Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10145/14.4T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: EMPRESÁRIO DESPORTIVO
CONTRATO DESPORTIVO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE MANDATO
INEXISTÊNCIA JURÍDICA
INEXISTÊNCIA DO NEGÓCIO
AUTORIZAÇÃO
FALTA DE REGISTO
LIGA PORTUGUESA DE FUTEBOL PROFISSIONAL
JOGADOR PROFISSIONAL
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
TEMPESTIVIDADE
RECURSO DE REVISTA
ABUSO DO DIREITO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
QUESTÃO NOVA
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DESPORTIVO - CONTRATO DE TRABALHO DO PRATICANTE DESPORTIVO - EMPRESÁRIOS DESPORTIVOS / REGISTO DA ACTIVIDADE DE INTERMEDIÁRIO ( REGISTO DA ATIVIDADE DE INTERMEDIÁRIO ).
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume VI, reimpressão, 1981, 69.
- ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, 2004, 488.
- CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, 457.
- I. GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, 356.
- MANUEL DE ANDRADE, Teoria da Relação Jurídica, II, 4.ª reimpressão, 1974, 414 e 415.
- MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2.º, 2001, 45.
- NUNO BARBOSA, O Desporto que os Tribunais Praticam, 2014, 365.
- PEREIRA COELHO, O Enriquecimento e o Dano, 2.ª reimpressão, 2003, 36.
- RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, II, 1972, 13.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 293.º, 334.º, 473.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 552.º, N.º 1, ALÍNEA D), 608.º, N.º 2, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C), D), 651.º, 674.º, N.º 3, 680.º, N.º 1, 682.º, N.º 2.
LEI N.º 28/98, DE 26 DE JUNHO: - ARTIGOS 22.º, N.º 1, 23.º, N.ºS 1, 2 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 24 DE SETEMBRO DE 1996, BMJ N.º 459, 474.
Sumário :
I. A junção de documentos com a revista tem caráter excecional (art. 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

II. Para além da autorização do exercício da atividade de empresário desportivo, este, em Portugal, tem ainda de estar registado na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga de Clubes de Futebol Profissional.

III. A falta de tal registo acarreta a invalidade do contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, celebrado com empresário desportivo, considerando-se o contrato juridicamente inexistente, por disposição expressa da lei (art. 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho).

IV. O regime da inexistência jurídica é incompatível com a verificação do abuso do direito.

V. Devendo o enriquecimento sem causa ser invocado nos articulados da ação, não pode a sua dedução ocorrer no momento das alegações da revista.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I – RELATÓRIO

       AA instaurou, em 18 de novembro de 2014, nos Juízos Centrais Cíveis da Comarca de L…, contra Clube – Futebol SAD, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 1 056 400,00, acrescida dos juros de mora vencidos, no montante de € 129 785,25, e dos juros vencidos a partir da citação até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua atividade de agenciamento de jogadores de futebol, com licença FIFA, celebrou com a R. um contrato de prestação de serviço, mediante o qual aquela reconheceu a sua intermediação na contratação do jogador de futebol, BB, enquanto representante dos interesses da R.; ficou estabelecido que a R. lhe pagaria o valor correspondente a 10 % da remuneração do contrato de trabalho desportivo do jogador, acrescido de 10 %, em caso de futura transferência, no montante global de € 891 900,00, assim como lhe seria paga uma comissão de 10 % sobre os direitos de imagem do jogador, no valor de € 164 500,00; esse pagamento não foi efetuado, apesar das suas interpelações.

Contestou a R., por exceção, alegando a inexistência e a nulidade do contrato, e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação. Subsidiariamente, e em reconvenção, a R. pediu que o A. fosse condenado a pagar-lhe a quantia de € 900 000,00, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos pelo incumprimento do contrato que o A. alega ter celebrado com a R.

Replicou o A., defendendo a validade do contrato e impugnando a reconvenção.

