida.

12.       Andou mal, com o devido respeito, o Tribunal da Relação de Évora quando considerou que o arguido não logrou apresentar prova bastante de um número de abusos diferente do apurado e consignado no Ponto 6. dos factos provados.

13.       Do mesmo modo, deveria o Tribunal da Relação ter reapreciado o excerto de prova gravada e especificamente indicado pelo recorrente, o qual, conforme se pugnou em sede de recurso impunha decisão de facto diversa.

14.       Cumulativamente, deve considerar-se que praticou o arguido, relativamente a cada uma das vítimas, um crime de trato sucessivo já que os factos dos autos caracterizam-se pela sua homogeneidade, identidade na sua forma de execução, proximidade temporal, tudo evidenciando uma única resolução criminosa.

15.       E cumulativamente considerando, no que tange à vítima CC, que os factos ocorreram há mais de 10 anos; atendendo à confissão dos factos no que tange à vítima BB; considerando a boa inserção social e familiar do arguido, as suas modestas habilitações literárias e recursos; ser pessoa trabalhadora; não registar antecedentes criminais; deveria o arguido ter sido condenado em pena que se situasse no limite mínimo da moldura penal prevista.

16.       E efectuado o respectivo cúmulo, ser o arguido condenado em pena única nunca superior a cinco anos de prisão suspendendo-se a mesma na sua execução, uma vez que, pelas circunstâncias enunciadas é de prever que a simples ameaça será suficiente a demover o arguido da prática, no futuro, de outros crimes.

Por todo o exposto deverá ser declarada a nulidade do acórdão da Primeira Instância por violação do princípio da imediação da prova.

Caso assim não se entenda;

Deve o presente recurso proceder e em consequência ser revogado o acórdão recorrido e em sua substituição proferir-se decisão que decida nos moldes reclamados nas conclusões do presente recurso.

O Colectivo teve como FACTOS PROVADOS, após o reenvio parcial ordenado pelo Tribunal da Relação de Évora em ordem a apurar-se a idade das ofendidas   na data dos factos, os seguintes :

 1 . CC nasceu no dia 7 de Janeiro de 1992.

2 . BB nasceu no dia 25 de Novembro de 2001.

           

Factos provados no anterior  julgamento :

1. Entre Maio e Agosto de 2008, o arguido, com o pretexto de mostrar a horta e os animais, atraía a sua casa BB (então com 6 anos de idade), visita frequente dos seus vizinhos.

            2. Numa dessas ocasiões, o arguido colocou BB no seu colo e fez com que o corpo desta roçasse o seu pénis, agarrando-a, dando-lhe beijos e roçando a vagina daquela no pénis, por cima das calças, acabou por ejacular.

            3. Numa outra ocasião, voltou a roçar a vagina daquela no pénis e acabou por ejacular.

            4. Outra vez levou BB para o quarto, deitou-a na cama, despiu-a completamente, despiu-se a si próprio, mantendo-se em cuecas, agarrando, beijando e acariciando o corpo de BB. Acto contínuo, o arguido retirou as suas cuecas e roçou o pénis erecto no meio das pernas daquela, roçando-o na vagina, acabando por ejacular.

            5. Em três outras ocasiões (uma das quais em 10/08/2008) o arguido encaminhou BB para um barracão existente na sua propriedade, no interior do qual deitou aquela sobre um cartão, despiu-a, despiu-se a si próprio e com o pénis erecto roçou-o na vagina daquela enquanto a acariciava com as mãos nos seios, acabando por ejacular.

            6. Entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha CC (então com 9/10 anos) ao quarto, onde a despia, acariciando-lhe os seios.

            7. A partir dos 15 ou 16 anos de CC, o arguido passou a obrigá-la a manter consigo relações sexuais de cópula completa, o que sucedeu por 7 ou 8 vezes.

            8. Quando CC tinha 15 anos , o arguido tirou-lhe fotografias , nas quais aquela surge retratada em tronco nu , apenas vestida com “ soutien ” e calções.

            9. O arguido sabia as idades de BB e de CC e sabendo a sua conduta proibida, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, querendo satisfazer os seus desejos, para o que aproveitou a proximidade das vítimas e o seu ascendente sobre elas.

            10. O arguido, em audiência reconheceu o sucedido entre si e BB, pretextando contudo que havia sido esta quem queria praticar os actos. Relativamente ao sucedido entre si e CC, à parte algumas fotografias tiradas, negou a sua ocorrência.

            11. O arguido, nascido em ..., foi o mais o mais velho de nove irmãos (um falecido) , proveniente de um meio socio-económico carenciado de características rurais situado no Baixo Alentejo, na zona de Odemira. O pai foi trabalhador agrícola e a mãe doméstica.

            12. Apenas frequentou o sistema de ensino até à passagem para o 2º ano pelo que é iletrado. Ao nível escolar assumiu dificuldades de aprendizagem, de deslocação e de desvalorização do estudo em benefício do trabalho.

            13. Após o abandono escolar, em idade precoce, passou a exercer actividade agrícola e de pastorícia, colaborando dessa forma com o progenitor e na economia familiar. A partir dos 20 anos iniciou actividade por conta de outros, deslocando-se para outras zonas do país, nomeadamente para Sines, para o Algarve e para o estrangeiro, com experiência emigratória na Alemanha. Na sua trajectória profissional, para além da actividade agrícola desenvolveu actividade na construção civil, ajudante de soldador e na restauração, tendo inclusivamente explorado um café, em Sagres e mais recentemente, no sector agrícola, a trabalhar por conta própria com uma máquina de arrasto.

            14. Com cerca de 23 anos iniciou relacionamento marital com a actual companheira. Desta união nasceram duas filhas com pouca diferença de idade entre si e já adultas. As filhas registaram problemas comportamentais e aditivos iniciados na adolescência que aparentemente foram solucionados com a integração em comunidade terapêutica e tratamento, encontrando-se presentemente ambas autónomas.

            15. No Algarve, o arguido e a família constituída vivenciaram alguma mobilidade habitacional relacionada com as melhores oportunidades de trabalho para o casal. Até se fixarem em Odiáxere, onde permanecem há cerca de 13 anos, passaram por Sagres, Mexilhoeira Grande e na zona da Penina.