Identificado o objeto do litígio, enunciados os temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida, em 22 de setembro de 2016, a sentença, que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou da Ré a pagar ao Autor a quantia de € 891 900,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde 30 de março de 2013 até integral pagamento, e a reconvenção improcedente, absolveu o Autor do pedido reconvencional.

Inconformada, a Ré apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 16 de março de 2017, revogou a sentença e absolveu a Ré do pedido.

Inconformado, o Autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:

a) O acórdão da Relação encontra-se ferido de nulidade, por contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito e o segmento decisório, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.

b) O Recorrente encontra-se registado na Federação do …., aí tendo obtido, em 2008, a licença válida e em cumprimento dos regulamentos da FIFA.

c) Não obstante, residiu no país no qual obteve a licença, pelo menos, dois anos.

d) O pensamento do legislador, nomeadamente da Lei n.º 28/98, de 26 de junho, foi claro ao estabelecer que podem exercer a atividade de empresário desportivo, tanto as pessoas singulares como coletivas, e que estejam autorizadas por entidades desportivas, “nacionais ou internacionais competentes”.

e) O contrato de mediação é uma modalidade do contrato de prestação de serviço.

f) A retribuição é sempre devida em função do serviço prestado.

g) O Recorrente estava munido de poderes de representação da Recorrida, representando os seus interesses na celebração do contrato de trabalho desportivo com o jogador BB.

h) Caberia à Recorrida verificar desses mesmos poderes e credenciação – o que sucedeu e levou à assinatura do contrato.

i) Ainda que fosse nulo, encontram-se reunidos todos os pressupostos da conversão do negócio, nos termos do art. 293.º do CC.

j) O acórdão encontra-se ainda ferido de nulidade, por omissão de pronúncia sobre duas questões elencadas e fulcrais para a boa decisão da causa, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

k) A Recorrida incorreu em abuso do direito, dada a prestação de serviço solicitada, a vinculação ao pagamento e a posterior recusa com base num vazio trazido pela parte obrigada ao cumprimento.

l) A Recorrida beneficiou do jogador e retirou benefício do mesmo.

m) Não obstante o enriquecimento sem causa não tenha sido alegado na petição inicial, os factos provados permitem, como ultima ratio, subsumir-se neste instituto, que, sendo matéria de direito, pode ser apreciada e decidia pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Com a revista, o Recorrente pretende a declaração da nulidade do acórdão recorrido e a condenação da Ré nos termos constantes da sentença.

Contra-alegou a Ré, no sentido de ser mantida integralmente a decisão recorrida.

O Tribunal da Relação limitou-se a admitir o recurso (fls. 487).

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Neste recurso, para além das nulidades do acórdão, está essencialmente em discussão a validade do contrato e o seu incumprimento.

II – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1. O A. dedica-se, com caráter habitual e escopo lucrativo, ao
agenciamento de jogadores de futebol, encontrando-se registado como intermediário na contratação de praticantes desportivos, com licença de Agente de futebol n.
º 04/09/FBF/SG, pela Federação de Futebol do ….

2. A R. dedica-se à atividade desportiva, com carácter habitual e fim lucrativo, cuja principal modalidade é o futebol.

3. Entre a R. e BB foi celebrado um contrato denominado de “trabalho desportivo”, datado de 2 de julho de 2012, cuja cópia se encontra a fls. 20 a 25, prevendo-se, além do mais, que “o jogador declara que se encontra apto para representar oficialmente a ... SAD, a partir de 1 de julho de 2012, garantindo a inexistência de quaisquer restrições de caráter disciplinar ou regulamentar para a efetiva prestação da sua atividade profissional, ora contratada, e que é um jogador livre, sem vínculo laboral e/ou desportivo com outro clube”.

4. Prevendo-se ainda que a ... SAD obriga-se a pagar ao jogador a “(...) seguinte remuneração ilíquida: a) Época desportiva de 2012/2013: € 1 248 000,00 (...); b) Época desportiva de 2013/14: € 1 596 000,00 (...); c) Época desportiva de 2014/15: € 1 860 000,00 (...); d) Época desportiva de 2015/16: € 2 100 000,00 (...); e) Época desportiva de 1016/17: € 2 391 000,00”.