            16. O arguido teve uma condenação anterior, de pagamento de 200 euros relativamente a acusação de furto de peças de máquinas.

            17. O casal formado pelo arguido e companheira, desde que se fixou em Odiáxere, reside na mesma casa. Esta habitação é térrea, antiga e apresenta deficiente estado de conservação. Foi adquirida pelo casal através de empréstimo bancário.

            18. Há cerca de um ano o arguido deixou de trabalhar por conta própria, por não ter conseguido cumprir com os pagamentos referentes á máquina de arrasto que possuía, tendo esta vindo a ser tomada. Tem uma situação socio-económica modesta proveniente de trabalhos esporádicos de tipo biscates, na área de jardinagem e da construção civil e do trabalho da companheira, a desenvolver funções de empregada de limpeza na escola de Odiáxere através do Centro de Emprego.

            19. Ocupa grande parte do seu tempo livre no terreno nas traseiras da habitação onde tem uma horta e criação de animais. Na comunidade, o arguido tem uma imagem de discrição, não lhe sendo atribuída nenhuma característica especial. Não obstante revela capacidades de sociabilidade relacionando-se com a vizinhança de forma ajustada.

O Ministério Público em 1.ªinstância suscitou  nas suas motivações de resposta  a questão da admissibilidade do recurso  , alegando :

1. Um recurso interposto para o STJ deve especificar as razões de discordância com o decidido na Relação, não podendo circunscrever-se a renovação da argumentação já aduzida inicialmente para aquele Tribunal, sem qualquer novidade, sob pena de equivaler a falta de motivação, conducente à sua rejeição.

2.O Acórdão recorrido não merece qualquer censura, pelo que deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos, assim negando-se provimento ao recurso do arguido.

Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :

I. O M.º P.º junto da Relação questiona a admissibilidade do recurso para este STJ por repetição da argumentação desenvolvida pelo arguido para a Relação ,  nada acrescentando  de novo  , o que vale por dizer que está ausente a motivação , exigida no art.º 411.º n.º 2 , do CPP e a imposição da rejeição do recurso nos termos dos art.ºs 411.º n.º 3 , 414.º n.º 2 e 417.º n.º 6 al.a) , do CPP. 

No caso de falta de motivação não há lugar a convite ao aperfeiçoamento ou correcção, salvo das conclusões; no caso de deficiência, impondo-se  a notificação para aquele fim . 

O recurso é um meio de reponderação do decidido por um tribunal superior , e implica argumentar , impugnar , contrariar , o que , à falta de outra alternativa , mas contendo-se , ainda , dentro desta finalidade , bem pode o recurso na sua motivação repetir os moldes da defesa já apresentada, em termos de a identidade não a prejudicar .

Por isso , a repetição da motivação não figura entre as causas de rejeição de recurso, bem podendo , pois , o recorrente não ficar vergado à decisão que sobre aquela ( motivação ) recaiu e aguardar a  melhor reponderação por outro tribunal de recurso da mesma argumentação , sendo diferente restringir-se –ia excessivamente o seu direito  de defesa , em nome de um entendimento  essencialmente formal , além de que só a falta de motivação conduz àquela inadmissibilidade e essa hipótese está arredada .

II . Um dos princípios estruturantes do nosso CPP é o da imediação , com o significado e alcance  , com expressa tradução  no art.º 355.º n.º 1, do CPP , de que só podem ser valoradas na sentença  as provas produzidas  ou examinadas em julgamento , por virtude de uma relação de proximidade , proximal , que se estabelece entre as provas e o julgador ante o qual desfilam .

O princípio assume natureza constitucional associado como se mostra ao Estado de direito  e ao propósito de assegurar o direito a um processo justo , pois que “ toda a prova deve, em princípio ,  ser produzida na presença do arguido numa audiência pública com vista a uma argumentação contraditória “ , na expressão de Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código de Processo Penal , pág. 60 .

Ele reveste tanto a garantia de defesa ,como ,  ainda ,  da própria sentença , vocacionado como se mostra à protecção tanto do arguido como do próprio assistente .

A ritologia processual de que os autos nos dão conta põem a descoberto que o Tribunal da Relação denotando insuficiência da matéria de facto, impeditiva de bem decidir-se de direito , ordenou, em reenvio parcial , que a 1.ª instância apurasse a data de nascimento das ofendidas , baixando os autos para esse fim , obedecendo , como cumpre , o tribunal recorrido .

E uma vez na posse  de certidões de registo de nascimento das vítimas,   suprindo  a lacuna , em nova audiência ,  cingindo-se ao  veredicto do tribunal superior, aquela instância  fixou a data de nascimento das menores , mantendo intocada toda a demais matéria de facto fixada no anterior julgamento parcialmente reenviado, emitindo, de seguida ,  decisão de mérito , refundindo num todo a matéria de facto apurada em dois momentos temporalmente separados

A  Relação ao determinar o reenvio parcial , nos termos do art.º 426.º n.º 1 , do CPP , restringiu o julgamento de 1.ª instância a ponto concretamente identificado , não impondo  conjunta valoração  dos factos novos com os advindos do antecedente , e assim , é óbvio , que à 1.ª instância mais não era rogado do que esse julgamento parcelar , deixando intacto o demais acervo  factual , que não havia que harmonizar por não se registarem pontos de colisão  entre si e os factos apurados a partir de documentos autênticos .

Exerceu-se , pois , em toda a linha , a imediação com as provas segmentadas , de novo produzidas em audiência , e tanto basta , para concluir  nenhum atropelo àquele  princípio  ocorrendo ; ele foi actuado em dois momentos distintos , que se completam e unificam, mas não deixou  de estar presente em julgamento a imediação fundante da convicção probatória  , sem preterição de qualquer norma processual, desatendendo-se à arguição da nulidade por violação do princípio .  

 

III . Sobre a extinção do procedimento criminal relativamente aos crimes de abuso sexual de que foi vítima CC, pelo não exercício em devido tempo do direito de queixa (nos termos do artigo 115º , do CP), cabe ponderar  :

Os factos por que o arguido foi condenado de abuso sexual de criança tiveram lugar entre 2001 e 2002 , tendo a menor CC 9/10 anos, pois nascera em  7.1.1992  .

E à data  o crime , como regra , nos termos do art.º 178.º n.º 1 , do CP , na redacção introduzida pela Lei n.º 99/2001 , de 25/8 ,  tinha natureza semi-pública , o que limita o princípio da oficialidade ou promoção oficiosa pelo M.º P.º   e o da imutabilidade da acusação pública , na medida em que pode  haver desistência da queixa até publicação da sentença em primeira instância ( art.º 116 .º , do CP e 51.º , do CPP ) .

Excepcionava-se , então , de tal natureza , à luz do art.º e n.º  citados,  as hipóteses previstas nas als. a) e b) , caso em que o crime assumia natureza pública , ou seja quando daí resultasse a morte ou suicídio da vítima ou quando , tendo o menor  menos de 14 anos e o agente do crime tenha legitimidade para requerer procedimento criminal , por exercer sobre a  vítima poder paternal , tutela ou  curatela  ou a tiver a seu cargo .

Então a gravidade  associada ao crime e a necessidade de não deixar impune  o crime fundavam evidente interesse público radicado no  M.º P.º no exercício da acção penal , substituindo-se ao titular  natural , posto que inerte , do direito de queixa .  

De relevar , ainda , que aquele diploma  no seu n.º 4 , na redacção daquela Lei , veio estabelecer –como o mesmo derivava já do n.º 2 , em redacção anterior -  que quando os crimes,  entre os quais os de abuso sexual de criança  ( previsto no art.º 171.º , do CP ) fossem  cometidos contra menor de 16 anos , como era o caso da CC , o M.º P.º pode dar início ao procedimento  sempre que  o interesse da vítima o impusesse .

E o art.º 113.º n.º 6 , do CP , com o qual se harmoniza aquele preceito , veio estipular que , nos casos em que o procedimento depende  de queixa  , pode o M.º P.º , nos casos previstos na lei –o caso inserto no art.º 178.º n.º 4 , do CP , é um deles – dar início ao procedimento criminal se especiais razões de interesse público o impuserem .

E neste enfoque , em que ao M.º P.º assiste o direito de exercer a acção penal pela prática de crime de abuso sexual de criança , controverte-se  a natureza do crime em promoção , defendendo-se que essa intervenção tinha o efeito de conversão do crime de natureza semipública em pública , assim Leal Henriques e Simas Santos , no CP anotado , pág. 313 ;  Maia Gonçalves consagra no Código Penal Anotado , no comentário ao art.º 113 .º , a mesma posição , uma vez demonstrada a idade do menor e o  interesse exclusivo  na sua protecção por razões de doença , fragilidade ou gravidez  ; Rui do Carmo na mesma linha de pensamento aponta a irrelevância , como consequência , da desistência da queixa ou a oposição do representante legal a que o processo prossiga e Figueiredo  Dias não exclui a hipótese de “  razões muito particulares  “   deverem fazer com que certas substituições no exercício da acção penal , mormente quando constitutivas do direito , autorizam a transmutação de um crime particular em público ( cfr. Reforma do Código Penal , Trabalhos Preparatórios , Lisboa , 1995 , III , 111 ) . Cfr., ainda , CJ , 2001 , Tomo I , 232 , ACs. do STJ , de 24.10.96 , BMJ 460 , 605 , de 3.2.99 ; BMJ 484 , 147 , de 10.2.2000, cJ , STJ , I , 208 e Ac. da Rel. Porto , de 31.1.2001 . Idem Tolda Pinto , A Tramitação Processual Penal , 625, 2.ª ed.

 O crime de abuso sexual de menores então com previsão no art.º 172 .º , do CP –hoje no art.º 171.º , do CP –apresenta-se , noutra linha de pensamento , em caso como o dos autos em que o Mº P.º se sobrepõe ao exercício do procedimento pelo representante legal  , como  um ilícito de natureza híbrida , situada a meio caminho entre o crime de natureza semipública  e pública “ não devendo a possibilidade conferida ao Ministério Público para dar início ao processo converter-se , já depois de iniciado o mesmo ,num instrumento de tortura da vítima , à revelia do seu interesse , o qual tem de prevalecer mesmo que em detrimento de especiais  razões de interesse público “. Assim o entendem Jorge Dias Duarte , R M P , 78 , II , Janeiro a Março de 1999  ; o crime nessa modalidade deslocar-se-ia da categorização de crimes  públicos e semi-públicos , dando –se-lhe uma natureza atípica , a que não são alheios aspectos casuísticos intervenientes , assim , e ainda , Pedro Albergaria , Subjudice , Ano 26 , 2003 , 153 .

Ao M.º P.º caberia uma função cautelar , cessando , até, uma “ heterodeterminação “ provinda do M.º P., limitando- se a “  dar início ao processo “ , provocando a introdução do processo em juízo , não dispondo do poder de transformar o crime de natureza semipública em pública .

E como representante da vítima a representação cessaria logo que , em qualquer altura do processo , o ofendido o desejasse .  

Na sua essência nos crimes de abuso sexual contra criança , em que se debatem interesses da esfera da intimidade , deixa-se à vítima  o juízo de conveniência e oportunidade de indagar se ao mal a cominar pela prática do crime deve sobrepor-se o interesse daquela em não ver devassada a sua vida privada  , pelos graves prejuízos que dai resultam .

O  M.º P.º  não é titular desses interesses  , de certo que assim é , mas , ao lado da consideração do interesse específico da vítima , e em contrário deste último entendimento , alinha-se  o evidente interesse público de protecção de crianças  em razão da sua idade , fragilidade física e psíquica e do desinteresse  ou impossibilidade da repressão penal manifestado pelo seu representante legal, legitimando  que o M.º P.º exerça a acção penal .

Esse interesse público em agir é corolário do crescente interesse colectivo reclamando protecção a esse segmento populacional , a que não é alheia a crescente prática de abuso sexual , o impacto condenatório  da opinião pública , além da pressão internacional que se faz sentir.

No contexto em que , como é o caso , o representante legal do menor não exerceu a acção penal , o M.º P.º estava legitimado para o efeito para o que concorre a chocante consequência de deixar impune aquele que abusa sexualmente de criança de pouca idade , de 9/10 anos , mais fragilizada , ainda , por à data já lhe ter falecido a mãe .