5. Mais se previu no contrato que “para efeitos do (…) contrato, as partes declaram que o Agente AA, licença n.º 04/09/FBF/SG, representou os interesses da Sporting SAD, enquanto o jogador se fez representar pelo seu pai e representante legal, CC, portador do passaporte holandês n.º NM …, válido até março de 2013”.

6. O A. teve intervenção no âmbito do referido contrato como intermediário entre a R. e o jogador, em representação daquela.

7. Foi assinado um contrato nos mesmos termos, a fls. 192 a 197, mas cuja data é de 3 de janeiro de 2012.

8. Com a mesma data, foi ainda assinado pelas mesmas partes, um documento denominado “adenda ao contrato de trabalho do Sporting”, em língua inglesa, a fls. 26 a 28, nos termos do qual se previu: “2. Considerando a celebração do contrato de trabalho desportivo por cinco épocas, a Sporting SAD deve pagar ao jogador a quantia total de € 495 000,00”.

9. Os mesmos outorgantes, a 4 de janeiro de 2012, subscreveram um documento redigido em língua inglesa, a fls. 29 a 42, denominado “Acordo de Direitos de Imagem”, no qual se prevê, além do mais, que “a taxa de licença terá a soma total de € 1 645 000,00”.

10. A 19 de março de 2013, o A. enviou via fax e correio registado, uma carta de interpelação da R. para pagamento de € 1 200 000,00, no prazo de dez dias, referindo-se que se reporta “aos serviços prestados aquando da contratação (…) do jogador BB”.

11. Em 21 de agosto de 2013, foi enviada nova carta, via fax e correio registado, a interpelar a R. para pagamento da quantia referida, no prazo de 48.00 horas.

12. A R. respondeu nos termos constantes de fls. 50, dizendo que não existia qualquer valor em dívida, por não existir qualquer contrato realizado relativo à aquisição do jogador BB.

13. Aquando do contrato celebrado entre a R. e o jogador, era usual o pagamento ao agente de futebol envolvido no negócio ser de 10 % do valor do contrato, tendo sido esta a percentagem acordada entre as partes.

14. Por e-mail de 4 de julho de 2012, a R. e o P... .... estabelecem um acordo que visa pôr termo ao conflito existente entre eles nos termos constantes de fls. 167.

15. Com data de 27 de julho de 2012, a R. e o P... celebraram o acordo de fls. 80 v. a 82, nos termos do qual, além do mais, se referiu que “considerando: que o jogador BB, nascido a 9 de março de 1993, adiante designado por “o jogador” pretende ir jogar para o Sporting, a partir de 1 de julho de 2012; Que o P... e o .... têm opiniões opostas em relação à relação contratual existente entre o P... e o jogador, e estavam prestes a entrar em litígio; Que o P... e o .... acordaram numa compensação conforme indicado na carta de julho de 2012, carta essa que foi assinada por ambas as partes, pondo um ponto final ao conflito; Que as partes acordaram especificar os detalhes no presente acordo”.

16. Previu-se, assim, no art. 1.º de tal acordo, sob a epígrafe “Compensação” que “o .... pagará ao P... o seguinte: a) Compensação por formação FIFA no montante de € 400 000,00 (...). b) O reembolso dos bonus pagos ao jogador no montante de € 500 000,00 (...). d) O ... acorda em pagar ao P... o montante líquido de € 100 000,00, como prémio na primeira vez em que o ... se qualificar para a fase de grupos da Liga dos Campeões da UEFA durante o período em que o jogador se encontrar sob contrato com o Sporting (...). e) O ... pagará os montantes referidos (…) após a receção das faturas correspondentes enviadas pelo P... (...) ”, e, no Art. 2.º, que “em caso de transferência subsequente do jogador do Sporting para outro clube, o P... terá direito a 10 % da compensação líquida em relação com esta transferência (...) ”.

17. Com data de 8 de janeiro de 2014, foi celebrado entre a R. e o jogador BB o contrato de trabalho desportivo de fls. 200 a 205.