A natureza pública que o crime passa a repercutir , se por um lado torna irretratável a posição do M.º P.º , também por via dessa natureza pública se torna inaplicável a norma do art.º 115.º , do CP ,impondo que a queixa tenha de ser apresentada no prazo de 6 meses a contar do conhecimento do facto , pelo que improcede o argumento da caducidade do direito de queixa .

Mas se atentarmos na tramitação processual depreende-se que chegando,  em 11.11.2011 , ao conhecimento do M.º P.º a informação policial de que o arguido havia conhecido a menor CC e com ela havia mantido relações sexuais , e por isso ela mesma desejava procedimento criminal , logo em 18 .11.2011 , promoveu ao M.º JIC , por estar em causa crime de abuso sexual contra crianças , se tomassem  à menor –bem como a sua prima , também vítima , BB- , declarações para memória futura , dando início de imediato à acção penal .

Cai , pois , por terra a argumentação tendente à declaração de extinção do exercício da acção penal , por não ser caso da limitação temporal ao exercício do direito de queixa , convocado pelo arguido .

V. Não deriva da lei que o M.º P.º tem o específico dever de fundamentar o despacho em que dá início ao processo, apenas sobre si recai a obrigação  de fundamentar em geral os seus despachos , por força do art.º 97.º n.º 3 , do CPP ,  essa fundamentação podendo  inequivocamente advir  da acusação ou  de fase anterior ,  mas  tal falta ou deficiente fundamentação não é sindicável pelo juiz,  nem na altura do recebimento da acusação nem posteriormente ( cfr. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário ao Código Penal , pág. 320) nem sequer integrando ilegitimidade , isso não invalidando que o Tribunal , se  verificada por outras razões  , decrete essa excepção dilatória , de conhecimento oficioso , nos termos dos  art.ºs  331.º e 338, º , do CPP

 

As razões  em que aquela especial posição, face ao objecto do pleito se funda  tanto podem ser expressas como tacitamente derivarem do processo, este será o caso em que  esse condicionalismo resulta notoriamente justificado , sem necessidade de “  especificação detalhada  “ ( cfr. Ac. deste STJ , de 31.5.2000,  citado por Tolda Pinto , Tramitação Processual Penal, pág. 631 ) .

Ora resultando da informação policial,  assente no testemunho da CC no sentido de que o arguido praticara consigo actos sexuais de relevo , constando que sua mãe falecera já , que o pai não movera procedimento criminal até à data,  em que a CC já tinha completado 16 anos , embora os factos respeitassem a período anterior e desejasse procedimento criminal , aquela promoção de tomada de declarações para memória futura contém, implicitamente , fundamentos sobejos para exercício da acção penal .

O M.º P.º é , pois , parte legítima .

VI. O arguido foi condenado pela prática de 6 crimes de abuso sexual contra criança , na pessoa de BB , então com seis anos de idade , sua vizinha , entre Maio e Agosto de 2008, que , com o pretexto de mostrar a horta e os animais, atraíu a sua casa , colocando-a , numa dessas ocasiões , no seu colo ,  fazendo  com que o corpo desta roçasse o seu pénis, agarrando-a, dando-lhe beijos e roçando a vagina daquela no pénis, por cima das calças, acabou por ejacular.

            Numa outra ocasião, voltou a roçar a vagina daquela no pénis e acabou por ejacular.

            Outra vez levou BB para o quarto, deitou-a na cama, despiu-a completamente, despiu-se a si próprio, mantendo-se em cuecas, agarrando, beijando e acariciando o corpo de BB. Acto contínuo, o arguido retirou as suas cuecas e roçou o pénis erecto no meio das pernas daquela, roçando-o na vagina, acabando por ejacular.

            Em três outras ocasiões (uma das quais em 10/08/2008) o arguido encaminhou BB para um barracão existente na sua propriedade, no interior do qual deitou aquela sobre um cartão, despiu-a, despiu-se a si próprio e com o pénis erecto roçou-o na vagina daquela enquanto a acariciava com as mãos nos seios, acabando por ejacular.

            Entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha CC (então com 9/10 anos) ao quarto, onde a despia, acariciando-lhe os seios.

            A partir dos 15 ou 16 anos de CC, o arguido passou a obrigá-la a manter consigo relações sexuais de cópula completa, o que sucedeu por 7 ou 8 vezes.

            Quando CC tinha 15 anos , o arguido tirou-lhe fotografias , nas quais aquela surge retratada em tronco nu , apenas vestida com “ soutien ” e calções.

O Colectivo absolveu o arguido quanto aos crimes de pornografia de menores  e um de trato sucessivo de actos sexuais com adolescente , porém condenou-o pela prática de 5 crimes de abuso sexual com criança

O arguido discorda da matéria de facto fixada no ponto 6 onde consta que entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha CC (então com 9/10 anos) ao quarto, onde a despia, acariciando-lhe os seios, por outra ser a sua convicção, concretamente por se não ter provado o número de vezes em que praticou actos sexuais com a menor

O arguido transcrevendo,  e só,  o depoimento da ofendida a fls .433,  para a Relação, com o fundamento de que nele paira incerteza e , por tal incerteza , deve funcionar o princípio “ In dubio pro reo “ , a fundar diferente convicção que adquiriu sobre tal matéria em sentido diferente do Colectivo

O Tribunal da Relação considerando  esse único  depoimento , pois a tanto se resumindo a prova gravada transcrita , não deixou de ponderar que o “ Tribunal que ouviu esta testemunha beneficiou do princípio da imediação e da oralidade vedados a este Tribunal de recurso” e assim “não nos merece qualquer censura a convicção adquirida pelo Tribunal de 1ª instância “

Quer isto dizer que fixou o facto , fazendo um juízo crítico sobre ele à luz da prova produzida , credibilizando o depoimento , excluindo o funcionamento do princípio “ in dubio pro reo “, tanto mais que a 1.ª Instância declarou que “ a dor das crianças  não mente” , a firmar a sua autenticidade e força probatória em termos de convicção ,  acatando,  por isso , o resultado daquela  imediação  e oralidade , julgando-o correctamente fixado ,  mantendo-o  no acervo factual,  como pressuposto de punição .