18. Entre o jogador e a R. foi ainda, na mesma data, subscrito um “acordo quanto às disputas relacionadas com contrato de direitos de imagem”, a fls. 209 e 210.

19. Na mesma data, foi ainda subscrito pela R., o jogador e o B.V.Vitesse, um denominado “contrato de empréstimo”, a fls. 214 a 218.

20. Com data de 1 de fevereiro de 2016, entre a R., o jogador e .... Football Club Limited, foi subscrito o denominado “contrato celebrado no dia 1 de fevereiro de 2016”, a fls. 221 a 229.


***

2.2. Delimitada a matéria de facto, expurgada de redundâncias, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, nomeadamente da nulidade do acórdão recorrido, por oposição entre os fundamentos e a decisão e omissão de pronúncia, da validade do contrato, do seu incumprimento, do abuso do direito e do enriquecimento sem causa.

Antes, porém, impõe-se conhecer da questão prévia da junção de documentos com as alegações da revista, nomeadamente dos documentos de fls. 410 a 415, suscitada especificamente pela Recorrida na sua contra-alegação.

De harmonia com o disposto no art. 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), com as alegações da revista podem juntar-se documentos supervenientes, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art. 674.º e do n.º 2 do art. 682.º do CPC.

Esta norma, decalcada do art. 727.º do CPC/1961, é de aplicação muito rara, dada a limitada utilidade que, a nível do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode ter a junção de documentos. Na verdade, o Supremo não pode alterar a decisão quanto à matéria de facto, a não ser no caso de ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos do disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC.

Aliás, a problemática já vem de longe, nomeadamente do CPC/1939, quando se admitiu, como excecional, a junção de documentos com a revista, nomeadamente da “junção de certidões de decisões proferidas posteriormente ao acórdão de que se recorre, ou documentos autênticos nas mesmas condições, não para o Supremo poder revogar a matéria de facto dada como provada, mas para tirar conclusões de direito, sempre sujeitas à regra geral da competência” (ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Volume VI, reimpressão, 1981, pág. 69, e acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de setembro de 1996, BMJ n.º 459, pág. 474).

A junção de documentos com a revista tem, manifestamente, caráter excecional, em grau mais elevado do que na apelação (art. 651.º do CPC).

O Recorrente, como se referiu, juntou os documentos de fls. 410 a 415, uma declaração emitida em 21/03/2017, um certificado de residência emitido no ... em 26 de abril de 2017 e uma declaração emitida em 31 de março de 2017.

Trata-se de documentos particulares, sem força probatória plena, não sendo suscetíveis de poder fundamentar o erro no âmbito do direito probatório material (art. 674.º, n.º 3, do CPC).

Neste contexto, não estando em causa a ofensa de norma de direito probatório material, apresenta-se inútil e indevida a junção de tais documentos com a revista, devendo ser desentranhados do processo.

Assim, não se admite a junção dos documentos de fls. 410 a 415, determinando o seu desentranhamento do processo.

2.3. O Recorrente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, por contradição entre a decisão e a fundamentação, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, “por errónea interpretação dos factos e respetiva subsunção do direito”.

Na verdade, a decisão judicial deve corresponder ao corolário lógico resultante da especificação dos fundamentos de facto e de direito, que funcionam como suas premissas.

O acórdão recorrido, na procedência da apelação, decidiu absolver a Recorrida do pedido, depois de ter considerado o contrato invocado na ação inexistente. Formalmente, a decisão está em inteira conformidade com a fundamentação, designadamente no âmbito do direito, não se surpreendendo qualquer vício lógico.

A eventual desconformidade com o direito aplicável, por erro na sua aplicação, a existir, não afeta, sob o ponto de vista formal, o acórdão recorrido.

Por outro lado, o Recorrente arguiu também a nulidade do acórdão, nos termos do art. 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, por omissão de pronúncia, quanto às alegadas questões da remuneração e à insuficiência factual da atividade do Recorrente.