E o reexame do facto resulta da alegação de que “ uma vez que houve gravação da prova este Tribunal pode conhecer também da matéria de facto no entanto cumpre apenas reexaminar a apreciação da prova nos pontos incorrectamente julgados “ e ” que “sejam devidamente apontados com referência às provas e respectivos suportes”.

Este STJ , que , como matéria de direito que é , controla o uso que se fez do art.º 412.º n.ºs 3 e 4 , do CPP , mormente se se mostram observados ou não os pressupostos aí previstos de impugnação da matéria de facto e se a Relação actuou devidamente o seu poder –dever de analisar a matéria de facto impugnada , em restrito julgamento , mas já não controla a convicção probatória a que o colectivo chegou e os factos que com base nas provas e sua valoração entendeu dever fixar ,porque não teve uma relação de imediação com eles , uma relação já denominada de proximal , estando-lhe vedado alterá-los , como matéria de facto que são e este STJ ser um tribunal de revista vocacionado para o conhecimento da matéria de direito só em situações excepcionais se intrometendo nesse conhecimento , mas ainda assim a coberto dessa reserva de competência –art.º 434.º , do CPP .

A 2.ª instância fixa , em definitivo, o ciclo de conhecimento  da matéria de facto , nos termos dos art.ºs 427.º e 428.º , do CPP , e ao aceitar o facto  descrito em 6 , em seu reexame , limita o STJ , sem poder alterá-lo .

Sem razão se apresenta omissão de pronúncia quanto à não reponderação da matéria de facto vertida no ponto 6 .

VII. O arguido pela prática de 11 crimes de abuso sexual de criança ( duas crianças ) em penas parcelares todas elas inferiores a 5 anos , integralmente confirmadas pela Relação em recurso interposto pelo arguido

O art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , veda o direito ao recurso de acórdãos condenatórios proferidos , em recurso , pela Relação que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos

O acesso ao direito constitucionalmente consagrado ao recurso no art.º 20.º , da CRP , tem sido configurado como não impondo o esgotamento de todas as instâncias de recurso que a lei preveja , podendo o legislador ordinário determinar a irrecorribilidade de decisões da Relação para o STJ

O nosso sistema de recursos não abdica , na verdade , de  um duplo grau de jurisdição  em matéria penal , aliás   de acordo com o art.º 14.º n.º 5 , do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos , aprovado para ratificação pela Lei n.º 29/78 , de 12/6 ,  que não impõe  um triplo grau de  jurisdição de recurso

Em consonância o art.º 5.º n.º 4 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem limita-se ,  e só , a assegurar o direito de qualquer pessoa condenada em pena de prisão ou a detenção a ver reexaminada a sua causa por um tribunal hierarquicamente superior .

O direito ao recurso inscreve-se no leque dos direitos fundamentais do arguido , no art.º 32.º , da CRP ,  e foi  consagrado  pela revisão constitucional de 1997 ,  enquanto afirmação de um “ due process of law” , já que o Estado não deve limitar-se a afirmar a  sua superioridade sobre o condenado , detendo o poder punitivo , sem assegurar àquele o direito ao reexame da questão por um outro tribunal , situado num plano superior , oferecendo garantias de defesa e imparcialidade .

A repartição das competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal “ a quo “  e a gravidade da pena efectivamente aplicada.

A condenação pela Relação confirmando a condenação em penas inferiores a 5 anos de prisão em 1.ª instância , na hipótese de dupla conforme , que é um mecanismo de que o legislador lança mão por uma questão de economia processual  e de pragmatismo , por a coincidência expressar um forte grau de certeza e respeitar a delitos de pequena e média criminalidade , não legitima um duplo grau de recurso e mais um triplo de jurisdição .

Observe-se que a nova redacção  do art.º 400.º  , do CPP , introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , teve em mente, na linha de pensamento dominante na Proposta de Lei n.º 109/X,  “ restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal , substituindo-se a regra da admissibilidade do recurso em função da moldura da pena aplicável , concentrada no art.º 400.º n.º 1 als. e) e f) , do CPP na versão antecedente pela da pena concretamente aplicada.

Nessa linha de pensamento , não obstante a pena parcelar ser inferior a 5 anos e se registar dupla conforme mas a pena unitária exceder 8 anos, caindo-se num patamar excedente essa média gravidade  , já se autoriza o recurso para o STJ , mas limitadamente à apreciação da pena unitária .

É o que resulta da interpretação da lei , recorrendo ao seu o elemento histórico ,  a  “ ocasio legis “, expressa de algum modo naquela Proposta , conjugadamente com o elemento racional , dele destoante sendo uma interpretação que abstraia do bom senso  e da lógica, assente na visão sistémica da lei , com repúdio pela sua  análise isolada  , impondo-se  que as penas privativas de liberdade inferiores a 5 anos , atingido o crivo da Relação ,  não ascendam ao juízo censório do STJ porque a sua medida não respeita aos casos de maior merecimento penal, já porque o art.º 432.º n.º 1 c) , do CP, se directamente o não evidencia  pelo menos numa interpretação “ a contrario “ ele resulta .

E neste contexto só resta declarar a irrecorribilidade de todas as penas parcelares em que o arguido foi condenado todas elas inferiores a 5 anos de prisão , não já que se debruce sobre a pena unitária , por excedente àquele limite .

VIII . Com a incriminação pela prática de crime de abuso sexual de criança propõe-se o legislador  proteger a autodeterminação sexual , enquanto manifestação da liberdade individual ,de um modo muito particular , não pela presença da prática de actos sexuais a coberto da extorsão ou situação análoga , mas pela pouca idade da vítima , ainda que naquela prática consinta, por poder prejudicar gravemente o livre desenvolvimento da personalidade da vítima , por lhe falhar a maturidade , o desenvolvimento intelectual,  capaz de poder determinar –se com liberdade , responsabilidade , com pleno conhecimento dos efeitos e seu alcance do acto sexual de relevo , se consentido .