Efetivamente, no âmbito dos seus poderes de cognição, a Relação está obrigada a conhecer do objeto do recurso, delimitado pelas respetivas conclusões, sob pena de nulidade do acórdão.

A questão essencial, na apelação, circunscrevia-se ao contrato invocado na ação, que o acórdão recorrido considerou como inexistente. Perante esta conclusão, naturalmente que os termos concretos do contrato, incluindo o da remuneração, ficaram prejudicados pela solução dada quanto à validade do contrato, em conformidade com o disposto no n.º 2 do art. 608.º do CPC, como aliás se consignou expressamente no acórdão recorrido.

Neste contexto, no acórdão recorrido, conhecendo-se integralmente do objeto da apelação, não se omitiu o dever de pronúncia e, por isso, não padece da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

Nestes termos, improcede a arguição de nulidade do acórdão recorrido.

2.4. O acórdão recorrido, divergindo da sentença, absolveu a Recorrida do pagamento da quantia de € 891 900,00, acrescida dos juros de mora legais, desde 30 de março de 2013 até integral pagamento.

O Recorrente insurge-se contra essa absolvição, defendendo a validade do contrato (prestação de serviço atípico ou de mediação) ou invocando o abuso do direito e, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa, para concluir que tem direito ao valor pecuniário decidido na sentença.

Por sua vez, a Recorrida acompanha a fundamentação e a decisão do acórdão recorrido.

Identificada, sumariamente, a posição de cada uma das partes quanto à questão material controvertida, interessa ver qual o direito aplicável aos factos, tendo em conta os elementos objetivos que caracterizam a ação instaurada.

 

O Recorrente invoca, na ação, o incumprimento de um contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, nomeadamente no âmbito desportivo (futebol), celebrado entre si e a Recorrida, por falta de pagamento da respetiva remuneração.

Como resulta da materialidade provada, o Recorrente teve intervenção, como intermediário entre a Recorrido e o jogador, em representação daquela, nomeadamente, no contrato denominado de “trabalho desportivo”, de 2 de julho de 2012, celebrado entre a Recorrida e o jogador, BB, sendo que o Recorrente se dedica, com caráter habitual e escopo lucrativo, ao agenciamento de jogadores de futebol, encontrando-se registado como intermediário na contratação de praticantes desportivos, com licença de agente de futebol n.º 04/09/FBF/SG, pela Federação de Futebol do ….

Na verdade, na relação jurídica estabelecida entre o Recorrente e a Recorrida, configura-se um claro contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, tendo por finalidade a celebração de um contrato desportivo entre a Recorrida e um jogador de futebol.

Essa relação jurídica, no entanto, não terá sido reduzida a escrito, embora o mencionado contrato de “trabalho desportivo”, reduzido a escrito, se lhe refira expressamente.

Identificado o fim da relação jurídica e a qualidade com que o Recorrente nela interveio, coloca-se, desde logo, a questão da validade da relação jurídica, e que suscitou distinta solução das instâncias, como anteriormente se especificou.

Nesse âmbito, e à data dos factos, sobressai o regime jurídico constante da Lei n.º 28/98, de 26 de junho (entretanto, revogada pela Lei n.º 54/2017, de 14 de julho), designadamente sobre o contrato de trabalho do praticante desportivo, com capítulo especificamente dedicado aos “empresários desportivos” ou “agente de jogadores”.

 O empresário desportivo, para o exercício da sua atividade, carece de autorização das entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes (art. 22.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98).

Efetivamente, o Recorrente dispõe de tal autorização, porquanto possui licença de agente de futebol emitida pela Federação de Futebol do ….

Todavia, os empresários desportivos que pretendam exercer a atividade de intermediários na contratação de praticantes desportivos devem ainda registar-se como tal junto da federação desportiva da respetiva modalidade, que, para o efeito, deve dispor de um registo organizado e atualizado (art. 23.º, n.º 1, da Lei n.º 28/98).

Por outro lado, nas federações desportivas onde existam competições de caráter profissional tal registo será igualmente efetuado junto da respetiva liga (art. 23.º, n.º 2, da Lei n.º 28/98).