A lei presume o predito prejuízo pessoal , há uma convicção legal , é legítimo supor , presunção “ de juris et de jure “  que a criança não é livre para se decidir em termos de relacionamento sexual” ( cfr.Prof. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal , I , pág. 541 e Teresa Beleza , Jornadas , 1996 , 169).

A criança ainda não é capaz , atento o seu estádio de desenvolvimento, de prestar  um consentimento informado ante tais actos que violam a lei , tabus sexuais e normas familiares ; o abuso sexual configura , deste modo ,  “ uma relação que tem por base um diferencial de poder entre um adulto e uma criança , que devido à sua imaturidade é incapaz de se autodeterminar ( cfr. Cristina Soeiro , Subjudice , 2003 , n.º 26 , pág. 21) e cuja prática deixa , por vezes , irremediáveis sequelas com repercussão  pessoal , familiar e de integração social

Inscreve-se o crime nos crimes de perigo abstracto , pois praticado o acto sexual de relevo , está criado o risco , a possibilidade , de lesão daquele valor a tutelar , portanto à margem da possibilidade de um perigo concreto para o desenvolvimento físico ou psíquico do menor ter lugar , sem que com isto a integração pela conduta do tipo objectivo de ilícito fique arredada ( cfr. , ainda , Comentário cit. , pág. 543 ) .

IX . E quando a mesma vítima seja objecto de acções plúrimas de abuso não se está em presença de  um crime de trato sucessivo

O crime de trato sucessivo ( Ac. deste STJ de 2.10.2003, P.º n.º 2626, desta 3 .º Sec. ) mais comummente denominado de crime exaurido  e ,  na terminologia alemã ,   por delito de empreendimento ,  que  , como a falsificação de documentos e outros , fica perfeito com a comissão de um só acto , se excute só com ele , preenchendo-se com esse acto gerador o resultado típico ;  o conjunto das múltiplas acções  unifica-se  e é tratado como tal pela lei e jurisprudência .

O crime exaurido , seguindo-se a jurisprudência emanada do Ac. deste STJ  , de 18.6.98 , in CJ , STJ ,  98, TIII , pág. 168, é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução , independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto e em que a imputação dos actos múltiplos e sequentes é imputada a uma realização única.

Mas a incidência do tempo nesta unicidade não pode deixar de se fazer sentir e comprometê-la , até , se decorrer um largo hiato de tempo entre as múltiplas  condutas e se interceder  um novo momento volitivo a despoletá-las agora alheio  àquele que presidiu   e aglutinou  as primeiras e subsequentes ,  porém  fora  daquela primeira volição , hipótese que determina um concurso real de infracções , nos termos do art.º 30.º  n.º 1 , do CP .

É olhando à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente que se funda o critério de definição da unidade ou pluralidade de infracções  ,   escreve o Prof. Eduardo Correia ,  in Unidade e Pluralidade de Infracções , pág.96 .

A pluralidade de actos  ,   prossegue aquele penalista , in op. cit. , pág. 97 ,  só não determina uma pluralidade de acções típicas  na medida em que cada uma delas exprime um  puro explodir ou “ déclancher “ , mais ou menos automático ,  da carga volitiva correspondente ao projecto criminoso inicial  , ensinando as regras da psicologia que se entre os factos medeia um largo espaço de tempo os últimos da cadeia respectiva já não são a mera descarga dos primeiros , exigindo um novo processo deliberativo .

A distância temporal , a separar os actos , para o efeito de os unificar não é ilimitada , intervindo “ a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas “ no apuramento da renovação ou não do respectivo processo de motivação , ainda na teorização daquele eminente penalista , in op .cit., pág. 97 .

A conexão temporal necessária para aferir da existência da unidade de resolução deve , pois , ser aquela que de acordo com os dados da experiência psicológica , levam a aceitar que o agente executou toda a actividade psicológica sem ter de ter de renovar o processo psicológico .

No crime de trato sucessivo há uma só decisão criminosa enquadrando-se as plúrimas violações do bem jurídico no desenvolvimento dessa unidade resolutiva

X. O arguido praticou actos sexuais de relevo com a menor BB entre Maio e Agosto de 2008, atraíndo –a a sua casa a pretexto de lhe mostrar animais ,  encaminhando –a em 10/08/2008 Agosto para um barracão existente na sua propriedade ; entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha CC (então com 9/10 anos ) ao seu quarto , ora esta distanciação temporal entre a prática de actos sexuais -Maio a Agosto e 2 anos - aquela atracção e encaminhamento , afastam  , à luz das regras da experiência , que repousam em critérios de normalidade , de acordo com aquilo que usualmente sucede ( id quod plerumque accidit ) e as leis psicológicas , uma unidade resolutiva , antes impõem  uma sua renovação do processo volitivo , sendo irrelevante a homogeneidade de acções criminosas , que aponta, sendo plúrimo o juízo de censura e plúrimas as infracções .

É precisamente quando o agente toma essa resolução que a ineficácia da norma tem lugar e sendo assim que , sendo várias as resoluções , vários são os fundamentos para um juízo de censura, assentando na  falta de eficácia da norma , querida , devida e possível , no plúrimo domínio de representação e do processo de motivação fazendo  nascer o juízo de censura ( Cfr. , ainda , op. cit , pág. 94) , plúrimo no caso concreto , como as instâncias acolheram em julgamento .

De repudiar a prática de crime continuado ( art.º 30.º n.º 2, do CP ) que repousa numa pluralidade de acções criminosas , em obediência a um plano criminoso executado,  de forma substancialmente homogénea , sendo o mesmo o crime ,praticado  no âmbito de uma solicitação exterior,  diminuindo de forma considerável a culpa do agente, que , por isso , a lei unifica sob a égide de uma única infracção .

A solicitação criminosa partiu do arguido , foi ele que, sendo vizinho e tendo ascendente sobre as crianças ,  a criou , atraindo e encaminhando as suas vitimas para a prática de reiterados actos libidinosos , num quadro de elevada censura penal , sem diminuição considerável da sua culpa , incompatível , aliás , num quadro de ofensividade de bens de cunho eminentemente pessoal , como fez questão de realçar o n.º 3 , do art.º 30.º , na redacção conferida pelo art.º Lei n.º 40/10 , de 3/9 , revogando o antecedente , introduzido pela Lei n.º 59/2007 , de 4/9 , ao dispor que a norma esquematizando o crime continuado se não aplica aos crimes praticados contra bens pessoais salvo tratando-se da mesma pessoa, redacção de todo incompreensível pela injusta compressão de direitos fundamentais  a que conduzia, legitimando uma menor protecção penal quando mais se impunha pelo número de ilícitos nela praticados , havendo por isso que atalhar o pensamento do legislador no sentido de uma interpretação restritiva que afirmasse abertamente o concurso real , como genericamente era jurisprudência deste STJ .

Essa norma  na redacção introduzida pela Lei n.º 59/07 foi alvo de acesa contestação pelo seu desacerto sobretudo nos casos em que sobre  a vítima se exercia um poder de tutela , curatela , dependência hierárquica e relação familiar , onde a culpa era , exactamente , mais exacerbada , atentando –se gravemente contra a dignidade humana -cfr  a Circular Interna  da PGR n.º 2 /2008-DE , de 9.8.2008 - que anotou que tendo presente a  errada divulgação da notícia pelos mais díspares meios de comunicação social de   que a norma do n.º 3 viria permitir uma punição leve dos abusadores sexuais, fez questão de significar que   “ as críticas conhecidas não abalaram o entendimento firmado de décadas , em que  actualmente em caso de sucessão de atentados a punição é a de concurso real “  , portanto , na opinião  actual do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque , Comentário do Código Penal , 2.ª ed. , pág. 162 , sendo inadmissível a punição de tais crimes , tutelando bens eminentemente pessoais como um único crime de “ trato sucessivo” , como que se ficcionando um dolo inicial que engloba todas as acções , entendimento fora de questão por tal ficção constituir uma fraude ao legislador que revogou , em parte , a norma do n.º 3 em alusão , agora amputada de tal segmento .

Sendo bens eminentemente pessoais o conceito de crime continuado está afastado –cfr. Iescheck , Tratado de Derecho  Penal , I , Parte Generale , I , ed. Bosh , pág. 652 e segs e Acs. deste STJ , de 10.9.2007 , in CJ , STJ , Ano XV, TIII,  193 e de 19.4.2006 , in CJ , STJ ,Ano XIV, TII , 169.

O crime continuado igualmente é de excluir ainda porque sempre que a reiteração criminosa , menos que a uma disposição exterior se deva a uma certa tendência da personalidade do criminoso , não pode falar-se de atenuação de culpa , teoriza o Prof. Eduardo Correia , in op . cit ., pág. 251 .

E esse é o caso em que o arguido , homem adulto , de 46 anos na data dos factos levados a cabo na pessoa da CC e 52 na data dos factos cometidos na menor BB ,  que atraiu as crianças para satisfação de paixões lascivas , prevalecendo-se daquele condicionalismo de proximidade e ascendência , não o favorecendo a alegação , de resto indemonstrada , que foi procurado para o efeito pela BB , então com 6 anos , além de que jurídico-penalmente sem relevo.

Conforme a regra geral , aqui sem desvio ,  em síntese , o número de crimes afere-se pelo número de vezes que a conduta do agente  realiza o tipo legal( concurso real )  ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente ( concurso ideal )   –art.º 30.º n.º 1 , do CP-, havendo para tanto que recorrer às noções de dolo e de culpa , ou seja ,tantas vezes quantas as que a eficácia da norma típica é posta em crise  ou seja incapaz de dissuadir a conduta antijurídica , sendo de  afirmar o concurso real quanto ao arguido .

XI . Resta , agora , a medida concreta da pena de concurso :

Ao legislador incumbe fornecer ao julgador uma directriz o mais precisa possível sobre os critérios de que este deve socorrer-se na determinação concreta e  escolha da pena , operação complexa , tanto mais que se trata de converter factos em quantitativos penais, sendo  essa cooperação entre o juiz e o legislador na determinação jurídico-constitucionalmente vinculada , opondo-se a uma actividade discricionária .

E tal como sucede com a aplicação do direito , relevam regras de direito escritas e não escritas , elementos normativos e descritivos , actos cognitivos e puras valorações , representando o abandono definitivo do dogma da “ arte “  de julgar , da desvinculação , para se entrar na juridificação da determinação da pena , no dizer do Prof. Figueiredo dias , in Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , pág. 195 .

Em face do que se expõs , o arguido incorreu na prática de 6 crimes de abuso sexual de criança , na pessoa da menor BB , p.e . p pelo art.º 171.º n.º 1 , do CP , versão actual,  e 5 de abuso sexual de criança ,previstos e puníveis pelo art.º 172.º , n.º 1 , do CP , na versão reinante em  2001 /2002 , na redacção actual , no citado art.º 171.º n.º 1 , do CP , na pessoa da CC , em ambos os regimes com a pena de prisão de 1 a 8 anos de prisão, aplicando  a 2 daqueles crimes cometidos na pessoa da BB  2 anos de prisão por cada e 3 anos de prisão pelos restantes 4 e a cada um dos 5 crimes de que foi vítima a CC 18 meses de prisão .

O Colectivo na distinção , partindo da identidade da moldura penal nos dois sistemas em sucessão , ponderou a diferença de idade , de 6 anos quanto à BB e a de 9/10 quanto à CC , o modo de execução em que  o arguido colocou a BB no seu colo e fez com que o corpo desta roçasse o seu pénis, agarrando-a, dando-lhe beijos e roçando a vagina daquela no pénis, por cima das calças, acabou por ejacular; numa outra ocasião, voltou a roçar a vagina daquela no pénis e acabou por ejacular,outra vez levou BB para o quarto, deitou-a na cama, despiu-a completamente, despiu-se a si próprio, mantendo-se em cuecas, agarrando, beijando e acariciando o corpo de BB. Acto contínuo, o arguido retirou as suas cuecas e roçou o pénis erecto no meio das pernas daquela, roçando-o na vagina, acabando por ejacular.

Em três outras ocasiões (uma das quais em 10/08/2008) o arguido encaminhou BB para um barracão existente na sua propriedade, no interior do qual deitou aquela sobre um cartão, despiu-a, despiu‑se a si próprio e com o pénis erecto roçou-o na vagina daquela enquanto a acariciava com as mãos nos seios, acabando por ejacular.