Perante estas disposições normativas, para além da autorização do exercício da atividade de empresário desportivo, este, em Portugal, tem ainda de estar registado na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga de Clubes de Futebol Profissional.

Este registo, nos termos da lei, constitui uma condição essencial para a validade dos contratos de agenciamento desportivo celebrados pelo respetivo agente (NUNO BARBOSA, O Desporto que os Tribunais Praticam, 2014, pág. 365).

Na realidade, “os contratos de mandato celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no registo referido (…), bem como as cláusulas contratuais que prevejam a respetiva remuneração pela prestação desses serviços, são considerados inexistentes” (art. 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98). Deste modo, a falta de tal registo acarreta a invalidade do contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, celebrado com empresário desportivo, considerando-se o contrato juridicamente inexistente, nomeadamente por disposição expressa da lei. Trata-se, com efeito, de uma assinalável exigência legal, justificada pela enorme relevância social do setor desportivo e pelas enormes e, por vezes, astronómicas quantias pecuniárias envolvidas, a requererem um empresário ou agente desportivo especialmente idóneo.

A inexistência jurídica, aceite largamente pela doutrina, não tem consagração geral no nosso sistema jurídico.

Contudo, o Código Civil (CC), a propósito do casamento, faz referência à inexistência jurídica (arts. 1628.º e 1630.º), assim como também a aflora no caso das declarações não sérias (art. 245.º) e da falta de consciência da declaração e coação física (art. 246.º).

Sendo inexistente, o negócio jurídico não produz qualquer efeito jurídico, como se reconhece, nomeadamente, no disposto no art. 1630.º, n.º 1, do CC, permitindo a distinção com a nulidade, onde ainda podem produzir-se alguns efeitos jurídicos (CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª edição, 2001, pág. 457, I. GALVÃO TELLES, Manual dos Contratos em Geral, 4.ª edição, 2002, pág. 356, e MANUEL DE ANDRADE, Teoria da Relação Jurídica, II, 4.ª reimpressão, 1974, págs. 414 e 415).

Reconhecida a inexistência jurídica do negócio jurídico, este não é suscetível de produzir qualquer efeito jurídico.

No caso vertente, o Recorrente apenas provou estar autorizado a exercer a atividade de empresário desportivo, mas não que estivesse registado na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga de Clubes de Futebol Profissional, como exigido pelo disposto no art. 23.º, n.º s 1 e 2, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho.

Neste contexto, não obstante a materialidade do negócio jurídico, este é totalmente inválido e, como tal, juridicamente inexistente, nos termos considerados no art. 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98. Perante a regulação normativa tão categórica, não sobra espaço para a dúvida que, por vezes tem tido eco, quanto ao tipo de invalidade do negócio jurídico.

Face à sua inexistência jurídica, tal negócio não produz qualquer efeito jurídico, como é próprio do seu regime.

Consequentemente, sendo juridicamente inexistente o contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, não podem advir da sua celebração quaisquer direitos e obrigações, sendo irrelevante o incumprimento imputado.

Perante a inexistência jurídica do contrato, que difere da nulidade, é completamente despropositada a invocação do abuso do direito, que o Recorrente também alega, embora com referência a um contrato nulo, por inobservância da forma escrita, que reconhece ter havido.

O regime da inexistência jurídica é incompatível com a verificação do abuso do direito, tal como este é definido pelo art. 334.º do CC. Com efeito, não podendo, por efeito da inexistência jurídica, o negócio jurídico celebrado produzir qualquer efeito jurídico, obviamente que não pode, através do instituto do abuso do direito, produzir os efeitos jurídicos que, de outro modo, nunca produziria.

O regime da inexistência jurídica, por outro lado, também é incompatível com a conversão do negócio jurídico, sendo inaplicável, ao caso, o regime da conversão previsto no art. 293.º do CC, pois a conversão, como facilmente se intui, apenas pode ser aplicada ao “negócio nulo ou anulado”, o que não sucede no caso, visto o negócio, por expressa remissão da lei, ser inexistente.