            Entre 2001 e 2002, o arguido, por cinco ou seis vezes, atraiu a sua vizinha CC (então com 9/10 anos) ao quarto, onde a despia, acariciando-lhe os seios.

A distinção é razoável , não arbitrária , consentida e legítima porque são mais graves , e em crescendo , os actos de lascívia praticados na pessoa da BB do que na pessoa da CC , com mais idade , despindo-a e acariciando-lhe os seios .

O dolo , a intenção criminosa manifestada pelo arguido porque reiterada no tempo , é intenso .

O modo de execução , a forma como delas abusou , atraindo-as ao local propício , sem outro objectivo que não fosse a satisfação da sua lascívia , o número de vezes , actua um grau de ilicitude ,de desvalor da acção e resultado em grau elevado .

O abuso sexual de crianças repugna à consciência colectiva , tanto no plano ético como moral , por  um lado por ser um grave atentado a seres indefesos , salutar e desejável , em termos de interesse comunitário , que as crianças cresçam e se desenvolvam harmonicamente , por outro por ser frequente a prática de crimes desta natureza , gerando graves consequências à pessoa das vítimas , e também alarme e intolerância social , ataque à paz social ,não se dispensando  uma intervenção firme dos tribunais , como forma de apaziguar o tecido social afectado e demover potenciais delinquentes .

Quer a prevenção geral quer especial concorrem com particular exigência punitiva

Ao nível da prevenção especial , de reincidência , subsiste forte receio de repetição do acto , pelo que a pena deve desempenhar uma função de emenda , de interiorização das consequências , que o arguido ainda não tomou , porque mediando alguns anos entre o abuso cometido na pessoa da CC reitera criminosamente na pessoa da BB, para além de sobre aquela praticar cópula , lhe tirar fotografias semi-despida , o que não sendo havido como crime não deixa de por a nu um certa dificuldade em controlar os seus impulsos sexuais .

O acórdão recorrido , neste domínio , consigna que o arguido , apesar do tempo decorrido –cfr.fls . 405-“ não apresenta qualquer indício de arrependimento , agravante com significativo peso “, sendo que aceita os factos quanto à BB , mas declarando que ela o procurou , negando-os na totalidade quanto à CC , que lhe aponta o seu desfloramento .

O arguido é , pois , portador de uma personalidade desconforme aos valores socialmente reinantes , a merecer educação para o direito, bastando atentar que em 2001 /2002 abusou sexualmente da CC  e em 2008 reiterou na pessoa da BB .

Não obstante terem decorrido perto de 10 anos sobre a data dos factos praticados na pessoa da CC e 4 quanto à menor , essa circunstância , apesar de não poder considerar-se muito tempo, não atenua a culpa ,  a ilicitude e nem a necessidade de pena ajustada

Este tipo de crimes pela sua gravidade perdura na consciência colectiva , o decurso do tempo não apaga a necessidade de censura

O seu comportamento anterior não pode reputar-se de bom , tanto mais que já sofreu uma condenação anterior por furto .

A pena única é de fixar entre 3 e 23 anos e 6 meses de prisão , considerando , ainda , o conjunto global dos factos e a personalidade do agente –art.º 77.º n.ºs 1 e 2 , do CP .

O regime legal de formação da pena de concurso afasta o regime de absorção puro postulando a aplicação da pena mais grave , como , ainda , o princípio da exasperação ou agravação , de punição do concurso de acordo com a moldura abstracta do crime mais grave , para se centrar no princípio da acumulação , em que o conjunto das penas força à construção de uma nova pena  , na base de uma operação intelectual centrada  agora , em critérios especiais , que arrancam  da consideração dos factos no seu  conjunto e  da personalidade do agente .

Essa nova pena obriga a uma nova fundamentação, sem o rigor e a extensão dos pressupostos  enunciados no art.º 71.º , do CP ,  mas ainda assim se evitando uma actuação mecanicista do julgador , que pode ter como meros  “ guias “ os critérios já adoptados na fixação das penas parcelares , mas agora referidos ao conjunto dos factos e à personalidade do agente  , a uma outra realidade jurídica , por isso mesmo sem ofensa ao princípio da proibição da dupla valoração –cfr. Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime, 293/294 , do Prof. Figueiredo Dias . 

O conjunto dos factos fornece , segundo aquele insigne  penalista , a gravidade do ilícito global , sendo decisiva a conexão e o tipo de conexão entre os factos , para a avaliação da personalidade , que é a medida da conformação do ser humano ao ordenamento jurídico-penal , a sua conformação vivencial do ponto de vista ético-jurídico , importa relevar se o conjunto dos factos exprime uma carreira criminosa , uma tendência para o crime ou se , pelo contrário , o facto criminoso, é , no percurso vital , um mero acidente, que não radica na sua personalidade , sendo de grande relevo a análise do efeito previsível da pena no comportamento futuro –cfr.op e loc. cit.

O arguido ainda não evidencia uma tendência para o crime , mas a pluriocasionalidade demonstrada é preocupante , o conjunto global dos factos grave , atento o modo de execução e a sua reiteração , fortes razões de prevenção geral atenta a sua prática frequente e especial, em que avulta falta de preparação para manter conduta lícita , os sentimentos revelados de puro propósito de satisfação dos seus desejos sexuais , sem respeito pela idade das crianças e consideração do sofrimento alheio , a sua personalidade embotada , convivendo sem rebuço com a ofensividade a bens ou valores jurídicos , que reclamam geral observância ,  justificam , pois , a pena de conjunto por que foi condenado, o que exclui a aplicabilidade de pena de substituição , designadamente suspensa na sua execução , nos termos do art.º 50.º n.º 1 , do CP , improcedendo o recurso , somente havendo que , por ser a lei vigente na data dos factos , e a pena ser idêntica à actual , a incriminação quanto aos 5 crimes praticados na pessoa da CC se faça pelo recurso ao art.º 172 .º n.º 1 , do CP , na redacção vigente antes da alteração actual vertida no art.º 171.º , do CP .

XII . Nega-se provimento ao recurso .

Taxa de Justiça : 7 Uc,s .






Armindo Monteiro (relator)
       Santos Cabral