  

Subsidiariamente, para fundamentar a sua pretensão, o Recorrente invoca ainda o enriquecimento sem causa, com a discordância expressa da Recorrida.

Na verdade, como fonte autónoma de obrigações, o art. 473.º do CC prevê o enriquecimento sem causa, o enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia, sendo certo que a obrigação de restituir aquilo que se adquiriu sem causa corresponde a uma necessidade moral e social, com vista ao restabelecimento do equilíbrio injustamente quebrado entre patrimónios e que, de outro modo, não era possível obter-se (RODRIGUES BASTOS, Das Obrigações em Geral, II, 1972, pág. 13, e MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, 2.º, 2001, pág. 45). Por isso, se atribui à ação de enriquecimento sem causa o fim de remover o enriquecimento do património do enriquecido, transferindo-o ou deslocando-o para o património do empobrecido (PEREIRA COELHO, O Enriquecimento e o Dano, 2.ª reimpressão, 2003, pág. 36).

No entanto, por efeito do princípio do dispositivo, o enriquecimento sem causa, nomeadamente quanto aos seus requisitos, carece de ser alegado e demonstrado, assim como ao demandado deve ser dada oportunidade para contestar, em salvaguarda do processo equitativo.

Por isso, devendo o enriquecimento sem causa ser invocado nos articulados da ação, não pode a sua dedução ocorrer no momento das alegações da revista (surgindo também como uma questão nova). Com efeito, a causa de pedir deve ser exposta, nomeadamente na petição inicial, nos termos do disposto no art. 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC, levando sempre em consideração a substanciação.

Examinando a petição inicial, o Recorrente limita-se a alegar, como causa de pedir, o incumprimento do contrato de prestação de serviço celebrado com a Recorrida, sendo certo que, na identificação concreta do objeto do litígio (fls. 159v. e 160), também não foi incluído o enriquecimento sem causa.

Assim, o enriquecimento sem causa, como fonte autónoma de obrigações, não foi alegado na ação, não podendo, por isso, ser atendido.

Ao contrário do alegado, não se trata de uma mera qualificação jurídica dos factos, mas, mais do que isso, invocar, intempestivamente, diferente causa de pedir da ação.

De resto, na ação, não foi alegada a falta de causa da atribuição patrimonial, um dos três requisitos do enriquecimento sem causa, não bastando não provar a existência de uma causa da atribuição, sendo indispensável, ao invés, provar a falta de causa (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, I, 10.ª edição, 2004, pág. 488).

Nestes termos, para além do enriquecimento sem causa não poder já ser alegado, ainda assim estaria insuficientemente caracterizado, para poder ser atendido quanto à declaração dos seus efeitos jurídicos.

Assim, improcedendo totalmente a alegação, justifica-se a negação da revista.

   

2.5. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. A junção de documentos com a revista tem caráter excecional (art. 680.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

II. Para além da autorização do exercício da atividade de empresário desportivo, este, em Portugal, tem ainda de estar registado na Federação Portuguesa de Futebol e na Liga de Clubes de Futebol Profissional.

III. A falta de tal registo acarreta a invalidade do contrato de prestação de serviço, na modalidade de mandato, celebrado com empresário desportivo, considerando-se o contrato juridicamente inexistente, por disposição expressa da lei (art. 23.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98, de 26 de junho).

IV. O regime da inexistência jurídica é incompatível com a verificação do abuso do direito.

V. Devendo o enriquecimento sem causa ser invocado nos articulados da ação, não pode a sua dedução ocorrer no momento das alegações da revista.

2.6. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

Por outro lado, o Recorrente é ainda responsável pelo pagamento da multa resultante da indevida junção de documentos, nos termos dos arts. 443.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais, a qual se arbitra na quantia de 2 UC.

III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se:

1) Desentranhar do processo os documentos de fls. 410 a 415.

2) Negar a revista, confirmando a decisão recorrida.

3) Condenar o Recorrente no pagamento das custas e na multa de 2 (duas) UC.

Lisboa, 28 de setembro de 2017

Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

Sousa Lameira